Sumário
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Segundo o preceituado na al. b), do n.º 1, do artigo 66.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, para efeitos da determinação da taxa do Imposto sobre o Álcool, as Bebidas Alcoólicas e as Bebidas Adicionadas de Açúcar ou outros Edulcorantes (IABA), a que se refere o n.º 2 do artigo 72.º, n.º 2, são classificados como “vinho tranquilo” os produtos abrangidos pelos códigos de Nomenclatura combinada 2204 e 2205;
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As sangrias comercializadas pela Requerente possuem um título alcoométrico que resulta inteiramente de fermentação, pelo que se enquadram na citada categoria de “vinho tranquilo” e beneficiam, por isso, da taxa de imposto prevista no n.º 2 do art. 72.º do Código do IEC.
Decisão Arbitral
Os árbitros designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), para formarem o Tribunal Arbitral coletivo, constituído em 8 de outubro de 2024, Juiz José Poças Falcão (Presidente), Prof.ª Doutora Marisa Almeida Araújo (relatora) e Prof. Doutor Gustavo Gramaxo Rozeira, acordam no seguinte:
I. Relatório
A..., S.A., NIPC..., depositário autorizado n.º..., com sede em ...-... ..., ..., de ora em diante designada por “Requerente”, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, bem como dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, na redação vigente.
A Requerente pretende que sejam anulados os atos tributários em apreço nos autos com as consequências legais, nomeadamente a restituição do montante pago no valor de € 155.461,83, acrescido de jutos indemnizatórios.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também designada por “Requerida” ou “AT”.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 25 de julho de 2024 e aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 29 de julho de 2024 e, de seguida, notificado à AT.
Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a), do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo.
Em 18 de setembro de 2024, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 8 de outubro de 2024.
Notificada para responder, a Requerida defendeu-se por exceção e por impugnação em 18 de novembro de 2024, pugnando pela absolvição da instância ou, assim não se entendendo, pela absolvição dos pedidos, respetivamente.
Na mesma data juntou aos autos o respetivo processo administrativo.
A Requerente foi notificada por despacho de 20 de novembro de 2024. Por despacho de despacho de 16 de dezembro de 2024, tendo em conta as concretas vicissitudes processuais, foi dispensada a reunião a que alude o art.º. 18.º do RJAT e as partes foram convidadas a apresentar alegações finais escritas.
A Requerente apresentou as suas alegações em 6 de janeiro e 2025 e a Requerida em 16 de janeiro de 2025.
Posição da Requerente
A Requerente entende que o meio é próprio, tempestivo e tem legitimidade. Alega, sumariamente, que em 29/12/2023 apresentou pedido de reembolso por erro na liquidação relativamente ao IABA liquidado entre janeiro e dezembro de 2021, no valor de € 155.461,83, resultante da introdução no consumo de 1 489 060 litros de sangria.
No âmbito da sua atividade comercial, a Requerente produz bebidas alcoólicas designadas “...” e “...” que comercializa e devem ser qualificadas como “vinho tranquilo”, ao contrário da qualificação que consta dos atos de liquidação.
A Requerente requereu o reembolso e, até à data da entrada do PPA, e até ao presente momento, não havia sido notificada de qualquer decisão sobre o pedido pelo que ocorreu o indeferimento tácito em 29/04/2024.
A Requerente beneficia do estatuto de depositário autorizado, tendo-lhe sido atribuída a referência de operador de IEC n.º ... e é titular de um entreposto fiscal de produção com o n.º..., de cinco entrepostos fiscais de armazenagem n.º ..., ..., ..., ... e ... e, por fim, é ainda titular do estatuto de Depositário Autorizado, que possui o n.º PT... .
Entre outras mercadorias que a Requerente produz e comercializa as bebidas alcoólicas, classificadas como “sangria”:
(a) ... Sangria Branca, composta por vinho branco, água, açúcar, dióxido de carbono, aromas naturais, edulcorante (E950) e conservante (E202), com teor alcoólico de 7% vol, e;
(b) ... Sangria Tinta, composta por vinho tinto, água, açúcar, dióxido de carbono, aroma natural de limão, acidificante (E330), estabilizadores (E414 e E445), edulcorante (E950), conservante (E202) e aroma natural de canela, com teor alcoólico de 7% vol.
A produção de sangria obedece a etapas de mistura, arrefecimento, armazenagem e filtração, sendo que o teor alcoólico é assegurado pelo “vinho”, resultando do processo de fermentação de uvas frescas e/ou mosto de uvas.
A sangria enquadra-se no código de nomenclatura combinada 2205.
Entre janeiro e dezembro de 2021 a Requerente foi notificada dos atos de liquidação resultante da introdução de, 485 520 litros de sangria branca, no valor de IABA pago de € 50.689,10, e 1 003 540 litros de sangria tinta, no valor de IABA pago de € 104.772,73.
Valores apurados, segundo a Requerente, porque o entendimento da AT é que os produtos configuram “outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes”, e aplicou a taxa de IABA prevista no n.º 2 do art.º 73.º do CIEC de € 10,44/hl.
A Requerente procedeu ao pagamento, apesar de não concordar com a subsunção legal e a taxa aplicável.
Entende a Requerente que os produtos sangria integram o conceito de “vinho tranquilo” sendo, por isso, tributáveis em IABA à taxa de € 0. Da noção de “vinho tranquilo” são considerados os produtos abrangidos pela NC 2204 e 2205, com as seguintes características:
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teor alcoólico adquirido resultar inteiramente da fermentação;
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teor alcoólico deve ser superior a 1,2% vol. e igual ou inferior a 18% vol.
Para além disso, segundo a Requerente, os produtos de sangria in casu, enquadram-se no NC 2205 conforme consta das Notas Explicativas da Nomenclatura Combinada, onde de prevê que se considera, como “Vermutes e outros vinhos de uvas frescas aromatizados por plantas ou substâncias aromáticas: “2. As bebidas denominadas sangria, à base de vinho, aromatizadas, por exemplo, com limão ou laranja (…) Os produtos cujos teor alcoólico adquirido, em volume, é inferior a 7% vol. são classificados na posição 2206 00”. Ora, as sangrias em apreço nos autos têm o seu teor alcoólico (resultante exclusivamente da fermentação) assegurado pelo produto “vinho” e com 7% vol.
Acrescenta a Requerente que não existe qualquer sobreposição com “outras bebidas tranquilas fermentadas” já que o art.º 66.º, n.º 1, al. d) do CIEC determina, expressamente, que para que a bebida se classifique como “vinho” não se pode qualificar como “outra bebida tranquila fermentada”.
Tendo em conta o exposto, entende a Requerente que deve ser declarada a anulabilidade das liquidações e, para além do reembolso pelos valores pagos, ao montante devem acrescer juros indemnizatórios.
Posição da Requerida
A Requerida apresenta uma posição fáctico-jurídica distinta da Requerente e, na sua douta resposta defende-se por exceção e por impugnação.
Em matéria de exceção, a Requerida invoca erro na forma do processo já que entende que o indeferimento do pedido de reembolso é um ato administrativo, e não um ato tributário.
Entende ainda a Requerida que se verifica a incompetência material do tribunal arbitral para apreciar a decisão de indeferimento do pedido de reembolso. Fundamenta, sumariamente, a sua posição alegando que a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação e o âmbito da ação arbitral não consente a pronúncia sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação (o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão).
O que, pelos argumentos sumariamente expostos, entende a Requerida que, tais pedidos extravasam a competência do presente Tribunal, desde logo circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.
Inova ainda, também em matéria de exceção, que o tribunal arbitral seria incompetente em razão da matéria uma vez que a Requerente pretende a anulação do despacho que indeferiu o seu pedido de reembolso com fundamento de que as bebidas alcoólicas que comercializa sob a designação de “sangria” devem ser classificadas como “vinho tranquilo” mas, segundo o seu entendimento, sem invocar qualquer ilegalidade que resulte da não aplicação da lei em vigor, visando, outrossim, com tal pedido a não aplicação da taxa prevista na lei para aquelas bebidas e, consequentemente, a aplicação da taxa 0 (zero) prevista no n.º 2 do artigo 72.º do CIEC para o vinho.
Segundo a Requerida, tal pretensão, e independentemente, de se saber se as bebidas, devem ser classificadas, ou não, como “vinho tranquilo”, consubstancia, por parte da Requerente, uma exigência para que a administração tributária adote uma nova atuação em sede de liquidação do imposto, procedendo à realização de novas liquidações, que não as resultantes da lei em vigor, que aplicou, que foram realizadas de acordo com os elementos declarados, pela Requerente, nas Declarações de Introdução no Consumo (e-DIC) que processou quanto às introduções no consumo efetuadas relativamente às bebidas em questão. Nesta medida, pugnando a Requerente pela realização de novas DIC e emissão de novos DUC, que viriam substituir os anteriores, visa, concomitantemente, que a Requerida adote um comportamento consistente na realização de novos atos de liquidação o que resultaria na pretensão da Requerente de que, por conta da diferente classificação das bebidas, viessem a ser processadas/apresentadas outras DIC e DUC, e efetuadas outras liquidações, em sua substituição dos precedentes. Nesta medida, o meio processual próprio, perante tal pretensão seria o “Reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”, em conformidade com o previsto no artigo 145.º do CPPT, uma vez que não está em causa a “intimação para um comportamento” de um direito ou interesse legítimo lesado ou violado, que resulta diretamente da lei. Ora, tal atribuição também não cabe no elenco das competências do tribunal arbitral, descrito no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, o qual se restringe à declaração de ilegalidade de atos de liquidação previstos nas alíneas a) e b), isto é, à mera apreciação de legalidade.
Não ocorreu, segundo a Requerida, qualquer erro na qualificação dos factos tributários subjacentes à introdução no consumo de bebidas alcoólicas. O Direito da União Europeia (DUE) disciplina, em diploma especial e autonomizando-os expressa e formalmente dos vinhos, os produtos vitivinícolas aromatizados previstos no Regulamento (EU) n.º 251/2014, de 26/02, abrangendo vinhos aromatizados, bebidas aromatizadas à base de vinho e cocktails aromatizados de produtos vitivinícolas. Em sede de Direito comparado, a maioria dos Estados-Membros considera, e bem, que os produtos vitivinícolas aromatizados não devem ser classificados, para efeitos da tributação prevista na Diretiva 92/83/CEE do Conselho, enquanto “vinhos tranquilos ou espumantes”, mas como “Outras bebidas fermentadas”.
A nível nacional, de acordo com o artigo 66.º, n.º 2, alíneas b), c) e d) do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), respetivamente, para os devidos efeitos devem considerar-se:
® «Vinho tranquilo» os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 e 2205, com exceção do vinho espumante, cujo título alcoométrico adquirido resultante inteiramente de fermentação seja superior a 1,2 % vol. e igual ou inferior a 18 % vol.;
® «Vinho espumante» os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 10, 2204 21 06, 2204 21 07, 2204 21 08, 2204 21 09, 2204 29 10 e 2205, cujo título alcoométrico adquirido resultante inteiramente de fermentação seja superior a 1,2 % vol. e igual ou inferior a 15 % vol., que estejam contidos em garrafas fechadas por rolhas em forma de cogumelo fixadas por arames ou grampos, ou com uma sobrepressão derivada do anidrido carbónico em solução de, pelo menos, 3 bar;
® «Outras bebidas tranquilas fermentadas» os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204, 2205 e 2206, com exceção dos vinhos, da cerveja e das outras bebidas espumantes fermentadas, cujo título alcoométrico adquirido seja superior a 1,2 % vol. e igual ou inferior a 10 % vol., e ainda os de título alcoométrico superior a 10 % vol., mas não a 15 % vol., desde que, neste último caso, o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação.
Assim, para que sejam classificados como “Vinho” (tranquilo ou espumante), os produtos vitivinícolas devem reunir, cumulativamente, os seguintes requisitos: 1) o título alcoométrico adquirido resultar inteiramente de fermentação e 2) sejam, como não poderia deixar de ser, vinho.
Desta forma, segundo a Requerida, no que respeita à sangria, apesar de se exigir uma análise completa de todos os prismas, recorrendo-se ao conceito vigente no ramo de Direito aplicável, conforme dispõe a LGT, porquanto em alguns casos pode-se satisfazer o primeiro requisito, isto é, o título alcoométrico adquirido pode resultar inteiramente da fermentação. 63.º Torna-se claro da exposição em apreço que apenas pode a sangria ser qualificada como “outras bebidas tranquilas fermentadas”, pois não satisfaz, em caso algum, o segundo requisito, i.e., não é vinho. o entendimento da Requerida em relação à classificação fiscal da sangria, enquanto produto vitivinícola aromatizado, previsto no Regulamento n.º 251/2014, encontra-se vertido na Informação Vinculativa e no Ofício Circulado n.º 35.095/2018, sancionados pelos despachos, respetivamente, de 20/03/2018 e 20/12/2018, do Subdiretor-Geral da Área dos IEC.
Concluindo que, este entendimento esse que tem em consideração, como não poderia deixar de ser, a constelação normativa de DUE e respetivas normas legais de direito interno aplicáveis ao caso em apreço, encontrando plena adesão quer a nível de Direito Interno, conforme o Decreto-Lei n.º 35.846/46, de 2 de setembro, que aprova as Bases do Fomento da Vitivinicultura ou a Portaria n.º 26/2017, de 13 de janeiro, que aplica o Regulamento n.º 1308/2013 que estabelece uma organização comum dos mercados (OCM), quer a nível de DUE e, ainda no quadro do Direito Internacional; Pelo que inexiste qualquer contradição com o DUE e, muito menos, qualquer violação de normas de DUE.
Acrescenta ainda que os artigos 8.º e 12.º da Diretiva n.º 92/83/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à harmonização da estrutura dos IEC sobre o álcool e as bebidas alcoólicas, estabelecem o que se entende, para efeitos da sua aplicação, por “vinho tranquilo” e “vinho espumante”, bem como “outras bebidas fermentadas com exceção do vinho ou da cerveja”. De acordo com o disposto no artigo 12.º da Diretiva n.º 92/83/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, entende-se por “Outras bebidas tranquilas fermentadas” “os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 e 2205 mas não mencionados no artigo 8.º, os produtos abrangidos pelo código NC 2206, exceto as outras bebidas espumantes fermentadas definidas no ponto 2 do presente artigo, e qualquer produto abrangido pelo artigo 2.º: - de teor alcoólico adquirido superior a 1,2% vol mas não a 10% vol; - de teor alcoólico adquirido superior a 10% vol mas não a 15% vol, desde que o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação”.
Entende a Requerida que a Diretiva n.º 92/83/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992 contempla a possibilidade de bebidas abrangidas pelo código NC 2205, mesmo ou ainda que o álcool contido no produto resulte integralmente de fermentação, possam ser classificadas de “outras bebidas fermentadas” – bastará, para o efeito, que não sejam consideradas ou enquadradas enquanto “vinho”, nos termos do artigo 8.º. Por conseguinte, acrescenta a Requerida, que a Diretiva não fixou uma regra precetiva, concedendo aos Estados-Membros a faculdade de concretização do conceito em causa, nos termos definidos pelo respetivo ordenamento jurídico. No plano europeu, o entendimento da Requerida conforma-se com o referido Regulamento n.º 1308/2013, pelo qual se estabelecem as categorias de produtos vitivinícolas, designadamente, o vinho.
Entende a AT, alegando que a Requerente o confessa, os produtos finais destinados a ser consumidos são irrefutavelmente distintos do vinho, apresentando uma alteração substancial de componente, características organoléticas (gosto, cheiro, aparência) distintas e ainda, designação / classificação comerciais distintas e modo de servir diverso.
Assim, e apesar de, até 31-12-2016 as bebidas introduzidas no consumo pela Requerente no caso em apreço, se encontrarem sujeitas a IABA à taxa de 0%. Certo é que, na perspetiva da Requerida, a partir de 01-01-2017, com a entrada em vigor da alteração ao n.º 2 do artigo 73.º do CIEC introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro (Orçamento do Estado para 2017) a taxa do imposto aplicável passou a ser de (euro) 10,30/hl, e, à data dos factos e atos de liquidação em apreço, i.e., 01-03-2022 e 31-12-2022, (euro) 10,44/hl e (euro) 10,54/hl.
Desta forma, entende a Requerida que inexiste qualquer erro na liquidação porquanto inexiste igualmente qualquer erro na qualificação dos factos tributários subjacentes à introdução no consumo de bebidas alcoólicas, o que obsta ao reconhecimento do alegado “direito” a que se arroga a Requerente. O que consubstancia, segundo a Requerida, uma exceção perentória nos termos e para o efeito do disposto no artigo 576.º, n.º 1 e n.º 3 do CPC, aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT, devendo a Requerida ser absolvida do pedido.
Por impugnação, entende a Requerida que não é o tribunal competente, pelo que impugna a pretensão da aplicação do CPPT.
Acrescenta ainda que a Requerente confessa que os produtos à base de vinho mas aos quais se adicionaram elementos a esta mistura pelo que o resultado não é “vinho tranquilo” mas no conceito de “outras bebidas tranquilas fermentadas” nos termos e para o efeito do disposto no artigo 66.º, n.º 2, alínea d) do CIEC, sendo que, a partir de 01-01-2017, com a entrada em vigor da alteração ao n.º 2 do artigo 73.º do CIEC introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, a taxa do imposto aplicável passou a ser de (euro) 10,30/hl, e, à data dos factos e atos de liquidação em apreço, i.e. em 2021, (euro) de 10,44/hl e (euro) 10,54/hl.
A AT pugna, assim, pela improcedência do PPA.
As partes apresentaram alegações e, sumariamente, mantiveram as suas posições.
II. Saneamento
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e o processo não enferma de nulidades.
A Requerida invocou exceções dilatórias, pelo que o Tribunal, antes de se pronunciar sobre o mérito da causa, deve conhecer daquela matéria:
Do erro na forma de processo e da incompetência material absoluta do tribunal arbitral
Em relação a esta exceção suscitada pela AT quanto ao erro na forma de processo e da incompetência do tribunal arbitral para apreciar a decisão de indeferimento do pedido de reembolso apresentado ao abrigo do artigo 16.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, considerando que, como sumariamente já teve oportunidade de se expor supra, este pedido não consubstancia, na ótica da Requerida, uma impugnação administrativa dos atos de liquidação sub judice, nem da decisão de indeferimento que sobre ele recaiu se reconduz a uma decisão sobre a legalidade dos atos de liquidação, pelo que o tribunal arbitral seria incompetente para apreciar do PPA, cumpre decidir.
O Requerente fixa a sua pretensão nos atos de liquidação de IABA, objeto da mesma, e na decisão de indeferimento do pedido de reembolso do imposto pago, objeto mediato do PPA.
Conforme resulta da decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 746/2020-T, a cuja fundamentação se adere, “[o] pedido de reembolso foi formulado nos termos dos artigos 15.º e 16.º do Código dos IEC. Essa primeira disposição prevê especificamente que constitui fundamento para o reembolso do imposto pago o erro na liquidação (n.º 1), permitindo que o reembolso possa ser solicitado pelos sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto (n.º 2). O artigo 16.º acrescenta que o reembolso por erro na liquidação “inclui o erro material e a errónea qualificação ou quantificação dos factos tributários” (n.º 1) e pode ainda ser efectuado, no mesmo prazo, por iniciativa da estância aduaneira competente (n.º 2).”
Também, tal qual resulta desta decisão, também nos presentes autos, “[…] o pedido de reembolso do imposto por erro na liquidação, a que se referem especialmente os artigos 15.º e 16.º do Código dos IEC, constitui uma forma de impugnação administrativa do acto tributário, encontrando-se igualmente contemplada a possibilidade de, em caso de erro na liquidação, a revisão do acto tributário poder ser realizada por iniciativa da Administração. O que significa que estamos perante um mecanismo de impugnação administrativa por via do pedido do reembolso do imposto semelhante ao previsto no artigo 98.º, n.º 2, do Código do IVA, e de revisão oficiosa equivalente ao previsto nessa disposição e, em geral, no artigo 78.º, n.º 1, da LGT.”
Pelo que não haverá motivo para considerar que o pedido de reembolso formulado por iniciativa do contribuinte, tal como preveem essas disposições, não seja uma forma de impugnação autónoma do ato de liquidação a que se refere o artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do CPPT. “E, nesse sentido, a decisão de indeferimento do pedido de reembolso, caracterizando-se como um acto tributário de segundo grau, pode ser objecto de pedido arbitral, conjuntamente com o pedido de declaração de ilegalidade dos próprios actos tributários de liquidação, na medida em que comportem a apreciação da legalidade dos actos de liquidação (cfr. Serena Cabrita Neto/Carla Trindade, Contencioso Tributário, I vol., Coimbra, 2017, págs. 535-536, e, na jurisprudência, o acórdão do STA de 18 de maio de 2011, Processo n.º 1056/11).”
Acrescentando-se que, na senda daquela decisão, não se compreenderia “[…] que o tribunal arbitral pudesse declarar a ilegalidade dos actos de liquidação, mas não pudesse já estender esse julgamento ao acto de segundo grau que os confirmou, a ponto de se tornar inconsequente a anulação contenciosa do primeiro acto, por via da manutenção na ordem jurídica de um acto tributário que indeferiu a impugnação administrativa contra ele deduzido.”
Tendo em conta o exposto, é possível apreciar, ainda, a exceção perentória invocada pela Requerida. A Requerida impugna a aplicabilidade do CPPT tendo em conta a interpretação que faz dos atos em causa que, como referido, sendo tributários, nada obsta a aplicabilidade do diploma legal.
Pelos motivos expostos se entende que a decisão de indeferimento tácito do pedido de reembolso, enquanto ato tributário de segundo grau, se enquadra no âmbito da competência dos tribunais arbitrais, à luz do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, quando o objeto imediato do processo seja o pedido de declaração de ilegalidade de um ato de liquidação de tributos, improcedendo, desta forma, as exceções invocadas pela Requerida.
III. Fundamentação
III. I. Matéria de facto
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Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
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A Requerente no âmbito da sua atividade, produz, armazena e comercializa bebidas alcoólicas e adicionadas de açucares e outros edulcorantes;
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A Requerente é um operador na área dos Impostos Especiais de Consumo (IEC) n.º ...;
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É titular de um entreposto fiscal de produção com o n.º ..., de cinco entrepostos de armazenagem, n.os ..., ..., ..., ... e ... e titular do estatuto de Depositário Autorizado, que possui o n.º PT...;
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Em 29/12/2023, a Requerente apresentou pedido de reembolso de Imposto sobre o Álcool, as Bebidas Alcoólicas e as Bebidas Adicionadas de Açúcar ou outros Edulcorantes (IABA), ao abrigo do artigo 16.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, que permite o reembolso por erro na liquidação e na qualificação ou quantificação dos factos tributário;
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Relativamente ao IABA liquidado entre janeiro de 2021 e dezembro de 2021 em 29/12/2023, no valor de € 155.46,83, resultante na introdução no consumo de 1 489 060 litros de sangria:
a) Resultante da introdução de, 485 520 litros de sangria branca, no valor de IABA pago de € 50.689,10, e
b) Resultante da introdução de 1 003 540 litros de sangria tinta, no valor de IABA pago de € 104.772,73
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A pretensão da Requerente foi indeferida tacitamente em 29/04/2024;
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A Requerente procedeu ao pagamento do valor apurado;
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A Requerente apresentou o presente pedido arbitral em 25 de julho de 2024;
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Entre outras mercadorias que a Requerente produz e comercializa as bebidas alcoólicas, classificadas como “sangria”:
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... Sangria Branca, composta por vinho branco, água, açúcar, dióxido de carbono, aromas naturais, edulcorante (E950) e conservante (E202), com teor alcoólico de 7% vol, e;
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... Sangria Tinta, composta por vinho tinto, água, açúcar, dióxido de carbono, aroma natural de limão, acidificante (E330), estabilizadores (E414 e E445), edulcorante (E950), conservante (E202) e aroma natural de canela, com teor alcoólico de 7% vol.
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A produção de sangria obedece a etapas de:
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Mistura (ingredientes são adicionados em linha, sendo a mistura efetuada durante recirculação);
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Arrefecimento (sangria é arrefecida num permutador de calor antes de ser armazenada);
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Armazenagem (após preparação a sangria é armazenada antes de envio para enchimento);
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Filtração (segue-se processo de filtragem para remoção de eventuais impurezas antes de envio para enchimento);
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O título alcoométrico adquirido pelas sangrias referidas no ponto 9. resulta inteiramente de fermentação.
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Não existem factos relevantes para a decisão que não tenham sido considerados provados.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados e nos documentos juntos pelas Partes, mormente o processo administrativo.
O tribunal formou a sua convicção tendo em conta os documentos juntos pela Requerente, em particular as explicações técnicas apresentadas pela Requerente no seu articulado em relação ao processo de fermentação e do teor alcoólico obtidos por este processo. O processo de produção descrito nos documentos de forma clara e permite concluir, para qualquer uma das bebidas, resulta exclusivamente o título alcoométrico, ainda que não se tratem de fichas técnicas, o que, não se tratando de matéria em que se encontre estabelecida certo meio probatório o tribunal formou a sua convicção não tendo dúvidas em relação à prova produzida com aqueles documentos.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados.
III.II. Matéria de Direito
Tendo em conta a posição assumidas pelas partes e vertidas nas suas doutas peças processuais a questão a apreciar nos presentes autos é o enquadramento fiscal da “Sangria” comercializada pela Requerente para efeitos de IABA.
Importa apreciar se a sangria se reconduz ao conceito de “vinho tranquilo” ou se é qualificada como outra bebida fermentada o que é relevante para efeitos de taxa a aplicar.
Neste âmbito seguimos a jurisprudência do CAAD, em particular a decisão proferida no âmbito do processo n.º 731/2021-T.
Nos termos do preceituado no art.º 66.º do Código dos IEC, quanto à incidência objetiva,
1 - O imposto incide sobre a cerveja, os vinhos, outras bebidas fermentadas, os produtos intermédios e as bebidas espirituosas, genericamente designadas por bebidas alcoólicas, e sobre o álcool etílico, genericamente designado por álcool.
2 - Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por:
[…]
b) «Vinho tranquilo» os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 e 2205, com excepção do vinho espumante, cujo título alcoométrico adquirido resultante inteiramente de fermentação seja superior a 1,2 % vol. e igual ou inferior a 18 % vol.;
[…]
d) «Outras bebidas tranquilas fermentadas» os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204, 2205 e 2206, com excepção dos vinhos, da cerveja e das outras bebidas espumantes fermentadas, cujo título alcoométrico adquirido seja superior a 1,2 % vol. e igual ou inferior a 10 % vol., e ainda os de título alcoométrico superior a 10 % vol., mas não a 15 % vol., desde que, neste último caso, o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação;
e) «Outras bebidas espumantes fermentadas» os produtos abrangidos pelos códigos NC 2206 00 31 e 2206 00 39, bem como os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 10, 2204 21 10, 2204 29 10 e 2205, com excepção dos vinhos, cujo título alcoométrico adquirido seja superior a 1,2 % vol. e igual ou inferior a 13 % vol. e ainda os que, tendo um título alcoométrico superior a 13 % vol. mas inferior a 15 % vol., resultem inteiramente de fermentação, que estejam contidos em garrafas fechadas por rolhas em forma de cogumelo, fixadas por arames ou grampos, ou com uma sobrepressão derivada do anidrido carbónico em solução de, pelo menos, 3 bar;
Neste âmbito, resulta do artigo 72.º do mesmo diploma que a unidade tributável do vinho é constituída pelo número de hectolitros de produtos acabado de vinho tranquilo e espumante sendo que, neste caso, a taxa do imposto aplicável é de €0.
Sendo que, por sua vez, nos termos do art. 73.º, em relação a outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes:
1 - A unidade tributável das outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes é constituída pelo número de hectolitros de produto acabado.
2 - A taxa do imposto aplicável às outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes é de 10,54 (euro)/hl.
3 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, a taxa do imposto aplicável às outras bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes, produzidas pelos pequenos produtores e nas pequenas sidrarias, identificados no n.º 2 do artigo 81.º, é a prevista no n.º 2 do artigo anterior.
Cumpre apreciar,
Na senda decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 361/2019-T
“Atendendo à noção de “vinho tranquilo”, acima descrita, relevante para a determinação da incidência objetiva do IABA, podemos distinguir os seguintes requisitos:
(1) O produto tem de se encontrar abrangido pelos códigos NC 2204 e 2205;
(2) O título alcoométrico adquirido deve resultar inteiramente de fermentação;
(3) O título alcoométrico deve ser superior a 1,2% vol. e igual ou inferior a 18% vol..
22. Da noção de “Outras bebidas tranquilas fermentadas”, resultam os seguintes elementos:
(1) O produto tem de se encontrar abrangido pelos códigos NC 2204, 2205 e 2206;
(2) A bebida não se pode qualificar como vinho, cerveja ou outra bebida espumante fermentada;
(3) O título alcoométrico deve ser superior a 1,2% vol. e igual ou inferior a 10% vol.; ou
(4) Se o título alcoométrico for superior a 10% vol., mas não a 15% vol., o álcool contido no produto deve resultar inteiramente de fermentação.
Comparando as duas noções é possível identificar casos em que a qualificação enquanto vinho tranquilo ou enquanto outra bebida tranquila fermentada resulta de forma clara da diferença dos elementos decorrentes das noções acima referidas, mas também encontramos situações de aparente sobreposição que exigem um maior esforço interpretativo.
Tal como se extrai da decisão, cuja fundamentação este tribunal perfilha,
“(1) Nos casos em que o produto se encontra abrangido pelo código NC 2206 a qualificação como vinho não se afigura possível. Em todo o caso, o código NC 2206 não se refere, pelo menos de forma direta, a sangria;
(2) Se o título alcoométrico adquirido for superior a 1,2% vol. e igual ou inferior a 10% vol. e o álcool contido no produto não resultar inteiramente de fermentação a qualificação como vinho não é, igualmente, possível.
25. Desta feita, potencialmente, existe uma área de potencial sobreposição entre as duas qualificações e que se refere às situações:
(1) Abrangidas pelos códigos NC 2204 e 2205;
(2) Em que o título alcoométrico seja superior a 1,2% vol. e não superior a 15% vol.; e
(3) Em que o álcool contido no produto resulte inteiramente de fermentação”.
Também na opinião deste tribunal “[…] a lei fornece um critério para determinar a qualificação da bebida nos casos de aparente sobreposição identificados. Com efeito, a lei estabelece no artigo 66.º, n.º 1, alínea d) do Código dos IEC que se a bebida se qualificar como “vinho”, não se pode qualificar como outra bebida tranquila fermentada (“Outras bebidas tranquilas fermentadas» os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204, 2205 e 2206, com exceção dos vinhos”).
Entende-se que o Código dos IEC, ao excecionar o “vinho”, não remete para uma noção comum desta bebida, nem para outra definição resultante de um instrumento jurídico diferente (e.g., o Regulamento (EU) n.º 251/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho de 26/02/2014). Isto porque o Código dos IEC fornece a sua própria noção de “vinho tranquilo” e “vinho espumante”.
“[O] Código dos IEC estabeleceu as características de cada bebida para efeitos de determinação da incidência objetiva. As definições acima (constantes do Código dos IEC) relevam – com efeito – para efeitos da determinação da incidência objetiva do imposto. Ou seja, nos termos dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), ambos da Constituição da República Portuguesa o conceito de cada uma das bebidas encontra-se abrangido pela reserva relativa de competência legislativa.”[A]o excecionar os vinhos da noção de outras bebidas tranquilas fermentadas - elemento essencial da incidência do imposto - o legislador estabeleceu um critério interpretativo que deve ser determinável nos termos do mesmo instrumento legislativo (i.e., através da interpretação do Código dos IEC).
Ou seja, o Código dos IEC determina que as categorias “vinho tranquilo” e “vinho espumante” são consideradas categorias fundamentais. Por outras palavras, se a bebida puder ser qualificada com vinho já não será qualificada como “outra bebida tranquila fermentada.
O artigo 66.º, n.º 1, alínea d) do Código dos IEC resulta, aliás, da transposição do artigo 12.º, n.º 1, da Diretiva n.º 92/83/CEE, que determina que são “«Outras bebidas tranquilas fermentadas», os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204 e 2205 mas não mencionados no artigo 8.º (…)”. Salienta-se, que o artigo 8.º descreve o que se entende por “vinho tranquilo” e “vinho espumante”.
A interpretação conforme à Diretiva clarifica que a exceção prevista no artigo 66.º, n.º 1, alínea d) do Código dos IEC para “vinhos”, na verdade se refere ao “vinho tranquilo” e ao “vinho espumante”. Ou seja, confirma-se que na determinação do que se encontra abrangido pelo conceito de “outras bebidas tranquilas fermentadas” não importa confirmar o que é “vinho”, mas “vinho tranquilo” e “vinho espumante”, i.e., conceitos definidos na Diretiva n.º 92/83/CEE e no Código dos IEC.
Na verdade, o Regulamento (EU) n.º 251/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho de 26/02/2014 refere-se à definição, descrição, apresentação, rotulagem e proteção das indicações geográficas dos produtos vitivinícolas aromatizados, e não – como a Diretiva n.º 92/83/CEE, de 19/10 - à harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas. Ou seja, entende este Tribunal que a definição da norma de incidência deverá decorrer inteiramente do Código dos IEC que transpôs a referida Diretiva”.
Tal como resulta naquele processo, também no caso em apreço nos presentes autos, esta interpretação é consistente com a apresentada pela TAXUD em carta assinada por ... de junho de 2017, de onde resulta, sumariamente, que o Regulamento referido não será aplicável relativamente à definição de bebidas alcoólicas sujeitas a impostos especiais de consumo aplicáveis a bebidas alcoólicas; e que a sangria se encontra incluída no Código CN 2205 e pelo CEEC que refere “[a]ccording to Point (3) Section B of Annex II to Regulation (EU) No 251/2014, Sangria is an aromatised winebased drink which is obtained from wine and which has an actual alcoholic strength by volume of no less than 4,5 % vol., and less than 12 % vol. To be noted that, Article 3(3)(g) of Regulation (EU) No 251/2014 indicates that no alcohol can be added in the production of aromatised wine-based drinks except where Annex II provides otherwise, and the definition of Sangria in the Annex does not authorize the addition of alcohol”. (cfr. Docs. N.ºs 9 e 10 juntos com o PPA).
Desta forma, importa agora subsumir as características confirmar das sangrias em análise no presente processo que poeriam impedir a sua qualificação como “vinho tranquilo”. Em particular, importa confirmar se o álcool contido no produto resulta inteiramente de fermentação, já que tanto a Requerente como a Requerida concordam que a bebida se encontra abrangida pelo Código NC 2205 (o que, em parte, reduz a importância do Acórdão C-150/08 - Siebrand BV).
Tendo em conta a prova documental junta aos autos, bem como as explicações que resultam do articulado inicial da Requerente o tribunal conclui que o álcool contido no produto resulta inteiramente de fermentação.
Assim sendo, este Tribunal conclui que as sangrias em análise no presente processo se podem reconduzir à previsão do artigo 66.º, n.º 2, alínea b) (“Vinho tranquilo”), à qual é aplicada uma taxa de €0, nos termos do artigo 72.º do Código dos IEC.
Daí a total procedência do pedido.
Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais
Nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 do CPC [ex vi 29.º, nº 1, alínea e) do RJAT], será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
Neste âmbito, o n.º 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
IV. Decisão
Nestes termos, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar totalmente procedente o pedido de anulação dos atos tributários de IABA em apreço nos autos, no montante global de € 155.461,83, com as consequências legais, incluindo o reembolso do montante pago indevidamente, acrescido dos juros indemnizatórios;
-
Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
V. Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de € 155.461,83, indicado pela Requerente e não impugnado pela Requerida, correspondente à utilidade económica do pedido – Cfr. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (“CPC”), ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
-
Custas
Custas no montante de € 3.672,00 a cargo da Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa e CAAD, 31 de março de 2025
Os árbitros,
Presidente
Juiz José Poças Falcão
Vogal (Relatora)
Prof.ª Doutora Marisa Almeida Araújo
Vogal
Prof. Doutor Gustavo Gramaxo Rozeira