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SUMÁRIO:
I – Não pode bastar à AT informar o contribuinte de que existe uma comunicação de valores, com uma qualificação de rendimento, obtido noutro país, para que automaticamente possa ser erigido um ato de liquidação com base única e exclusivamente nessa informação, que só é do conhecimento da AT.
II – Para que as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras façam fé têm de estar fundamentadas, basear-se em factos sólidos e critérios objetivos.
DECISÃO ARBITRAL
A árbitra, Susana Mercês de Carvalho, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído a 08.10.2024, decide o seguinte:
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RELATÓRIO
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A..., NIF..., residente na Rua ... ..., ..., ...-... Albufeira, (“a Requerente”), veio, em 29.07.2024, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição do Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”), com vista (1) à declaração de ilegalidade e anulação parcial dos atos tributários de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2020..., referente ao ano de 2016; n.º 2021..., referente ao ano de 2017 e; n.º 2022..., referente ao ano de 2018, na parte referente aos rendimentos alegadamente auferidos no estrangeiro e; (2) à restituição dos montantes indevidamente pagos (a título de imposto e de juros compensatórios), acrescido de juros indemnizatórios.
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A Requerente juntou 8 (oito) documentos.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite a 29.07.2024 pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
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A Requerente não exerceu o direito à designação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a ora signatária como árbitra do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do cargo no prazo aplicável.
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A 18.09.2024 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
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Em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído a 08.10.2024.
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Por despacho proferido pelo Tribunal Arbitral a 08.10.2024 foi a Requerida notificada para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar resposta, juntar cópia do processo administrativo (“PA”) e, querendo, requerer a produção de prova adicional.
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No dia 07.11.2024, a Requerida apresentou a sua resposta, na qual se defendeu por impugnação e, juntou aos autos o PA.
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Em 23.01.2025, o Tribunal Arbitral proferiu despacho, no qual: (i) dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT; (ii) notificou as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas, no prazo simultâneo de 15 (quinze) dias; notificou a Requerente para proceder ao depósito da taxa arbitral subsequente e à junção aos autos do respetivo comprovativo e; (iii) indicou o prazo limite para proferir a decisão final arbitral.
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A Requerida apresentou, em 12.02.2025, as suas alegações finais escritas.
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Em 12.02.2025, a Requerente juntou aos autos o comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente.
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Em 28.02.2025, o Tribunal Arbitral notificou a AT, para, no prazo de 10 (dez) dias, vir aos autos juntar as notas de liquidação controvertidas: Liquidação n.º 2020 ..., referente ao período de tributação de 2016; Liquidação n.º 2021..., referente ao período de tributação de 2017 e; Liquidação n.º 2022..., referente ao período de tributação de 2018.
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A AT deu cumprimento ao despacho referido em 12., em 14.03.2025.
I.1. ARGUMENTOS DAS PARTES
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A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial dos atos de liquidação de IRS aqui em crise, invoca a Requerente, de entre o mais, o seguinte:
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Sobre a AT recai o ónus de provar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação do imposto;
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Nomeadamente, recai sobre a AT o ónus de provar os factos considerados como pressupostos e condição do ato que ora se impugna, ou seja, competia à AT provar que a Requerente, de facto, auferiu na Itália os rendimentos que lhe imputa, nos vários anos;
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Aliás, os factos considerados como pressuposto e condição dos atos impugnados não constam de qualquer documento, bem como, quando, no exercício do direito à informação, foi requerida informação quanto aos pressupostos dos atos, a AT limitou-se a repetir a informação que lhe havia sido prestada pelas autoridades tributárias italianas;
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Era dever da AT solicitar as informações necessárias para determinar os rendimentos auferidos pela Requerente na Itália, invés de concluir pela existência destes, sem qualquer facto concreto subjacente e demonstrável ou documento que os comprove;
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Não basta à AT informar o contribuinte de que existe uma comunicação de valores, com uma consequente qualificação de rendimentos, obtidos noutro país para que automaticamente possa ser erigido um ato de liquidação adicional com base única e exclusivamente nessa informação;
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O direito à liquidação adicional tem de assentar em evidências da sua sujeição a imposto e do valor devido em conformidade com a lei interna;
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Neste sentido, deveria a AT procurar obter elementos que fundamentassem a sujeição do valor comunicado a imposto em Portugal, assim como o tipo de rendimento;
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As declarações dos contribuintes devem ter-se por verdadeiras e de boa-fé, nos termos do n.º 1, do artigo 75.º, da Lei Geral Tributária (“LGT”), pelo que, até prova em contrário, deverá valer os valores apresentados pela Requerente na sua declaração de rendimentos;
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Acresce que, as informações prestadas pelas autoridades tributárias estrangeiras apenas fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos nos termos da lei, conforme disposto no n.º 4, do artigo 76.º, da LGT, em conjunto com o n.º 1, do mesmo artigo;
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A AT não poderia, sem mais, proferir decisão final no procedimento tributário apenas com base nas informações recebidas no âmbito do mecanismo de troca de informações, sem atestar a realidade material que se lhes encontra subjacente, designadamente face aos elementos apresentados pelo próprio contribuinte para o procedimento tributário;
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Assim, não se pode deixar de concluir que a informação prestada pela Administração Tributária Italiana não se encontra devidamente fundamentada nem se baseia em critérios objetivos;
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Pelo que, dever-se-á entender que o ato tributário é ilegal, por vício de violação de lei, consubstanciado em erro sobre os pressupostos de facto e em violação do disposto nos artigos 74.º e 76.º, da LGT, quanto às regras do ónus da prova no procedimento tributário;
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Face ao exposto, deverão ser anuladas (parcialmente) as liquidações aqui em crise, no que respeita aos rendimentos alegadamente auferidos no estrangeiro.
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Por sua vez, a AT contra-argumenta com base nos seguintes fundamentos:
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Nos termos do n.º 1, do artigo 74.º e dos n.ºs 1 e 4, do artigo 76.º, ambos da LGT, incumbe à AT a prova dos factos constitutivos da tributação dos rendimentos com fonte em Itália;
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Ora, tal prova alicerça-se na troca automática internacional de informações no domínio da fiscalidade prevista na Diretiva de Cooperação Administrativa n.º 2011/16/UE (“DAC1”), do Conselho, de 15 de fevereiro de 2011, baseando-se nos dados remetidos à AT pela Administração Fiscal Italiana (“AFI”), decorrentes do estabelecido naquele diploma;
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Tendo a AT apresentado prova dos rendimentos obtidos pela Requerente em Itália, àquela incumbia o ónus de provar que os valores dos rendimentos que originaram as liquidações impugnadas são outros e não os que a AFI transmitiu à AT;
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A Requerente não cumpriu com esse ónus;
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Efetivamente, não veio apresentar (nem em sede de procedimento de divergências, nem em sede de reclamação graciosa, ou, posteriormente, em sede de revisão oficiosa), documentos suscetíveis de constituírem “prova em contrário”, nos termos previstos no n.º 4, do artigo 76.º, da LGT, para efeitos de infirmar a informação dos rendimentos auferidos em Itália, transmitidos à AT por essa jurisdição;
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Por outro lado, resulta das instruções administrativas a que a AT se encontra vinculada, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 68.º-A, da LGT, designadamente, do Ofício-Circulado n.º 20124 de 2007/05/06, da DSRI e das Instruções de preenchimento do anexo J, que a prova dos rendimentos e do correspondente ao imposto pago no estrangeiro deverá ser efetuado mediante a apresentação dos documentos originais comprovativos dos mesmos, emitidos pela autoridade fiscal do(s) Estado(s) de onde são provenientes os rendimentos;
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E a Requerente não veio apresentar qualquer documento originário da administração fiscal italiana (“Agenzia delle Entrate”), que ateste o quantitativo dos rendimentos (e eventual imposto suportado) nesse Estado;
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Constata-se que em sede de revisão oficiosa, e conforme resulta das revisões oficiosas n.ºs ...2024... (referente ao ano de 2016), ...2024... (relativa ao ano de 2017) e ...2024... (respeitante ao ano de 2018), anexas ao PA, a Requerente veio apresentar as declarações de rendimentos apresentadas em Itália nesses anos e as correspondentes traduções legais para língua portuguesa;
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Acontece, porém, que tais documentos não são provenientes da AFI, resultando tão somente os valores declarados pela Requerente junto da AFI. Por conseguinte, as mesmas não constituem prova idónea e suficiente para colocar em causa os dados enviados à AT por aquela administração fiscal;
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E, neste sentido, não constituem “prova em contrário” exigida pelo n.º 4, do artigo 76.º, da LGT;
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Por outro lado, salienta-se que a Requerente se encontra plenamente esclarecida acerca das motivações que estiveram na base das liquidações impugnadas, tal como se conclui do alegado nas reclamações graciosas e revisões oficiosas apresentadas e anteriormente mencionadas;
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Acresce que a fundamentação das três liquidações impugnadas, estriba-se nos motivos que constam dos ofícios devidamente notificados à Requerente, onde se encontram explícitas as razões de facto e de direito que lhe estão subjacentes e onde se encontram também mencionadas as disposições legais aplicáveis, em harmonia com o disposto nos n.ºs 1 e 2, do artigo 77.º, da LGT;
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Face ao exposto, as liquidações aqui controvertidas não enfermam de qualquer ilegalidade, devendo manter-se na ordem jurídica.
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SANEAMENTO
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
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As partes gozam de personalidade, capacidade judiciária, legitimidade processual e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
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Não foram suscitadas exceções de que deva conhecer-se. O processo não enferma de nulidades. Inexiste, deste modo, quaisquer obstáculos à apreciação do mérito da causa.
II.1 QUESTÃO PRÉVIA – DA CUMULAÇÃO DE PEDIDOS –
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A Requerente alega que, nos termos do artigo 3.º, do RJAT, a cumulação de pedidos é, no caso dos autos, admissível.
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Dispõe o artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, que: “a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.”
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Como tem sido entendimento dominante, para que a cumulação de pedidos seja admissível basta que seja essencialmente idêntica a questão jurídico-fiscal a apreciar e que a situação fática seja semelhante nos pontos que relevam para a decisão. Os factos serão essencialmente os mesmos quando forem comuns às pretensões dos autos, de forma a que se possa concluir que, se se provarem os alegados relativamente a um ato, existirá o suporte fáctico total ou parcialmente necessário para a procedência das pretensões de todos os pedidos.
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É isso que sucede no caso dos autos: as liquidações controvertidas, independentemente do ano a que respeitam (2016, 2017 e 2018), reportam-se a semelhante factualidade e a questão jurídico-fiscal a apreciar é exatamente a mesma, pelo que existe identidade para efeitos do artigo 3.º, do RJAT, sendo, assim, de admitir a cumulação de pedidos (anulação parcial dos aludidos atos tributários, referentes ao período de tributação de 2016, 2017 e 2018).
III. MATÉRIA DE FACTO
III.1. FACTOS PROVADOS
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Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
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Em 03.05.2017, a Requerente, enquanto solteira e residente no território nacional, apresentou a Declaração de IRS (Modelo 3), com o n.º..., referente ao ano de 2016, acompanhada unicamente do anexo B, onde foram declarados rendimentos no montante total de €3.052,00 (três mil e cinquenta e dois euros) (Cfr. PA).
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Da Declaração de rendimentos indicada em A. resultou a liquidação n.º 2017..., que não apurou qualquer valor de imposto a pagar – “0” – (Cfr. PA).
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Posteriormente, foi a Requerente notificada de que a AT teve conhecimento, através do mecanismo da troca automática de informações fiscais internacionais, que aquela obteve rendimentos de pensões (no valor de €16.714,00) e prediais (no montante de €6.600,00), em Itália, no ano de 2016.
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Não tendo procedido à declaração dos rendimentos alegadamente obtidos no estrangeiro, designadamente, em Itália, a AT procedeu, em 14.09.2020, à sua declaração oficiosa, onde foram indicados no anexo J os supostos rendimentos (€16.714,00 a título de rendimentos de pensões e €6.600,00 a título de rendimentos prediais) (Cfr. PA).
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A Declaração referida em D. deu origem à liquidação oficiosa n.º 2020..., ora impugnada, que apurou o valor a pagar de imposto de €4.563,59 (quatro mil quinhentos e sessenta e três euros e cinquenta e nove cêntimos) (Cfr. PA).
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Em 19.01.2022, a Requerente apresentou uma Declaração de IRS (Modelo 3) de substituição, com o n.º ...-2017-...-..., na qual apresentou o anexo J, indicando no: (i) quadro 5 – RENDIMENTOS DE PENSÕES (CATEGORIA H), um “Rendimento bruto” de €16.714,00 (dezasseis mil setecentos e catorze euros) e um montante de €2.919,00 (dois mil novecentos e dezanove euros) a título de “Imposto pago no estrangeiro” e; (ii) no quadro 7 – RENDIMENTOS PREDIAIS (CATEGORIA F) – um “Rendimento líquido” de €6.600,00 (seis mil e seiscentos euros) e um valor de €1.386,00 (mil trezentos e oitenta e seis euros) a título de “Imposto pago no estrageiro” (Cfr. PA).
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A Declaração mencionada no ponto anterior ficou no estado de “Declaração Não Liquidável” (Cfr. PA)
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Em 20.04.2022, a Requerente apresentou reclamação graciosa, autuada com o n.º ...2022..., contra a liquidação referida em E., que foi liminarmente rejeitada por Despacho, de 17.05.2022, da Senhora Chefe do Serviço de Finanças de Albufeira, por extemporânea (Cfr. PA).
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A Requerente foi, assim, notificada do anterior Despacho, mediante ofício n.º ..., de 19.05.2022, bem como do Despacho da Senhora Chefe do Serviço de Finanças de Albufeira, de 17.05.2022, que procedeu ao arquivamento da declaração de substituição mencionada em F., em virtude de a mesma ter sido entregue para além do prazo estabelecido no artigo 70.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) (Cfr. PA).
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Em 31.01.2024, a Requerente apresentou revisão oficiosa da liquidação mencionada em E. – na qual juntou a declaração de rendimentos apresentada em Itália, referente ao ano de 2016, e a correspondente tradução legal para língua portuguesa –, que se encontra na fase “Extinção por Apensação a Processo de Contencioso Judicial” (Cfr. PA).
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No que respeita ao período de tributação de 2017, foi instaurado, em 08.06.2021, o procedimento de divergências n.º ... (procedimento n.º ...2021...), “Motivo: R10 – Rendimentos no estrangeiro (AEOI) com DR3IRS e sem anexo J”, com a seguinte fundamentação:
“De acordo com os elementos disponibilizados por administrações fiscais de outros países/jurisdições, existem rendimentos obtidos no estrangeiro, nomeadamente rendimentos de trabalho dependente, pensões, prediais ou de capitais obtidos no estrangeiro, mencionados nas Diretivas de Cooperação Administrativa (DAC) 1 e 2, no Foreign Account Tax Compliance Act (FATCA) acordo entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América (EUA), e ainda no acordo Multilateral das Autoridades Competentes para a Troca Automática de Informações de Contas Financeiras, no qual foi estabelecido a norma comum de comunicação (Common Report Standard, CRS), que não foram declarados no anexo J da declaração mod. 3 de IRS” (Cfr. PA).
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A Requerente foi notificada, nos termos do n.º 3, do artigo 76.º, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”), através do Ofício n.º GIC-..., para, no prazo de 30 dias, proceder à entrega da Declaração de rendimentos de IRS (modelo 3), referente ao ano de 2017 (Cfr. PA).
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Não o tendo feito no prazo indicado, procederam os Serviços, em 20.12.2028, à elaboração de uma Declaração oficiosa, com o n.º ...-2017-... -..., acompanhada dos anexos A (onde foram declarados rendimentos de trabalho dependente no montante de €3.227,18, e sobre os quais incidiram retenções na fonte de €208,00 e contribuições de €354,98) e B (onde foram declarados rendimentos de €2.350,00 no campo 551, do quadro 4), de que resultou a liquidação n.º 2018..., com o valor de imposto a pagar de €47,56 (quarenta e sete euros e cinquenta e seis cêntimos) (Cfr. PA).
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Em 23.11.2021, foi elaborada outra Declaração oficiosa, com o n.º ...-2017-... -..., onde os rendimentos da categoria B acima referidos foram transferidos para o campo 403, do quadro 4, destinado a atividades profissionais especificamente previstas na tabela do artigo 151.º, do CIRS, tendo sido, ainda, acrescido um anexo J, com alegadas pensões oriundas de Itália (H01) de €16.200,00 (dezasseis mil e duzentos euros) e supostos rendimentos prediais com a mesma origem de €6.600,00 (seis mil e seiscentos euros) (Cfr. PA).
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A Declaração referida em N. deu origem à liquidação oficiosa n.º 2021..., ora impugnada, que apurou o valor a pagar de imposto de €4.191,66 (quatro mil cento e noventa e um euros e sessenta e seis cêntimos) (Cfr. PA).
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Em 19.01.2022, a Requerente apresentou uma Declaração de IRS (Modelo 3) de substituição, com o n.º ...-2017-...-..., na qual eliminou o anexo A e declarou no anexo J rendimentos de pensões no montante de €17.141,00 (dezassete mil cento e quarenta e um euros), com um imposto pago no estrangeiro de €3.015,00 (três mil e quinze euros), e rendimentos prediais de €6.600,00 (seis mil e seiscentos euros), com um imposto pago no estrangeiro de €1.386,00 (mil trezentos e oitenta e seis euros) (Cfr. PA).
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A Declaração mencionada no ponto anterior ficou no estado de “Declaração Não Liquidável” (Cfr. PA).
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Em 15.04.2022, a Requerente volta a entregar outra Declaração de IRS (Modelo 3) de substituição, com o n.º ...-2017-...-..., na qual corrige os rendimentos de pensões para €16.201,00 (dezasseis mil duzentos e um euros) e o imposto pago para €2.730,00 (dois mil setecentos e trinta euros), declaração esta que ficou igualmente na situação de “não liquidável” (Cfr. PA).
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Em 20.04.2022, a Requerente apresentou reclamação graciosa, autuada com o n.º ...2022..., contra a liquidação referida em O., que foi parcialmente deferida, por Despacho da Senhora Chefe do Serviço de Finanças de Albufeira, de 13.09.2022, com a seguinte fundamentação:
“Dado que da informação transmitida pelas autoridades fiscais italianas (SITI), não vem mencionado qualquer imposto pago, foi a reclamante notificada em 2022.05.23, através do nosso ofício n.º ..., de 2022.05.13, para, no prazo de 15 dias, apresentar neste Serviço de Finanças o documento emitido pelas referidas autoridades fiscais italianas comprovativo dos rendimentos de pensões e prediais ali auferidos, bem como do respetivo imposto pago a final, o que não fez até à presente data.
Ora, de acordo com os elementos existentes neste Serviço de Finanças reputados convenientes para a decisão, verifica-se que todas as declarações DMR em nome da reclamante relativamente ao ano de 2017, encontram-se na situação de “não vigente”, pelo que deve ser atendida a sua pretensão no que diz respeito à eliminação dos rendimentos da categoria A;
Tendo como fidedignas as informações fornecidas pelas autoridades fiscais italianas, deverão ser mantidos os rendimentos de pensões e prediais recolhidos oficiosamente, sem qualquer imposto pago a final;
Nesta conformidade, sou de parecer que deverá ser proferida decisão a deferir parcialmente o pedido, corrigindo-se a liquidação reclamada tendo em conta a eliminação dos rendimentos da categoria A;
(...).” (Cfr. PA)
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Nessa sequência, foi elaborada, em 21.09.2022, outra Declaração oficiosa, com o n.º ...-2017-...- ..., a qual deu origem à liquidação n.º 2022 ..., cujo valor a pagar de imposto é de €4.992,92 (quatro mil novecentos e noventa e dois euros e noventa e dois cêntimos (Cfr. PA).
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Em 31.01.2024, a Requerente apresentou revisão oficiosa da liquidação mencionada em O. – na qual juntou a declaração de rendimentos apresentada em Itália, referente ao ano de 2017, e a correspondente tradução legal para língua portuguesa –, que se encontra na fase “Extinção por Apensação a Processo de Contencioso Judicial” (Cfr. PA).
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Quanto ao período de tributação de 2018, a Requerente, em 26.04.2019, apresentou Declaração de IRS (Modelo 3), com o n.º ...-2018-...-..., só como anexo F, que deu origem à liquidação n.º 2019..., cujo imposto a pagar foi de “0” (Cfr. PA).
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Em 28.01.2022, foi criada a divergência n.º ... (procedimento n.º ...2022...), “Motivo: R10 – Rendimentos no estrangeiro (AEOI) com DR3IRS e sem anexo J”, com a seguinte fundamentação (Cfr. PA):
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A aludida divergência foi extinta, em virtude da apresentação, em 23.03.2022, pela Requerente, de uma Declaração de IRS (Modelo 3) de substituição, com o n.º ...-2018-...-...), na qual foi acrescentado o anexo J, onde aquela indicou rendimentos de pensões no estrangeiro de €16.201,00 (dezasseis mil duzentos e um euros) e correspondente imposto aí suportado no montante de €3.774,00 (três mil setecentos e setenta e quatro euros) (Cfr. PA).
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Nessa sequência foi emitida a liquidação n.º 2022..., ora impugnada, que apurou um valor de imposto a pagar de €2.433,91 (dois mil quatrocentos e trinta e três euros e noventa e um cêntimos) (Cfr. PA).
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Em 26.03.2022, foi criado, novamente, processo de divergências n.º ... e, na mesma data, a Requerente foi notificada, através do Ofício n.º GIC-..., nos seguintes termos (Cfr. PA):
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Em 15.04.2022, apresentou a Requerente nova Declaração de IRS (Modelo 3) de substituição, com o n.º ...-2018-... -..., tendo alterado os valores dos rendimentos de pensões obtidos no estrangeiro para €17.141,00 (dezassete mil cento e quarenta e um euros) e o correspondente imposto aí pago para €3.015,00 (três mil e quinze euros) (Cfr. PA).
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Nessa sequência foi emitida, em 18.06.2022, a liquidação n.º 2022 ..., que apurou um valor de imposto a pagar de €3.502,98 (três mil quinhentos e dois euros e noventa e oito cêntimos), tendo o processo de divergências mencionado no ponto Z. sido extinto (Cfr. PA).
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Em 31.01.2024, a Requerente apresentou revisão oficiosa da liquidação mencionada em Y. – na qual juntou a declaração de rendimentos apresentada em Itália, referente ao ano de 2018, e a correspondente tradução legal para língua portuguesa –, que se encontra na fase “Extinção por Apensação a Processo de Contencioso Judicial” (Cfr. PA).
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A Requerente não regularizou os valores que resultaram das liquidações impugnadas, tendo apenas procedido ao pagamento de: €371,52, no que respeita ao período de tributação de 2016 e de €1.685,73, no que concerne ao período de tributação de 2017 (Cfr. PA).
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A Requerente apresentou o PPA que deu origem ao presente processo arbitral, em 29.07.2024 (Cfr. Sistema informático do CAAD).
III.2. FACTOS NÃO PROVADOS
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Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.
III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
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Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão, discriminar a matéria que julga provada e declarar, se for o caso, a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
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Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
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Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
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Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cf. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
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O Tribunal arbitral considera provados, com relevo para a decisão da causa, os factos acima elencados e dados como assentes, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e, a adequada ponderação dos mesmos à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.
IV. MATÉRIA DE DIREITO
IV. 1 DA DELIMITAÇÃO DAS QUESTÃO A APRECIAR
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Considerando a factualidade exposta, bem como as pretensões e posições da Requerente e da Requerida constantes das suas peças processuais, cumpre ao Tribunal Arbitral:
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Aferir se a AT cumpriu o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos invocados, in casu, de que existem indicadores suficientes que legitimam a sua atuação corretiva promovendo alterações aos rendimentos líquidos declarados pela Requerente;
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Apurar se os atos tributários controvertidos são ilegais, por ausência de fundamentação;
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Apreciar se a Requerente tem direito à restituição do imposto pago e a juros indemnizatórios.
IV. 1.1 DO ÓNUS DA PROVA
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No caso dos autos, a AT, partindo de uma informação recebida das Autoridades Fiscais Italianas, no âmbito da troca de informações fiscais internacionais, concluiu, sem mais, que a Requerente, havia auferido rendimentos em Itália, nos anos de 2016 (rendimentos de pensões – €16.714,00; rendimentos prediais – €6.600,00), 2017 (rendimentos de pensões – €16.200,00; rendimentos prediais – €6.600,00) e 2018 (rendimentos de pensões – €17.140,00; rendimentos prediais – €6.600,00), não declarados em Portugal, defendendo, por esta via, e apesar de não ter realizado quaisquer outras diligências oficiosas (a que estava vinculada pelo princípio do inquisitório – Cfr. artigo 58.º, da LGT), que se operou uma inversão do ónus da prova (nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT), cabendo à Requerente a demonstração dos factos constitutivos dos direitos invocados.
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Ora, como será bom de ver, não assiste razão à Requerida.
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A AT não apresentou elementos de prova suficientes que suportem a materialidade dos atos tributários que emitiu e, em consequência, não se operou, ao contrário do que afirma, uma inversão do ónus da prova.
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Na verdade, a AT limitou-se a concluir que a informação em causa, dada a sua origem era bastante e idónea para operar a inversão do ónus da prova, nos termos do n.º 4, do artigo 76.º, da LGT: “São abrangidas pelo n.º 1[1] as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado”. (negrito nosso)
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No entanto, tal informação não foi junta aos autos, sendo o seu teor totalmente desconhecido,
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o que não permite ao Tribunal Arbitral aferir se, efetivamente, a Requerente auferiu, em Itália – nos anos de 2016, 2017 e 2018 – os rendimentos indicados pela AT.
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Ou seja, os rendimentos (alegadamente) obtidos no estrangeiro e tributados naqueles anos (2016, 2017 e 2018) não se encontram suportados em nenhum documento ou meio de prova junto aos autos que fundamente a sua legalidade.
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Pois, da leitura do conjunto de elementos trazidos pela AT, apenas encontramos generalidades e conclusões, não sendo possível apurar um elenco de factos capazes de conduzir às liquidações aqui sindicadas.
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Neste sentido, consideramos, como a esmagadora maioria da jurisprudência do CAAD, que “não pode bastar à AT informar o contribuinte de que existe uma comunicação de valores, com uma qualificação de rendimento, obtido noutro país para que automaticamente possa ser erigido um acto de liquidação adicional com base única e exclusivamente nessa informação que só é do conhecimento da AT.”[2] (negrito nosso)
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Para além de que, “(...) dentro do quadro do regime de troca de informações previsto, caberia à AT procurar obter elementos que fundamentassem a sujeição do valor comunicado a imposto em Portugal, assim como o tipo de rendimento, (...).”[3], o que não aconteceu.
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Ora, conforme decorre do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”
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Sobre o ónus da prova tem sido entendido que “(...) em regra, a administração tributária terá o ónus da prova dos pressupostos dos factos constitutivos dos direitos que pretende exercer no procedimento, enquanto os sujeitos passivos terão o ónus de provar os factos que possam servir de suporte à concretização desses direitos.” (Cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamin Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Anotada e comentada, encontro da escrita: Lisboa, 4.ª ed., 2012, p. 656).
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Resulta evidente que, de acordo com o referido supra, o ónus da prova recaia sobre a AT.
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Contudo, a AT invoca a inversão desta regra, com base no estatuído no artigo 76.º, n.ºs 1 e 4, da LGT: “1 – As informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei. (...) 4 – São abrangidas pelo n.º 1 as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado.”
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Volvendo ao caso dos autos, é manifesto que a AT não logrou provar os factos tributários que invoca, nomeadamente, a sua ocorrência, a sua qualificação e o seu valor,
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pois, limitou-se a dar como certa uma informação “deficiente” que, quer o sujeito passivo, quer o Tribunal desconhecem o seu real conteúdo.
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E, na verdade, a AT tinha ao seu dispor a faculdade de, através dos mecanismos de trocas de informação, confirmar os alegados rendimentos auferidos no estrangeiro, em Itália, e apresentar aos autos meios de prova suficientes e idóneos que sustentassem a materialidade dos atos tributários aqui sindicados.
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“Não o tendo feito, prescindiu de mais inquisitório (artigo 58.º, da LGT) no sentido da segurança probatória e deixou permanecer a dúvida sobre a existência e quantificação dos factos tributários imputados (...) (artigo 100.º, n.º 1, CPPT), incorrendo na violação do princípio do inquisitório e da verdade material, desdobramentos dos princípios da legalidade e da igualdade, previstos nos artigos 103.º, n.º 3, 13.º e 266.º n.º 2 da CRP”[4]
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Desta feita, e face a todo o exposto, incorreram as liquidações controvertidas em erro nos pressupostos de facto e, consequentemente, erro de direito, devendo, como tal ser anuladas, na parte referente aos rendimentos alegadamente auferidos no estrangeiro.
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Contudo, acresce que a Requerente também assaca às aludidas liquidações o vício procedimental autónomo, consubstanciado na ilegalidade do ato tributário de liquidação por ausência de fundamentação.
Vejamos,
IV. 1.2 DA ALEGADA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO
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O n.º 3, do artigo 268.º, da Constituição da República Portuguesa (doravante “CRP”) enuncia o seguinte princípio: “Os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.”
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Por sua vez, o artigo 77.º, da LGT concretiza o aludido princípio constitucional, dizendo que: “A decisão do procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integram o relatório da fiscalização tributária.”
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O n.º 2 do citado normativo refere ainda que “A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”
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A fundamentação é, assim, um dos elementos constitutivos do ato administrativo-tributário de liquidação, acarretando a sua falta, obscuridade[5], contradição[6] ou insuficiência[7] a anulabilidade do ato.
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Com efeito, o conteúdo de uma fundamentação suficiente varia de acordo com as circunstâncias concretas, entre as quais avultam as do tipo de ato, as da participação e qual a sua extensão ou a não participação dos interessados no procedimento anterior conducente à decisão.
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Ora, no caso dos autos, constata-se que a AT não fundamentou formalmente (de facto e de direito), nem materialmente, as liquidações que efetuou sobre os rendimentos (alegadamente) obtidos no estrangeiro e tributados naqueles anos – 2016, 2017 e 2018 –.
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Com efeito, os atos de liquidação em apreço visaram tributar alegados rendimentos de pensões e prediais auferidos pela Requerente, em Itália, e não declarados nas respetivas Modelos 3 (de IRS).
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No entanto, o que sustenta tais atos, segundo a AT, é uma mera informação recebida pelas Autoridades Fiscais Italianas, através da troca de informações fiscais internacionais, informação essa que, como já se referiu, não foi junta aos autos, desconhecendo-se o seu concreto conteúdo.
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Para além de não justificar, a AT, o modo segundo o qual qualificou e quantificou os alegados rendimentos em apreço, nos termos das normas de incidência previstas nos artigos 8.º e 11, do CIRS.
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A AT não revelou quais os concretos elementos analisados ou quais as informações recebidas ou ainda quais as diligências encetadas para suportar as mencionadas liquidações.
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E conforme consabido, para que as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras façam fé têm de estar fundamentadas, basear-se em factos sólidos e critérios objetivos[8],
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o que não se pode ter como cumprido, desde logo, porque é desconhecido o concreto teor da informação prestada pelas autoridades fiscais de Itália.
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Face a todo o exposto, encontram-se as liquidações aqui sindicadas inquinadas de vício de forma por falta de fundamentação, de facto e de direito, o que conduz, também, à sua anulação parcial, na parte referente aos rendimentos alegadamente auferidos no estrangeiro.
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Fica, além disso, prejudicado o conhecimento das restantes questões submetidas à apreciação deste Tribunal, ao abrigo da proibição da prática de atos no processo inúteis e desnecessários, prevista no artigo 130.º, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
IV.1.3 DO DIREITO AO REEMBOLSO DO IMPOSTO PAGO E A JUROS INDEMNIZATÓRIOS
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Peticiona, ainda, a Requerente que lhe seja reconhecido o direito ao reembolso do imposto indevidamente pago e a juros indemnizatórios.
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Determina a alínea b), do n.º 1, do artigo 24.º, do RJAT, que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários”, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que inclui “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” (Cfr. n.º 5, do artigo 24.º, do RJAT).
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De igual modo, o n.º 1, do artigo 100.º, da LGT, aplicável ao processo arbitral tributário, por força do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 29.º, do RJAT, estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.
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O restabelecimento da situação, que existiria se os atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral não enfermassem de ilegalidade, obriga, por um lado, à restituição do imposto pago indevidamente e, por outro lado, ao pagamento de juros indemnizatórios.
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Sucede que, a Requerente não regularizou os valores que resultaram das liquidações impugnadas, tendo procedido unicamente ao pagamento de: €371,52, no que respeita ao período de tributação de 2016 e de €1.685,73, no que concerne ao período de tributação de 2017, pelo que serão apenas estes os valores a reembolsar ao sujeito passivo.
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Já quanto ao regime dos juros indemnizatórios, o mesmo consta do artigo 43.º, da LGT, cujo n.º 1 estabelece que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
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No caso em apreço, e relativamente aos períodos de tributação de 2016 e 2017 encontram-se preenchidos os pressupostos constantes do citado artigo (artigo 43.º, n.º 1, da LGT), porquanto, quer no pedido de revisão oficiosa (quanto ao ano de 2016), quer no âmbito da reclamação graciosa (referente ao período de tributação de 2017), a AT teve a oportunidade de proceder à análise e avaliação da matéria controvertida e podia ter efetuado o correto enquadramento jurídico-tributário dos factos e, consequentemente, ter efetuado a plena reconstituição da legalidade dos atos ou da situação objeto do litígio. Não o tendo feito, os serviços da AT cometeram um erro que lhes é imputável, do qual resultou a manutenção de um imposto por montante superior ao devido.
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Face ao exposto, deverá proceder o pedido da Requerente, i.e., ser-lhe reconhecido o direito a juros indemnizatórios e condenar a AT ao reembolso do imposto indevidamente pago, até à presente data, nos termos dos artigos 43.º e 100.º, da LGT e artigo 61.º, do CPPT.
V. DECISÃO
Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:
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Declarar ilegal e anular parcialmente os atos de autoliquidação de IRS n.º 2020 ..., referente ao ano de 2016; n.º 2021..., referente ao ano de 2017 e; n.º 2022 ..., referente ao ano de 2018, bem como os juros compensatórios, ambos na parte referente aos rendimentos alegadamente auferidos no estrangeiro;
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Condenar a AT a reembolsar à Requerente o montante de imposto indevidamente pago, e ao pagamento de juros indemnizatórios sobre esse valor, depois de decorrido um ano, contado da apresentação do pedido de revisão até à data do processamento da respetiva nota de crédito, quanto ao período de tributação de 2016 e; no que respeita ao período de tributação de 2017, a contar do dia seguinte à data em que operou o indeferimento tácito da reclamação graciosa, até à data do processamento da respetiva nota de crédito (Cfr. artigo 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT).
VI. VALOR DA CAUSA
Fixa-se ao processo o valor de €11.189,16 (onze mil cento e oitenta e nove euros e dezasseis cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VII. CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.]
Lisboa, 24 de março de 2025
Susana Mercês de Carvalho
(A Árbitra)
[1] “As informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetos nos termos da lei.”
[2] Decisão Arbitral, de 28 de janeiro de 2022, proferida no processo n.º 570/2021-T.
[3] Decisão Arbitral, de 28 de janeiro de 2022, proferida no processo n.º 570/2021-T.
[4] Decisão Arbitral, de 06 de janeiro de 2023, proferida no processo n.º 252/2022-T.
[5] Quando os seus termos não permitam conhecer de modo claro o desenvolvimento do processo intelectual e valorativo em que assenta a decisão.
[6] Quando a decisão não se conjuga, de modo lógico, com os motivos por ela invocados.
[7] Quando não sejam expostos os fundamentos de facto e de direito em que a decisão se deve apoiar.
[8] Cfr. Artigo 76.º, n.ºs 1 e 4, da LGT.
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