Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 909/2024-T
Data da decisão: 2025-03-21  IRC  
Valor do pedido: € 492.269,24
Tema: IRC – Convenção de Arbitragem - Juros compensatórios e de mora
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 SUMÁRIO:

Não pode imputar-se a inexatidão em que incorreu a Requerente, a título de culpa, uma vez que a mesma, prontamente e após correção/retificação de valores pela AT relativamente a anos anteriores a 2019, requereu à UGC que fosse aplicada idêntica metodologia de princing resultante do referido acordo amigável para os exercícios de 2019, 2020 e 2021, através dos correspondentes ajustamentos de preços de transferência ao seu lucro tributável, mediante a submissão de declarações Modelo 22 de substituição para os referidos períodos, cuja proposta foi aceite pela UGC em março de 2023, não se mostrando justificado o pagamento de juros compensatórios por atraso na liquidação do imposto.

 

 

Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, Pedro Galego e António Pragal Colaço, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

 

A..., SGPS, S.A., com o número único de matrícula e identificação fiscal..., com sede social na..., n.º ..., ...-... Lisboa, doravante designada por “A... SGPS” ou “requerente”, sociedade dominante de grupo (o “Grupo B...” ou o “Grupo Fiscal B...”) sujeito em 2019, 2020 e 2021 ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto, desde 2010 até hoje, nos artigos 69.º (e, anteriormente, de 2004 a 2009, nos artigos 63.º) e seguintes do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”), e estando abrangida pelos serviços periféricos locais do Serviço de Finanças de Lisboa ..., veio, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, requerer a V. Exa. a Constituição de Tribunal Arbitral.

 

É Requerida a AT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 29 de julho de 2024.

O Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os Árbitros, tendo sido notificadas as partes em 18 de setembro de 2024, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O TAC encontra-se, desde 8 de outubro de 2024, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 8 de novembro de 2024.

Por despacho de 3 de dezembro de 2024, o TAC proferiu a seguinte decisão:

“1. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito e a prova produzida é meramente documental.

2. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença. 

3. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, no prazo de 5 dias a contar desta notificação.

4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.

Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

 

  1. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

II.1        Posição da Requerente

O Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:

  1. As liquidações que aqui se contestam (e que acima se identificam) relacionam-se com diversas alterações, quer ao nível do apuramento do lucro tributável do grupo sujeito ao RETGS do qual a requerente é a sociedade dominante, quer ao nível do apuramento do imposto por si a pagar, todas acrescidas de juros compensatórios (cfr. Docs. n.ºs 2 a 4).
  2. De entre as alterações promovidas ao nível do apuramento do lucro tributável, relevam para o que de seguida se peticionará aquelas que refletem a diminuição fiscal de gastos suportados pela requerente com operações de financiamento intragrupo, em concreto decorrentes de financiamentos obrigacionistas e papel comercial subscrito pela sua participada C... BV, sociedade residente para efeitos fiscais nos Países Baixos.
  3. Esta diminuição para efeitos fiscais em Portugal desses gastos com financiamento no exterior, suportou-se no acordo a que chegaram Portugal e os Baíses Baixos ao abrigo da Convenção relativa à Eliminação da Dupla Tributação em caso de Correção de Lucros entre Empresas Associadas (“Convenção de Arbitragem”).
  4. Com efeito, na sequência da abertura de um Procedimento Amigável entre Portugal e os Países Baixos, ao abrigo dos artigos 3.º e 6.º Convenção de Arbitragem,
  5. procedimento que, como é sabido, visa assegurar a eliminação da dupla tributação no caso em que as filiais de empresas multinacionais (empresas associadas), que operam em diferentes países da União Europeia (“UE”), são tributadas em mais do que um país da UE em consequência de um ajuste em alta nos seus lucros num outro país da União,
  6. as autoridades tributárias de ambos os Estados acordaram uma repartição de remuneração a adotar na relação entre a A... e a C... BV distinta daquela que havia sido acordada entre as partes, tendo desta forma a A... SGPS visto reduzir os seus custos referentes àquelas operações intragrupo.
  7. Este acordo abrangeu formalmente os exercícios fiscais então em causa de 2014([1]), 2015, 2016 e 2017 (Doc. n.º 6), aplicando a todos o mesmo critério de remuneração dos financiamentos obtidos pela A... SGPS junto da sua subsidiária da Holanda, uma vez que as operações de financiamentos se mantiveram ao longo desses anos.
  8. E porque esta relação de financiamento se manteve também nos anos seguintes, a A... SGPS, com o prévio acordo da AT (Doc. n.º 7 e Doc. n.º 8),
  9. a quem informou quantificadamente o que ia fazer via declarações de substituição (Doc. n.º 7 e Doc. n.º 8),
  10. estendeu o critério de remuneração internacionalmente acordado para os anos de 2015 a 2017, aos anos seguintes também, designadamente os de 2019 a 2021 aqui em causa (cfr. o Doc. n.º 7 e o Doc. n.º 8).
  11. E fê-lo, como se disse, através da apresentação de declarações de substituição do conhecimento da AT e apresentadas com o prévio acordo da AT (cfr. o Doc. n.º 7 e Doc. n.º 8, e ainda, para 2019 cujo procedimento de inspecção decorria à data, a menção disso mesmo quantificadamente no respectivo Relatório de Inspecção Tributária ao agregado que aqui se junta como Doc. n.º 9 – cfr. o ponto V.1.2.).
  12. No quadro infra encontra-se o impacto da aplicação aos anos de 2019 a 2021, com o acordo e conhecimento da AT, do critério de remuneração resultante do entendimento entre a Autoridade Tributária Portuguesa e a Autoridade Tributária dos Países Baixos:

 

 

  1. Impacto este levado às declarações de substituição da A... SGPS individuais para os exercícios de 2019 a 2021 (Docs. n.ºs 10 a 12), e de grupo para os exercícios de 2020 e 2021 (Docs. n.ºs 13 e 14),
  2. sendo que com respeito a 2019 acabou por ser a AT, em sede da inspecção tributária que então decorria, a finalizar ao nível do Grupo/RETGS a regularização voluntária para mais à base tributável aqui em causa efectuada pela A... ao nível individual (Doc. n.º 10) (cfr. o ponto V.1.2. do Doc. n.º 9), sem emissão de qualquer Modelo 22 de grupo, reflectindo-a directamente na demonstração de liquidação que se seguiu à inspecção a 2019, atrás junta como Doc. n.º 2.
  3. Em suma, com o referido acordo e conhecimento da AT, operacionalizou-se a alteração para mais do lucro tributável e imposto da A... SGPS e seu grupo fiscal decorrente da aplicação dos critérios resultantes do acordo entre as autoridades tributárias portuguesa e holandesa também aos exercícios de 2019 a 2021, de acordo com o quadro síntese infra:

 

 

  1. Estes acréscimos de matéria tributável podem ser visionados no contraste entre o campo 744 do quadro 07 dos Docs. n.ºs 10 a 12 e o mesmo campo das Modelos 22 individuais da A... SGPS antecedentes que aqui se juntam como Docs. n.ºs 15 a 17 (e para completude, mais se juntam as antecedentes Modelos 22 de grupo/RETGS - Docs. n.ºs 18 a 20).
  2. Não está aqui em causa este imposto adicional, resultado da implementação do critério de remuneração determinado por acordo, ao abrigo da Convenção de Arbitragem, entre as Autoridade Tributária Portuguesa e Autoridade Tributária dos Países Baixos.
  3. Aqui está em causa apenas os juros que, adicionalmente a este imposto, a AT veio a liquidar na sequência destas declarações de substituição, também sobre o imposto adicional resultante do referido acordo entre Autoridades Tributárias ao abrigo da Convenção de Arbitragem, apurado na sequência das declarações de substituição para 2019, 2020 e 2021 supra juntas, submetidas com o conhecimento e acordo da AT.

 

  1. Juros estes que lesam a neutralidade, causando assimetria, que preside aos entendimentos ao abrigo da Convenção de Arbitragem, como se verá melhor infra.
  2. E juros estes que foram liquidados e aplicados pela AT nas liquidações e demonstrações de liquidação atrás juntas como Docs. n.ºs 2 a 4 que se seguiram e operacionalizaram as declarações de substituição atrás juntas como Docs. n.ºs 10 a 14.
  3. E juros estes que, no que respeita aos ajustamentos derivados do MAP (Mutual Agreement Procedure), isto é, derivados do entendimento em sede de Convenção de Arbitragem entre as Autoridades fiscais portuguesas e holandesas, correspondem aos seguintes montantes:

 

 

  1. Isto é, sobre aquelas correções ao nível do lucro tributável e correspondente imposto, que refletem o acordo alcançado entre Autoridades tributárias no âmbito da Convenção de Arbitragem, foram liquidados pela AT juros compensatórios.
  2. Imposto e juros estes, que foram pagos pela requerente conforme detalhe que se segue:

- 2019: em 28.09.2023 (2019 – Doc. n.º 2 e Doc. n.º 21);

- 2020: em 11.09.2023 o imposto no montante de € 1.734.152,78 (Doc. n.º 22), correspondente à diferença para o apuramento efectuado na declaração Modelo 22 anterior (contraste-se o campo 367 do quadro 10 dos Doc. n.º 13 e Doc. n.º 19), e em 28.09.2023 os juros (Doc. n.º 3 e Doc. n.º 23);

- 2021: em 24.10.2023 o imposto no montante de 1.477.915,70 (Doc. n.º 24), correspondente à diferença para o apuramento efectuado na declaração Modelo 22 anterior (contraste-se o campo 367 do quadro 10 dos Doc. n.º 14 e Doc. n.º 20), e em 02.11.2023 os juros (Doc. n.º 4 e Doc. n.º 25).

  1. Perante tudo o que supra se descreveu, e no mesmo sentido do que havia já sido por si manifestado aquando da aceitação do acordo alcançado no âmbito da Convenção de Arbitragem (conforme Doc. n.º 26), a requerente não se conforma com a liquidação de juros compensatórios ou de mora sobre o valor adicional de imposto que resultou do procedimento em apreço.
  2. Motivo pelo qual apresentou reclamação graciosa sobre o valor dos juros compensatórios e de mora que foram apurados com referência aos períodos de tributação de 2019, 2020 e 2021, na parte resultante das liquidações adicionais de IRC referentes aos critérios acordados no âmbito da Convenção de Arbitragem e consequentes alterações do lucro tributável, conforme quadro supra que aqui se volta a reproduzir:

 

 

  1. No que respeita aos juros de mora para os períodos de 2020 e 2021, e com relevância para o que de seguida se peticionará, importa referir que os mesmos foram apurados tendo por base o momento em que foram submetidas as declarações de rendimentos Modelo 22 de substituição e o momento em que foi liquidado o DUC relativo a cada um dos exercícios em causa.

 

II.2.       Posição da Requerida

Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

  1. Esclarece a Requerente que, na sequência do acordo alcançado com referência aos períodos de tributação de 2014 a 2017, manifestou junto da UGC a intenção de proceder à regularização voluntária do imposto adicional devido nos subsequentes períodos de 2018 a 2021, porquanto as operações de financiamento continuaram nos anos subsequentes aos que haviam sido incluídos no acordo, solicitando a validação dos cálculos e valores a inscrever nas declarações de rendimento modelo 22 de substituição que pretendia submeter em relação àqueles períodos. 
  2. Recorde-se que a metodologia acordada em sede de Procedimento Amigável, formalizado para os exercícios fiscais de 2014, 2015, 2016 e 2017, prevê uma compensação/remuneração a atribuir à C... BV que abrange:
    1. o ressarcimento dos gastos suportados no âmbito da sua atividade;
    2. um mark up de 5% sobre encargos associados a remunerações de pessoal;
    3. uma componente de remuneração de capital, incidente sobre os montantes de share premium, numa abordagem de valorização de um eventual investimento alternativo desses montantes, apurada em função de duas variáveis:
    4. taxa das obrigações de tesouro a 10 anos emitidas pela Holanda;
    5. spread que corresponde a 25% da compensação pelo risco de crédito, resultante do benchmarking apresentado pela A... SGPS.
  3. Ora, uma vez que nos períodos de 2019 a 2021 a Requerente tinha efetuado o pagamento de uma remuneração à C... BV de acordo com a política de preços de transferência que vinha adotando, foi necessário, no seguimento do requerimento da Requerente, apurar não só o valor da remuneração atribuível à sociedade holandesa, de acordo com os termos do Procedimento Amigável, como também apurar e validar, os valores previamente despendidos pela A... SGPS, a ajustar posteriormente em função da nova política.
  4. Tendo a UGC concluído que os resultados obtidos sobre os valores de remuneração a atribuir à C... BV, em linha com a metodologia acordada entre as administrações fiscais portuguesa e holandesa, foram consistentes com os apurados e propostos pela Requerente.
  5. Deste modo, para os períodos de 2019 a 2021, a AT validou os cálculos e valores dos ajustamentos voluntários apurados pela Requerente, porquanto tais operações de validação permitiram concluir que a metodologia considerada no Procedimento Amigável podia ser adotada para os períodos subsequentes (cfr. Doc. n.º 8 junto ao PPA).
  6. Contudo, é de salientar que a AT se limitou a validar a metodologia de apuramento do preço de transferência que havia sido acordada para exercícios anteriores, pois os períodos de tributação de 2019 a 2021 não se encontram abrangidos pelo Procedimento Amigável, constando do email junto aos autos como Doc. n.º 8 o seguinte:

«Na sequência da análise dos elementos remetidos, confirmamos o valor dos ajustamentos propostos pela A... SGPS para os períodos de 2019 a 2021, em linha com a metodologia definida no âmbito do acordo alcançado entre Portugal e os Países Baixos em sede do Procedimento Amigável incidente sobre os períodos de 2015 a 2017».

  1. Sendo que, na sequência da validação dos cálculos efetuados, a Requerente procedeu à substituição das declarações modelo 22 que havia submetido para os exercícios de 2019, 2020 e 2021, alterando os campos e montantes de acordo com a quantificação que submeteu à apreciação da UGC.
  2. Donde resulta que, o que de facto ocorreu foi a substituição voluntária por iniciativa da Requerente da matéria tributável inicialmente apurada, após confirmação pela UGC da possibilidade de quantificar o preço de transferência de acordo com os pressupostos subjacentes ao acordo obtido ao abrigo da Convenção relativa à Eliminação da Dupla Tributação em caso de Correção de Lucros entre Empresas Associadas (“Convenção de Arbitragem”),
  3. E não, como pretende fazer crer a Requerente, existência de um acordo firmado no âmbito da Convenção de Arbitragem que inclua os anos de 2019 a 2021 aqui em causa.
  4. Pelo que, incorre em erro a Requerente quando refere que aqui está em causa «apenas os juros que, adicionalmente a este imposto, a AT veio a liquidar na sequência destas declarações de substituição, também sobre o imposto adicional resultante do referido acordo entre Autoridades Tributárias ao abrigo da Convenção de Arbitragem» (cfr. art. 29.º do PPA);
  5. Carecendo de fundamento legal a afirmação proferida no art. 30.º do PPA, no sentido de que os juros contestados «lesam a neutralidade, causando assimetria, que preside aos entendimentos ao abrigo da Convenção de Arbitragem, como se verá melhor infra.»
  6. Note-se que, caso a Requerente não tivesse submetido à apreciação da UGC os ajustamentos que pretendia efetuar mediante a submissão voluntária das declarações de substituição e não tivesse obtido resposta concordante sobre a possibilidade de ser utilizado o método de cálculo definida no âmbito do acordo, a sua situação tributária seria objeto de ação inspetiva;
  7. Como efetivamente ocorreu quanto ao período de tributação de 2018, que foi alvo de procedimento inspetivo, tendo havido lugar a correção em sede de preços de transferência dos preços praticados nas operações vinculadas aqui em apreço, e cujo procedimento foi concluído sem que tenha ocorrido uma regularização voluntária por parte da A... SGPS.
  8. Pois, como é bom de ver, os acordos obtidos no âmbito da Convenção de Arbitragem implicam, necessariamente, alguma margem de cedência das Autoridades Tributárias envolvidas quanto ao seu poder de tributar.
  9. Situação esta que não é possível de configurar para situações que não sejam abrangidos pela Convenção de Arbitragem, dada a vinculação da AT aos princípios da legalidade tributária e da indisponibilidade do crédito tributário (cfr. art. 30.º da LGT).
  10. Assim, em resultado da submissão das declarações Modelo 22 de substituição apresentadas pela Requerente, em virtude da aplicação, por esta solicitado, da metodologia constante do acordo obtido  para os períodos de 2019, 2020 e 2021, o resultado tributável apurado pela Requerente foi acrescido, nos termos do n.º 1 do art.º 63.º do CIRC, no montante de € 7.500.690,54, € 7.367.517,29 e € 6.859.037,35, respetivamente.
  11. E, por conseguinte, foram emitidas liquidações de IRC que corrigem o valor inicialmente autoliquidado com referência àqueles períodos (liquidação n.º 2023... [2019], n.º 2023... [2020] e n.º 2023... [2021]), sendo recalculados os correspondentes juros compensatórios e de mora, o que resultou na emissão das liquidações de juros compensatórios [n.º 2023 ... (2019), n.º 2023 ... (2020) e n.º 2023 ... (2021)], e de juros de mora [n.º 2023 ... (2020) e n.º 2023 ... (2021)], contestadas na presente ação arbitral, que cumprem integralmente a disciplina legal aplicável.
  12. Quanto aos juros compensatórios, como plenamente demostra informação que sustenta a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, «não existe qualquer ilegalidade a enfermar as liquidações sindicadas, em matéria de "correções relativas a preços de transferência" (campo 744 do quadro 07 da declaração periódica de rendimentos [declaração modelo 22]), quer porque, e em consequência desta, decorre da própria lei a exigibilidade dos juros compensatórios pelo retardamento da liquidação (devida) do imposto.».
  13. Pelo que, será de concluir pela manifesta improcedência da argumentação da Requerente nos presentes autos que é em tudo coincidente com os argumentos por si invocados no âmbito da reclamação graciosa apresentada, os quais foram perfeitamente contraditados pelos serviços na informação que sustenta o projeto de decisão, em relação aos quais a Requerente não se pronunciou em sede de direito de audição prévia, pelo que os mesmos se mantiveram na decisão final.
  14. Ora, como exposto anteriormente, os valores dos juros compensatórios agora impugnados são correspondentes aos ajustamentos efetuados pela Requerente nas declarações de substituição respeitantes aos exercícios de 2019 a 2021, submetidas após confirmação da UGC da possibilidade de utilização da metodologia de pricing acordada na Convenção de Arbitragem entre a Requerente e a C... BV, para os anos de 2014 e 2015 e, posteriormente, para 2016 e 2017, no âmbito da Convenção de Arbitragem.
  15. Com efeito, ficou firmado, através daquele acordo obtido (por aceitação por parte da Requerente), que eram devidas correções, nos termos do n.º 1 do art.º 63.º do CIRC, por violação do principio de plena concorrência, relativamente aos gastos reconhecidos contabilística e fiscalmente, decorrentes de financiamentos obrigacionistas e papel comercial subscrito pela sua participada C... BV, sociedade residente para efeitos fiscais nos Países Baixos.
  16. Sendo que, quando a Requerente submeteu à apreciação da UGC os cálculos efetuados, com referência aos períodos de tributação de 2018 a 2021, com base na metodologia resultante do acordo, fê-lo porque, nas primeiras declarações modelo 22 dos exercícios de 2019, 2020 e 2021, reconheceu gastos que, nos termos do n.º 1 do art.º 63.º do CIRC, deveriam, em parte, ser desreconhecidos fiscalmente.
  17. Assim, foi apurado imposto adicional, após submissão das declarações de substituição, as quais refletiram os ajustamentos ao montante do preço de transferência inicialmente quantificado, aquando da autoliquidação dos exercícios de 2019, 2020 e 2021, mas que não correspondia à real situação tributária da Requerente.
  18. Ora, como bem refere a reclamação graciosa, no caso de a declaração modelo 22, na qual se cumpre a obrigação de autoliquidação do imposto devido «não traduzir a realidade tributária do sujeito passivo e originar uma liquidação de imposto que, para além de não ser verdadeira, resulte prejuízo para o Estado, serão devidos juros compensatórios.».
  19. Sendo que, in casu, «apurou-se uma incorreta evidenciação da realidade tributária da reclamante ao não efetuar a necessária correção na determinação do lucro tributável (de 2019, 2020 e 2021), pelo montante correspondente aos efeitos fiscais imputáveis à inobservância das regras enunciadas no artigo 63.º n° 1 do CIRC, relativamente a operações com entidades não residentes.».
  20. Como, aliás, reconheceu a Requerente «quando substituiu as declarações modelo 22 individuais, dos períodos de tributação de 2019, 2020 e 2021, e nelas procedeu à emenda do campo 744 do quadro 07 (€ 7.500.690,54, € 7.367.517,29 e € 6.859.037 foram os valores inscritos com referência aos exercícios de 2019, 2020 e 2021, respetivamente), e posteriormente refletiu essa retificação ao nível do Grupo que encabeça.».
  21. Donde resulta a comprovada sujeição ao pagamento de juros compensatórios.
  22. Dispõe o artigo 35.º da LGT que os juros compensatórios são devidos quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido, e integram-se na própria dívida do imposto.
  23. Por sua vez, o artigo 102.º, n.º 1 do CIRC, determina que “sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega do imposto a pagar antecipadamente ou a reter no âmbito da substituição tributária ou obtido reembolso indevido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios à taxa e nos termos previstos no artigo 35° da Lei Geral Tributária".
  24. Referem a doutrina e a jurisprudência que os juros compensatórios “pressupõem atraso na liquidação, isto é, na determinação do montante do imposto, por motivo imputável ao contribuinte” (cfr. Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, de Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, 4ª edição, pág. 174), sendo que “A responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de uma dívida de imposto, da existência de um atraso na efectivação de uma liquidação de imposto, e da imputabilidade deste atraso à actuação do contribuinte” (cfr. Ac. do STA, de 23-09-98, Proc. 022 612).
  25. Os juros compensatórios constituem, pois, um regime específico de indemnização civil do Estado pelos danos causados pela falta de cobrança do imposto resultante do incumprimento por parte do contribuinte dos seus deveres acessórios, constituindo um agravamento “ex lege” proveniente da omissão de declarações ou de apresentação de documentos, ou da falta de autoliquidação ou insuficiente liquidação, bem como da falta de participação em qualquer ocorrência, situações que tiveram como consequência o atraso da liquidação (neste sentido cfr. Vitor Faveiro, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, Vol. I, Coimbra, 1984, pág. 451).
  26. Sustenta a jurisprudência o entendimento no sentido de que se determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito se deve fazer decorrer dessa conduta, por ilação lógica, a existência de culpa (não porque a culpa se presuma, mas por ser algo que, em regra, se liga ao carácter ilícito-típico do facto praticado), devendo partir-se do pressuposto de que existe culpa quando a atuação do contribuinte integra a hipótese de uma infração tributária (cfr. Ac. do STA, de 23-09-98, Proc. 022 612, Ac. do STA, de 19-11-2008, Proc. 0325/08, Ac. STA, de 21-11-2019, Proc. n.º 0306/12.6BELLE 01136/16 e Jorge Lopes de Sousa, in Juros nas relações tributárias, Problemas fundamentais do Direito tributário, Lisboa 1999, pág.145 e ss.).
  27. Ora, reitera-se que a Requerente reconheceu gastos, em 2019, 2020 e 2021, que nos termos do n.º 1 do art.º 63.º do CIRC, deveriam, em parte, ser desreconhecidos fiscalmente.
  28. Pelo que, a responsabilidade da Requerente no atraso na liquidação e na entrega ao Estado do imposto devido advém do incumprimento das disposições legais vigentes para a sua concreta situação tributária e das consequentes inexatidões e omissões praticadas no preenchimento da declaração Modelo 22, dos exercícios em causa.
  29. A requerente invoca no PPA que “não foi adotada pela Autoridade Tributária Portuguesa nenhuma das abordagens previstas e recomendadas no ponto 8 do Código de Conduta da Convenção de Arbitragem (2009), tendo daí resultado um prejuízo direto – e indevido – para a requerente, no montante de € 490.227,35.”.
  30. Contudo, como já plenamente demostrado, os exercícios de 2019 a 2021 não se encontram abrangidos no âmbito do acordo alcançado entre Portugal e os Países Baixos em sede do Procedimento Amigável, o qual apenas incidiu sobre os exercícios de 2015 a 2017;
  31. Tendo, unicamente, ocorrido a confirmação pela UGC de que os ajustamentos propostos pela Requerente para os períodos de 2019 a 2021 poderiam seguir a metodologia definida no âmbito do acordo alcançado em sede do Procedimento Amigável incidente sobre os períodos de 2015 a 2017.
  32. E mesmo se tal Procedimento Amigável abrangesse os períodos de 2019 a 2021, este argumento não poderia colher, pois, como refere a própria Requerente, o referido ponto 8. do Código de Conduta da Convenção de Arbitragem não consubstancia uma obrigação normativa, mas uma mera recomendação, reportando-se ao “Pagamento da dívida fiscal e cobrança de juros durante os procedimentos de resolução de litígios transfronteiras", e não à fase subsequente à concretização do acordo.
  33. Por outro lado, não se verifica, quer no direito interno como no direito comunitário, a presença de um quadro legal que afaste a aplicação dos artigos 102.º do CIRC e 35.º da LGT ao caso dos autos.
  34. A Requerente invoca, ainda, que “não existe qualquer facto imputável à requerente, e a liquidação adicional de imposto que motivou a liquidação de juros compensatórios não resultou
    1. de qualquer erro de enquadramento ou de qualificação jurídico-tributária por si motivado, mas
    2. mesmo que tivesse resultado, o mesmo seria totalmente desculpável.», considerando, por conseguinte, que os juros compensatórios apurados pela AT são ilegais.
  35. Na decisão da reclamação graciosa pode ler-se a este propósito:

«19.O que significa, a nosso ver, que se deve entender existir culpa quando a atuação se consubstanciou num comportamento contrário ao direito, isto é, que viole normas jurídico-tributárias, que foi o que sucedeu no caso, na medida em que a reclamante, aquando da submissão da 1a declaração modelo 22 para os exercícios de 2019, 2020 e 2021, não observou o disposto no artigo 63.° nºs 1 e 8 do CIRC.”.

  1. Donde, in casu, resulta demonstrada a culpa, e, consequentemente a legalidade da liquidação dos juros compensatórios, pois, reitera-se, a Requerente é responsável pela insuficiência dos montantes autoliquidados e pela entrega ao Estado da totalidade do imposto devido, incumprindo as disposições legais vigentes para a sua concreta situação tributária, mormente o disposto no artigo 63.° n.ºs 1 e 8 do CIRC;
  2. Sendo que, o erro em que incorreu a Requerente quando efetuou a autoliquidação do IRC apenas foi corrigido quando submeteu as declarações de substituição.
  3. Mostra-se, pois, verificado o pressuposto da culpa, integrando a atuação da Requerente a hipótese de uma infração tributária 114.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).
  4. Acresce referir que, não corresponde à verdade que «não chegou sequer a ser tomada decisão final quanto à existência, ou não, de um erro no enquadramento jurídico-tributário que implicou o retardamento na entrega de imposto», pois, reitera-se os exercícios aqui em causa não foram incluídos no Procedimento Amigável;
  5. Sendo que, como bem sabe a Requerente, o período de tributação de 2018 foi alvo de procedimento inspetivo, tendo havido lugar a correção em sede de preços de transferência dos preços praticados nas operações vinculadas aqui em apreço, e cujo procedimento foi concluído sem que tenha ocorrido uma regularização voluntária.  
  6. A Requerente invoca erro de cálculo nos juros compensatórios, por a AT ter tomado como termo inicial para o cálculo dos juros compensatórios, nos períodos de 2019, 2020 e 2021, os dias 4-09-2020, 20-07-2021 e 7-06-2022, respetivamente.
  7. Ora, tal como evidenciado na decisão que apreciou a reclamação graciosa, as referidas datas consideradas como início da contagem dos juros têm suporte legal. Vejamos:
    1. 4-09-2020 corresponde ao dia em que a reclamante recebeu um valor de reembolso indevido apurado na 1.ª declaração modelo 22 do Grupo, referente ao exercício de 2019, logo tal situação tem enquadramento nos n.°s 2 e 5 do artigo 35.º da LGT;
    2. 20-07-2021 corresponde ao dia seguinte ao termo do prazo de entrega da declaração modelo 22 do Grupo, referente ao período de 2020, encontrando-se esta situação prevista nos n.ºs 1 e 3 do artigo 35.º da LGT;
    3. 7-06-2022 corresponde ao dia seguinte ao termo do prazo de entrega da declaração modelo 22 do Grupo, referente ao período de 2021, logo, tal como no ponto anterior, esta data tem suporte nos n.°s 1 e 3 do artigo 35.° da LGT.
  8. Diante do exposto, bem concluiu a decisão controvertida que as autoliquidações de IRC relativas aos períodos de tributação de 2019, 2020 e 2021, por não refletirem de forma fidedigna a realidade fiscal da Requerente (em particular quanto ao campo 744 do quadro 07 da declaração modelo 22) e, consequentemente, do “Grupo B..., acarretaram um prejuízo para o Estado.
  9. Assim, nos termos do quadro legal anteriormente mencionado, a Requerente incorre numa obrigação de indemnização, materializada na forma de juros compensatórios, não se justificando, deste modo, a aceitação dos vícios invocados.
  10. Quanto aos juros de mora, a Autora alega que “tendo ficado devidamente demonstrada a ausência de qualquer justificação para a manutenção dos juros compensatórios aqui em discussão, fica necessariamente demonstrada a ilegalidade da liquidação de juros de mora sobre essa componente. Assim, e como consequência direta e imediata da anulação da liquidação referente aos juros compensatórios, deve ser anulada liquidação de juros de mora no montante de € 2.068,89.”.
  11. Ora, os juros de mora [€ 854,77 (2020) e € 1.214,12 (2021)], também contestados no PPA, correspondem aos juros de mora calculados sobre os juros compensatórios anteriormente mencionados, através das liquidações n.ºs 2023  ... (2020) e 2023 ... (2021), cuja legalidade foi plenamente provada, devendo tais liquidações manter-se no ordenamento jurídico.
  12. Conforme ficou demonstrado, os juros compensatórios são devidos, o que implica, consequentemente legalidade dos respetivos juros de mora.
  13. Os juros de mora, que se somam aos juros compensatórios, possuem uma natureza distinta destes últimos.
  14. Enquanto os juros compensatórios se integram na própria dívida tributária (conforme n.º 8 do artigo 35.º da LGT), em caso de mora por parte do devedor, incidem sobre o montante total em dívida (incluindo a coleta do imposto e os juros compensatórios) os juros moratórios aplicados à taxa legal.
  15. Na decisão arbitral relativa ao processo n.º 613/2016-T de 2017-05-01, pode ler-se: «Ao contrário do que se refere no n.º 1 do artigo 35.º da LGT (e n.º 2 do artigo 102.º do Código do IRC) o artigo 44.º da LGT não faz depender a liquidação dos juros de mora da existência de “facto imputável ao sujeito passivo”, tal como ocorre com os pressupostos da liquidação dos juros compensatórios.
  16. Como se refere nas próprias instruções sobre juros juntas ao processo com a resposta (PA 6 e PA 7): “Os juros de mora são devidos em toda e qualquer situação em que se verifique mora do devedor, ou seja, a partir do momento em que termina o prazo legal para pagamento voluntário de um tributo, conforme estipulam os já referidos nº 1 do artigo 44º da LGT, nº 1 do artigo 86º do CPPT”.
  17. Assim, face ao actual regime legal, bastará o atraso de um único dia, no regime normal, para gerar uma obrigaçãode juros …” concluindo-se pela “… sua natureza não exclusivamente reparadora, mas também, compulsória do pagamento pontual da obrigação tributária…”.»
  18. Assim, na medida em que os juros de mora foram calculados sobre os juros compensatórios que se consideram legais, não identificamos fundamento legal para considerar que a sua liquidação esteja em desacordo com os preceitos legais aplicáveis, devendo improceder o pedido de pronúncia nesta parte.

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

Foram suscitadas exceções de que cumpre conhecer, o que se fará adiante.

O processo não enferma de nulidades.

 

 

  1. Fundamentação

IV.1.      Matéria de facto

 

Factos dados como provados

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

  1. A A... SGPS, ora Requerente é a sociedade dominante do “Grupo B...” ou “Grupo Fiscal B...”, o qual optou, no âmbito do IRC, pela aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), previsto nos termos do artigo 69.º a 71.º do CIRC.
  2. Nos períodos de tributação de 2014 a 2018, a Requerente foi objeto de procedimentos inspetivos, na sua esfera individual, tendo sido promovida para cada um daqueles anos correções nos termos do n.º 1 art.º 63.º do CIRC, em resultado de ter reconhecido como gastos fiscais daqueles períodos valores correspondentes a parte da remuneração indevidamente atribuída à C... BV, sua relacionada, com sede fiscal nos Países Baixos, violando o Princípio de Plena Concorrência.
  3. Consequentemente, por aplicação do RETGS, as correções efetuadas na esfera individual da Requerente foram repercutidas na esfera do Grupo, originando, para cada um dos referidos anos, liquidações adicionais apuradas para o Grupo de sociedades.
  4. Na sequência de um pedido de abertura de procedimento amigável, efetuado nos termos do n.º 1 do art.º 21.º da Portaria n.º 268/2021, de 26 de novembro, apresentado pela Requerente, em junho de 2020, foi a mesma notificada através do ofício n.º ..., de 05-94-2022, de que as Autoridades Tributárias portuguesa e holandesa acordaram na metodologia de pricing a adotar na relação entre a Requerente e a C... BV, para os anos de 2014 e 2015, e posteriormente alargado para 2016 e 2017.
  5. Idêntico requerimento foi apresentado pela Requerente, junto da Administração Fiscal holandesa.
  6. O acordo alcançado entre as autoridades tributárias de Portugal e a Holanda teve por suporte o entendimento de que a C... BV deve apenas ser remunerada em função dos gastos em que incorre na sua atividade e na medida dos riscos que assume nas funções que efetivamente desempenhe.
  7. Assim, de acordo com o entendimento alcançado no Procedimento Amigável, a remuneração a atribuir à C... BV resulta do ressarcimento dos gastos suportados, acrescidos de um mark up de 5% sobre os encargos com a remuneração de pessoal, bem como de uma componente de remuneração de capital - incidente sobre os montantes de share premium, numa abordagem de valorização de um eventual investimento alternativo desses montantes -, apurada em função de duas variáveis: taxa das obrigações de tesouro a 10 anos emitidas pela Holanda e um spread que corresponde a 25% da compensação pelo risco de crédito, resultante do benchmarking apresentado pela A... SGPS (aqui Requerente).
  8. Desse acordo resultaram ajustamentos primários para cada um dos anos e ajustamentos correlativos, caso a Requerente pretendesse aceitar, sob a condição de que declarasse que “renuncia a quaisquer outras vias de recurso (judicial ou administrativo), respeitantes às matérias peticionadas no procedimento amigável, devendo fazer prova da desistência dos recursos em curso”.
  9. O acordo amigável foi aceite quer pela Requerente como pela sua relacionada, e nessa sequência, a Requerente apresentou desistência relativamente aos processos contenciosos ainda em curso.
  10. Em virtude do acordo amigável a AT procedeu à correção/ retificação dos valores referentes às correções inicialmente efetuadas pelos SIT, em matéria de preços transferência, e posteriormente, em sede de procedimento de revisão oficiosa, foi efetuada a revisão dos atos tributários de liquidação referentes aos anos de 2015, 2016 e 2017 (tendo sido reduzido o valor acrescido pelos SIT, no campo 744 do quadro 07 da Modelo 22), foram emitidas liquidações de IRC corretivas, que incluíam liquidações de juros compensatórios, que vieram a ser objeto de pedido de pronúncia arbitral (Proc. n.º 396/2024-T).
  11. Ou seja, a AT procedeu à anulação parcial dos ajustamentos ao lucro tributável da Requerente que havia efetuado em sede de procedimento inspetivo e esta procedeu ao pagamento do imposto sobre a parte do lucro tributável corrigido que não foi alvo de anulação.
  12. Posteriormente, a Requerente requereu à UGC que fosse aplicada idêntica metodologia de princing resultante do referido acordo amigável para os exercícios de 2019, 2020 e 2021, através dos correspondentes ajustamentos de preços de transferência ao seu lucro tributável, mediante a submissão de declarações Modelo 22 de substituição para os referidos períodos, cuja proposta foi aceite pela UGC em março de 2023.
  13. Assim, foram submetidas pela Requerente declarações Modelo 22 de substituição relativamente aos exercícios de 2019 a 2021, tendo sido ajustados os valores dos preços de transferência anteriormente indicados, por acréscimo ao campo 744 do quadro 07 da declaração modelo 22 individual, dos seguintes valores:

- € 7.500.690,54 referente ao exercício de 2019;

-  € 7.367.517,29 referente ao exercício de 2020; e

- € 6.859.037,35, referente ao exercício de 2021.

  • Em resultado desses ajustamentos, a AT procedeu às seguintes liquidações, corrigindo/ retificando o valor de IRC inicialmente apurado decorrente das autoliquidações efetuadas pela Requerente em relação aos períodos de 2019, 2020 e 2021:

- Liquidação de IRC n.º 2023..., referente a 2019;

- Liquidação de IRC n.º 2023..., referente a 2020; e,

- Liquidação de IRC n.º 2023..., referente a 2021.

  • Sobre as referidas liquidações de IRC, foram apurados pela AT juros compensatórios no montante total de € 490.227,35, designadamente:

- € 239.611,10 relativos a 2019 (liquidação n.º 2023...);

- € 169.770,96 relativos a 2020 (liquidação n.º 2023...); e

- € 80.845,29 relativos a 2021 (liquidação n.º 2023...).

  1. Foram, também, apurados pela AT juros de mora, no montante total de € 2.068,89, nomeadamente:

- € 854,77, referentes a 2020 (liquidação n.º 2023...); e,

- € 1.214,12, referentes a 2021 (liquidação n.º 2023...).

  1. Os Imposto e juros foram pagos pela requerente conforme detalhe que se segue:

- 2019: em 28.09.2023 (2019 – Doc. n.º 2 e Doc. n.º 21);

- 2020: em 11.09.2023 o imposto no montante de € 1.734.152,78 (Doc. n.º 22), correspondente à diferença para o apuramento efectuado na declaração Modelo 22 anterior (contraste-se o campo 367 do quadro 10 dos Doc. n.º 13 e Doc. n.º 19), e em 28.09.2023 os juros (Doc. n.º 3 e Doc. n.º 23);

- 2021: em 24.10.2023 o imposto no montante de 1.477.915,70 (Doc. n.º 24), correspondente à diferença para o apuramento efectuado na declaração Modelo 22 anterior (contraste-se o campo 367 do quadro 10 dos Doc. n.º 14 e Doc. n.º 20), e em 02.11.2023 os juros (Doc. n.º 4 e Doc. n.º 25).

  1. Em 08-01-2024, a Requerente apresentou reclamação graciosa n.º ...2404..., contra as liquidações de IRC, anteriormente referidas no art. 12.º da presente Resposta, n.º 2023... (2019), n.º 2023... (2020) e n.º 2023... (2021), requerendo a anulação total dos juros compensatórios liquidados para os anos de 2019 a 2021 (no valor total de € 490.227,35), bem como, a anulação dos juros de mora que foram calculados sobre esses mesmos juros compensatórios, respeitantes a 2020 e 2021 (valor total de € 2.068,89).
  2. A reclamação graciosa foi decidida, em 07-05-2024, no sentido de ser indeferida, relativamente ao pedido formulado pela Requerente.
  3. A Requerente foi notificada da Decisão através do ofício n.º ...-DJT/2024 remetido por carta registada, registo CTT n.º RF ... PT (cfr. RG, junta ao PA), a qual constitui o objeto imediato da presente ação arbitral.

 

Factos dados como não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais, bem como nos documentos juntos aos autos, quer pela Requerente (com o pedido), quer pela Requerida (no processo administrativo) e em factos não questionados pelas partes.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo autor, nos termos do n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, de acordo com o n.º 2 do artigo 123.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[2], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

IV.2.      Matéria de Direito

 

A única questão em debate traduz-se em saber se há lugar ao pagamento de juros compensatórios e juros de mora  no pagamento de impostos que resultam da correção dos lucros entre empresas associadas deliberados pela aplicação do acordo a que chegaram Portugal e os Países Baixos ao abrigo da Convenção relativa à Eliminação da Dupla Tributação em caso de Correção de Lucros entre Empresas Associadas (“Convenção de Arbitragem”).

No entender da Requerente, a liquidação de juros compensatórios e moratórios é ilegal, porquanto:

  1. Aqui está em causa apenas os juros que, adicionalmente a este imposto, a AT veio a liquidar na sequência destas declarações de substituição, também sobre o imposto adicional resultante do referido acordo entre Autoridades Tributárias ao abrigo da Convenção de Arbitragem, apurado na sequência das declarações de substituição para 2019, 2020 e 2021 supra juntas, submetidas com o conhecimento e acordo da AT.
  2. Juros estes que lesam a neutralidade, causando assimetria, que preside aos entendimentos ao abrigo da Convenção de Arbitragem,

 

Como resulta da matéria de facto dada como assente:

  1. A Requerente requereu à UGC que fosse aplicada idêntica metodologia de princing resultante do referido acordo amigável para os exercícios de 2019, 2020 e 2021, através dos correspondentes ajustamentos de preços de transferência ao seu lucro tributável, mediante a submissão de declarações Modelo 22 de substituição para os referidos períodos, cuja proposta foi aceite pela UGC em março de 2023;
  2. Assim, foram submetidas pela Requerente declarações Modelo 22 de substituição relativamente aos exercícios de 2019 a 2021, tendo sido ajustados os valores dos preços de transferência anteriormente indicados, por acréscimo ao campo 744 do quadro 07 da declaração modelo 22 individual, dos seguintes valores:

- € 7.500.690,54 referente ao exercício de 2019;

-  € 7.367.517,29 referente ao exercício de 2020; e

- € 6.859.037,35, referente ao exercício de 2021.

  1. Em resultado desses ajustamentos, a AT procedeu às seguintes liquidações, corrigindo/ retificando o valor de IRC inicialmente apurado decorrente das autoliquidações efetuadas pela Requerente em relação aos períodos de 2019, 2020 e 2021:

- Liquidação de IRC n.º 2023..., referente a 2019;

- Liquidação de IRC n.º 2023..., referente a 2020; e,

- Liquidação de IRC n.º 2023..., referente a 2021.

  1. Sobre as referidas liquidações de IRC, foram apurados pela AT juros compensatórios no montante total de € 490.227,35, designadamente:

- € 239.611,10 relativos a 2019 (liquidação n.º 2023 ...);

- € 169.770,96 relativos a 2020 (liquidação n.º 2023 ...); e

- € 80.845,29 relativos a 2021 (liquidação n.º 2023 ...).

  1. Foram, também, apurados pela AT juros de mora, no montante total de € 2.068,89, nomeadamente:

- € 854,77, referentes a 2020 (liquidação n.º 2023...); e,

- € 1.214,12, referentes a 2021 (liquidação n.º 2023 ...).

 

  Por seu lado, a Autoridade Tributária corroborou a posição adotada pela Requerente, uma vez que a AT procedeu à correção/ retificação dos valores referentes às correções inicialmente efetuadas pelos SIT, em matéria de preços transferência, e posteriormente, em sede de procedimento de revisão oficiosa, foi efetuada a revisão dos atos tributários de liquidação referentes aos anos de 2015, 2016 e 2017 (tendo sido reduzido o valor acrescido pelos SIT, no campo 744 do quadro 07 da Modelo 22), foram emitidas liquidações de IRC corretivas, que incluíam liquidações de juros compensatórios, que vieram a ser objeto de pedido de pronúncia arbitral (Proc. n.º 396/2024-T).

Ora, nos termos do artigo 35.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”. No mesmo sentido, o artigo 102.º, n.º 1, do CIRC consigna que “[s]empre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega do imposto a pagar antecipadamente ou a reter no âmbito da substituição tributária ou obtido reembolso indevido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios à taxa e nos termos previstos no artigo 35º da Lei Geral Tributária”.

Segundo estas disposições, os juros compensatórios são devidos pelo sujeito passivo com o propósito essencial de ressarcir a Administração pelo atraso na liquidação do imposto que a ele seja imputável, apontando para o caso mais frequente em que o contribuinte entrega a declaração de rendimentos fora dos prazos legais, prejudicando a liquidação atempada do imposto (cfr. Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, reimpressão, Coimbra, 2015, págs. 422-423).

Poderá ainda entender-se que são devidos juros compensatórios quando o imposto tenha sido liquidado com base na declaração de rendimentos entregue pelo sujeito passivo e venha a verificar-se, mais tarde, que o imposto era devido em montante superior ao que resultava da declaração, o que poderá suceder quando essa verificação venha a ser efectuada posteriormente em sede de procedimento inspetivo (cfr. Serena Cabrita Neto/Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Coimbra. 2017, pág. 314).

Haverá de entender-se, face aos dispositivos legais, que os juros compensatórios têm um carácter sancionatório, pressupondo o atraso da liquidação por motivo imputável ao contribuinte.

Como tem sido entendimento corrente, os juros compensatórios constituem uma reparação de natureza civil que se destina a indemnizar a Administração Tributária pela perda de disponibilidade de uma quantia que não foi liquidada atempadamente. Tratando-se de uma indemnização de natureza civil, ela só exigível se se verificar um nexo de causalidade entre a atuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação e essa atuação possa ser censurável a título de dolo ou negligência (cfr., neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 22 de janeiro de 2014, Processo n.º 01490/13, 21 de janeiro de 2015, Processo n.º 0632/14, e 28 de abril de 2021, Processo n.º 02577/14).

Entende-se também que não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação ficou a dever-se a compreensível dúvida, dificuldade ou divergência razoável de critérios quanto à qualificação e enquadramento da situação tributária, caso em que o facto determinante, ainda que imputável ao contribuinte, pode considerar-se como constituindo um erro desculpável (cfr. acórdão do STA de 11 de março de 2009, Processo n.º 0961/08). Será esse o caso quando a lei revela dificuldades de interpretação e a opção realizada pelo contribuinte, ainda que defensável, tenha sido posto em causa pela Administração (cfr., Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra, pág. 264).

Revertendo à situação do caso concreto, o que se constata é que a Requerente requereu à UGC que fosse aplicada idêntica metodologia de princing resultante do já referido acordo amigável para os exercícios de 2019, 2020 e 2021, através dos correspondentes ajustamentos de preços de transferência ao seu lucro tributável, mediante a submissão de declarações Modelo 22 de substituição para os referidos períodos, cuja proposta foi aceite pela UGC em março de 2023.

Nada permite concluir, nas circunstâncias do caso, que o atraso na liquidação, que se ficou a dever, não a um comportamento omissivo do sujeito passivo, mas decorrente de um acordo amigável, sobre o qual, num momento prévio, a AT procedeu à correção/ retificação dos valores referentes às correções inicialmente efetuadas pelos SIT, em matéria de preços transferência, e posteriormente, em sede de procedimento de revisão oficiosa, foi efetuada a revisão dos atos tributários de liquidação referentes aos anos de 2015, 2016 e 2017 (tendo sido reduzido o valor acrescido pelos SIT, no campo 744 do quadro 07 da Modelo 22), foram emitidas liquidações de IRC corretivas, que incluíam liquidações de juros compensatórios.

E, em todo o caso, como se considerou no acórdão do STA de 16 de dezembro de 2010 (Processo n.º 0587/10), a culpa pelo atraso na liquidação em vista ao ressarcimento dos prejuízos decorrentes para a Administração, pode e deve ser excluída quando se mostre, à luz das regras de experiência e das provas coligidas, que o contribuinte atuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais – o que é o caso.

Neste condicionalismo, não podendo imputar-se a inexatidão em que incorreu a Requerente, a título de culpa, uma vez que a mesma, prontamente e após correção/retificação de valores pela AT, requereu à UGC que fosse aplicada idêntica metodologia de princing resultante do referido acordo amigável para os exercícios de 2019, 2020 e 2021, através dos correspondentes ajustamentos de preços de transferência ao seu lucro tributável, mediante a submissão de declarações Modelo 22 de substituição para os referidos períodos, cuja proposta foi aceite pela UGC em março de 2023, não se mostrando justificado o pagamento de juros compensatórios por atraso na liquidação do imposto.

Face à solução a que se chega, e considerando que a declaração de ilegalidade por erro nos pressupostos de direito oferece mais eficaz tutela aos interesses em presença, julga-se prejudicado o conhecimento do vício da ausência de fundamentação referente quer aos juros compensatórios, quer moratórios, e da ausência do requisito da culpa ou censurabilidade.

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, o processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 – primeira parte, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010), devendo entender-se incluídos na competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do CAAD os poderes que, na impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, entre os quais o de apreciar pedidos de juros indemnizatórios.

Em consequência da procedência do pedido de anulação dos atos tributários na componente dos juros compensatórios e moratórios, fica a AT vinculada, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, a “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que inclui, para além da restituição do indevido, “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

De igual modo, o n.º 1 do artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável ao
processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do
RJAT, estabelece que “1 - A administração tributária está obrigada, em caso de
procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo
judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não
tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros
indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º, da LGT, que fixa o
momento a partir do qual os mesmos são devidos, por erro imputável aos serviços (n.ºs 1
e 2) ou por “outras circunstâncias” (n.º 3), bem como a respetiva taxa (n.º 4) e a
consequência do atraso na execução da sentença transitada em julgado (n.º 5).

No caso em análise, fica a Requerida obrigada ao pagamento a favor da Requerente de juros indemnizatórios sobre o valor da prestação tributária paga em excesso, a liquidar nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT.

 

 

  1. DECISÃO

Em face de tudo o exposto, decide este Tribunal Arbitral Coletivo julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, com as legais consequências.

 

 

  1. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em  € 492.269,24, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

 

  1. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 7.650,00, a cargo da Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 21 de março de 2025

 

Os Árbitros,

 

 

Guilherme W. d’Oliveira Martins
(Árbitro Presidente)

 

 

 

 

Pedro Galego

(Árbitro Ajunto)

 

 

António Pragal Colaço 

(Árbitro Ajunto)

 



([1]) Contudo, em face do desfecho favorável obtido junto dos tribunais portugueses relativamente ao período de tributação de 2014, o exercício em apreço foi excluído do âmbito do acordo alcançado em sede de Convenção de Arbitragem.

[2] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.