Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 947/2024-T
Data da decisão: 2025-03-27  IRC  
Valor do pedido: € 114.534,23
Tema: IRC – Derrama municipal – Rendimentos obtidos no estrangeiro
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SUMÁRIO:

De acordo com o artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, a derrama municipal incide sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, que corresponda à proporção do rendimento gerado na área geográfica do município por sujeitos passivos residentes em território português, com exclusão de rendimentos provenientes de fonte estrangeira.

 

Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, Sofia Quental e João Pedro Rodrigues, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

A..., (doravante abreviadamente designada por “A...” ou “REQUERENTE”), com o número único de identificação de pessoa coletiva..., com sede na Rua ... n.ºs ... a ..., ...-... Lisboa, veio, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária” ou “RJAT”) e, bem assim, dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a V. Exa. a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL.

É Requerida a AT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 7 de agosto de 2024.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 25 de setembro de 2024, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O TAC encontra-se, desde 15 de outubro de 2024, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 3 de novembro de 2024.

Por despacho de 22 de novembro de 2024, o TAC proferiu o seguinte despacho:

“1. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito e a prova produzida é meramente documental.

2. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença. 

3. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, no prazo de 5 dias a contar desta notificação.

4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.

Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

 

  1. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

II.1      Posição da Requerente

 

A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:

  1. Os atos objeto do pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral são o indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativa ao assunto em epígrafe e, consequentemente, os atos de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), na componente de parte da derrama municipal suportada, relativos aos períodos de tributação de 2021 e 2022, na medida em que estas autoliquidações enfermam de ilegalidade por incluírem derrama municipal indevidamente suportada sobre parte do lucro tributável respeitante a rendimentos obtidos no estrangeiro, conforme se demonstrará adiante.
  2. Neste sentido, pretende a ora REQUERENTE submeter à apreciação do Tribunal Arbitral (i) a legalidade do indeferimento deste procedimento administrativo, na medida em que desatende o reconhecimento da ilegalidade (por indevida liquidação) daquela parte das autoliquidações de IRC (derrama municipal) referentes aos exercícios fiscais de 2021 e 2022 e (ii) a legalidade daquela parte das autoliquidações de IRC (derrama municipal) referentes aos exercícios fiscais de 2021 e 2022, mais especificando ilegalidade no que respeita ao montante total de € 114.534,23 (o qual é composto pelos montantes de € 65.023,67 e € 49.510,56 referentes ao período de tributação de 2021 e 2022, respetivamente).
  3. Em 6 de junho de 2022, a REQUERENTE submeteu a declaração periódica de rendimentos de IRC Modelo 22, com referência ao período de tributação de 2021, com o código de identificação n.º ... (cfr. Documento n.º 1).
  4. Conforme resulta daquela declaração, a REQUERENTE apurou um resultado fiscal positivo no montante de € 134.160.001,57 e, para o que aqui releva, uma derrama municipal no montante de € 2.012.400,02 ( 1), conforme nota de liquidação de IRC n.º 2022 ... (cfr. Documento n.º 2).
  5. Sucede que o lucro tributável sobre o qual a derrama municipal incidiu encontra-se influenciado por rendimentos auferidos no estrangeiro, no montante total de € 4.334.911,06, dando origem a um montante de derrama municipal excessivo no valor de € 65.023,67.
  6. No que concerne ao período de tributação de 2022, a REQUERENTE apresentou no dia 1 de junho de 2023 a respetiva declaração periódica de rendimentos de IRC Modelo 22, com o código de identificação n.º ... (cfr. Documento n.º 3).
  7. Conforme se poderá constatar na declaração em apreço, o REQUERENTE apurou um resultado fiscal positivo no montante de € 95.432.156,50 e, para o que aqui releva, uma derrama municipal no montante de € 1.431.482,35 ( 2), conforme nota de liquidação de IRC n.º 2023 ... (cfr. Documento n.º 4).
  8. Ora, o lucro tributável sobre o qual a derrama municipal incidiu encontra-se, de igual modo, influenciado por rendimentos auferidos no estrangeiro, no montante total de € 3.300.704,21, dando origem a um montante de coleta de derrama municipal excessivo no valor de € 49.510,56.
  9. Em suma, e para o que de seguida se peticionará, são relevantes os seguintes montantes apurados a título de derrama municipal:

 

  1. Da base de incidência da derrama municipal suportada nos períodos de 2021 e 2022 – Como é sabido, e conforme resulta do disposto do artigo 18.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, a derrama municipal que se encontra prevista no âmbito do Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais (“Regime Financeiro das Autarquias Locais”), configura-se como um verdadeiro imposto, incidindo sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC.
  2. Por sua vez, o valor da derrama municipal é apurado na medida da proporção do rendimento gerado na área geográfica de um determinado município, acrescendo ao IRC de cuja existência prévia depende que, não obstante ser cobrado pela AT, é transferida para o município titular daquele rendimento.
  3. Em concreto, e para o que aqui releva, a REQUERENTE liquidou derrama municipal sobre a totalidade dos respetivos lucros tributáveis apurados com referência aos períodos de tributação de 2021 e 2022, não podendo apurar este tributo de forma distinta, atentas as limitações inerentes ao sistema informático da AT.
  4. Com efeito, o próprio modelo oficial da Declaração Modelo 22, constante do site da AT, para efeitos de apuramento da derrama municipal nos termos do Anexo A, impõe a consideração do lucro tributável total apresentado no campo 302 do quadro 09.
  5. Não obstante, na opinião da REQUERENTE, aquelas declarações incluem um valor de derrama municipal que se revela excessivo.
  6. Tal resulta do facto de o lucro tributável apurado pela REQUERENTE se encontrar influenciado por rendimentos obtidos no estrangeiro, com natureza tal que os mesmos não poderão contribuir para a coleta apurada a título de derrama municipal, pelas razões e fundamentos que melhor se apresentarão de seguida.
  7. Neste contexto e, pretendendo ver a sua situação tributária retificada, no dia 20 de março de 2024 o A... deduziu reclamação graciosa contra os atos de autoliquidação de IRC referente aos períodos de tributação de 2021 e de 2022 (cfr. Documento n.º 5), meio através do qual procurou ver ressarcido o montante das derramas municipais suportadas por si naqueles anos correspondente aos rendimentos obtidos no estrangeiro.
  8. Não obstante toda a argumentação aduzida e documentação disponibilizada à AT, a REQUERENTE foi notificado do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
  9. No referido projeto de decisão de indeferimento, a AT sustenta sucintamente o seguinte:
    1. Nos termos do Regime Financeiro das Autarquias Locais, a derrama municipal, que é um imposto acessório ao IRC, tem como base de tributação, tal como este último, o lucro tributável de entidades residentes que exerçam, a um título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável que estão situadas em território português.
    2. O Regime Financeiro das Autarquias Locais não possui regras específicas para a determinação da derrama municipal, pelo que, na ausência de outra legislação sobre o tema, terão de ser tomadas em consideração as regras consagradas no Código do IRC, como o seu artigo 3.º – “Base de imposto”, o artigo 4.º – “Extensão da territorialidade” e ainda o artigo 17.º - “Determinação do lucro tributável”, incluindo, desta forma, a base tributável da derrama os rendimentos provenientes de fonte estrangeira, conforme defendido pela Direção de Serviços do IRC.
    3. Na legislação em vigor que disciplina a figura da derrama municipal não existe qualquer norma que exclua da base tributável rendimentos provenientes do estrangeiro, pelo que não se pode inferir um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei correspondência verbal.
    4. dDo Regime Financeiro das Autarquias Locais não consta qualquer exclusão de tributação relativamente à parte do lucro tributável obtido fora do território nacional, sendo que o Código do IRC estabelece a extensão da obrigação do imposto relativamente às pessoas coletivas e outras entidades com sede ou direção efetiva em território português, havendo assim, o englobamento da totalidade dos rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.
  10. Ora, atendendo ao facto de que a REQUERENTE já havia demonstrado a sua posição no que respeita à matéria jurídico-tributária em apreço e por não subsistirem novos factos àquela data, a mesma optou por não exercer o respetivo direito de audição prévia sobre a referida reclamação graciosa, tendo sido notificada, em 8 de maio de 2024, da respetiva decisão final de indeferimento (cfr.Documento n.º 6).
  11. Face ao exposto, e não obstante a REQUERENTE ter atuado de acordo com o procedimento imposto pela própria AT e o seu sistema informático, considera que o apuramento da derrama municipal se encontra excessivo no montante total de € 114.534,23 (€ 65.023,67 + € 49.510,56), atenta a consideração indevida, para aquele efeito, da parcela do lucro tributável imputável aos rendimentos auferidos no estrangeiro, pelo que, não concordando, perentoriamente, com a posição acolhida pela AT, não pode a REQUERENTE prescindir do direito que lhe assiste de requerer a constituição de Tribunal Arbitral.

II.2. Posição da Requerida

 

Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

  1. No âmbito do presente processo, o mesmo tem como objeto imediato o ato de indeferimento do pedido de Reclamação Graciosa n.º ...2024..., proferido pelo Chefe de Divisão de Justiça Tributária da UGC, em 06.05.2024, por delegação e subdelegação de competências, e como objeto mediato - a autoliquidação de IRC, referente aos períodos de tributação de 2021 e 2022, efetuada pela Requerente, mediante a entrega das Declarações Periódicas de Rendimentos Modelo 22 (DM22), em 06.06.2022, referente ao período de tributação de 2021 identificada com o n.º ... e em 01.06.2023, referente ao período de tributação de 2022 identificada com o n.º..., na parte referente à Derrama Municipal que alega ter ilegalmente suportado sobre parte do lucro tributável respeitante a rendimentos obtidos no estrangeiro, no montante total de 114.534,23 € (o qual é composto pelo montantes de 65.023,67€ e 49.510,56€ referentes aos períodos de tributação de 2021 e 2022, respetivamente), calculada sobre parte do lucro tributável respeitante a rendimentos obtidos no estrangeiro, designadamente, juros auferidos no âmbito do seu portfolio de investimentos financeiros, dividendos, rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento, mais-valias decorrentes da alienação de instrumentos financeiros, entre outros, nos montantes de € 4.334.911,06 em 2021 e € 3.300.704,21 em 2022.
  2. A questão subjacente ao presente pedido, prende-se em aferir se pode a derrama municipal incide sobre o lucro tributável sujeito e não isento que inclua rendimentos gerados fora do território nacional.
  3. Ou seja, a vexatio quaestio consiste em dirimir se os rendimentos obtidos no estrangeiro devem ser, ou não, excluídos no cálculo da derrama municipal das sociedades residentes em território nacional, subtraindo-os ao lucro tributável sujeito e não isento de IRC apurado, conforme arguido pela Requerente.
  4. Primeiramente importa desde já assentir que, em suporte ao entendimento veiculado pela Requerida e relativamente à determinação do valor da dedução à colecta  referente ao crédito de imposto por dupla tributação internacional (ou seja, quando na matéria coletável tenham sido incluídos rendimentos obtidos no estrangeiro como ocorreu no caso em apreço), atente-se desde já ao teor do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 603/2020, proferido no Recurso n.º 172/20, 2ª Secção, também aludido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 10.11.2021 no Processo n.º 0255/17.1BESNT e que decidiu nos seguintes termos:“(…) O pagamento deste tributo [leia-se derrama municipal] deve ser "eliminado" por dedução de créditos por dupla tributação internacional sempre que a colecta de IRC, stricto sensu, não se mostre suficiente para os absorver na totalidade como acontece no caso.
  5. Assim é que na expressão "fracção do IRC" constante da então al. B) do n.º 1 do Art.º 41 (hoje art.º 91.º) se deve incluir a colecta ad derrama.
  6. O mesmo é dizer que o crédito por dupla tributação internacional pode ser deduzido à fracção da colecta de tal imposto [entenda-se derrama municipal] originado por rendimentos obtidos no estrangeiro”. (realce nosso).
  7. Assim, entendeu o Tribunal Constitucional que o crédito por dupla tributação internacional pode ser deduzido à fracção da colecta da derrama municipal originada por rendimentos obtidos no estrangeiro, é porque e inequivocamente tais rendimentos obtidos no estrangeiro estão sujeitos a derrama municipal.
  8. Mais acrescenta o douto acórdão do TC com relevância para a questão em apreço que,

“Com efeito, nos termos dos artigos 14.º, alínea c), e 18.º do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais, o produto da cobrança das derramas municipais que o Estado deve entregar aos municípios, a título de receita municipal, é, desde logo, pré-determinado pelo montante de imposto legalmente devido ao Estado pelos sujeitos passivos de IRC, o qual resulta não apenas da aplicação da taxa pertinente ao lucro tributável (incluindo a taxa concreta fixada por cada município), mas também das deduções legalmente devidas (cfr. o artigo 90.º do Código do IRC). Esta é uma condição necessária, pois só assim se garante que, nos termos da presente configuração legal da derrama municipal, todo o lucro tributável a ela sujeito se encontre também sujeito ao IRC, de modo a que a colecta da primeira corresponda na proporção fixada por cada município nos limites da lei à colecta do segundo.” (destaque nosso).

  1. Para além da jurisprudência do TC citada, a questão de fundo a dirimir consiste em apurar se os rendimentos brutos obtidos no estrangeiro devem ser, ou não, excluídos no cálculo da derrama municipal das sociedades residentes em território nacional, subtraindo-os ao lucro tributável sujeito e não isento de IRC apurado, conforme vem arguindo a Requerente, todavia, importa desde já suscitar uma questão que contraria a tese defendida pela Requerente bem como alguma da jurisprudência em que se escora e que contende com a seguintes questão: e se em vez de rendimentos obtidos no estrangeiro (no caso, alegadamente juros auferidos no âmbito do seu portfolio de investimentos financeiros, dividendos, rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento, mais-valias decorrentes da alienação de instrumentos financeiros, entre outros), tivessem resultados menos valias fiscais, perdas/prejuízos?
  2. Seriam de acrescer essas, esses prejuízos ao lucro tributável sujeito e não isento de IRC apurado, para efeito de determinação da derrama municipal?
  3. Logo, o argumento invocado é desde logo infundado e espúrio.

 

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Fundamentação

IV.1.    Matéria de facto

 

Factos dados como provados

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

  1. Em 6 de junho de 2022, a REQUERENTE submeteu a declaração periódica de rendimentos de IRC Modelo 22, com referência ao período de tributação de 2021, com o código de identificação n.º ... (cfr. Documento n.º 1).
  2. Conforme resulta daquela declaração, a REQUERENTE apurou um resultado fiscal positivo no montante de € 134.160.001,57 e, para o que aqui releva, uma derrama municipal no montante de € 2.012.400,02 ( 1), conforme nota de liquidação de IRC n.º 2022 ... que se junta como Documento n.º 2.
  3. Sucede que o lucro tributável sobre o qual a derrama municipal incidiu encontra-se influenciado por rendimentos auferidos no estrangeiro, no montante total de € 4.334.911,06, dando origem a um montante de derrama municipal excessivo no valor de € 65.023,67.
  4. No que concerne ao período de tributação de 2022, a REQUERENTE apresentou no dia 1 de junho de 2023 a respetiva declaração periódica de rendimentos de IRC Modelo 22, com o código de identificação n.º ... (cfr. Documento n.º 3).
  5. Conforme se poderá constatar na declaração em apreço, a REQUERENTE apurou um resultado fiscal positivo no montante de € 95.432.156,50 e, para o que aqui releva, uma derrama municipal no montante de € 1.431.482,35, conforme nota de liquidação de IRC n.º 2023 ... (cfr. Documento n.º 4).
  6. Ora, o lucro tributável sobre o qual a derrama municipal incidiu encontra-se, de igual modo, influenciado por rendimentos auferidos no estrangeiro, no montante total de € 3.300.704,21, dando origem a um montante de coleta de derrama municipal excessivo no valor de € 49.510,56.
  7. Em suma, e para o que de seguida se peticionará, são relevantes os seguintes montantes apurados a título de derrama municipal:

 

  1. Da base de incidência da derrama municipal suportada nos períodos de 2021 e 2022 – Como é sabido, e conforme resulta do disposto do artigo 18.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, a derrama municipal que se encontra prevista no âmbito do Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais (“Regime Financeiro das Autarquias Locais”), configura-se como um verdadeiro imposto, incidindo sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC.
  2. Por sua vez, o valor da derrama municipal é apurado na medida da proporção do rendimento gerado na área geográfica de um determinado município, acrescendo ao IRC de cuja existência prévia depende que, não obstante ser cobrado pela AT, é transferida para o município titular daquele rendimento.
  3. Em concreto, e para o que aqui releva, a REQUERENTE liquidou derrama municipal sobre a totalidade dos respetivos lucros tributáveis apurados com referência aos períodos de tributação de 2021 e 2022.
  4. O sistema informático da AT não permite apurar a derrama segregando os rendimentos obtidos no estrangeiro.
  5. Com efeito, o próprio modelo oficial da Declaração Modelo 22, constante do site da AT, para efeitos de apuramento da derrama municipal nos termos do Anexo A, impõe a consideração do lucro tributável total apresentado no campo 302 do quadro 09.
  6. Neste contexto e, pretendendo ver a sua situação tributária retificada, no dia 20 de março de 2024 o A... deduziu reclamação graciosa contra os atos de autoliquidação de IRC referente aos períodos de tributação de 2021 e de 2022 (cfr. Documento n.º 5), meio através do qual procurou ver ressarcido o montante das derramas municipais suportadas por si naqueles anos correspondente aos rendimentos obtidos no estrangeiro.
  7. A REQUERENTE foi notificado do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa por carta datada de 6 de maio de 2024.
  8. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi rececionado no CAAD no dia 5 de agosto de 2024.

 

Factos dados como não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, e em factos não questionados pelas partes.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

IV. 2. Matéria de Direito

 

A única questão em debate[2] consiste em saber se a derrama municipal, prevista no artigo 18.º do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais, aprovado pela Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, incide sobre o lucro tributável das pessoas coletivas em sede de IRC, gerado na área geográfica em que tenham a sua sede em território português ou também sobre o lucro tributável que resulte do exercício da sua atividade económica em Estado terceiro.

Defende a Requerente que o âmbito de incidência da derrama municipal se encontra limitado ao lucro tributável que seja imputável a rendimentos gerados em cada um dos municípios existentes em território nacional e nos quais o sujeito passivo exerça a sua atividade. Ao passo que a Requerida entende que a tributação em sede de IRC abrange a totalidade dos rendimentos, a qual resulta da soma dos rendimentos obtidos em território português ou no estrangeiro, de acordo com princípio da universalidade previsto no artigo 4.º, n.º 1, do Código do IRC.

É esta a questão que cabe dirimir.

IV. 2. A. Enquadramento histórico-sistemático

 

Deve começar por delinear-se, em função do elemento histórico de interpretação, a evolução do instituto da derrama municipal nas diferentes leis de finanças locais publicadas após o Código Administrativo. 

A derrama municipal veio a ser instituída em novos moldes pela Lei de Finanças Locais aprovada pela Lei n.º 1/79, de 2 de janeiro, que consagrou a autonomia financeira das autarquias locais, e, através do seu artigo 12.º, conferia aos municípios a faculdade de lançar derramas sobre a coleta da contribuição predial rústica e urbana, da contribuição industrial e do imposto de turismo cobrados na área do respetivo município, com uma taxa não superior a 10% da coleta liquidada, e cujo produto devia destinar-se à realização de melhoramentos urgentes a efetuar na área da respetiva autarquia.

Esse regime foi essencialmente mantido pelo artigo 5.º da Lei n.º 1/87, de 6 de janeiro, que estipulava que a derrama incidia sobre “as coletas liquidadas na respetiva área em contribuição predial rústica e urbana e em contribuição industrial” (n.º 1) e tinha carácter excecional, só podendo ser aprovada “para ocorrer ao financiamento de investimentos urgentes e ou no quadro de contratos de reequilíbrio financeiro” (n.º 2).

A Lei n.º 42/98, de 6 de agosto, no seu artigo 18.º, alterou o âmbito de incidência objetiva, ao consignar que a derrama municipal recai “sobre a coleta do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas”, o que terá ficado a dever-se à reformulação geral da tributação do rendimento, mediante a introdução do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas que veio substituir a contribuição industrial. A norma explicita que a derrama incide “sobre a coleta do IRC que proporcionalmente corresponda ao rendimento gerado na sua área geográfica (do município) por sujeitos passivos que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola” (n.º 1) e manteve a sua conexão genérica ao financiamento dos municípios, ao estabelecer, no seu n.º 2, que “[A] derrama pode ser lançada para reforçar a capacidade financeira ou no âmbito da celebração de contratos de reequilíbrio financeiro”.

Por outro lado, nos termos do n.º 4 desse artigo 18.º, “sempre que os sujeitos passivos tenham estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais de um município e matéria coletável superior a (euro) 50000, o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município é determinado pela proporção entre a massa salarial correspondente aos estabelecimentos que o sujeito passivo nele possua e a correspondente à totalidade dos seus estabelecimentos situados em território nacional” (n.º 2), entendendo-se por massa salarial o “valor das despesas efetuadas com o pessoal e escrituradas no exercício a título de remunerações, ordenados ou salários” (n.º 6).

Esclarecendo o n.º 5 do mesmo artigo, que, nos casos em que a atividade do sujeito passivo se não desenvolva em mais do que um município, o rendimento considera-se gerado no município em que se situa a sede ou a direção efetiva do sujeito passivo ou, tratando-se de sujeitos passivos não residentes, no município em que se situa o estabelecimento estável.

Por efeito do disposto no artigo 18.º, n.º 4, da Lei n.º 42/98, o lançamento da derrama deixou de caber em exclusivo ao município em que se verifique a liquidação do IRC ou se encontre localizada a sede da empresa, para passar a caber a todos os municípios em que uma empresa possua estabelecimento estável ou representação local. A referência à massa salarial como critério de imputação dos lucros visa constituir um indicador aproximado do rendimento tributável e assegurar uma partilha proporcional da receita da derrama quando estejam em causa empresas com atividade em municípios diversos (cfr. sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, págs. 191-192).

A Lei das Finanças Locais aprovada pela Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, através do seu artigo 14.º, introduziu, entretanto, outras alterações significativas no regime jurídico da derrama municipal.

Para além de ter mantido a partilha da receita quando uma empresa tenha a sua atividade localizada em diferentes municípios (n.º 2), a derrama passou a incidir, não já sobre a coleta, mas sobre o “lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português”. E, por outro lado, o campo de aplicação alargou-se a “não residentes com estabelecimento estável nesse território” (n.º 1, in fine).

Deste modo, a derrama deixou de ser um adicional ao IRC para constituir um adicionamento, na medida em que incide não já sobre a coleta, mas sobre a matéria tributável do imposto principal, assumindo a natureza de um imposto acessório (neste sentido, Casalta Nabais, Direito Fiscal, 11.ª edição, Coimbra, págs. 79-80, e o acórdão do STA de 2 de fevereiro de 2011, Processo n.º 0909/10).

Por fim, a Lei de Finanças Locais atualmente vigente, aplicável à situação do caso, aprovada pela Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, manteve o regime definido nos n.ºs 1 e 2 do artigo 14.º da Lei n.º 2/2007, limitando-se a definir uma nova fórmula de repartição da derrama nos casos de plurilocalização da atividade das empresas, com base na ponderação de diversos fatores, e que tem em vista assegurar uma mais justa imputação territorial dos lucros (n.º 7).

Também nesse quadro legal, a derrama incide sobre o “lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português e não residentes com estabelecimento estável nesse território” (n.º 1). Mantendo-se, no mais, a tributação proporcional relativamente a sujeitos passivos que tenham estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais do que um município (n.º 2), bem como o princípio, já constante do artigo 18.º, n.º 5, da Lei n.º 42/98 e do artigo 14.º, n.º 5, da Lei n.º 2/2007, segundo o qual, não havendo desconcentração da atividade económica, o rendimento se considera gerado no município em que se situa a sede ou a direção efetiva do sujeito passivo, ou no município em que se situa o estabelecimento estável de sujeitos passivos não residentes (n.º 5).

A partir de Lei das Finanças Locais de 2007, deixou de fazer-se referência à finalidade específica da derrama municipal e ao seu carácter excecional, relacionada com a necessidade de reforço da capacidade financeira das autarquias, o que revela que a derrama passou a ser considerada como um imposto autónomo dos municípios, que apenas se encontra condicionado, na sua incidência, pelo lucro tributável apurado pelos sujeitos passivos em sede de IRC. Em todo o caso, não pode deixar de entender-se que a delimitação da derrama municipal por referência à proporção do rendimento gerado na área geográfica do município tem em vista assegurar que a autarquia possa dispor dos meios financeiros suficientes para o desempenho das suas atribuições, mormente por via da receita fiscal proveniente dos operadores económicos que atuam na área da sua circunscrição.

 

IV. 2. B. Princípios básicos aplicáveis à derrama municipal

 

Face ao regime sucintamente descrito e à sua evolução legislativa, é possível extrair alguns princípios básicos:

1 – Incidência própria – A derrama começou por incidir sobre a coleta do imposto cobrada na área do respetivo município, encontrando-se destinada à realização de investimentos na autarquia ou ao reforço da capacidade financeira do município.

No âmbito da Lei n.º 42/98, a derrama passou a incidir sobre a coleta do IRC que proporcionalmente corresponda ao rendimento gerado na área geográfica do município pelos sujeitos passivos, sendo essa a formulação igualmente adotada pela Lei n.º 2/2007 e pela Lei n.º 73/2013 quando a derrama passou a ser lançada, não já sobre a coleta, mas sobre o lucro tributável em IRC.

2 – Regras de repartição plurilocalizada – Também no que se refere à repartição da derrama entre vários municípios, no caso de plurilocalização da atividade económica das empresas, o lucro tributável que serve de base ao apuramento da derrama é o imputável à circunscrição de cada município.

E tratando-se de sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável em território nacional, o rendimento considera-se gerado no município em que se situa o estabelecimento e esteja centralizada a contabilidade.

3 – Lucro tributável gerado geograficamente no município – Ao considerar que a derrama tem por base o lucro tributável que corresponda à proporção do rendimento gerado na área geográfica do município ou, no caso de partilha de receita, o lucro tributável que seja imputável à circunscrição de cada município, o legislador tem presente que o município apenas beneficia da derrama incidente sobre a parte do rendimento gerado na sua própria área geográfica. O que significa que não pode ser alocado a um município a derrama proveniente de rendimentos realizados numa outra área territorial.         

                                                                                                                             

O mesmo princípio é aplicável, pelo argumento de maioria de razão, relativamente a rendimentos que um mesmo sujeito passivo tenha auferido em resultado da atividade desenvolvida em país estrangeiro. Com efeito, se a lei contempla, para efeito do lançamento da derrama em cada município, a exclusão de rendimentos obtidos num outro município, com base num critério de territorialidade, há de forçosamente pretender excluir outros rendimentos que, com mais fortes motivos, exigem ou justificam esse mesmo regime, como é o caso de rendimentos que são gerados fora do território português (cfr., quanto ao argumento a fortiori, Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1993, pág. 186).

 

IV. 2. C. Autonomia da derrama e exclusão dos rendimentos de fonte estrangeira

 

   O Código do IRC estabelece, no artigo 4.º, n.º 1, o princípio da universalidade, segundo o qual as entidades residentes são tributadas numa base universal, com a totalidade dos rendimentos que concorrem para o lucro tributável, independentemente de serem obtidos em Portugal ou no estrangeiro. Ao contrário, os não residentes sem estabelecimento estável ficam sujeitos a imposto exclusivamente segundo uma base territorial, apenas sendo fiscalmente relevados os rendimentos alcançados no território português, que corresponde ao princípio da territorialidade (cfr. sobre este ponto, Gustavo Lopes Courinha, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Coimbra, 2019, págs. 40-41).

No entanto, mesmo que, segundo o referido princípio da universalidade, as pessoas coletivas e entidades com sede e direção efetiva em território português se encontrem sujeitas a IRC relativamente à totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território, nada permite considerar, numa interpretação literal e consentânea com a unidade do sistema jurídico, que os rendimentos auferidos no exterior relevem para o apuramento da derrama, quando esta se encontra - como se deixou evidenciado - diretamente correlacionada com os rendimentos gerados na área geográfica do município. Ou seja, se a tributação apenas incide sobre a proporção do rendimento realizado pelos sujeitos passivos na respetiva circunscrição municipal, não tem qualquer cabimento que devam ser também considerados os rendimentos provenientes de fonte estrangeira, ainda que estes concorram para a formação do lucro tributável, uma vez que, em qualquer caso, não se trata de rendimentos gerados na área do município.

Aliás, a interpretação veiculada pela Administração Tributária, para além de não ter correspondência com as regras de hermenêutica jurídica, depara-se com outra dificuldade.

Tendo em consideração o critério de repartição de receita relativamente a sujeitos passivos com estabelecimento estável ou representação local em mais de um município, que resulta do artigo 18.º, n.º 2, da Lei n.º 73/2013, e assenta no lucro tributável imputável à circunscrição de cada município, será de perguntar como seria possível efetuar a partilha entre municípios relativamente aos rendimentos obtidos pelo sujeito passivo no estrangeiro, quando a norma é clara ao estabelecer um critério de imputação a cada município com base num princípio de proporcionalidade no âmbito do território nacional.

Resta considerar que no sentido da desconsideração, para o apuramento da derrama municipal, dos rendimentos obtidos fora do território nacional, tal como se propugna na presente decisão arbitral, se pronunciou o acórdão do STA de 13 de janeiro de 2021, no Processo n.º 03652/15.

Por conseguinte, o pedido arbitral mostra-se ser totalmente procedente.

 

IV. 2. D. Quanto ao reembolso do imposto liquidado e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

No entanto, em caso de erro imputável aos serviços, a obrigação de juros indemnizatórios apenas opera, quando haja lugar a reclamação graciosa, com o indeferimento pela Autoridade Tributária da impugnação administrativa (cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno do STA de 18 de janeiro de 2017, Processo n.º 0890/16, e de 29 de junho de 2022, Processo n.º 093/21). Tendo havido lugar a indeferimento expresso das reclamações graciosas em 8 de maio de 2024, o termo inicial do cômputo dos juros indemnizatórios apenas se constitui, no caso vertente, em 9 de maio de 2024.

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos tributários ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, desde 9 de maio de 2024, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

  1. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar totalmente procedente o presente pedido arbitral;
  2. Condenar a Requerida ao pagamento das custas.

 

  1. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 114.534,23, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

  1. Custas

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 3.060,00, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 27 de março de 2025

 

Os Árbitros,

 

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

(Sofia Quental)
 

 

 

(João Pedro Rodrigues) 

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] E seguindo de perto a decisão proferida no processo nº 948/2023-T, deste Centro, disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPage=1&id=7945.