Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 640/2014-T
Data da decisão: 2015-02-21  Selo  
Valor do pedido: € 3.520,96
Tema: IS – Verba 28 da TGIS - Propriedade Vertical
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CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º 640/2014-T

 

Decisão Arbitral

 

I.              Relatório

 

1.             A…, contribuinte fiscal n.º … e B…, contribuinte fiscal n.º …, ambas com residência na Rua …, em Lisboa, requereram ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em 29 de agosto de 2014, a constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo (IS) do ano de 2013, referente à verba 28.1 da Tabela Geral do IS (TGIS), no valor total de €3.520,96 (três mil e quinhentos e vinte euros e noventa e seis cêntimos).

 

2.             As Requerentes optaram por não designar árbitro.

 

3.             O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 1 de setembro de 2014 e automaticamente notificado à AT na mesma data.

 

4.             A Signatária foi designada pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro de tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT.

 

5.             A Signatária comunicou ao Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD a aceitação do encargo, no prazo legal, nos termos do disposto no artigo 4.º do Código Deontológico do CAAD.

 

6.             As Partes foram notificadas da designação da Signatária, em 15 de outubro de 2014, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) do RJAT, não se tendo oposto à mesma.

 

7.             O tribunal arbitral singular ficou, assim, regularmente constituído em 30 de outubro de 2014, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º1 do artigo 11.º do RJAT.

 

8.             A AT foi notificada, por despacho arbitral de 4 de novembro de 2014, para apresentar resposta no prazo de 30 dias.

 

9.             A AT apresentou a sua resposta em 5 de dezembro de 2014, tendo na mesma requerido a dispensa da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

10.         As Requerentes, notificadas para o efeito, indicaram não se opor a tal dispensa.

 

11.         O Tribunal Arbitral é materialmente competente, nos termos do artigo 2.º n.º1 alínea a) do RJAT.

 

12.         As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

13.         É admissível a cumulação de pedidos, por se encontrarem verificados os pressupostos estabelecidos no artigo 3º, n.º 1 do RJAT.

 

14.         É admissível a coligação de autores, por se encontrarem verificados os pressupostos estabelecidos no artigo 3º, n.º 1 do RJAT.

 

15.         O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

II.           Do pedido das Requerentes

 

As Requerentes apresentaram pedido de pronúncia arbitral vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo (IS) do ano de 2013, referente à verba 28.1 da TGIS, a que correspondem os:

 

i.               Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

ii.             Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

iii.           Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

iv.           Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

v.             Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

vi.           Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

vii.         Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

viii.       Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

ix.           Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

x.             Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

xi.           Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

xii.         Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

xiii.       Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

xiv.       Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

xv.         Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

xvi.       Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

 

No valor global de €3.520,96 (três mil e quinhentos e vinte euros e noventa e seis cêntimos), todos referentes ao imóvel sito na Avenida …, tornejando para o Pátio do …, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….

 

Para o efeito, e em síntese, apresentam as seguintes alegações:

 

1.             O prédio urbano a que respeitam não se enquadra no conceito de prédios com afetação habitacional previsto na verba 28.1. da TGIS.

 

2.             A interpretação da AT no sentido de considerar, para efeitos de aplicação do IS, o valor patrimonial tributário (VPT) do prédio, em vez do VPT de cada andar ou divisão suscetível de utilização independente, viola o disposto na lei.

 

3.             Cada uma das Requerentes é proprietária de 1/3 do prédio em questão, o qual se encontra em propriedade total, sendo o mesmo composto por 9 andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, destinadas a comércio e habitação.

 

4.             Nenhum daqueles andares ou divisões suscetível de utilização independente tem um VPT superior a €1.000.000,00 (um milhão de euros).

 

5.             A descrição matricial do imóvel não corresponde à realidade material e atual do imóvel, já que o mesmo foi demolido através de empreitada n.º …, que resultou do processo de execução de obras coercivas com o n.º … da Câmara Municipal de Lisboa.

 

6.             O estado de degradação do imóvel, do qual restam apenas as fachadas, não permite que o mesmo seja utilizado, total ou parcialmente, para os fins indicados na respetiva caderneta predial urbana, estando em situação de ruína.

 

7.             As Requerentes solicitaram aos órgãos considerados competentes da Câmara Municipal de Lisboa que atestassem que o prédio se encontra em ruínas, o que não sucedeu, tendo sido apresentado recurso hierárquico da decisão proferida.

 

8.             Após terem sido notificadas dos atos ora impugnados, as Requerentes apresentaram reclamação graciosa, alegando, essencialmente, que:

 

i.               o prédio em questão não pode ser tratado como uma construção ou edifício licenciado, ou que tenha como destino normal qualquer um dos fins previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), já que nunca existiu licença para o prédio nem existe no mesmo qualquer edifício licenciado, ou qualquer construção;

 

ii.             o prédio não pode, também, ser considerado como terreno para construção, nos termos legalmente definidos para o efeito;

 

iii.           A AT não pode exigir, assim, IS com base na verba 28.1. da TGIS a um titular de prédio que se encontra demolido desde há 9 anos, que nunca teve licença para habitação, que não é utilizado para habitação há mais de 20 anos e nem sequer tem licença ou autorização de construção para o mesmo, sem que incorra em ostensiva ilegalidade;

 

iv.           Interpretação diversa seria inconstitucional, por violação dos princípios da justiça, igualdade, proporcionalidade e equidade, constitucionalmente consagrados.

 

9.             O projeto de decisão da AT relativamente à reclamação graciosa apresentada determinava o seu indeferimento, tendo as Requerentes exercido o seu direito de audição prévia, tendo a AT mantido a decisão que havia projetado.

 

10.         As Requerentes consideram que o prédio não pode, de forma alguma, ser considerado como tendo afetação habitacional.

 

11.         Adicionalmente, as Requerentes entendem que quando estejam em causa unidades de um mesmo prédio com utilização independente, o VPT relevante para efeitos de apuramento da aplicabilidade ou não da verba 28 da TGIS é o de cada unidade autonomamente considerada, por força do disposto nos artigos 67.º do CIS, 12.º n.º3 e 119.º do CIMI.

 

12.         O IS (verba 28.1 da TGIS) não pode, assim, incidir sobre o somatório dos VPTs dos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, afetos a habitação, integrados em prédios urbanos em propriedade vertical, mas antes sobre o VPT de cada andar ou divisão suscetível de utilização independente, apenas no caso de este valor ser igual ou superior a €1.000.000,00.

 

13.         Assim sendo, as liquidações enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito.

 

14.         Procedendo o seu pedido, as Requerentes requerem o reembolso dos montantes indevidamente pagos, acrescidos dos juros indemnizatórios legalmente devidos.

 

 

III.    Da Resposta da Requerida

 

A Requerida apresentou a sua Resposta, alegando, sucintamente, o seguinte:

 

1.             As Requerentes pretendem erradamente assimilar a propriedade vertical à propriedade horizontal, para daqui poder extrair consequências fiscais que não lhes assistem.

 

2.             O CIMI é o quadro normativo de referência para este efeito, assumindo relevância o conceito de prédio constante do artigo 2.º do mesmo, especialmente o seu n.º4, que refere que cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.

 

3.             Assim, um prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal.

 

4.             Por interpretação a contrario sensu, facilmente se conclui que não constituem prédios urbanos as frações de prédios que não se encontrem em regime de propriedade horizontal.

 

5.             Não havendo, assim, qualquer tratamento desigual, como pretendem as Requerentes.

 

6.             Não tendo as Requerentes optado por submeter ao regime da propriedade horizontal os andares suscetíveis de utilização independente, não podem, à luz do princípio da legalidade tributária, querer que os mesmos gozem de um estatuto jurídico para o qual não reúnem os seus pressupostos legais.

 

7.             Impunha-se uma mudança da natureza jurídica, ou seja, a efetiva constituição da propriedade horizontal a qual, enquanto não acontecer, não poderá determinar a consideração dos andares suscetíveis de utilização independente como prédios urbanos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2.º n.º4 do CIMI e, por conseguinte, da própria verba 28.1 da TGIS do CIS.

 

8.             Não colhem, assim, os argumentos das Requerentes em torno do artigo 12.º n.º3 do CIMI, dado que não é pela mera autonomização matricial que os andares suscetíveis de utilização independente adquirem, por si só, o estatuto de prédio.

 

9.             O artigo 12.º do CIMI estatui o conceito de matriz predial, respeitando o seu n.º3 exclusivamente à forma de registar os dados matriciais.

 

10.         Em sede de IMI, tratando-se de um prédio em propriedade total, o VPT que serve de base ao seu cálculo é o VPT do prédio - e é em cumprimento do artigo 119.º n.º1 do CIMI que o documento de cobrança é enviado com discriminação das partes suscetíveis de utilização independente, respetivo VPT e coleta imputada a cada município.

 

11.         A atribuição de um VPT individual não afasta o VPT do respetivo prédio onde as divisões ou andares se encontram inseridos, e acaba por concorrer ou determinar o próprio VPT do prédio urbano, que resulta necessariamente da soma dos VPTs dos vários andares suscetíveis de utilização independente.

 

12.         O próprio artigo 7.º n.º2 alínea b) do CIMI o refere: "cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes".

 

13.         Carece, assim, de sustentação legal a tese defendida pelas Requerentes, pois para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade.

 

14.         Devendo, consequentemente, ser improcedente o vício de violação de lei por erro na qualificação dos factos e erro quanto à aplicação da Lei.

 

15.         Quanto ao facto de a descrição do imóvel não corresponder à realidade material e atual do prédio, por se encontrar em situação de ruína, alega a Requerida que as Requerentes não juntam qualquer prova quanto a estes factos invocados.

 

16.         Não existindo no CIS definição do que se entende por prédio urbano e afetação habitacional, é necessário recorrer ao CIMI, respetivamente, aos artigos 2.º e 6.º.

 

17.         Fiscalmente, o imóvel é um prédio urbano com afetação habitacional, nessa qualidade foi adquirido e assim está e continua a ser predialmente classificado.

 

18.         Tendo um VPT superior a €1.000.000,00 e, como tal, cabendo na previsão da norma da verba 28.1 da TGIS, norma geral e abstrata, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito.

 

19.         Acresce que fundadas razões com assento constitucional, defendidas e explanadas pela Requerida, justificaram a criação da norma em apreço.

 

20.         Não colhem também os argumentos das Requerentes quanto à violação dos princípios da justiça, igualdade, proporcionalidade e equidade.

 

21.         Não existe qualquer violação do princípio da igualdade, pois inexiste qualquer discriminação na tributação de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, ou entre prédios com afetação habitacional e prédios com outras afetações.

 

22.         A propriedade total e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados.

 

23.         A constituição da propriedade horizontal implica uma mera alteração jurídica do prédio, mas o legislador pode, no entanto, submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto os prédios em regime de propriedade horizontal e vertical, em especial, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária.

 

24.         As normas sobre a inscrição matricial e, ainda, as normas sobre a liquidação das partes suscetíveis de utilização independente, não permitem afirmar que deva existir uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime da propriedade horizontal, o que seria ilegal e inconstitucional.

 

25.         A constituição em propriedade horizontal determina a cisão/divisão da propriedade total e a independência ou autonomia de cada uma das frações que a constituem, nos termos do n.º2 do artigo 4.º do CIMI e artigo 1414.º e seguintes do Código Civil, sendo que um prédio em propriedade total constitui, para todos os efeitos, uma única realidade jurídico-tributária.

 

26.         Encontra-se ainda legitimada a opção por este mecanismo de obtenção de receita por tributação em IS, que obedece ao princípio da adequação, visando um máximo de eficácia quanto ao objetivo a atingir.

 

27.         Adicionalmente, tudo o que está a ser defendido pela Requerida já foi objeto de informação vinculativa por parte da AT, que anexa.

 

28.         Assim, os atos tributários em causa não violaram qualquer princípio legal ou constitucional, devendo ser mantidos.

 

29.         Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, não existiu qualquer erro imputável aos serviços que estão vinculados ao princípio de legalidade, que cumpriram integralmente, pelo que o mesmo não pode proceder, mesmo no caso de se considerar procedente o pedido de anulação dos atos em apreço.

 

 

IV.    Questões a decidir

 

Considerando os factos e a matéria de direito constantes do pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente e a Resposta da Requerida, as questões a decidir pelo Tribunal Arbitral são:

 

a.              Saber se o valor sobre o qual incide a verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, é (i) o somatório do VPT de cada andar ou divisão suscetível de utilização independente, em caso de prédios em regime de propriedade total ou vertical (valor global), ou (ii) o VPT de cada andar ou divisão suscetível de utilização independente;

 

b.             Determinar se o prédio em questão tem afetação habitacional, para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS, se se assumir o seu estado de degradação e ruínas (sem prejuízo do disposto no ponto V. infra).

 

 

V.      Matéria de Facto

 

Com relevância para a apreciação do pedido, são os seguintes os factos que se dão por provados, com base nos documentos juntos ao processo, não contestados pela Requerida:

 

a.              As Requerentes são proprietárias, cada uma na proporção de 1/3, do prédio urbano sito na Avenida …, tornejando para o Pátio …, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….

 

b.             Do prédio urbano em questão fazem parte, de acordo com a respetiva inscrição matricial, 8 andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, afetos a habitação, e 1 andar ou divisão suscetível de utilização independente afeto a comércio.

 

c.              O somatório dos VPTs daqueles andares ou divisões suscetíveis de utilização independente afetos a habitação era, em 31 de dezembro de 2013, de €1.056.289,40 (um milhão e cinquenta e seis mil, duzentos e oitenta e nove euros e quarenta cêntimos).

 

d.             Nenhum daqueles andares ou divisões suscetíveis de utilização independente afetos a habitação tinha, em 31 de dezembro de 2013, VPT superior a €1.000.000,00.

 

e.              As Requerentes foram notificadas dos atos de liquidação de IS, referente à verba 28.1 da TGIS, para o ano de 2013, a que correspondem os:

 

i.               Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

ii.             Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

iii.           Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

iv.           Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

v.             Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

vi.           Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

vii.         Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

viii.       Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

ix.           Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

x.             Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

xi.           Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

xii.         Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

xiii.       Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

xiv.       Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

xv.         Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

xvi.       Documento n.º 2014…, no valor de €220,06;

 

No valor global de €3.520,96 (três mil e quinhentos e vinte euros e noventa e seis cêntimos).

 

f.              As Requerentes procederam ao pagamento daquele valor.

 

g.             As Requerentes apresentaram reclamação graciosa relativamente aos atos em questão, a qual foi indeferida por ofício da AT de 21 de julho de 2014.

 

A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental junta, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas pela Requerida.

 

Quanto aos factos referentes ao estado de degradação, ruínas ou demolição parcial do imóvel em questão, constam dos autos:

 

a.              Um fax da Câmara Municipal de Lisboa, Direção Municipal de Conservação e Reabilitação Urbana, Departamento de Conservação de Edifícios Particulares, datado de 27.06.2006, com o assunto "Custo de obras coercivas" referente ao local Av …, referindo que as obras de demolição do prédio particular sito naquele local, realizadas através da Empreitada n.º …, se encontram concluídas, sendo necessário providenciar pela respetiva cobrança ao proprietário, nos termos do artigo …, n.º3 do RAU, assinado pelo Chefe da Divisão de Fiscalização;

 

b.             Um documento da Direção Municipal de Conservação e Reabilitação Urbana, Departamento de Conservação de Edifícios Particulares, dirigido à Diretora do Departamento, propondo a extinção do procedimento, com despacho de extinção do mesmo assinado pela própria Diretora do Departamento, em 12.09.2006;

 

c.              Um documento de interposição de recurso hierárquico dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, referente ao processo n.º …, assinado pela Mandatária das Requerentes, não datado, sem qualquer menção de ter sido recebido pelo destinatário ou qualquer comprovativo de ter sido remetido ou enviado.

 

Os documentos supra referidos, juntos pelas Requerentes para procurar demonstrar o estado atual de demolição e ruínas do prédio, datam de 2006, por um lado, sendo que aquele aparentemente mais recente não contém elementos suficientes ou adequados para demonstrar o alegado, designadamente quanto ao estado do prédio em 31 de dezembro de 2013, data em que se verifica o facto tributário em questão.

 

A Requerida alega não se encontrarem provados os factos alegados. O Tribunal Arbitral concorda com tal afirmação, determinando assim não se considerarem provados os factos alegados pelas Requerentes relativos ao estado atual do prédio em questão, por ausência de prova adequada apresentada a seu respeito.

 

Nestes termos, e para os devidos efeitos, o Tribunal Arbitral não pode deixar de considerar que o prédio urbano em questão corresponde à descrição matricial que consta da respetiva caderneta predial junta aos autos, por manifesta ausência de prova que demonstre o contrário.

 

 

VI.    Matéria de Direito

 

Em face do exposto no ponto V. supra, fica prejudicado o conhecimento da questão a decidir indicada em b. do ponto IV. A única questão a conhecer pelo Tribunal Arbitral é, assim, a indicada em a. do ponto IV.

 

Como resulta da matéria de facto, está em causa a liquidação de IS relativa ao ano de 2013, referente à verba 28.1. da TGIS, que foi aplicada sobre o valor patrimonial do prédio em propriedade total/vertical, sito Av …, em Lisboa.

 

A AT considerou, para efeitos de aplicação daquela verba 28.1 da TGIS, o somatório do VPT de cada um dos respetivos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, somatório esse que determina um VPT superior a €1.000.000,00. As Requerentes consideram que a AT não deveria ter considerado esse somatório, na medida em que o tratamento a dar a um prédio em regime de propriedade total não pode ser diferente daquele a dar a um prédio em regime de propriedade horizontal – se, neste último caso, o VPT a considerar é o de cada fração autónoma, no caso de propriedade total deverá ser, também, considerado o VPT de cada andar ou divisão suscetível de utilização independente. E, no caso concreto, cada andar ou divisão suscetível de utilização independente afeto a habitação tem um VPT inferior a €1.000.000,00.

 

Importa, assim, perceber se a AT agiu com erro nos pressupostos de Direito para aplicação, ao caso, da verba 28.1 da TGIS.

 

Para a apreciação da questão em causa importa, antes de mais, analisar o artigo 4º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, que aditou à TGIS, anexa ao CIS, a verba nº 28, com a seguinte redação:

 

“28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

 

28.1 — Por prédio com afetação habitacional — 1 %;

 

28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.”

 

Como referido, as Requerentes sustentam que não cabem nesta previsão normativa os prédios urbanos em propriedade total considerados como um todo, quando compostos por partes suscetíveis de utilização independente.

 

Impõe-se interpretar, para este efeito, o conceito de “prédio” constante daquela verba 28.1 da TGIS[1]. Para compreender o seu conteúdo, deverão ser compulsados os conceitos de prédio constantes do CIMI (artigos 2.º a 6.º) – ao abrigo do disposto no artigo 67.º, n.º 2 do CIS, segundo o qual, às matérias não reguladas no CIS respeitantes à verba n.º 28 da TGIS, se aplica subsidiariamente o disposto no CIMI.

 

E tal interpretação deverá ser sempre realizada nos termos do disposto nos artigos 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 9.º do Código Civil, para o qual aquele remete.

 

O artigo 2.º do CIMI define o conceito de prédio, e estabelece, especificamente, no respetivo n.º4, que para efeitos deste imposto, cada fração autónoma, no regime da propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio. Este artigo nada refere quanto a prédios em propriedade total ou quanto a partes de prédios (andares ou divisões suscetíveis de utilização independente).


De uma interpretação literal do artigo 2.º do CIMI, dúvidas não restarão de que partes de prédios que não estejam em propriedade horizontal não integram, para efeitos de IMI, o conceito de prédio.

 

Já quanto à determinação do valor patrimonial tributário de cada prédio, rege o artigo 7.º do CIMI. De acordo com o n.º1 do mesmo, o valor patrimonial tributário dos prédios é determinado nos termos deste Código. Assim, e segundo o n.º2 alínea b) daquele artigo 7.º, o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações atribuídas a prédios urbanos nos termos do artigo 6.º n.º1 do CIMI (a saber, habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros) determina-se como se descreve: “caso as diferentes partes sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes”.

 

Consequentemente, também na determinação do valor patrimonial tributário de prédios, não parece existir qualquer referência que especificamente determine que as partes economicamente independentes são consideradas como constituindo, de per si, prédios. Pelo contrário, a interpretação literal da norma permite concluir em sentido oposto: o valor do prédio é a soma dos valores das suas partes.

 

Reitera-se então: o CIMI não equipara, para determinação do valor patrimonial tributário, partes de prédios suscetíveis de utilização independente a prédios. Pelo contrário, claramente separa os conceitos de “prédio” e de “parte de prédio”. Ora, voltando ao artigo 2.º do CIMI, as “partes de prédio” não são havidas como prédios (precisamente ao inverso do que especificamente se refere relativamente a frações autónomas, essas sim equiparadas a prédios).

 

No caso concreto, o prédio urbano é composto por partes (independentes) habitacionais e por partes (independentes) comerciais. Logo, o valor do prédio é, de acordo com as regras indicadas, a soma dos valores das suas partes.

 

Não existe, então, igualdade de tratamento no CIMI entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com partes enquadráveis em mais de uma das classificações atribuídas a prédios urbanos. Quanto aos primeiros, as respetivas frações autónomas são, inequivocamente, prédios para efeitos de IMI, quanto aos segundos, as suas partes independentes não cabem naquele conceito. As partes compõem, no seu todo, o prédio.

 

Consequentemente, se as partes de prédios, para efeitos de IMI, não são prédios, então não o serão também para efeitos de IS. Logo, o facto tributário é a propriedade do prédio, no seu todo, conforme decorre do conceito constante do artigo 2.º do CIMI.

 

Não colhem, igualmente, no entendimento do Tribunal Arbitral, os argumentos das Requerentes em torno dos artigos 12.º n.º3 e 119.º do CIMI, respeitantes, respetivamente, ao conceito de matriz predial e à liquidação do imposto.

 

Como bem refere a Requerida, não é pela mera autonomização matricial determinada pelo artigo 12.º n.º3 que os andares ou divisões suscetíveis de utilização independente adquirem a qualidade de prédio que não lhe é conferida pelo artigo 2.º do mesmo CIMI.

As matrizes prediais são registos de que constam, designadamente, a caracterização dos prédios (artigo 12.º n.º1 CIMI). Dessa descrição fazem parte integrante, no caso de prédios em propriedade total, os andares ou partes de prédio suscetíveis de utilização independente, que a lei determina (n.º3 do mesmo artigo) sejam separadamente considerados na mesma inscrição matricial.

 

Já quanto aos prédios em regime de propriedade horizontal, a lei vai mais longe: o artigo 92.º do CIMI estabelece que a cada edifício em regime de propriedade horizontal corresponde também uma só inscrição, mas cada uma das frações autónomas que o compõe é pormenorizadamente descrita e individualizada pela letra que lhe competir.

 

E mesmo que se considerasse que, quanto à questão da inscrição matricial, o tratamento entre prédios em regime de propriedade total e prédios em regime de propriedade horizontal é substancialmente semelhante, tal não ultrapassaria, considera-se, o facto de partes de prédios não constarem especificamente do artigo 2.º do CIMI, ao contrário do que acontece com as frações autónomas.

 

Adicionalmente, por cada “prédio” inscrito na matriz é entregue uma caderneta predial ao respetivo proprietário (artigo 93.º n.º1 do CIMI). Ora, não existe, para cada andar ou divisão suscetível de utilização independente de prédio em propriedade total, uma caderneta predial autónoma, pela razão clara de não se subsumir no conceito de prédio definido em sede deste imposto.

 

Quanto à liquidação do IMI (artigo 119.º), o documento de cobrança contém, necessariamente, a discriminação dos prédios e suas partes suscetíveis de utilização independente. Tal porque, ao abrigo do disposto no artigo 7.º n.º 2 alínea b) do CIMI, cada parte suscetível de utilização independente tem o valor patrimonial tributário calculado separadamente, como se indicou anteriormente.

 

Em face do exposto, entende o Tribunal Arbitral, sem cuidar da justeza ou acerto de redação da norma, que a interpretação que considere que andares ou partes de prédios suscetíveis de utilização independente de prédios em propriedade total são, para efeitos de IMI, equiparadas a frações autónomas, não tem sustentação legal suficiente e é demasiado afastada da letra da lei.

 

Note-se que as Requerentes não formulam qualquer alegação relativamente à eventual inconstitucionalidade deste entendimento – apesar de a Requerida justificar a sua constitucionalidade na Resposta apresentada – pelo que tal não é apreciado. O único juízo de constitucionalidade das Requerentes reporta-se ao facto de a AT poder considerar que um prédio demolido ou em ruínas é um prédio com afetação habitacional: ora, não se tendo considerado provado o estado de demolição ou de ruínas atual do imóvel, não há lugar à apreciação de tal juízo.

 

Consequentemente, não procede o pedido de anulação das liquidações em crise fundado em erro nos pressupostos de Direito, apresentado pelas Requerentes.

 

Improcedendo a pretensão das Requerentes, não procederá, consequentemente, o seu pedido de restituição do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

 

 

VII.   Decisão

 

Nestes termos, e com base nos fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se as liquidações impugnadas.

 

 

Valor do processo: €3.520,96 (três mil e quinhentos e vinte euros e noventa e seis cêntimos).

 

Custas: Ao abrigo do disposto no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas em €612,00 (seiscentos e doze euros), a cargo das Requerentes.

 

Lisboa, 21 de fevereiro de 2015

 

O árbitro

 

 

Ana Pedrosa Augusto

 



[1]           Dúvidas não existindo de que o prédio em questão é, para os devidos efeitos, um prédio urbano.