Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 906/2024-T
Data da decisão: 2025-03-25   Outros 
Valor do pedido: € 120.678,86
Tema: Contribuição de Serviços Rodoviário- qualificação – legitimidade de impugnação da liquidação - ónus de prova.
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SUMÁRIO:

 

1. A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) é, quer á luz do Direito Comunitário, quer à luz do direito nacional, um tributo qualificado como “imposto” e não como mera “contribuição”, pelo que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar matérias a ela respeitantes, nos termos do nº 1 do art. 2º do DL nº 10/2011, de 20/1 e do nº 1 do art. 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22/3.

2. Os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de atos de liquidação de CSR, ainda que não possam apreciar a legalidade dos atos de repercussão daquele imposto no âmbito das relações entre repercutente e repercutido.

3. A falta de identificação dos atos de liquidação de CSR contestados, cuja declaração de ilegalidade e anulação seja requerida pelo autor da ação, implica a ineptidão do pedido de pronúncia arbitral e também não permite a prova da legitimidade processual do repercutido para contestar a legalidade dos atos de liquidação daquele imposto.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Fernando Araújo (Árbitro Presidente), António de Barros Lima Guerreiro e Sílvia Oliveira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 08-10-2024, acordam no seguinte:

 

I. - RELATÓRIO

 

1. IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES

1.1. Requerente

A... UNIPESSOAL, LDA., com sede na ...,... ..., ...-... ..., com o NIPC ... (adiante designada por Requerente).

1.2. Requerida

Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por Requerida ou AT).

 

2. TRAMITAÇÃO DO PROCESSO

2.1. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado a 26/7/2024 e na mesma data encaminhado automaticamente para a Requerente e para a Requerida, tendo a Requerente optado por não designar árbitro.

2.2. A 5/8/2024, o pedido seria notificado à AT.

2.3. A 9/8/2024, a Requerida juntaria ao processo despacho do dia 5 anterior de designação das representantes processuais as juristas Ana Almeida e Costa e Helena Matos Delgado.

2.4. A 4/9/2024, a representante processual da Requerida pronunciou-se no sentido de que, analisado o pedido, não detetou a identificação de qualquer ato tributário, identificação que, aliás, também não consta da plataforma do Centro de Arbitragem Tributária (CAAD). Tendo em conta, que a competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, abrange exclusivamente a apreciação direta da legalidade de ato(s) de liquidação ou de ato(s) de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de ato(s) daquele tipo, conforme decorre do nº 1 do art. 2º do RJAT e que, sem a identificação, por parte dos interessados, do ato tributário, cuja ilegalidade invoca, o dirigente máximo da AT não pode exercer a faculdade prevista no art. 13.º do RJAT, solicitaria que fossem identificado(s) os atos de liquidação cuja legalidade o requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista nessa norma do RJAT só ocorreria após a notificação da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada.

2.5. Ainda nessa data, o presidente do CAAD remeteria a apreciação dessas questões para o Tribunal Arbitral a constituir.

2.6. A 18/9/2024, seriam juntas ao processo as declarações de aceitação do presidente do tribunal arbitral e dos árbitros auxiliares.

2.7. A 20/9/2024, a Requerente transmitiria ao Tribunal Arbitral não dispor dos elementos necessários à identificação dos atos tributários impugnados, que dependeria da colaboração da B... Ldª, pedindo ao Tribunal Arbitral a notificação desta para junção desses elementos.

2.8. Os elementos que a Requerida considera em falta estariam, para a Requerente, na posse desses fornecedores, pelo que o único meio possível para a sua obtenção seria o tribunal determinar a sua comunicação, nos termos do art. 436º do Código de Processo Civil ou do nº 1 do art. 20º do Regulamento da Arbitragem Administrativa, de acordo com o qual o tribunal pode ordenar, oficiosamente ou a requerimento de uma ou de ambas as partes, com observância do princípio do contraditório, a realização das diligências probatórias que entender convenientes.

2.9. A 8/10/2024, despacho do presidente do Conselho Deontológico do CAAD procederia à constituição do Tribunal Arbitral.

2.10. A 10/10/2024, nos termos do art. 17º do RJAT em atenção a comunicação apresentada pela AT em 4 de Setembro de 2024, e o Despacho lavrado, na mesma data, pelo Presidente do CAAD, o presidente do Tribunal Arbitral daria o seguinte despacho:

- “Tendo em conta que a constituição do tribunal arbitral preclude o exercício da faculdade prevista no art. 13º do RJAT, mas não pode impedir que, já na pendência do processo, ocorra a revogação, ratificação, reforma ou conversão do acto tributário, com consequências jurídicas quanto à utilidade, ou inutilidade, superveniente do litígio;

- Tendo em conta a comunicação da Requerente de 20 de Setembro de 2024, exercendo o contraditório relativamente à comunicação apresentada pela AT em 4 de Setembro de 2024, e tendo em conta o Despacho exarado, também em 20 de Setembro de 2024, pelo Presidente do CAAD;

- Tendo em conta os princípios processuais consagrados nas alíneas a), c) e f) do art. 16º do RJAT,

Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 17.º do RJAT, notifica-se o dirigente máximo do serviço da administração tributária para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso queira, solicitar a produção de prova adicional; devendo, dentro do prazo de apresentação da resposta, ser remetida ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo.

Isso não impede que, no mesmo prazo, a administração tributária, querendo, revogue, reforme ou converta os atos tributários em causa – embora não no âmbito do art. 13º do RJAT, dado que, nos termos do art. 15º do RJAT, o processo arbitral já se iniciou”.

2.11. Esse despacho, a 11/10/2024, seria notificado à Requerente.

2.12. A 30/10/2024, a Requerida apresentaria a Resposta e juntaria o PA.

2.13. A 14/11/2024 o Tribunal Arbitral daria o seguinte Despacho: “Notifique-se a Requerente para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, querendo, sobre a matéria de exceção suscitada pela Requerida na sua resposta”.

2.14. A 29/11/2024, a Requerente responderia às exceções suscitadas pela Requerida.

2.15. A 23/12/2024, o Tribunal Arbitral emitiria o seguinte Despacho: “Dado que as questões que subsistem são essencialmente de direito, dado que na matéria dos autos se afigura desnecessária a prova testemunhal, e dado que a Requerente respondeu já à matéria de exceção suscitada pela Requerida, e que será apreciada a final, dispensa-se a reunião do art. 18º do RJAT, podendo as partes apresentar alegações escritas, a Requerente no prazo de 10 dias contados da notificação do presente despacho, e a Requerida no prazo de 10 dias contado da notificação das alegações da Requerente, ou da falta de apresentação das mesmas.

Nos termos do art. 21º, 1, do RJAT, a decisão final será proferida e comunicada até 8 de Abril de 2025, devendo a Requerente pagar o remanescente da taxa de arbitragem até essa data, dando cumprimento ao disposto no art. 4º, 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária. As partes deverão enviar ao CAAD as suas peças processuais em formato editável (Word), com vista a facilitar e abreviar a elaboração da decisão final”.

2.16. A 14/1/2025, a Requerente alegaria.

2.17. A 27/1/2025, a Requerida contra-alegaria.

 

3. PRESSUPOSTOS RELATIVOS AO TRIBUNAL E ÀS PARTES

3.1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

3.2. As Partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e encontram-se regularmente representadas.

 

4. OBJETO DO PROCESSO

 

O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objeto a apreciação da legalidade dos seguintes atos, no valor total de € 120.678,86: 1) atos de repercussão da CSR relativa ao período de janeiro de 2019 a dezembro de 2022, consubstanciados nas faturas referentes a gasolina e gasóleo rodoviário adquiridos pela Requerente à B..., Lda.; 2) antecedentes atos de liquidação de CSR emitidos na sequência da submissão das Declarações de Introdução no Consumo (DICs) pela supra referida fornecedora de combustíveis; 3) indeferimento presumido do pedido de revisão oficiosa dirigido pela Requerente a 27/12/2023 ao diretor da Alfândega de Alverca, junto como Doc. 1 ao PPA.

 

5. POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

À luz da jurisprudência do TJUE, a menos que se identificasse uma contraprestação administrativa que presumivelmente beneficiasse o conjunto dos sujeitos passivos da CSR – ou, em alternativa, se verificasse uma motivação extrafiscal que, visando modelar o comportamento desses mesmos sujeitos passivos –, não se justificaria a criação deste tributo, à margem da tributação harmonizada já representada pelo ISP, sem um “motivo específico”.

 

Como refere o acórdão do TC no proc. 539/2015, para a qualificação de dada espécie tributária como imposto ou mera contribuição financeira, é relevante, não a designação que o legislador lhe tiver dado, mas a sua regulamentação jurídica.

 

Ainda que politicamente se justificasse a imposição deste tributo a título de contribuição especial, a mesma não poderia deixar de ser configurada como um imposto, abrangido pela vinculação à jurisdição arbitral da Portaria nº 112-A/20211, de 22/3.

 

Também não basta à qualificação como mera contribuição financeira (e não como imposto) a mera consignação da receita da CSR a “Infra- Estruturas de Portugal EP”, sendo necessária um vínculo direto e especial entre o credor da receita e os sujeitos passivos da CSR, as entidades comercializadoras, que a repercutem aos seus clientes (Decisão Arbitral nº 304/2022-T).

 

No caso, não se identifica qualquer contraprestação destinada – ainda que de forma indireta e presumida – aos sujeitos passivos da CSR que permita configurar este tributo como uma contribuição financeira, nem tão-pouco se verifica qualquer motivação extrafiscal que justifique a incidência da CSR.

 

Pelo contrário, verifica-se a ausência de qualquer contraprestação indireta e presumivelmente destinada aos sujeitos passivos da CSR – que justifique a sua oneração com este tributo à luz do direito comunitário aplicável (Decisões Arbitrais nºs 676/2023-T e 808/2023-T). No mesmo sentido, pronunciar-se-ia a Decisão Arbitral nº 790/2023-T.

 

Recorda a Requerente que as normas ao abrigo das quais foram praticados os atos tributários sub judice foram já declaradas ilegais em razão da sua desconformidade com o direito da União Europeia, no âmbito, entre outros, dos processos arbitrais nºs 564/2020-T, 304/2022-T e 305/2022-T, desconformidade anteriormente declarada pelo Acórdão do TJUE no proc. C-460/2021.

 

De acordo com este Acórdão, que refletiria a doutrina já anteriormente sustentada no Acórdão nº 553/2013-T, embora a afetação predeterminada do produto de um imposto ao financiamento do exercício, pelas autoridades de um Estado‑Membro, de competências que lhes foram atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico suficiente para justificar a compatibilidade da CSR com o nº 2 do art. 1º da Diretiva 2008/118, essa afetação, quando resulte de uma simples modalidade de organização interna do orçamento de um Estado‑Membro, não pode, enquanto tal, constituir uma condição suficiente para a aplicação dessa norma. Caso interpretação oposta fosse aceite, qualquer Estado‑Membro poderia com toda a liberdade, decidir impor, independentemente dos objetivos, a afetação do produto de um imposto ao financiamento de determinadas despesas: qualquer finalidade prosseguida pelo legislador poderia ser considerada específica, na aceção do nº 2 do art. 1º. da Diretiva 2008/118, o que privaria o imposto especial de consumo harmonizado instituído por esta Diretiva de qualquer efeito útil e violaria o princípio segundo o qual uma disposição derrogatória, como essa, deve ser objeto de interpretação estrita.

 

Por conseguinte, a existência de um motivo específico na aceção da referida disposição não poderia ser estabelecida pela simples afetação das receitas do imposto considerado ao financiamento de despesas gerais que incumbem à coletividade pública num dado setor. Se assim fosse, o alegado motivo específico não poderia ser distinguido de uma finalidade puramente orçamental.

 

Citando ainda essa jurisprudência, «[n]a falta desse mecanismo de afetação predeterminada das receitas, um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo apenas pode ser considerado que tem um motivo específico, na aceção do nº 2 do art. 1º- da Diretiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria coletável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita a realização do motivo específico invocado, por exemplo, tributando significativamente os produtos considerados para desencorajar o seu consumo».

 

Consequentemente, para que a afetação predeterminada da receita de um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo permita considerar que esse imposto tem um motivo específico na aceção do nº 2 do art. 1º da Diretiva 2008/118, sempre será necessário que o produto de tal imposição indireta fosse obrigatoriamente utilizado nos invocados fins específicos «de tal forma que exista uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa».

 

Em face do exposto, é inequívoca, por força do princípio do primado, expressamente acolhido no nº 4 do art. 8º da CRP, a prevalência do Direito europeu sobre o Direito interno de cada Estado-Membro, de tal forma que, em caso de conflito entre normas, deixará de se aplicar a norma de Direito interno ilegal, aplicando-se diretamente a norma europeia.

 

Resulta, por outro lado, do artº 2.° do CIEC, aplicável à CSR por remissão do art 5.° da Lei n.° 55/2007, de 31/8, que os impostos especiais sobre o consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.

 

Assim, a Requerente tem legitimidade para apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral, dado ter sido quem efetivamente suportou o encargo do imposto em crise, por força desse art. 2º do CIEC.

 

Não sendo a Requerente o sujeito passivo do imposto, nem o direto responsável pela sua liquidação, mas apenas a entidade que alegadamente suporta o encargo por efeito da repercussão, não lhe compete o ónus de identificação e de comprovação dos atos de liquidação repercutidos, sendo antes sobre a administração fiscal que impede o ónus de realizar, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, as diligências oficiosas que permitissem verificar a existência dos atos de liquidação do imposto.

 

Na verdade, e sobre a Requerida que deve pender o ónus de realizar as diligências oficiosas que permitem verificar a existência dos atos de liquidação do imposto impugnados.

 

A eventual dificuldade que a AT possa ter na identificação das liquidações a que ela própria [pode proceder] junto dos fornecedores de combustíveis é um problema de organização dos seus serviços, que não pode ser imputado nem trazer desvantagem à Requerente.

 

A Requerente fez tudo quanto poderia ter feito para identificar deviamente tais atos, juntando os documentos que tinha à sua disposição.

 

Exigir à Requerente a identificação dos atos de liquidação numa situação com este recorte constituiria uma interpretação dos normativos sob apreciação em desalinho com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado no nº 1 do artº 20º. e no nº 4 do art. 268º da CRP.

 

Eventual dificuldade que a AT possa ter na identificação das liquidações a que ela própria [pode proceder] junto dos fornecedores de combustíveis é um problema de organização dos seus serviços, que não pode ser imputado nem trazer desvantagem à Requerente.

 

Não subsistem quaisquer dúvidas que aos repercutidos assiste o direito a obter a restituição do tributo ilegalmente liquidado e indevidamente suportado em violação do direito da União Europeia (EU), nos mesmos termos em que o podem fazer relativamente aos impostos nacionais, como já foi reconhecido pelo CAAD.

 

Segundo o nº 1 do art. 9º do CPPT, têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido, solução que, aliás, resultaria sempre do art. 65º da LGT.

 

Desenvolvendo essas normas, a parte final dessa alínea a) do n° 4 do art. 18º da LGT reconhece o direito de reclamar, recorrer, impugnar ou apresentar pedido de pronúncia arbitral, nos termos das leis tributárias, a quem, embora não sendo sujeito passivo do imposto, suporte por repercussão legal o encargo tributário.

 

Assim, para efeitos dessa norma, a repercussão suportada pela Requerente não pode deixar de ser considerada legal. Com efeito, é o repercutido que sofre na sua esfera o impacto patrimonial negativo mediante esse fenómeno económico. É na sua esfera jurídica que a decisão relativa à ilegalidade do imposto suportado se torna eficaz.

 

Ainda que a repercussão fosse considerada meramente de facto, existiria comprovadamente na esfera jurídica da Requerente, um interesse juridicamente protegido que lhe conferiria legitimidade ativa, ainda que a título meramente residual, na apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral

 

Solicita também com o mesmo fundamento de erro imputável aos serviços o pagamento dos juros indemnizatórios previstos no nº 1 do art. 43º da LGT.

 

A Requerente equipara, com efeito, ao erro imputável aos serviços a mera aplicação de direito interno incompatível com o direito de União Europeia.

 

6. POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

Recorda a Requerida estar vinculada à jurisdição dos Tribunais arbitrais nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 2/3, sendo o objeto desta vinculação definido pelo seu 2º que dispõe que “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro”.

 

Daqui decorre que foi intenção do legislador restringir a vinculação dos serviços e organismos ao CAAD no âmbito de pretensões que dizem respeito, especificamente, a impostos, aqui não se incluindo tributos de outra natureza, tais como as contribuições.

 

Ora, tratando-se de uma contribuição e não um imposto, as matérias sobre a CSR encontrar-se-iam, assim, excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal.

 

Fora do âmbito do RJAT situar-se-iam também os atos de repercussão (Decisões Arbitrais nºs 296/2923-T, 332/2023-T, 375/2023-T, 408/2023-T, 438/2023-T, 466/2023-T e 467/2923-T e 460/2023-T), por não envolverem a apreciação da legalidade de qualquer liquidação, mas da mera transferência para um terceiro do encargo tributário suportado pelo sujeito passivo.

 

Sustenta ainda a Requerida que se verifica a incompetência do tribunal em razão da matéria, na medida em que a Requerente, no pedido de pronúncia arbitral, teria vindo questionar o regime jurídico da CSR in totum (cfr. arts.39.° e seguintes da Resposta), pretendendo discutir a sua conformidade jurídico-constitucional, o que extravasaria o âmbito da arbitragem tributária, e, em especial, o disposto no art.° 2º do RJAT, que não consente o escrutínio sobre a integridade(sic) de normas emanadas no exercício da função político legislativa do Estado.

 

Não existiu, por outro lado, qualquer erro de direito imputável aos serviços que permitisse a aplicação do prazo de 4 anos para a revisão oficiosa, previsto na 2a parte do n.° 1 do art.78.° da LGT em vez do prazo normal de 90 dias da reclamação graciosa previsto no nº 1 do art. 69º do CPPT e na 1º parte do nº 1 desse art. 78º, já que, ao efetuarem as liquidações impugnadas, os serviços aduaneiros agiram no exercício de poderes vinculados, sem qualquer margem de liberdade ou oportunidade .

 

Por outro lado, ainda segundo a Requerida:

 

1) A Requerente não é sujeito passivo do IEC nem de CSR, não se enquadrando na na previsão do art 4.º do CIEC e não detendo, por isso, qualquer estatuto fiscal específico dessa condição. Como tal, não poderia ter processado, nem processou quaisquer DICs de produtos sujeitos a ISP, tal como se encontra previsto pelo art. 10º do CIEC, que originassem a liquidação desses impostos.

 

2) A Requerente não apresentou quaisquer comprovativos de pagamento ao Estado das prestações a que o PPA se refere através do processamento dos respetivos documentos únicos de cobrança (DUCs).

 

3) Das bases de dados da AT (SIC-EX e STADA importação) onde são processados os movimentos declarativos da introdução no consumo de produtos sujeitos a IEC e da respetiva importação, não consta qualquer DAI apresentada pela Requerente.

 

4) A Requerente não identificou as liquidações de CSR que entende fundamentarem o pedido de revisão oficiosa.

 

5) Da apresentação das DICs, caso tivesse tido lugar, teriam certamente resultado atos tributários stricto identificado no respetivo DUC processado pelos serviços aduaneiros, o que não aconteceu.

 

6) As faturas exibidas pela Requerente não refletem qualquer ato imputável à AT, quer tributário, quer administrativo em matéria tributária, mas apenas atos de autoliquidação do IVA.

 

7) Estão em causa, com efeito, documentos emitidos, não por quaisquer órgãos administração pública, mas pelos fornecedores ou prestadores de serviços, em virtude da aquisição de bens, como o são os produtos petrolíferos como o gasóleo e a gasolina, ou serviço, aquisição, aliás, sujeita a IVA nos termos gerais.

 

8) Não existe qualquer coincidência ou sequência temporal nas datas de emissão das DICS e faturas, nem sequer esses documentos são emitidos obrigatoriamente pelo mesmo sujeito passivo.

 

9) Assim, considera a Requerida que o DL nº73/2010, em que se integra o CIEC, é lei especial, e como tal se sobrepõe à lei geral, pelo que a Requerente, não sendo sujeito passivo da CSR, não tem legitimidade para solicitar a devolução da CSR que alegadamente pagou aos seus fornecedores de combustíveis.

 

10) Ainda que a consulta à aplicação Gestão de Informação de Suporte (GIS), resulte que as fornecedoras indicadas sejam titulares de estatuto fiscal, também é perfeitamente possível, plausível, e nada obsta a que, no caso sub judice, aquelas fornecedoras, tenham acordado a colocação do produto nos depósitos do entreposto fiscal de outro(s) operador(es) económico(s) – titular(es) de estatuto fiscal no âmbito do ISP -, para ser expedido a partir daí, cabendo, neste caso, a este(s) operador(es) económico(s) submeter as DIC e, assim, assumir perante a AT a posição de sujeito passivo do ISP/CSR, relativamente ao produto que veio a ser vendido por estas fornecedoras à Requerente.

 

11) A existência desta possibilidade - de dissociação entre o proprietário e vendedor dos produtos petrolíferos e o sujeito passivo que processou as DIC e pagou o respetivo ISP/CSR -, tem que ser considerada como dúvida bastante sobre quem suportou originária e efetivamente o encargo da liquidação da CSR relativamente ao combustível que veio a ser vendido pela B... Ldª à Requerente.

 

12) Deste modo, é relevante sublinhar, que, no caso sub judice, a Requerente não só não identifica os atos de liquidação sindicados, como inexiste prova inequívoca de quem terá suportado originária e efetivamente o encargo da liquidação da CSR.

 

13) Só a partir do conhecimento dos atos tributários impugnados e da identificação das DIC e dos sujeitos passivos que liquidaram o ISP, incluindo a CSR, seria possível fazer a reconstrução integral circuito de (re)venda para efeitos de apuramento da repercussão a jusante, e do pagamento do respetivo quantum, em cada um dos diferentes atos comerciais ocorridos e de quem suportou, a final, o encargo da CSR.

 

14) Na verdade, não é sobre a Requerida que deve pender o ónus de realizar as diligências oficiosas que permitem verificar a existência dos atos de liquidação do imposto impugnados.

 

15) Nessa medida, a Requerente não demonstrou legitimidade para impugnar as liquidações controvertida.

 

16) Não apenas o indeferimento presumido do pedido de revisão oficiosa é inimpugnável como não são devidos juros indemnizatórios.

 

17) Para efeitos do no nº 1 do art. 43º e na 2ª parte do nº 1 do art. 78º da LGT do facto de a norma que fundamentou a liquidação da CSR contrariar o Direito Comunitário derivado não resulta, na verdade, que tenha havido erro dos serviços, já que o princípio constitucional da legalidade que rege a atividade da administração pública os obrigava a efetuar a liquidação controvertida.

 

7.1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

7.1.1- Factos Provados

 

7.1.1.1. A Requerente tem como atividade principal a armazenagem não frigorífica com o CAE 52102.

 

7.1.1.2. Nessa atividade, consome gasolina e gasóleo rodoviário.

 

7.1.1.3. Em 2019, a Requerente adquiriu à B..., Ldª 186,99 litros de gasolina e 257.232,66 litros de gasóleo rodoviário.

 

7.1.1.4. Em 2020, a Requerente adquiriu à B..., Ldª 580,30 litros de gasolina e 271.238,89 litros de gasóleo rodoviário.

 

7.1.1.5. Em 2021, a Requerente adquiriu à B..., Ldª 367,69 litros de gasolina e 278.788,69 litros de gasóleo rodoviário.

 

7.1.1.6. Em 2022, a Requerente adquiriu à B..., Ldª 1.374,58 litros de gasolina e 277.969,78 litros de gasóleo rodoviário.

 

7.1.1.7. Essas transações constam de faturas numeradas emitidas pela revendedora, das quais constam, nomeadamente, o preço, as quantidades adquiridas, com discriminação de cada produto, a taxa de IVA aplicada ao preço, o valor unitário médio, sem IVA, e o valor líquido, igualmente sem IVA, dessas quantidades, relacionadas e reproduzidas nos Docs. nºs 1, 2 e 3 anexos à PI.

 

7.1.1.8. Tais faturas não fazem referência a qualquer débito da CSR, mas apenas ao preço pago pelo adquirente.

 

7.1.1.9. Também não mencionam as datas em que esses combustíveis foram introduzidos no consumo e as liquidações de CSR eventualmente geradas por essa introdução no consumo.

 

7.1.1.10. A Requerente, a 27/12/2023 apresentou, nos termos do nº 1 do art. 78º da LGT, na alfândega de Alverca pedido de revisão oficiosa dessas liquidações e consequentes atos de repercussão, sobre os quais esse órgão não se pronunciou no prazo de quatro meses previsto no nº 1 do art. 57º da LGT.

 

7.1.2. Factos não Provados

 

Com relevância para o conhecimento da causa, ficaram por provar (dado o standard de prova estabelecido pelo TJUE no seu despacho de 7 de Fevereiro de 2022 [referido Proc. nº C-460/21], nomeadamente vedando presunções):

a) Quais os valores de CSR liquidados, a quando da introdução no consumo, à fornecedora de combustíveis B... Lda. com base nas DICs por esta apresentadas, e os valores de CSR por ela pagos ao Estado, dada a falta de qualquer relação dos valores de CSR a estas liquidado, dos nºs dos registos de liquidação de ISP e a data desses registos de liquidação, dos NIFs dos operadores a que respeitam e dos valores discriminados de ISP e de CSR liquidados em cada transação, em cumprimento do estabelecido no nº 1 do art 11º da Lei nº 5/2019, de 11/11, e no art. 9º do Regulamento Relativo ao Regime de Cumprimento do Dever de Informação do Comercializador de Combustíveis Derivados do Petróleo e de GPL ao Consumidor, da Entidade Reguladora do Sector Elétrico, publicado no Diário da República, II Série, de 20/2/2020.

b) Que a CSR tenha sido repercutida integralmente sobre a cadeia de transmissões onerosas a jusante da introdução no consumo dos combustíveis pela B..., Lda. e, especificamente, sobre a Requerente.

c) Qual o grau de repercussão da CSR, caso não tenha havido repercussão integral.

 

7.1.3. -Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto

 

O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. Porém, o Tribunal Arbitral não tem um dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no nº 2 do 123.º do CPPT e no nº 1 do 596.º, bem como no nº 3 do art. 607º, ambos do CPC, aplicáveis ex alíneas a) e e) do nº 1 do art. 29º do RJAT.

 

O Tribunal formou a sua íntima e prudente convicção quanto aos factos provados e não provados através do exame de todos os elementos probatórios carreados aos autos, que foram apreciados e avaliados com base no princípio da livre apreciação dos factos e nas regras da experiência, normalidade e racionalidade, em conformidade com os ditames fixados na alínea e) do art. 16.º, do RJAT e nos nºs 4 e 5 do 607.ºdo CPC, aplicáveis ex vi alínea e) do nº 1 do art. 9º do RJAT.

 

Com efeito, a Requerente não identificou, como já se referiu, quaisquer atos de liquidação que pretendem impugnar, nem demonstrou ou procurou demonstrar através de qualquer meio documental a introdução no consumo dos bens.

 

Tão pouco provou ou invocou quaisquer diligências que tivesse feito para obter esses elementos ou que, tendo sido solicitadas essas diligências, essas lhe tenham sido das pela administração fiscal ou outras entidades, para além do pedido dirigido ao Tribunal Arbitral para notificar a fornecedora para apresentação dos elementos que permitam a identificação adequada das liquidações impugnadas.

 

A Requerente não cumpriu finalmente o critério a observar na prova da repercussão da CSR, tal qual fixado pelo TJUE no despacho Vapo Atlantic, proferido no processo n.º C 460/21. Ao que aqui importa, referiu aquele Tribunal o seguinte:

 

“44 (…) ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C-147/01, EU:C:2003:533, n.º 96).

45 Não se pode, no entanto, admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir”.

 

Importa finalmente registar que a prova da repercussão efetiva em que a Requerente se baseia para invocar a sua legitimidade nos termos da alínea a) do nº 4 do art. 18º da LGT , única norma em que, na opinião do Tribunal Arbitral essa pretensão se poderia escorar, pressupõe inevitavelmente como ponto de partida a demonstração de que a CSR foi inicialmente liquidada e paga pelo sujeito passivo daquele tributo aquando da introdução no consumo dos produtos a ele sujeitos – o que, conforme se viu supra, não foi demonstrado pela Requerente.

 

Não é certamente condição de legitimidade para impugnar do sujeito passivo de ISP e de CSR que demonstre previamente não ter repercutido o imposto.

 

O que está em causa não é, no entanto, a legitimidade de qualquer operador económico sujeito passivo de ISP ou CSR, mas do repercutido não sujeito passivo, caso em que, nos termos do nº nº 1 do art. 74º da LGT, é necessária a prova da repercussão.

 

Ora, este exercício de prova não foi realizado pela Requerente, que se limitou a estabelecer meros juízos presuntivos de que suportou a CSR em virtude de uma suposta obrigação legal ou, se se quiser, o direito potestativo de repercussão do encargo daquele tributo que a B... Ldª porventura tinha, mas não demonstrou pelos meios legais ao seu alcance que essa repercussão tivesse sido feita.

 

Por fim, regista-se que não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, que, apesar de serem apresentadas como factos, consistem em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

7.2. Fundamentação de direito

 

7.2.1. Forma de processo

 

Dada a natureza da exceção dilatória colocada pela Requerida, revela-se necessário, qualificar previamente a CSR enquanto “contribuição” ou “imposto”, para daí extrair as necessárias consequências quanto à competência material deste Tribunal Arbitral, definida no nº 1 do art. 2º do RJAT.

 

Nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 31/2023-T, 508/2023-T, 520/2023-T, 675/2023-T, 863/2023-T, 294/2023-T, 101/2024-T, 164/2024-T e 596/2024-T, a CSR foi qualificada como uma mera “contribuição”, o que excluiria a sua qualificação como imposto e consequentemente da competência do Tribunal Arbitral para o conhecimento dos litígios relacionados com a sua liquidação e cobrança.

 

Em sentido contrário, pronunciaram-se os Tribunais Arbitrais nas decisões proferidas nos processos n.ºs 564/2020-T, 629/2021-T, 304/2022-T, 305/2020-T, 644/2022-T, 665/2022 T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T e 410/2023-T, que qualificaram a CSR como imposto e, consequentemente, consideraram-na arbitrável, nos termos do nº 2 do art. 2º do RJAT. Por todos, cita se nesta sede o acórdão proferido em 24/10/2023, no processo n.º 644/2022-T, que registou a este respeito o seguinte:

 

“Afigura-se a este tribunal que a CSR, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coativo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afetação à realização de fins públicos – que definem um imposto.

 

Essa qualificação não se modifica pela circunstância de surgirem algumas correspetividades como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o nº 3 do art. 4º da LGT.

 

Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira. O seu regime não determina, para o sujeito ativo respetivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspetividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como

sucede numa taxa).

 

Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da atividade da Infraestruturas de Portugal. Na sua conceção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC).

 

Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada (a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008 (…).

 

Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007 como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respetiva natureza.

 

Não há, nesse ponto, qualquer paralelo entre a CSR e a CESE (Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético), relativamente à qual uma decisão arbitral (Proc. n.º 714/2020-T) entendeu procedente a exceção de incompetência ratione materiae.

 

A CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é tida como uma contribuição extraordinária cuja receita é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9/4, tendo por base, portanto, uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional, o que configura uma bilateralidade genérica ou difusa – que pura e simplesmente não encontramos na CSR.”

 

Converge este Tribunal Arbitral com a jurisprudência hoje largamente maioritária que qualifica a CSR como um imposto sobre o consumo de combustíveis e não como uma simples taxa ou contribuição financeira a favor da Infra-estruturas de Portugal, sem a natureza de imposto, por pretensa ausência da necessária unilateralidade.

 

Tal jurisprudência, para qualificar a CSR como imposto ou mera contribuição, não se bastou com a designação da figura na lei infraconstitucional que a criou, mas partiu da sua substância jurídica.

 

Com efeito, não interessa para se aferir da competência do Tribunal Arbitral apenas a designação legal ou infra-legal da espécie tributária em concreto, ao contrário do que sustenta a jurisprudência hoje claramente minoritária do CAAD, mas a sua essência: historicamente o legislador tem dado a designação de contribuições a espécies tributárias que a doutrina e jurisprudência maioritárias viriam a qualificar de impostos, como é o caso das contribuições da entidade patronal para a segurança social e da extinta contribuição autárquica, que dada a sua unilateralidade, sempre foram havidas como impostos, não obstante a designação legal de contribuições, como aliás é sustentado na jurisprudência do TC citada pela Requerente.

 

Nessa medida, a criação das contribuições que, de acordo com os critérios constitucionais, definidos em especial nos arts. 103º e 104º da CRP, devam ser havidas como impostos, como é o caso das contribuições especiais está sujeita ao princípio da legalidade tributária, incluindo a reserva de lei formal na criação de impostos. A unidade da ordem jurídica impõe que critério idêntico seja seguido na definição da competência material dos tribunais arbitrais.

 

O facto de, porventura, a CSR não ser uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do art. 4.º da LGT, por não assentar «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade não implica necessariamente, assim, que não seja um dos «impostos» a que alude o art. 2.º da Portaria n.º 112-/2011, como pretende a jurisprudência minoritária no CAAD. Essa qualificação não resulta do não preenchimento dos pressupostos da definição do n.º 3 do art. 4.º da LGT, mas da ausência de caráter comutativo.

 

Tal qualificação como imposto e não como mera contribuição financeira resulta, não apenas do direito nacional, como do princípio do primado do direito comunitário, consagrado no nº 3 do art. 8º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do efeito direto da norma do nº 2 do artigo 1º da Diretiva nº 118/2008/CE, que pode ser invocado pelos particulares junto dos tribunais nacionais como foi o caso da pretensão que originou o Despacho no proc. nº C/ 460/2021, ou junto da própria Administração dos Estados membros, nos termos definidos pela respetiva lei interna.

 

Caso a CSR não fosse um imposto, não estaria incluída na proibição contida nessa norma de Direito Comunitário, já que a colocaria fora do âmbito de aplicação do nº 1 do art. 4º da Diretiva nº 118/2008/CE, como interpretado no Acórdão do TJUE no proc. C- 460/21. A sua criação seria permitida, salvo outros constrangimentos, pelo Direito Comunitário.

 

Considera assim o Tribunal Arbitral que a referência a impostos contida na Portaria de Vinculação abrange todas as prestações tributárias com essa natureza, ainda quando lei infra- constitucional as designe – porventura menos rigorosamente - de contribuições.

 

A competência dos tribunais arbitrais, por outro lado, como resulta do nº1 do art. º 2º do RJAT, apenas abrange a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; bem como a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dão origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais, com exclusão, assim, dos atos de repercussão.

 

O ato impugnado não é, no entanto, qualquer ato de repercussão, mas um conjunto de liquidações de CSR, pretendendo a Requerente ter legitimidade para as impugnar no âmbito da jurisdição arbitral.

 

Improcede, assim, a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral.

 

Esta posição não contraria a expressa nos Acórdãos do TC nos processos nºs 545/19 (contribuição especial sobre o setor farmacêutico) e 524/2024 (CSR), que não julgaram inconstitucional a norma contida no art. 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/3, interpretada no sentido de estarem sujeitos a arbitragem tributária somente, os tributos qualificados como impostos em sentido estrito, excluindo do âmbito da arbitragem os demais tributos referidos no art. 2.º do RJAT e enunciados no nº 2 do art. 3º da LGT, rejeitando, assim, que essa interpretação da norma configurasse qualquer violação ilegítima do princípio da igualdade.

 

Tais acórdãos limitam-se a afirmar a compatibilidade com a CRP de uma dada interpretação do art 2º da Portaria n.º 112-A/2011, aquela que se oporia à arbitrabilidade das contribuições sem a natureza de impostos, mas não afirmam que essa interpretação do art. 2º, seja a única possível ou uma consequência necessária da norma, o que caberia sempre ao Tribunal Arbitral verificar, como faz agora.

 

O TC não se pronunciou, assim, direta ou indiretamente sobre a validade, à luz dos critérios gerais de interpretação das leis, sobre a concreta interpretação da lei adotada, por exemplo, nas Decisões Arbitrais n.ºs 31/2023-T, 508/2023-T, 520/2023-T, 675/2023-T, 863/2023-T, 294/2023-T, 101/2024-T e 164/2024-T. Limitou-se a afirmar a constitucionalidade dessa interpretação - não a sua legalidade.

 

Com fundamento na inexistência do caráter comutativo da CAR aliás o Acórdão do TCA Sul de 24/10/2024, proc. 128/23.9BCLSB, pronunciar-se inequivocamente no seguinte sentido, sufragando a jurisprudência claramente maioritária da jurisdição arbitral para a qual, aliás, remete.

 

7.2.2. Inimpugnabilidade dos atos

 

O ISP e, por remissão, a CSR, “ex vi” do art. 5º da Lei nº 55/2007, são liquidados pelas alfândegas, com base na Declaração de Introdução no Consumo (DIC) ou, em caso de importação, da declaração aduaneira, a processar, em princípio, mediante transmissão eletrónica de dados (art. 10º do CIEC), o que exclui à partida o regime da autoliquidação regulado no art. 131º do CPPT.

 

Nos termos do nº 1 do art. 70ºdo CPPT, o prazo geral de reclamação graciosa das liquidações é de 120 dias, contados a partir de qualquer dos factos previstos no nº 1 do artº 102º do CPPT.

 

Fora do âmbito desse regime-regra, a liquidação só pode ser anulada no prazo de quatro anos com fundamento em erro imputável aos serviços, nos termos do nº 1 do art. 78º da LGT.

 

De acordo com a Requerente, a administração fiscal está obrigada à não aplicação das normas internas violadoras do Direito europeu, pelo que a omissão deste dever constitui erro imputável aos serviços, suscetível de justificar a aplicação do prazo alargado de quatro anos estabelecido no nº 1 do art. 78.º da LGT.

 

Do preenchimento desse pressuposto de erro imputável aos serviços depende igualmente o direito a juros indemnizatórios, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 43º da LGT.

 

7.2.3. Ineptidão da petição inicial

 

A Requerida coloca a questão prévia da falta de identificação na PI dos atos impugnados, que obrigatoriamente teria de ter lugar através do nº, autoria, data e quantitativo das liquidações.

 

A PI é, no entanto, omissa sobre esses elementos essenciais, não sendo de aceitar o argumento da Requerente de dever ser a administração fiscal ou o tribunal a suprir, oficiosamente ou a pedido da Requerente, essas insuficiências.

 

Ao contrário, o legislador cuidou de garantir ao consumidor dos combustíveis a prova, com eficácia externa, não só do IVA suportado, nos termos da alínea a) do nº 5 do art. 16º do CIVA, mas também da CSR, assegurando-lhe a titularidade do direito de obter esses elementos junto do fornecedor.

 

Na verdade, o nº 1 do art 11º da Lei nº 5/2019, de 11/11, obriga os operadores económicos que procedam à comercialização dos combustíveis à discriminação, nas faturas, dos impostos devidos, não apenas do IVA, como do ISP e da CSR, que integram o valor tributável em IVA, aliás, condição para que esses impostos serem deduzidos e a administração fiscal poder controlar os pressupostos dessa dedução.

 

Essa obrigação é consequente do art. 3º dessa Lei, que obriga o comercializador de energia a informar o consumidor das condições em que o fornecimento e ou prestação de serviços é realizada, e prestar todos os esclarecimentos que se justifiquem, de acordo com as circunstâncias, de forma clara e completa.

 

Nos termos do nº 2 do art. 2º da mesma Lei consideram-se consumidores as pessoas singulares ou coletivas a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos por comercializador de energia elétrica, gás natural, GPL e combustíveis derivados do petróleo.

 

Essa noção de consumidor é mais ampla do que a estabelecida no nº 1 do art. 2º da Lei nº 24/96, de 31/7(Lei de Defesa do Consumidor), de acordo com o qual considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios.

 

Diz o nº 2 do art. 5º que, - sem prejuízo do disposto no art 3.º, o dever de informação dos comercializadores de energia elétrica e de gás natural é cumprido através da fatura detalhada, ou, não sendo possível, nos termos previstos na Lei 51/2008,          que estabelece a obrigatoriedade de informação relativamente à fonte de energia primária utilizada.

 

Acrescenta o nº 2 que os comercializadores devem remeter ao Operador Logístico de Mudança de Comercializador (OLMC) no âmbito do Sistema Elétrico Nacional (SEN) e do Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN), por via eletrónica, nos termos, periodicidade, prazos e formatos por ele fixados, os elementos relativos à fatura e à situação contratual dos consumidores.

 

Essa obrigação consta do art. 9º do Regulamento Relativo ao Regime de Cumprimento do Dever de Informação do Comercializador de Combustíveis Derivados do Petróleo e de GPL ao Consumidor, da Entidade Reguladora do Sector Elétrico, publicado no Diário da República, II Série, de 20/2/2020 nos seguintes termos:

 

Segundo o nº1 desse art. 9º:

 

“1 - Os comercializadores devem informar os seus clientes da desagregação dos valores faturados, evidenciando, nomeadamente:

a) A discriminação do combustível, para as gasolinas, gasóleos e GPL Auto, de acordo com a nomenclatura legal aplicável, designadamente a NP EN 16942:2017 - Combustíveis.;

b) O preço unitário expresso em EUR/litro no caso das gasolinas, dos gasóleos e do GPL Auto, e em EUR/garrafa no caso do GPL engarrafado;

c) A quantidade fornecida, expressa em litros no caso das gasolinas, dos gasóleos e do GPL Auto e em número de garrafas no caso do GPL engarrafado;

d) As taxas e os impostos devidos, expressos em EUR/litro no caso das gasolinas, dos gasóleos e do GPL Auto, e em EUR/garrafa no caso do GPL engarrafado;

e) O valor de descontos aplicáveis;

f) A quantidade e o sobrecusto da incorporação de biocombustíveis, expressos em percentagem e em EUR/litro, respetivamente.

Segundo o subsequente nº 2, para efeitos da alínea d) do nº anterior, devem ser identificados, relativamente ao total da fatura:

“a) O Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), que inclui, designadamente, o adicional ao ISP, o adicionamento sobre as emissões de CO2 (Taxa de Carbono) e a contribuição de serviço rodoviário (CSR);

b) O Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA);

c) Outros que se venham a aplicar”.

 

Cabia à Requerente exigir junto da fornecedora a incorporação nas faturas dos elementos relativos à CSR, de que depende a identificação das liquidações controvertidas e recusar o pagamento dos montantes exigidos, caso as faturas não fossem devidamente corrigidas, o que não provou ter feito, não obstante ter essa possibilidade legal.

 

É de referir que o Tribunal Arbitral não é um tribunal estadual, não lhe cabendo emitir determinações a terceiros, nomeadamente ordenar a estes a prestação de informações. Como refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/2/2010, proc 4.321/09.9TBOER2L1-6, os tribunais arbitrais em geral não exercem quaisquer poderes da autoridade, incluindo providências cautelares e execução de decisões, cingindo-se as suas competências ao plano declarativo.

 

A deficiência na formulação da causa de pedir, e na sua articulação com o pedido, verifica-se quando falte totalmente a indicação dos factos que constituem o núcleo essencial dos factos integrantes da previsão das normas de direito substantivo concedentes do direito em causa (no caso, a invalidade de um imposto que a Requerente considera ter suportado por repercussão).

 

E é isso que determina a nulidade do processo.

 

A procedência da excepção de ineptidão da petição inicial determina a nulidade de todo o processo (art. 186º, 1 do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).

 

Trata-se de uma nulidade insanável (art. 98º, 1, a) do CPPT), e de uma excepção dilatória (art. 577º, b) do CPC), que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância – não obstando, portanto, a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto (arts. 278º, 1, b) e 2, 279º e 576º, 2 do CPC).

 

Mas obstando, de imediato, ao conhecimento das demais excepções, nada podendo inferir-se, da sua não-consideração por prejudicialidade, quanto à procedência ou improcedência de cada uma delas para efeitos de absolvição da instância ou do pedido.

 

7.2.4 Legitimidade da Requerente

 

Ainda que se considerasse apta a PI, a Requerente não provou ser parte ilegítima para deduzir o presente pedido de pronúncia arbitral, o que pressuporia a demonstração de que a CSR lhe foi efetivamente repercutida.

 

Com efeito, a Requerente não é sujeito passivo de ISP, competindo-lhe, por isso, demonstrar os pressupostos de aplicação da norma excecional atributiva de legitimidade da alínea a) do nº 1 do art. 18º da LGT (nº 1 do art. 342º do CC e nº 1 do art. 18º da LGT).

 

Parte da jurisprudência arbitral tem-se pronunciado genericamente no sentido da legitimidade do repercutido para impugnar as liquidações efetuadas ao repercutente que, como se referiu, cabe ao repercutido identificar (Decisões Arbitrais nºs 248/2023-T, 294/2023-T, 299/2023-T, 332/2023-T, 374/2023-T, 379/2023-T, 409/2023-T, 410/2023-T, 467/2023-T, 490/2023-T, 496/2023-T, 534/2023-T e 676/2023-T, sem distinção entre a natureza de repercussão, voluntária ou negocial.

 

Outra parte, que acompanhamos, tem-se pronunciado desfavoravelmente a essa legitimidade, abstendo-se, por isso, de decidir sobre o mérito quando a repercussão se mostre meramente económica ou de facto e não tiver fundamento legal, nomeadamente um direito potestativo de fonte normativa à dedução do imposto (Decisões Arbitrais nº s 24/2023-T, 75/2023-T, 113/2023-T, 523/2023-T, 375/2023-T, 477/2023-T, 644/2023-T, 702/2023-T, 7/2024-T, 33/2024-T e 121/2024-T).

 

De acordo com o art. 15º do CIEC, norma especial de legitimidade procedimental:

 “1 - Constituem fundamento para o reembolso do imposto pago, desde que devidamente comprovados, o erro na liquidação, a expedição ou exportação dos produtos sujeitos a imposto, bem como a retirada dos mesmos do mercado, nos termos e nas condições previstas no presente Código.

2 - Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.

3 - O pedido de reembolso deve ser apresentado na estância aduaneira competente no prazo de três anos a contar da data da liquidação do imposto, sem prejuízo do disposto na alínea a) do artigo 17.º e na alínea a) do artigo 18.º

4 - O reembolso só pode ser efetuado desde que o montante a reembolsar seja igual ou superior a (euro) 25”

 

Segundo a alínea a) do nº 4 do art. 18º da LGT, norma atributiva de legitimidade de caráter meramente residual, não é sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo, no entanto, do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias. Repercussão legal não é para esse efeito toda a repercussão permitida, mas apenas a repercussão não só prevista mas efetiva.

 

Apenas no caso em que o repercutido demonstra estarem reunidos os pressupostos de aplicação da norma excecional atributiva de legitimidade da alínea a) do nº 4 do art 18º da LGT, em especial a prova de o imposto lhe ter sido efetivamente repercutido e da disposição legal em que se fundou essa repercussão, pode discutir a legalidade da liquidação efetuada ao repercutente.

 

Tal princípio tem fundamento no nº 1 do art. 20º da CRP, que garante aos cidadãos o acesso a uma justiça fiscal plena, eficaz e efetiva e encerra, entre outras consequências, o direito de reclamação, impugnação ou recurso não apenas dos atos formalmente administrativos, mas de todos os atos lesivos, independentemente da forma.

 

Assim, o fato de os repercutidos não integrarem o universo definido no art. 15º do CIEC, não prejudica abstratamente o seu acesso aos tribunais estaduais, comuns ou arbitrais para impugnarem a liquidação.

 

No entanto, apenas na repercussão legal e efetiva e não na repercussão somente de facto, meramente económica, cuja fonte não é a lei, mas a vontade das partes, tal direito vem legalmente garantido ao repercutido: o fato de este não ter acesso à jurisdição arbitral por não integrar o universo definido no art. 15º do CIEC, não é incompatível com a sua legitimidade para reclamar ou impugnar, a qual a alínea a) do nº 4 do art. 18º da LGT reconheceria em termos alargados, obviamente apenas no caso em que fosse necessária a uma tutela plena, eficaz e efetiva dos direitos dos cidadãos.

 

No direito interno, o dever de repercussão legal é imposto no nº 1 do art. 37º do Código do IVA, que, estabelece que, sem prejuízo das exceções previstas no nº3 da norma (operações referidas na alínea f) do nº 3 do art. 3º e nas alíneas a) e b) do nº 2 do art. 4º), a repercussão é obrigatória.

 

Assim, o cliente do sujeito passivo do IVA para o qual o IVA tenha sido repercutido ao abrigo dessa norma está sujeito ao pagamento do imposto que, ao abrigo do direito potestativo conferido por esse nº 1 do art. 37º, o vendedor dos bens ou prestador de serviços lhe tiver exigido nos termos da lei.

 

Só assim se justifica esse IVA, bem como o ISP e a CSR que integram o valor tributável para efeitos dessa imposição, serem dedutíveis, nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 19º do CIVA (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/7/2018, proc. 10290/13.3 YIPRT 12.1).

 

Também as alíneas e), f) e g) do nº 1 do art. 3º do Código do Imposto de Selo estabelecem o encargo do imposto de selo nas operações financeiras ser do cliente das instituições financeiras ao qual estas podem legalmente exigir o encargo do imposto.

 

No que concerne aos combustíveis, como se referiu, sempre que o consumidor o requeira, é obrigatória a discriminação nas faturas do ISP ou CSR repercutidos, nos termos dos referidos nº 1 do art.11º da Lei nº 5/2019, e alínea a) do nº 2 do art. 9º do Regulamento Relativo ao Regime de Cumprimento do Dever de Informação do Comercializador de Combustíveis Derivados do Petróleo e de GPL, sendo essa não discriminação, em princípio, salvo em caso de reincidência em que a pena é mais grave, uma contra-ordenação leve, punível nos termos do art. 17º e 19º dessa Lei.

 

Não basta, assim, para demonstrar essa repercussão uma mera declaração de carácter geral do vendedor de que o imposto suportado na aquisição dos bens foi repercutido ao comprador. A justificação dessa repercussão está sujeita a um regime de prova legal a cargo sempre do impugnante, sendo necessária a menção específica na fatura ao imposto repercutido, IVA, ISP ou CSR (nesse sentido, a propósito de um caso paralelo, a Decisão Arbitral nº 375/2023- T).

 

Fora desses casos, sendo a repercussão voluntária, tal como o repercutido carece de legitimidade processual ativa, a AT também carece de legitimidade processual passiva.

 

Ao contrário, é presumida a legitimidade do sujeito passivo de ISP ou CSR que procede à introdução dos bens no consumo, como admite a jurisprudência do CAAD, sendo da administração fiscal, nos termos do nº 1 do art. 74º da LGT, o ónus de prova da inexistência do interesse em agir que prejudica tal legitimidade. Tal presunção não se aplica, no entanto, aos não sujeitos passivos ou, para consumo ou venda, adquiram os combustíveis.

 

Esse enquadramento não seria posto em causa pela nova redação do art. 2º do CIEC do art. 3º da Lei nº 24-E/2022, de 30 /12.

 

De acordo com a redação anterior, os impostos especiais de consumo obedeciam ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, sem qualquer menção explícita á possibilidade de repercussão.

 

A nova redação passaria a dispor os impostos especiais de consumo obedecerem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.

 

O legislador limitou-se, assim, a dispor que a oneração dos contribuintes pelos custos que provocam se efetua, em princípio. através do mecanismo de repercussão, com respeito pelo princípio da igualdade tributária, o que não passa da reafirmação de um princípio geral dos impostos especiais de consumo. Não basta, no entanto, para a aplicação do nº 6 do art. 18º da LGT a repercussão estar prevista. Falta demonstrar que ela se efetuou e que tem fundamento legal, o que a Requerente não fez.

 

Assim, quer a ineptidão manifesta da PI, quer a ausência de prova da legitimidade da Requerente, impedem o conhecimento do mérito da causa através do processo arbitral.

 

E a referida ineptidão determina a nulidade de todo o processo (art. 186º, 1 do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).

 

8. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

 

a) Julgar improcedente a exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral;

 

b) Julgar procedentes as exceções dilatórias da ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação, de CSR e, em consequência, declarar nulo o processo e absolver a Requerida da instância;

 

c) Condenar a Requerente no pagamento da totalidade das custas do processo.

 

9. VALOR DO PROCESSO

 

Atendendo ao disposto no art. 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi do art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € € 120.678,86.

 

10. CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 3.060,00, a suportar pela Requerente, conforme ao disposto nos arts 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e art. 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Lisboa, 25 de março de 2025

 

Fernando Araújo

 

(Árbitro Presidente)

 

António de Barros Lima Guerreiro

 

 

(Árbitro Adjunto e Relator)

 

Sílvia Oliveira

 

(Árbitro Adjunto)

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

  1. Concordo com o sentido decisório quanto à improcedência da excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral, aferida não quanto ao conhecimento da legalidade de atos de repercussão mas quanto ao conhecimento de actos de liquidação porquanto o que a Requerente peticiona ao TAC é que este que julgue “(…) procedente a pretensão de decisão e pronúncia arbitral do seu pedido de revisão oficiosa do acto tributário de liquidação de Imposto Sobre Produtos Petrolíferos – Contribuição de Serviços Rodoviários referentes às declarações e liquidações de 2020-02 até 2022-12 (…), no valor de 203.611,07 € (…), com o consequente reembolso pela Requerida (…)  à Requerente (…)”.
  2. Não acompanho a procedência da excepção da ilegitimidade da Requerente porquanto, como é entendimento corrente, a chamada a legitimidade substancial ou substantiva tem a ver com a efectividade da relação material, interessando já ao mérito da causa e, nesse sentido, constitui um requisito da procedência do pedido (cfr. acórdão da Relação do Porto de 4 de outubro de 2021, Processo n.º 10910/20). Assim, entendo não ser possível considerar verificada liminarmente a inviabilidade da pretensão deduzida em juízo com base em meras alegações da parte contra quem vem deduzido o pedido, quando essa é a questão de fundo que carece de ser analisada em função do direito aplicável face aos factos que venham a ser dados como provados ou não provados.
  3. Não acompanho a procedência da excepção da ineptidão do pedido, porquanto, a análise desta excepção tem de ser aferida com a existência (ou não) de prova de efectiva repercussão da CSR por efeito da aquisição de combustíveis. E esta é matéria de prova que teria de ser analisada no âmbito da decisão arbitral.

No caso, a falta de indicação das liquidações pela Requerente está perfeitamente justificada, pois as liquidações foram emitidas pela Requerida às empresas (sujeitos passivos) que apresentaram as DIC’s e não foram (nem tinham de ser) notificadas à Requerente, não sendo por isso exigível à Requerente que identificasse as liquidações que a Requerida emitiu com base nas vendas de combustíveis em causa. Com efeito, considerando o regime legal aplicável aos IEC e, em especial, o regime da CSR à data dos factos, a CSR é devida pelos sujeitos passivos de ISP, que são os operadores económicos identificados no artigo 4º do Código dos IEC sendo que, o facto gerador é a introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto e o imposto é exigível aquando da introdução no consumo (vide artigos 7º, 8º e 9º do Código dos IEC), a qual é formalizada, pelos sujeitos passivos de imposto (que declaram para introdução no consumo grandes quantidades de produtos petrolíferos e energéticos, sujeitos a imposto) através de uma DIC, processada por transmissão eletrónica de dados, a qual contém todos os elementos que permitem o cálculo e a liquidação do tributo aplicável.

As introduções no consumo efectuadas num determinado mês pelos sujeitos passivos que detenham um dos estatutos previstos no Código dos IEC são globalizadas no mês seguinte, numa única liquidação, processada de forma automática (artigo 10º-A do Código dos IEC) sendo que, neste caso, os sujeitos passivos são notificados da liquidação do imposto até ao dia 15 (quinze) do mês da globalização e o imposto deve ser pago até ao último dia útil do mês em que foi notificada a liquidação (artigos 11º e 12º do Código dos IEC).

Contudo, no caso, dado que a Requerente não anexou aos autos nenhuma declaração de repercussão da B... (entidade que vendeu os combustíveis à Requerente), ainda que aquela entidade possa (ou não) assumir a qualidade de sujeito passivo de ISP e CSR, considero que não se encontra provado que se tenha verificado a efectiva repercussão da CSR relativamente ao combustível adquirido pela Requerente no período e no montante indicado, na medida em que as facturas juntas ao pedido arbitral não contêm qualquer especificação do valor da contribuição que alegadamente tenha sido paga com a aquisição dos combustíveis. E, na ausência de prova bastante de que tenha havido lugar à repercussão do imposto, o pedido arbitral mostrar-se-ia improcedente (neste sentido, vide decisão arbitral nº 1049/2023-T, de 05-06-2024, cujo TAC integrei).

 

Sílvia Oliveira