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SUMÁRIO
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Os rendimentos auferidos por força de contrato de afretamento são qualificáveis como royalties para efeito da CDT Portugal-Moçambique.
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Em caso de conflito entre as normas da CDT Portugal-Moçambique e as normas do Código do IRC, prevalecerão as disposições da CDT, em conformidade com o princípio da supremacia do direito internacional consagrado na Constituição da República Portuguesa.
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Caso haja impugnação administrativa do ato tributário em causa (nomeadamente, reclamação graciosa), o erro será imputado à Autoridade Tributária e Aduaneira a partir do indeferimento do referido procedimento gracioso, seja ele expresso ou presumido, sendo essa data considerada o termo inicial para o cálculo dos juros devidos ao sujeito passivo, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Prof.ª Doutora Rita Correia da Cunha (Presidente), Dr. João Gonçalves da Silva e Dr. Ricardo Rodrigues Pereira (Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo no processo identificado em epígrafe, decidem o seguinte:
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RELATÓRIO
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A..., S.A., sociedade anónima, titular do número de identificação de pessoa coletiva..., com sede na ..., ...-..., ..., ..., Aveiro, na qualidade de sociedade dominante do grupo de sociedades sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”) (doravante abreviadamente designada por “Requerente”), apresentou, em 22 de julho de 2024, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante designado por “RJAT”), pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”), visando a declaração de ilegalidade e anulação do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa autuada com o n.º ...2023... e do ato de autoliquidação referente ao Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Coletivas (“IRC”) do ano de 2021 (com o n.º...), e a condenação da AT a restituir a quantia alegadamente indevidamente paga pela Requerente, no valor de € 66.527,97, acrescida de juros indemnizatórios.
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No dia 23 de julho de 2024, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida nos termos regulamentares.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitros, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
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Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 1 de outubro de 2024, na sede do CAAD - Centro de Arbitragem Administrativa, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72.º-A, em Lisboa, conforme comunicação que se encontra junta aos presentes autos.
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No dia 6 de novembro de 2024, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, defendendo-se por impugnação, procedendo ainda à junção do processo administrativo.
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Por despacho de 18 de dezembro de 2024, o Tribunal Arbitral decidiu dispensar a reunião do artigo 18.º do RJAT, por inexistência de prova testemunhal, e notificou as partes para, querendo, apresentarem alegações finais escritas (simultâneas) no prazo de 10 dias, direito que Requerente e Requerida exerceram no referido prazo.
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Em alegações, as partes mantiveram as suas anteriores posições.
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O tribunal arbitral, em cumprimento do disposto no artigo 18.º, n.º 2, do RJAT, designou até ao dia 1 de abril de 2025 para efeito da prolação da decisão arbitral.
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SANEAMENTO
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O tribunal arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
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O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porquanto apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
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O processo não enferma de nulidades, nem existem outras exceções ou questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
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QUESTÕES A DECIDIR
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Tendo em consideração a posição das partes nos respetivos articulados, constituem questões centrais a dirimir:
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Da ilegalidade da autoliquidação de IRC do ano de 2021 (com o n.º 0108-C1231-02), que fixou imposto a pagar no montante de € 83.518,21;
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Do direito da Requerente ao reembolso do montante de € 66.527,97, correspondente ao crédito de imposto relativo ao Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas moçambicanas (“IRPC”) pago pela Sociedade C..., S.A. (“C...”) em Moçambique; e
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Do direito da Requerente a juros indemnizatórios.
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Com efeito, e na ausência de decisão expressa sobre a reclamação graciosa apresentada pela Requerente, as questões jurídicas a dirimir, no que respeita à legalidade do ato tributário em apreciação, consiste primeiramente em saber (a) se os rendimentos tributados em Moçambique relativos a serviços de afretamento são submissíveis no conceito de royalties, e (b) se existiu ou não violação do direito à dedução do crédito de imposto conferido pelo artigo 23.º, n.º 1, alínea a), da Convenção entre a República Portuguesa e a República de Moçambique para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento e prevenir a evasão fiscal (“CDT Portugal- Moçambique”).
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SÍNTESE DA POSIÇÃO DAS PARTES
Posição da Requerente
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A Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
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A Requerente é uma sociedade anónima de direito português, dominante de um grupo de sociedades tributado segundo o RETGS, que se dedica, em Portugal e no estrangeiro, à exploração da indústria da pesca e produtos alimentares derivados, bem como a sua conservação, comercialização e atividades conexas (“Grupo B...”).
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Em 2021, o Grupo B... integrou a C..., S.A. (C...), pessoa coletiva n.º... .
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Em 2021, a C... prestou serviços de afretamento a duas sociedades de direito moçambicano, tendo recebido dessas entidades os seguintes valores:
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Da D..., Lda., com o número único de identificação tributária moçambicana ..., com sede em Maputo, Moçambique (“D...”), o montante global bruto de € 482.302,42 referentes às faturas emitidas pela C... em 2021;
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Da E..., Lda., com o número único de identificação tributária moçambicana..., com sede em Maputo, Moçambique (“E...”), o montante global de € 182.977,25, referente às faturas emitidas pela C... em 2021.
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Sobre o referido montante bruto de € 665.279,67, incidiu Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas moçambicanas (IRPC), o qual foi cobrado e liquidado, a título definitivo, através do mecanismo de retenção na fonte, à taxa liberatória de 10% prevista no artigo 12.º, n.º 2, da CDT Portugal- Moçambique.
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Em 2 de junho de 2022, a Requerente apresentou a declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC do exercício de 2021 referente ao Grupo tributado nos termos do RETGS, tendo aí reconhecido os rendimentos ilíquidos decorrentes dos serviços de afretamento prestados pela C... – no montante global de € 665.279,67 – e, nessa medida, apurou lucro tributável de € 747.832,16, uma coleta de IRC de € 143.968,90 e derrama municipal de € 17.667,59.
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Alega a Requerente que naquela declaração de rendimentos Modelo 22 não procedeu à dedução do crédito de imposto referente ao IRPC suportado em Moçambique pela C..., no mencionado montante de € 66.527,97.
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Por esse motivo, em 20 de dezembro de 2023, a Requerente apresentou, junto da Direção de Finanças de Aveiro, uma reclamação graciosa contra o ato de autoliquidação do IRC do exercício de 2021 relativo ao Grupo B..., defendendo que, tendo ficado impedida, em manifesta violação das disposições da CDT Portugal-Moçambique, de utilizar o crédito de imposto correspondente ao IRPC pago em Moçambique, o ato em questão é ilegal.
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Defende a Requerente que não tendo sido notificada, até à data de apresentação do presente PAP, qualquer decisão referente à referida reclamação graciosa, e tendo-se, em consequência, verificado a presunção de indeferimento tácito da sua pretensão, apresenta o presente PAP, com vista a obter a declaração de ilegalidade do identificado ato de liquidação de IRC.
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Alega ainda a Requerente que a AT tem vindo a entender que a importância a deduzir por crédito de imposto não poderá exceder a fração de IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados no outro Estado, líquidos dos gastos suportados para a sua obtenção.
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Sustenta que circunscrevendo esta interpretação ao teor literal do artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, a AT tem vindo a entender que, em qualquer contexto de dupla tributação internacional, apenas poderá ser utilizado como crédito de imposto, no máximo, o valor correspondente ao imposto pago no estrangeiro incidente sobre o rendimento líquido aí gerado.
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Refere que tal entendimento se encontra refletido no próprio formulário da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, no âmbito da qual o sujeito passivo terá de indicar – não outras, mas apenas –, a menor das seguintes quantias: i) o imposto a pagar no estrangeiro; ou ii) o valor líquido correspondente ao imposto pago no estrangeiro incidente sobre o rendimento líquido aí gerado (campo 353 do Quadro 10 da declaração Modelo 22 de IRC).
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Sucede que a Requerente entende que tem direito, à luz da CDT Portugal-Moçambique, a deduzir à coleta de IRC uma importância igual ao IRPC que incidiu sobre o rendimento ilíquido obtido em Moçambique.
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Em abono do seu entendimento, refere a Requerente o seguinte: “com o propósito de eliminar ou atenuar a dupla tributação internacional decorrente da tributação efetuada em Moçambique — no caso concreto, a realizada, ao abrigo do artigo 12.º, n.os 1 e 2, da CDT Portugal-Moçambique, à taxa de 10% sobre os rendimentos brutos ali gerados —, o artigo 23.º, n.º 1, alínea a), da CDT Portugal-Moçambique estabelece que «Quando um residente de Portugal obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam ser tributados na República de Moçambique, Portugal deduzirá do imposto sobre os rendimentos desse residente uma importância igual ao imposto sobre o rendimento pago na República de Moçambique. A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fracção do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados na República de Moçambique».
Assim, como se extraí, preclaramente, do elemento literal da norma sobre apreciação, o montante a deduzir por crédito de imposto é determinado com base nos rendimentos brutos obtidos em Moçambique.
Por seu turno, faz-se notar que a Convenção Portugal-Moçambique consagra — a par com a generalidade das convenções celebradas por Portugal e ao contrário do que vem proposto no artigo 12.º, n.º 2, do Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património da OCDE — o direito do Estado da fonte a tributar os royalties à taxa máxima de 10% sobre o respetivo montante bruto (cf. artigo 12.º, n.º 2, da CDT Portugal-Moçambique).
Significa isto, portanto, que o «“equilíbrio” entre o direito à tributação do estado da fonte e o do estado de residência, quando estão em causa convenções como a celebrada com [Moçambique] – as que consagram a competência cumulativa dos dois estados contratantes para tributar as royalties - é conseguido da forma seguinte: o estado da fonte tributará os rendimentos brutos a uma taxa, que, no máximo, não pode exceder um valor convencionalmente fixado (no caso, 10%) e o estado da residência deduzirá o valor desta coleta à do seu imposto, calculado numa base mundial, no qual se incluem os rendimentos brutos obtidos no outro país (i. e., o rendimento efetivamente obtido acrescido do imposto aí pago). Exatamente porque é assim é que “muitos dos estados co-contratantes, quando exportadores importantes de tecnologia, tentam a inclusão de uma taxa de retenção na fonte baixa, avançando o argumento de que suportam a dedução das despesas necessárias à produção do bem ou ao nascimento do direito que dá origem às royalties” (Maria Margarida Cordeiro de Mesquita, As Convenções sobre Dupla Tributação, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 179, 1988, pág. 203)» (Decisão arbitral proferida em 25 de janeiro de 2016, no âmbito do processo n.º 369/2015-T).
Por conseguinte “Nenhuma dúvida parece, pois, existir, que pelo menos no caso das royalties, o imposto pago no país da fonte, incidente sobre rendimentos brutos, é dedutível à coleta do IRC, calculada com base no rendimento mundial do sujeito passivo, no apuramento do qual são considerados todos os gastos fiscalmente relevantes, incluindo os originados pela produção dos rendimentos obtidos no estrangeiro» ou seja, «pelo menos relativamente às royalties, a parte final do art.º 23º da CDT Portugal – [Moçambique] (a importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fração do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados nesse outro Estado) apenas terá aplicação no caso, improvável, de a taxa do IRC aplicável a um determinado contribuinte ser inferior à taxa a que os rendimentos foram sujeitos no estado da fonte: “a dedução máxima é equivalente à taxa do imposto do estado de residência aplicada sobre o rendimento obtido no outro estado” (Maria Margarida Cordeiro de Mesquita, cit., pág. 290)» (Decisão arbitral proferida em 25 de janeiro de 2016, no âmbito do processo n.º 369/2015-T)
Esta é, aliás, a única interpretação «conforme com o princípio da boa-fé que, nos termos do art.º 26.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, preside à interpretação dos acordos internacionais entre estados. Portugal e [Moçambique] celebraram uma CDT visando a eliminação de situações de dupla tributação internacional relativamente a rendimentos que um residente em um desses estados obtenha no outro. A total eliminação da dupla tributação internacional é a regra, o objetivo prosseguido pelas partes, pelo que é neste sentido que deverão ser resolvidas eventuais dúvidas interpretativas do articulado convencional. Um Estado que, em razão de uma alteração posterior das suas normas internas [como sucede no caso sob apreciação], pretenda limitar, unilateralmente, o sentido e objetivos do pactuado com o outro estado contratante não estará, certamente, a cumprir com os ditames da boa-fé» (Decisão arbitral proferida em 25 de janeiro de 2016, no âmbito do processo n.º 369/2015-T).
De resto, «só a dedução integral do imposto pago no estado da fonte à coleta do imposto do estado da residência, (imposto cuja matéria coletável foi calculada tendo em consideração os gastos suportados para a obtenção dos rendimentos de fonte estrangeira) permite dar total concretização ao princípio da neutralidade na exportação de capitais que o método da imputação (crédito de imposto) visa lograr: o imposto total a pagar pelo sujeito passivo (a soma do imposto a ser pago nos estados da fonte e da residência) deverá ser igual ao imposto que ele pagaria caso todo o seu rendimento tivesse origem (fonte) no estado de residência» (Decisão arbitral proferida em 25 de janeiro de 2016, no âmbito do processo n.º 369/2015-T).
Dito de outro modo, considerando que «(…) para cálculo do imposto do Estado da residência, no caso o IRC – com base de incidência mundial – é considerada a matéria colectável que tem em consideração a totalidade dos rendimentos e, por isso, também os obtidos no estrangeiro, bem como os gastos suportados para a sua obtenção (…) só a dedução integral do imposto pago no Estado da fonte (com os limites contidos na CDT), determinado a partir dos rendimentos brutos aí obtidos, permite alcançar o objectivo da total eliminação da dupla tributação» prosseguido pela CDT» razão pela qual a «aplicação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º do CIRC frustraria, pelo menos em parte, o objectivo de eliminação da dupla tributação pretendido pelas CDT em causa» (Decisão arbitral proferida em 1 de junho de 2017, no âmbito do processo n.o 565/2016-T. No mesmo sentido, Decisão arbitral proferida em 5 de março de 2020, no âmbito do processo n.o 389/2019-T).
Mais: travejando de forma decisiva o que antecede, faz-se, finalmente, notar que este é o entendimento alcançado pelo Tribunal Constitucional, para quem, «O artigo 23.º, n.º 1, alínea a), da CDT estabelece uma regra de dedução de imposto, tendo em vista a eliminação da dupla tributação. Estabelece, pois, uma obrigação concreta para o Estado Português, designadamente para efeitos de liquidação de IRC, obrigação que prevalece sobre qualquer disposição da lei ordinária (artigo 8.º, n.º 2, da Constituição) e pode, consequentemente, ser invocada pelos contribuintes interessados na sua aplicação, como foi o caso. A regra de dedução de imposto prevista no artigo 23.º, n.º 1, alínea a), da CDT não coincide com a regra prevista no artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, na redação introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, conduzindo a resultados diferentes. Neste caso, permite-se a dedução de importância equivalente ao imposto pago no estrangeiro, impondo, porém, um limite a esse valor. Todavia, nos termos da CDT há lugar a dedução integral do imposto pago em Moçambique, determinado a partir dos rendimentos brutos ali obtidos, desde que a importância desse modo deduzida não ultrapasse os limites previstos naquela norma convencional. Como se pode ler na decisão recorrida, a aplicação da regra prevista no Código do IRC, conduzindo a menor dedução, “[…] frustraria parcialmente o objetivo de total eliminação da dupla tributação em situações envolvendo Portugal e Moçambique, objetivo principal prosseguido pela convenção subscrita pelos dois países”. Daí a contradição, manifestada em diferentes resultados da liquidação realizada em função de uma ou outra regra, conforme reconhecido no acórdão sob recurso, com a consequente anulação do ato de liquidação.» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 106/2023, de 10 de outubro de 2023) (os destacados são da Requerente).
Em suma, contrariamente ao que vem estabelecido no artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, nos termos do qual a dedução à coleta nunca poderá exceder o imposto pago no estrangeiro incidente sobre os rendimentos líquidos aí obtidos, as normas convencionais aplicáveis ao caso concreto permitem — rectius, impõem — que a dedução do imposto pago em Moçambique seja efetuada nos seguintes termos:
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o sujeito passivo de IRC residente em Portugal que obtiver rendimentos tributados em Moçambique tem direito a deduzir à coleta de IRC uma importância igual ao IRPC (incidente sobre os rendimentos ilíquidos);
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a importância assim deduzida não poderá, porém, exceder a fração de IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos ilíquidos tributados em Moçambique (o que, atenta a taxa liberatória aplicada, de 10%, não se verifica no caso sob apreciação).
Por conseguinte, o artigo 23.º, n.º 1, alínea a), da CDT Portugal-Moçambique estabelece «uma obrigação concreta para o Estado Português, designadamente para efeitos de liquidação de IRC, obrigação que prevalece sobre qualquer disposição da lei ordinária (artigo 8.º, n.º 2, da Constituição) e pode, consequentemente, ser invocada pelos contribuintes interessados na sua aplicação» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 653/2023 de 10 de outubro de 2023, proferido no âmbito do processo n.º 106/2023), impõe-se concluir pela existência do direito a deduzir à coleta de IRC do ano de 2021 a totalidade do IRPC pago em Moçambique.”
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Termina a Requerente referindo que, não lhe tendo sido notificada qualquer decisão referente à reclamação graciosa, e tendo em consequência se verificado a presunção de indeferimento tácito da mesma, requer que este Tribunal Arbitral declare a ilegalidade do ato de autoliquidação do IRC do exercício de 2021 relativo ao Grupo B..., e em consequência a sua anulação, com as demais consequências legais, incluindo o reembolso do montante de € 66.527,97, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.
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Em sede de alegações finais, sucintamente, a Requerente alega que os pressupostos em que a Requerida sustenta a requalificação dos contratos de afretamento se encontram errados e se baseiam em raciocínios confusos e contraditórios e que, ainda que tais assunções foram verdadeiras, de acordo com a CDT Portugal-Moçambique, os rendimentos auferidos pela Requerente poderiam ser tributados em Moçambique e não apenas em Portugal e, por conseguinte, o ato de autoliquidação do IRC do exercício de 2021 relativo ao Grupo B... deve ser declarado ilegal.
Posição da Requerida AT
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A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta, em defesa por impugnação, na qual, alegou, em síntese, o seguinte:
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A Requerida defende que “não obstante a liberdade contratual observada neste tipo de relações contratuais, devemos observar as contrapartidas exigidas por tais contratos, pois, se da parte do fretador, cabe dispor do bem para uso e utilização dos termos contratados, já da parte da afretadora, cabe pagar o frete, conforme já supra arrazoado.
Sendo, a partir deste exato ponto, que passamos a discordar com os sancionamentos atingidos, pois, os contratos juntos ao ppa e ora em crise, todos eles, na sua cláusula sétima, que regula os custos do fretamento, não estabelecem o valor do frete, mas sim e só o pagamento deste, bem como a forma e os montantes que deste devem ser liquidados por conta deste.
O que nos remete desde já para duas linhas de pensamento, ou não existe frete, e o contrato apenas regula uma mera participação associada, ou, existe frete, e este tem, e deverá ser, o valor inscrito pelos contratos,
Assim,
Não podemos descurar no imediato, que o propósito de uma sociedade, é o lucro, e como tal, os esforços desta, revestem o alcance de tal objetivo, termos nos quais, não se vislumbra que uma sociedade, dispusesse dos seus ativos capazes de atingir tais proveitos, sem garantir que receberia o valor previsto pelos proveitos que tal ativo podia gerar no seio da sociedade, quando explorado por esta,
O que na verdade, não só está acautelado pelo contrato, como de resto e na nossa linha de análise representa o frete, que se encontra inscrito no contrato com valor determinado, expressando ainda referência ao período que aquela verba representa, em completa consonância com os elementos essências deste tipo de contratos, bem como ainda, até em observância às "ROYALTIES", previstas na Convenção aplicável, cf. artigo 12.º, n.º 6, dado que estes valores são determinantes para apuramento dos tributos.
Logo, e como resultado desta primeira linha em análise, os valores do frete a observar, serão os inscritos nos contratos, a saber:
a) Doc. 1, contrato de fretamento do Navio ..., entre o fretador " C..., SA.", e "D... LDA", válido por um período de 12 meses, com efeitos a partir de 01/01/2021, e com registo n.º ... do ..., no montante de € 600.000,00 (seiscentos mil euros).
b) Doc. 2, contrato de fretamento do..., entre o fretador " C..., SA.", e "D... LDA", válido por um período de 12 meses, com efeitos a partir de 02101/2021, e com registo n.º ... do ..., no montante de € 600.000,00 (seiscentos mil euros).
c) Doc. 3, contrato de fretamento do..., entre o fretador " C..., SA.", e "E..., LDA", válido por um período de 11 meses, com efeitos a partir de 01/01/2021, e com registo n.0... do ..., no montante de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros).
Assim, e como resultado desta primeira linha em análise, somos a discordar do concluído pela Requerente com a petição que dirigiu aos serviços, pois, não foram liquidados os proveitos que obteve, ou deveria obter (por contraposição à segunda linha de análise que se seguirá), atento que os valores que deveria inscrever na sua declaração Modelo 22, corresponderia a € 1.600.000,00 (um milhão e seiscentos mil euros).
Já numa segunda linha de análise, que ora se aprecia, somos a considerar uma exploração comum, em associação entre as empresas visadas, e assim o fazemos, não porque resulte diretamente do contrato, mas sim do resultado de todas as informações passiveis de conhecer, bem como do negócio concluído, que se diferencia do esperado por este tipo de contratos, e das posições que seriam de assumir dos interessados nestes.
Pelo que, é inegável, que entre as empresas em crise, se verifica uma associação, seja esta pela conclusão de negócios e contratos sucessivos, seja, porque destas é possível apreciar discrepâncias entre os contratos, período de execução, bens dispostos e verbas recebidas.
Da análise das faturas juntas ao procedimento pela Requerente, somos a verificar que as mesmas têm como fundamento a pesca de camarão de profundidade, com tripulação portuguesa, e custos de exploração conforme nos contratos inscritos, e juntos ao procedimento.
O que se revela em igualdade de circunstâncias com o período homologo transato, onde se verificou o fretamento das mesmas embarcações, pelas mesmas sociedades, e que ainda se havia verificado pela sucessão de negócios jurídicos concluídos pelas partes, em anteriores períodos, podendo-se verificar nestes, a alteração de embarcações entre si, porém, sempre sobre contratos genéricos.”
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E acrescenta ainda que, “não só a Requerente, é sociedade dominante da C..., S.A, como é detentora de 50% do capital da "F..., limitada", bem como esta sociedade, em conjunto com os demais sócios representam ainda 20% do capital desta sociedade, como ainda, o sócio G..., detentor de 20% do capital da "F...", é Membro do Conselho de Administração da "H... S.A.", que se releva e para o que ora interessa, é sociedade dominada pela Requerente.
Parece-nos evidente, que os contratos juntos ao procedimento não têm respaldo com as configurações negociais que resultam das atividades entre as empresas visadas no procedimento, tudo não se passando, e salvo melhor opinião, como uma concretização conjeturada de uma atividade associada entre estas mesmas sociedades, com vista ao melhor enquadramento das mesmas,
Se não vejamos,
Considerando-se todo o supra exposto, bem como o demais, somos em prol da posição perfilhada ainda a elencar mais algumas inconsistências, que derivam do contrato e do contratado, pois, parece-nos manifesto, que se concluindo com os contratos em crise o pagamento em Euros, não se respeite tal formalização, evidenciando-se do tal, e conforme resulta dos doc. 8 a 16 juntos ao procedimento, que tais valores sejam liquidados em USD.
Mais ainda,
E conforme já foi exarado no procedimento de reclamação graciosa n.º ...2023..., não nos podemos ainda dissociar dos contratos, seus termos, e objetos, quando, está explicitamente determinado na cláusula terceira, n.º 2, e 3, que o AFRETADOR tinha que autorizar de comum acordo com o FRETADOR, todas as entradas em portos, moçambicanos ou estrangeiros, seja para descarregar, abastecer ou qualquer outro motivo, bem como, para efetuar qualquer baldeação. (…)
Na verdade, o AFRETADOR, só poderia entrar num porto, carregar, descarregar, baldear e demais operações possíveis, depois de obtida a autorização do FRETADOR,
Bem como ainda, é claro, e como decorre da alínea a), do n.º 4 da Cláusula Terceira, que o comandante do navio é obrigado a cumprir com as indicações relativas às operações de pesca que lhe sejam dadas pelo FRETADOR, em comum com a AFRETADORA, repare-se que resulta desta cláusula, que é o FRETADOR, a assumir as operações de pesca,
Ao AFRETADOR, caberá assim garantir o acesso e direito de pesca adquirido com a quota que lhe está atribuída, cabendo-lhe a este assim a exploração comercial das capturas obtidas pelo FRETADOR, razão pela qual, não podemos concluir, que é o AFRETADOR o titular da exploração, sendo que, porém, também não é conclusivo que o titular desta será o FRETADOR, pois este só poderá capturar com os direitos do AFRETADOR.
A este propósito cumpre esclarecer um pouco mais, pois, conforme supra arrazoado, ao contrato de fretamento corresponde o frete, que o concluímos nos termos já supra aduzidos, porém, no caso em apreço, entendemos que tal não tem necessariamente correspondência direta com o mesmo, posto que, uma das partes não poderia concluir sem a outra tal atividade, e o preço do contrato não foi pago, mas sim, o que se mostra devido e liquidado, é uma percentagem dos resultados líquidos das operações, e conforme resulta dos contratos em crise, nas suas cláusulas sétimas.
Logo, o que está em causa no procedimento, não obstante o título com que se arrogam, parece-nos ser uma parceria, com enquadramento no artigo 9.º da CDT, quando no seu n.º 1, alínea a) vem esclarecer que, existem empresas associadas quando uma empresa de um Estado Contratante participar, direta ou indiretamente, na direção, no controlo ou no Capital de uma empresa do outro Estado Contratante, e estas nas suas relações comerciais ou financeiras, estiverem ligadas por condições aceites ou impostas que difiram das que seriam estabelecidas entre empresas independentes, e os lucros que, se não existissem essas condições, teriam sido obtidos por uma das empresas, mas não o foram por causa dessas condições. – cf. págs. 12 a 14 da Resposta da Requerida.
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Refere ainda a Requerida que: “Na verdade, entenda-se que o SP integra um grupo económico, que se dedica em grande parte às atividades piscatórias, e nos termos supra melhor exarados, o que o faz, não só por intermédio da Sociedade de C..., SA, bem como da F..., Lda., e ainda a I..., Lda., seja em Portugal, seja em Moçambique.
Assim, a conclusão de que os proveitos obtidos pela Requerente, deverão obedecer ao enquadramento de “ROYALTIES", é notoriamente afastada pela CDT, quando, no seu artigo 12.º regula que tais proveitos, recaem na exclusão prevista do n.º 4 da citada norma.
De acordo com tal disposição normativa, o enquadramento previsto pelo n.º 1, e 2 da mesma, não é aplicável se o beneficiário efetivo das "ROYALTIES", residente de um Estado Contratante, exercer atividade no outro Estado Contratante de que tais proveitos advêm, por meio de estabelecimento estável aí situado, e o direito, ou o bem relativamente ao qual são pagos tais "ROYALTIES", estiver efetivamente ligado a esse estabelecimento estável, ou instalação fixa.
Ora, é exatamente por esta razão que fomos a antever o insucesso do peticionado, não só porque a Requerente para além de deter participações em Sociedade Moçambicanas, e conforme já supra se exarou, detém lá estabelecimento estável, assim como, se retira dos elementos juntos ao procedimento, nomeadamente os Boletins da República de Moçambique, bem como das informações institucionais fornecidas pelo SP, nos seus meios eletrónicos institucionais, como de resto, e no que reside o verdadeiro cerne da questão, no serviço que presta a estas sociedades com quem se relaciona e contrata.
Assim,
Representa uma evidência teoricamente incontornável, tanto mais que resulta direta e necessariamente das conclusões que a Requerente, tem vindo a projetar quando chamado a concluir sobre tais atividades, e que infra trecho se reproduz para todos os devidos efeitos legais, bem como os demais, o que na verdade, analisando os elementos conforme os detemos, somos francamente a concluir, que desse raciocínio o mesmo concluí com a sua devida razão:
«E como decorre do contrato de afretamento celebrado entre a Requerente e as sociedades moçambicanas, a primeira cedeu às segundas o uso de navios de pesca com vista à captura, por estas, das quotas de pesca que lhes são atribuídas pelas autoridades públicas moçambicanas, e também um conjunto de pessoal altamente especializado na atividade de pesca em alto mar com o propósito de garantir a qualidade do processamento e conservação das espécies capturadas e, bem assim de transmitir conhecimentos especializados e demais informações técnicas.
E resulta inequívoco que a cedência de pessoal técnico assume um papel meramente instrumental relativamente ao objeto principal (fretamento de navio) por via da transmissão de informações técnicas (know-how) de carácter preparatório e auxiliar que permitem à tripulação moçambicana manobrar o navio fretado e desenvolver a atividade que motivou o fretamento do navio» devendo por isso a cedência de pessoal técnico ser considerada como assistência técnica prestada em conexão com a concessão do uso de um equipamento industrial ou comercial.» (cf. processo n.º 781/2021-T do CAAD, sublinhado e itálico nosso)
Logo, resulta necessariamente que os serviços que a Requerente presta por contrato que denomina de fretamento, e não obstante o ser ou não, não produziria qualquer efeito útil sem o "know-how", e até do pessoal técnico especializado (evidenciar-se-ia uma mera prestação de serviços), motivo pelo qual concluímos que tal "know-how", bem como os ativos especializados nas operações, constituem uma base indissociável do grupo que compõe as sociedades, e não da sociedade propriamente dita, ou seja, não só aqueles ativos e conhecimentos poderiam ser prestados, ou concretizados pela própria Requerente, em representação da SOCIEDADE C..., S.A, bem como pela F..., LDA., ou ainda pela I..., LDA, posto que todas as citadas sociedades são participadas pelo mesmo grupo económico, conforme já supra arrazoado. (…)
Bem como todas as supracitadas sociedades têm como objeto o mesmo fim, praticam os mesmos atos, e visam produzir os mesmos resultados, isto claro está com o "know-how" adquirido e necessário ao bom desempenho da atividade, e que conflitua necessariamente com os contratos que também chamou de fretamento com empresas do grupo, que indissociavelmente têm, e teriam o mesmo "know-how', dedicam-se à mesma atividade, com os mesmos meios (ou similares), e nos mesmos locais de atividade.
Sobre os contratos de fretamento juntos ao procedimento, bem como dos já juntos com anteriores reclamações, somos ainda e em força de todo o exposto, a denotar, mais uma vez, inconsistências, com os "usos", tanto mais, que nos parece improvável, que tendo os sócios transmitido a sua quota parte na sociedade, não detendo qualquer participação neste capital, ainda assim se mostrem como responsáveis pela concretização dos negócios destas sociedades.
De acordo com o "Boletim da República de 2 de Julho de 2015, IlI série, nº 52", de Moçambique, J..., cedeu a totalidade da sua quota na E..., Lda, tendo este, e conforme resulta daquela publicação oficial, "aparta-se da sociedade e nada tem haver dela", e doravante se veja sucessivamente a concretizar negócios em que se obriga tal sociedade, e ainda, conforme resulta do contrato de fretamento junto aos autos, bem como ainda dos decorrentes dos anteriores procedimentos, já assinalados na presente peça.
Ainda, e em força da posição assumida, resulta necessariamente da base de dados de que dispõe a AT, a omissão de qualquer averbamento de qualquer embarcação, seja na sociedade aqui em crise, bem como das suas congéneres associadas portuguesas, tanto mais, que tais embarcações estão registadas em Maputo (MPT), e que as tais pudessem em resultado dos contratos juntos aos procedimentos, a produção de tal negócio jurídico, nos termos pelo SP enquadrados, e "conditio sine qua non" o mesmo negócio jurídico poderia concretizar-se.
Logo, o enquadramento justificado, que a sociedade em crise presta serviços de fretamento, justificados tributariamente sob a esteira do artigo 12.º, n.º 2 da CDT, não acolhem o nosso entendimento, pois, na verdade não existe a propriedade dos navios, nem um frete propriamente dito, e na aceção que deste deveria acolher, bem como concluímos que tais empresas operam associadas, sendo que neste vértice somos ainda a acolher o relato traduzido pelo Centro de Integridade Pública (CIP), de Moçambique, na sua publicação "MÁ GESTÃO E ALIANÇAS PROMÍSCUAS COLAPSAM SECTOR DE PESCAS EM MOÇAMBIQUE", quando na sua pág. 28 e 29, relatam que o grupo F... faz a gestão da produção das empresas aqui visadas, e conforme infra se reproduz, para todos os devidos efeitos legais: «( ... ) Actualmente, as maiores empresas do sector da pesca industrial, em Moçambique, são a Sociedade F... (F...), a K..., a L... e a M..., todas na pesca do camarão.
A F... é uma sociedade detida em 50% pela Sociedade C... (Portugal) e os restantes 50% pelo empresário moçambicano G... . Mas o grupo F... faz a gestão da produção de outras três empresas nomeadamente a I... a E... e a D... . A I... tem participação da C... . A E... é uma empresa criada por J..., o antigo secretário das Pescas e sócio de N... na E..., mas a E... é diferente da O... e não tem ligação com N... .
Entretanto, de acordo com o Boletim da República de 2 de julho de 2015, IlI série, nº 52, J... cedeu na totalidade a sua quota de 43% do capital social da E..., a favor da P..., Limitada, que se juntou ao sócio Q... .
O grupo F... tem como marca comercial "...", bastante conhecida no exterior, da Europa à Asia. No Japão, por exemplo, que é um mercado bastante exigente, a F.../A... já recebeu prémios de qualidade. G..., o sócio gerente da F..., é um antigo funcionário da Rádio Moçambique (RM) e, mais tarde, dirigente da então Televisão Experimental (TVE), percursora da actual Televisão de Moçambique (TVM)”.
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Em suma, a Requerida conclui que não foram liquidados os proveitos que a Requerente obteve, ou deveria ter obtido, considerando os valores declarados nos contratos, os quais corresponderiam a € 1.600.000,00.
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Por outro lado, a Requerida levanta dúvidas sobre a natureza dos rendimentos auferidos pela Requerente no âmbito dos contratos de fretamento, entendendo que se tratam de rendimentos de uma parceria entre as empresas envolvidas, com enquadramento no artigo 9.º da CDT Portugal-Moçambique, não por decorrer diretamente dos contratos, mas a partir das informações disponíveis e do negócio realizado, que entender ser distinto do normalmente esperado neste tipo de acordos, bem como das posições que, na sua ótica, deveriam ser adotadas pelas partes envolvidas.
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Sustenta essa posição afirmando que, entre as partes envolvidas nos contratos, há uma associação, seja pela celebração de negócios sucessivos, seja pela constatação de discrepâncias entre os contratos ao longo dos anos, no que respeita ao período de execução, aos direitos e obrigações assumidas e às verbas recebidas.
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A Requerida entende que os contratos em causa apresentam características que os afastam da natureza de afretamento de embarcações típica, incluindo o pagamento de despesas relativas à exploração e a manutenção de grande parte do controlo operacional por parte da Requerente.
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Para além disso, a Requerida entende que o enquadramento dos proveitos obtidos pela Requerente no artigo 12.º da CDT Portugal-Moçambique se encontra afastado pelo previsto no seu n.º 4, uma vez que este prevê a exclusão pelo facto de a C... ser residente fiscal em Portugal, mas exercer atividade em Moçambique, de que advém os rendimentos em apreço, por meio de estabelecimento estável aí situado.
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Conclui a Requerida sustentando que: “não só não existe frete, como os proveitos que a Requerente declara na Mod. 22, o são devido a uma exploração em comum com as sociedades de direito moçambicano, que devem observância no disposto do artigo 7.º da CDT, porquanto os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, o que no caso em apreço, é em Portugal, termos nos quais, só a este compete tributar tais verbas, razão pela qual, não podendo as Autoridades Moçambicanas proceder a tal tributação, não são devidas deduções em sede de IRC.”.
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Termina a Requerida, peticionando que a liquidação impugnada seja mantida na ordem jurídica, devendo-se concluir pela improcedência do PPA.
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Nas suas alegações finais, a Requerida apenas reitera a argumentação que desenvolveu em sede de Resposta.
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MATÉRIA DE FACTO
FACTOS PROVADOS
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Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade anónima de direito português, sujeito passivo de IRC, sociedade dominante de um grupo tributado através do RETGS (cf. alegado no artigo 1.º do PPA e no artigo 3.º da resposta ao PPA).
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Em 2021, o Grupo B... integrou a C..., pessoa coletiva n.º..., que se dedica, em Portugal e no estrangeiro, à exploração da indústria de pesca e produtos alimentares derivados, bem como à sua conservação, comercialização e atividades conexas (cf. alegado nos artigos 2.º e 3.º do PPA, facto não disputado pela Requerida).
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Durante o ano de 2021, a C... celebrou contratos de afretamento para a prestação de serviços de afretamento às seguintes sociedades de direito moçambicano:
- D..., com o número único de identificação tributária moçambicana ..., com sede em Maputo, Moçambique;
- E..., com o número único de identificação tributária moçambicana ..., com sede em Maputo, Moçambique (cf. Documentos 1 a 3 juntos ao PPA).
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Resulta dos contratos de afretamento celebrados com as sociedades D... e E..., as seguintes cláusulas comuns, que se transcrevem (cf. Documentos 1 a 3 juntos ao PPA):
"CONTRATO DE AFRETAMENTO
(…)
Cláusula Segunda
(Condições de fretamento)
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A FRETADORA concede e a AFRETADORA recebe em regime de afretamento o NAVIO identificado na Cláusula Primeira para a captura de quotas de pesca concedidas pelas entidades competentes de Moçambique à AFRETADORA.
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O NAVIO será cedido em condições técnicas de elevada operacionalidade e deverá trazer a bordo todos os documentos e certificados necessários ao seu normal funcionamento, com validade não inferior a um ano.
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A AFRETADORA é responsável pela formalização, obtenção e entrega, ao comandante do NAVIO, da licença de pesca necessária às actividades de pesca do NAVIO em Moçambique.
Cláusula Terceira
(Exploração do NAVIO)
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O Porto base do NAVIO é o Porto de Maputo, onde deverão ter início e fim todas as campanhas de pesca.
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Durante o período de exploração o NAVIO poderá:
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Entrar em outros Portos de Moçambique para efeitos de descargas ou abastecimentos ou por outros motivos devidamente justificados;
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Efectuar, em Porto, baldeações da produção existente a bordo para outra embarcação igualmente autorizada a participar na operação e vice-versa;
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Atracar em portos estrangeiros quando devidamente autorizados pelas autoridades competentes moçambicanas
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As operações mencionadas anteriormente só poderão ter lugar quando autorizadas, pela AFRETADORA, de comum acordo com a FRETADORA, ressalvados os casos de emergência técnica.
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O comandante do NAVIO, para além das suas obrigações gerais, ficará obrigado a:
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Cumprir com as indicações relativas às operações de pesca que lhe sejam dadas pela FRETADORA, de comum acordo com a AFRETADORA;
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Fornecer via rádio ou por outro meio, à AFRETADORA a posição e as capturas do NAVIO;
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Respeitar as leis e regulamentos da actividade pesqueira vigentes na República de Moçambique. O comandante do NAVIO responsabilizar-se-á por eventuais infracções à legislação pesqueira que venha a cometer e pelo cumprimento integral das consequentes sanções que lhe venham a ser impostas;
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Fornecer à AFRETADORA, sempre que lhe for solicitado por esta, todas as informações úteis à gestão da actividade do NAVIO;
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Respeitar a utilização do NAVIO para o objecto do presente contrato. A utilização do NAVIO para fins diferentes do objecto do presente contrato carece de acordo prévio e por escrito entre as partes outorgantes;
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Prestar contas à AFRETADORA dos materiais, equipamentos e utensílios colocados a bordo;
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Admitir a bordo, sempre que solicitado pelas autoridades competentes moçambicanas, investigadores, observadores e cientistas.
Cláusula Quarta
(Tripulação)
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A tripulação do NAVIO será composta por tripulantes estrangeiros e moçambicanos fixando-se o número máximo de estrangeiros em 6 (seis) por NAVIO, nas especialidades que vierem a ser acordadas entre as partes.
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Compete a ambas as partes proceder à selecção e escolha por mútuo acordo dos tripulantes estrangeiros e moçambicanos.
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Cabe á tripulação estrangeira colaborar na preparação técnica dos tripulantes moçambicanos, assegurar as condições técnico-produtivas de exploração do NAVIO, gozando os tripulantes moçambicanos, a bordo, do mesmo estatuto dos tripulantes estrangeiros.
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Ao comandante do NAVIO caberá o estabelecimento de regime e ordem de trabalho a bordo, tendo em conta as normas em vigor da República de Moçambique.
Cláusula Quinta
(Produção e comercialização)
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A produção obtida pelo NAVIO constitui propriedade da AFRETADORA e será processada de acordo com as instruções desta, tendo em atenção as normas exigidas pelo mercado.
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A comercialização da produção do NAVIO, nos mercados moçambicano e internacional, é da exclusiva responsabilidade da AFRETADORA,
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As exportações serão efectuadas aos preços de mercado.
Cláusula Sexta
(Responsabilidade das partes)
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É da responsabilidade da FRETADORA o pagamento das despesas relativas à exploração do NAVIO, designadamente:
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As reparações anuais e/ou bi-anuais do navio e custos associados, em territórios Moçambicano e/ou estrangeiro,
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O seguro do NAVIO,
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É da responsabilidade da AFRETADORA o pagamento das despesas de:
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Obtenção das licenças de pesca do NAVIO;
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Direitos aduaneiros, despesas bancárias e outras relativas à exportação da produção;
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Os salários, encargos sociais, seguro de acidentes de trabalho e despesas de deslocação dos tripulantes estrangeiros;
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Salários, encargos sociais e seguro de acidentes de trabalho das tripulações moçambicanas;
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Despesas portuárias em portos moçambicanos, referentes a descargas, ancoragem, atracamento e pilotagem;
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O abastecimento de combustíveis, lubrificantes e água;
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Peças sobressalentes para os equipamentos, artes e materiais de pesca;
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As embalagens para o acondicionamento das capturas;
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Os produtos de tratamento de marisco, e de desinfeção;
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Alimentação para toda a tripulação;
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Custos da manutenção preventiva e relativos à resolução de avarias;
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Outros custos não especificados, que decorram de exigência das autoridades da República de Moçambique e que sejam de sua responsabilidade legal.
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Em qualquer caso e para todos os efeitos deste contrato a FRETADORA é o único proprietário do NAVIO.
Cláusula Sétima
(Custos de fretamento)
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O pagamento do fretamento do NAVIO à FRETADORA, será feito em euros, para o caso das exportações, ou em moeda nacional, para o caso das vendas locais, e é fixado numa percentagem do valor da produção vendida, tanto no mercado moçambicano como no mercado internacional, segundo as seguintes proporções por produtos:
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Camarão de Superfície: 20% (vinte por cento) do valor da produção vendida.
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Gamba e Crustáceos acompanhantes: 20% (vinte por cento) do valor da produção vendida.
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Polvo e Lulas: 20% (vinte por cento) do valor da produção vendida.
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Peixe de profundidade: 20% (vinte por cento) do valor da produção vendida
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A FRETADORA, receberá a sua percentagem, após entrada em Moçambique dos 100% (cem por cento) do valor da exportação (vendida).
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A produção descarregada será comprovada por uma Acta de Descarga, entregue e assinada pelo comandante do NAVIO, pelo representante da AFRETADORA e pelo representante da FRETADORA.
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A produção vendida no mercado moçambicano será comprovada pelas facturas de venda ou outros documentos equivalentes emitidos pela AFRETADORA. A produção vendida no mercado internacional será comprovada pelos documentos de exportação emitidos pelas autoridades competentes da República de Moçambique.
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Os pagamentos devidos pela AFRETADORA à FRETADORA provenientes das vendas no mercado internacional, serão feitos através de um banco comercial que opere em Moçambique, até quinze dias úteis contados a partir da data do recebimento de cada exportação.”.
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Pela prestação dos referidos serviços de afretamento durante o ano de 2021, a sociedade C... recebeu das referidas sociedades moçambicanas os seguintes montantes brutos:
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O montante de € 482.302,42, referente às faturas emitidas à sociedade moçambicana D... (cf. Documentos 4 a 43 juntos ao PPA);
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O montante de € 182.977,25, referente às faturas emitidas à sociedade moçambicana E... (cf. Documentos 44 a 81 juntos ao PPA).
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Sobre os referidos montantes, as identificadas sociedades moçambicanas efetuaram, na qualidade de substitutos tributários, retenções na fonte de IRPC, a título definitivo, à taxa de 10% prevista no artigo 12.º, n.º 2, da CDT Portugal-Moçambique, no montante global de € 66.527,97, o qual se decompõe da seguinte forma:
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O montante de € 48.230,24, correspondente à retenção na fonte de IRPC efetuada pela sociedade moçambicana D... (cf. Documentos 4 a 23 juntos ao PPA);
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O montante de € 18.297,73, correspondente à retenção na fonte de IRPC efetuada pela sociedade moçambicana E... (cf. Documentos 44 a 69 juntos ao PPA).
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No dia 2 de junho de 2022, a Requerente submeteu a declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC do exercício de 2021, tendo considerado como proveitos do exercício, entre outros, os rendimentos ilíquidos referentes aos serviços de afretamento prestados pela C... às supra referidas sociedade moçambicanas nesse ano, no montante global de € 665.279,67, tendo apurado um resultado fiscal do Grupo no montante de € 747.832,16 e uma coleta de IRC no montante de € 143.968,90 (cf. Documento 82 junto ao PPA).
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Nessa declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC do exercício de 2021, a Requerente não procedeu à dedução do crédito de imposto referente à retenção na fonte de IRPC suportada em Moçambique pela C... (cf. Documentos 82 e 83 juntos ao PPA).
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Em 20 de dezembro de 2023, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa do ato de autoliquidação de IRC, tendo peticionado o direito à dedução integral do crédito de imposto referente ao IRPC suportado em Moçambique pela sociedade C..., no montante de € 66.527,97, à coleta de IRC apurado pelo Grupo no exercício de 2021, por entender que o artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, constitui uma violação das normas dispostas na CDT Portugal-Moçambique (cf. Documento 84 junto ao PPA),
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Não tendo sido notificada de qualquer decisão referente à mencionada reclamação graciosa no prazo de quatro meses, a Requerente apresentou o PPA que deu origem aos presentes autos em 22 de julho de 2024.
FACTOS NÃO PROVADOS
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Com relevo para a decisão da causa, não existem factos relevantes que se tenha dos como não provados.
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
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Cabe ao tribunal arbitral o dever de selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cf. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
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Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cf. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina, relativamente à prova produzida, o princípio da livre apreciação.
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Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes e nos documentos juntos ao PPA. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
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MATÉRIA DE DIREITO
Da qualificação dos rendimentos obtidos pela Requerente a título de afretamento de navio
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Sobre a qualificação dos rendimentos tributados em Moçambique, referente a serviços de afretamento prestados a duas entidades moçambicanas, cumpre desde logo saber se são submissíveis no conceito de royalties, abrangidos pelo Artigo 12.º da CDT Portugal-Moçambique, ou se se qualificam como rendimentos de natureza empresarial, derivados do exercício de uma atividade empresarial, abrangidos pelo Artigo 7.º da CDT Portugal-Moçambique, que atribui ao Estado de Residência da empresa (in casu, Portugal) a competência exclusiva para a tributação dos rendimentos das prestações de serviços.
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O n.º 3 do Artigo 12 da CDT Portugal-Moçambique dispõe que:
“O termo ‘royalties’, usado neste artigo, significa as retribuições de qualquer natureza atribuídas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo os filmes cinematográficos, bem como os filmes ou gravações para transmissão pela rádio ou pela televisão, de uma patente, de uma marca de fabrico ou de comércio, de um desenho ou de um modelo, de um programa de computador, de um plano, de uma fórmula ou de um processo secreto, bem como pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico ou por informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico. O termo ‘royalties’ inclui também os pagamentos efectuados a título de remuneração por assistência técnica prestada em conexão com o uso ou a concessão do uso dos direitos, bens ou informações anteriormente referidos.”.
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Com especial relevância para os autos, seguimos de perto a posição adotada pelo Douto Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 28 de setembro de 2023, proferido no âmbito do processo n.º 71/22.9BALSB[1], no sentido de que: “São qualificáveis como “royalties”, para efeitos da CDT celebrada entre Portugal e Moçambique, os rendimentos auferidos em virtude de contratos de afretamento de embarcações de pesca e de cedência de pessoal técnico conexa com os contratos principais.”.
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Na fundamentação do Acórdão, o Supremo Tribunal Administrativo veio consignar o seguinte:
“Entendemos, pois, que bem decidiu a decisão arbitral fundamento ao qualificar como royalties os rendimentos de fonte moçambicana obtidos pelo recorrente e resultantes do afretamento de embarcações de pesca e cedência de pessoal técnico especializado, aceitando a qualificação que lhes foi atribuída por Moçambique, que os sujeitou a retenção na fonte à taxa de 10 %.
A qualificação dos rendimentos efectuada pelo Estado da fonte tem, aliás, de ser respeitada pelo Estado da residência, pois que, como ainda recentemente se consignou no Acórdão deste STA de 7 de setembro de 2022 (proc. n.º 1952/17.7BEBRG), a propósito da CDT Marrocos mas valendo integralmente para todas as demais CDT: Quando se conclui ter sido propósito dos Estados Contratantes (Portugal e Marrocos) respeitar, ao máximo, a soberania fiscal de cada um, no momento decisivo e genético, da qualificação dos factos tributários que apresentem conexões com as ordens jurídicas de ambos, o princípio (quando acontece essa conexão) tem de ser o de acolher a competência do Estado da fonte, da proveniência, para qualificar os rendimentos suscetíveis de tributação conjunta, objetivando sempre, em primeira linha, evitar a consumação de uma dúplice incidência e, reflexamente, estancar qualquer possibilidade de fuga à tributação, pressuposta pela aplicável Convenção para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento (CDT).
Acresce que, como também já afirmou este STA, não podem os sujeitos passivos ser prejudicados pela inércia dos Estados contratantes na negociação/aprovação dos mecanismos necessários e idóneos à total implementação das normas das CDT celebradas — cf. o Acórdão deste STA de 9 de dezembro de 2021, proc. n.º 1113/13.4BEBRG.
A qualificação como royalties dos rendimentos de fonte moçambicana nada tem, aliás, de bizarro, em face do disposto na norma convencional respectiva.
Dispõe o n.º 3, do artigo 12.º, da CDT na redacção conferida pelo protocolo que a reviu que «O termo ‘royalties’, usado neste artigo, significa as retribuições de qualquer natureza atribuídas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo os filmes cinematográficos, bem como os filmes ou gravações para transmissão pela rádio ou pela televisão, de uma patente, de uma marca de fabrico ou de comércio, de um desenho ou de um modelo, de um programa de computador, de um plano, de uma fórmula ou de um processo secreto, bem como pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico ou por informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico. O termo ‘royalties’ inclui também os pagamentos efectuados a título de remuneração por assistência técnica prestada em conexão com o uso ou a concessão do uso dos direitos, bens ou informações anteriormente referidos». (destaque nosso).
Ora, tendo em conta que por via da celebração dos contratos de afretamento a recorrente se vinculou a colocar à disposição das sociedades moçambicanas embarcações de pesca e a conceder o respectivo uso para a captura, por esta última, da quota de pesca de camarão de superfície e gamba, os rendimentos derivados desses contratos são qualificáveis como royalties. Isto na medida em que o afretamento do navio consubstancia o uso ou a concessão do uso de um «equipamento industrial ou comercial», subsumindo-se, nessa medida, ao elemento gramatical da norma. (…)
Pode, pois, concluir-se que os rendimentos de fonte moçambicana auferidos pela recorrente em resultado dos contratos de afretamento de navio (…) são efetivamente subsumíveis ao conceito de «royalties» tal como definidos no artigo 13.º n.º 2 da CDT Moçambique (…)
Essa qualificação foi, aliás, assumida pelo núcleo de relações internacionais da AT em informação prestada a pedido da Direção de Finanças de Aveiro — cf. fls. 509 a 511 do processo arbitral anexo aos presentes autos -, que, considerando isento de quaisquer dúvidas a qualificação dos rendimentos derivados do fretamento como royalties (cf. o seu ponto 6.) (…)
A decisão arbitral que assim o não entendeu não pode, pois, manter-se, por padecer de ilegalidade ao julgar inaplicável o disposto no n.º 3 do artigo 12.º da CDT Moçambique aos rendimentos em causa nos autos.
7.3 — Das consequências da anulação da decisão arbitral recorrida. Haverá, pois, que anular a decisão arbitral recorrida e uniformizar jurisprudência nos seguintes termos:
São qualificáveis como «royalties», para efeitos da CDT celebrada entre Portugal e Moçambique, os rendimentos auferidos em virtude de contratos de afretamento de embarcações de pesca e de cedência de pessoal técnico conexa com os contratos principais.” (destacado nosso).
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Nestes termos, inexistindo no processo informação que permita adotar solução diferente, conclui-se que, de facto, os rendimentos de fonte moçambicana provenientes dos contratos de afretamento celebrados entre a C... e as entidades moçambicanas D... e E..., são submissíveis no conceito de royalties previsto no n.º 3 do Artigo 12.º da CDT Portugal-Moçambique.
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Relativamente ao alegado pela Requerida na sua resposta, no sentido de requalificar os contratos de afretamento celebrados entre a C... e as sociedades moçambicanas D... e E... e os rendimentos auferidos pela Requerente no âmbito dos mesmos, importa esclarecer que os contratos de afretamento juntos aos autos se inserem claramente dentro dos limites da liberdade contratual própria destas relações, encontrando-se também, subsidiariamente, em conformidade com as disposições previstas no Decreto-Lei n.º 191/87, de 29 de abril, pelo que se revela inócua qualquer confirmação adicional da aplicabilidade desse diploma aos referidos contratos.
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Por outro lado, a Requerida sustenta, na sua resposta, que, apesar da designação atribuída aos contratos de afretamento celebrados entre a C... e as entidades moçambicanas D... e E..., estes terão subjacente uma parceria enquadrável no Artigo 9.º da CDT Portugal-Moçambique. Contudo, ainda que se admitisse essa hipótese argumentativa da Requerida (que se considera insuficientemente fundamentada e baseada em meras convicções sem sustentação objetiva), tal situação apenas implicaria que uma eventual correção efetuada pelas autoridades fiscais portuguesas ao valor declarado na operação, poderia ter reflexo na esfera tributária da contraparte pelas autoridades fiscais moçambicanas, ou vice-versa.
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Conforme previsto nos Comentários à Convenção Modelo da OCDE, o Artigo 9.º trata dos ajustamentos que podem ser efetuados aos lucros tributáveis quando as transações foram celebradas entre empresas associadas (empresas-mãe e subsidiárias e empresas sob controlo comum) em termos diferentes dos de mercado.
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Por conseguinte, o Artigo 9.º da CDT não visa estabelecer o país ou países que tem direito a tributar um determinado rendimento, mas, em complemento ao previsto no Artigo 7.º da CDT, estabelecer que as autoridades fiscais dos países de empresas associadas envolvidas numa determinada transação podem incluir nos lucros e, por conseguinte, tributar os lucros que teriam sido obtidos por uma das empresas envolvidas, se esta transação fosse realizada entre entidades independentes.
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A Requerida não coloca em causa as condições acordadas pelas partes nos contratos de afretamento, nomeadamente no que respeita ao preço acordado, não afirma nem demonstra que as mesmas não correspondem a condições de mercado, nem efetuou qualquer correção ao lucro apurado pela Requerente, razão pela qual o regime previsto no Artigo 9.º da CDT Portugal-Moçambique não é relevante para a decisão em apreço.
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Com efeito, a Requerida sustenta que a Requerente terá estabelecido uma exploração em comum com as sociedades moçambicanas D... e E..., e não uma relação contratual de afretamento, o que justificaria a requalificação dos rendimentos em causa como lucros, e não como royalties, determinando, por aplicação do Artigo 7.º da CDT Portugal-Moçambique, que tais rendimentos seriam exclusivamente tributáveis em Portugal.
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A Requerida sustenta ainda que os rendimentos obtidos pela C... nessas condições advêm da existência de um estabelecimento estável da C... naquela jurisdição, razão pela qual é afastado o enquadramento do rendimento no Artigo 12.º da CDT Portugal-Moçambique, por efeito do previsto no n.º 4 deste artigo.
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Todavia, a Requerida não fundamenta a existência de estabelecimento estável da C... em Moçambique, nem se encontra nos autos elementos provatórios que conduzissem à conclusão da existência desse estabelecimento estável. Não basta alegar.
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Acresce que, ainda que se admitisse a existência de tal estabelecimento estável da C... em Moçambique, os rendimentos auferidos não seriam exclusivamente tributáveis em Portugal, uma vez que continuariam sujeitos a tributação em Moçambique por força do Artigo 7.º da CDT Portugal-Moçambique. Com efeito, nos termos do n.º 2 do referido artigo, quando uma empresa de um Estado exercer a sua atividade noutro Estado por meio de um estabelecimento estável aí situado, os lucros imputados a esse estabelecimento estável podem ser tributados no Estado em que se encontra estabelecido. Assim, caso fosse seguida a tese da Requerida de que a Requerente detinha em Moçambique um estabelecimento estável ao qual os rendimentos em crise deveriam ser imputados, estes rendimentos seriam igualmente sujeitos a tributação em Moçambique nos termos do n.º 2 do Artigo 7.º da CDT Portugal-Moçambique.
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Consequentemente, também neste cenário, a Requerente manteria o direito a deduzir integralmente à coleta de IRC do exercício de 2021 o IRPC suportado em Moçambique no mesmo período.
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Finalmente, cumpre ainda trazer à colação o entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão n.º 01952/17.1BEBRG, de 7 de setembro de 2022, no sentido de que:
“Quando se conclui ter sido propósito dos Estados Contratantes (Portugal e Marrocos) respeitar, ao máximo, a soberania fiscal de cada um, no momento decisivo e genético, da qualificação dos factos tributários que apresentem conexões com as ordens jurídicas de ambos, o princípio (quando acontece essa conexão) tem de ser o de acolher a competência do Estado da fonte, da proveniência, para qualificar os rendimentos suscetíveis de tributação conjunta, objetivando sempre, em primeira linha, evitar a consumação de uma dúplice incidência e, reflexamente, estancar qualquer possibilidade de fuga à tributação, pressuposta pela aplicável Convenção para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento (CDT)”.
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Pode, pois, concluir-se que os rendimentos de fonte moçambicana obtidos pela C... em resultado dos contratos de afretamento de navios e da cedência de pessoal especializado celebrados com as sociedades moçambicanas D... e E... enquadram-se no conceito de “royalties”, tal como definido no artigo 13.º, n.º 3, da CDT Portugal-Moçambique.
Do direito à dedução do crédito de imposto conferido pelo artigo 23.º, n.º 1, alínea a), da CDT Portugal-Moçambique – compatibilidade da norma do Código do IRC com a norma da CDT, que estabelece a dedutibilidade da totalidade do imposto pago em Moçambique
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A segunda questão que cumpre apreciar é se o ato de autoliquidação controvertido nos presente autos é ilegal por violação do direito à dedução do crédito de imposto relativo ao IRPC pago pela C... em Moçambique, resultado dos royalties auferidos por esta entidade naquela jurisdição, designadamente averiguar a compatibilidade da norma do artigo 91.º, n.º 1, do Código do IRC com a norma do artigo 23.º, n.º 1, alínea a), da CDT Portugal-Moçambique, que estabelece a possibilidade de dedução integral do imposto suportado em Moçambique.
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Assim, como ponto de partida, cumpre fixar a base legal vigente à data dos factos que conformava o direito à dedução do crédito de imposto.
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Estabelece o artigo 91.º, n.º 1, do Código do IRC o seguinte:
“1 — A dedução a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 90.º é apenas aplicável quando na matéria colectável tenham sido incluídos rendimentos obtidos no estrangeiro e corresponde à menor das seguintes importâncias:
a) Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;
b) Fração do IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, acrescidos da correção prevista no n.º 1 do artigo 68.º, líquidos dos gastos direta ou indiretamente suportados para a sua obtenção.”
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Por seu turno, estabelece o artigo 23.º, n.º 1, alínea a) da CDT Portugal -Moçambique o seguinte:
“Quando um residente de Portugal obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam ser tributados na República de Moçambique, Portugal deduzirá do imposto sobre os rendimentos desse residente uma importância igual ao imposto sobre o rendimento pago na República de Moçambique. A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fracção do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados na República de Moçambique.”.
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Ambas as normas citadas conformam o direito à dedução do crédito por dupla tributação internacional. No entanto, o Código do IRC estabelece que o mesmo é determinado a partir dos rendimentos líquidos auferidos pelos sujeitos passivos, enquanto na CDT Portugal-Moçambique não se estabelece tal limitação, isto é, o montante a deduzir por crédito de imposto por dupla tributação internacional é determinado com base nos rendimentos brutos.
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Ora, a solução consagrada na CDT Portugal-Moçambique é, efetivamente, incompatível com o disposto no artigo 91.º, n.º 1 do Código do IRC.
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Sobre esta incompatibilidade do direito convencional e a lei ordinária o entendimento perfilhado pela jurisprudência maioritária é claro[2], designadamente a posição adotada pelo Tribunal Constitucional no seu recente Acórdão n.º 653/2023, de 10 de outubro de 2023, no sentido de que:
“O artigo 23.º, n.º 1, alínea a), da CDT estabelece uma regra de dedução de imposto, tendo em vista a eliminação da dupla tributação. Estabelece, pois, uma obrigação concreta para o Estado Português, designadamente para efeitos de liquidação de IRC, obrigação que prevalece sobre qualquer disposição da lei ordinária (artigo 8.º, n.º 2, da Constituição) e pode, consequentemente, ser invocada pelos contribuintes interessados na sua aplicação, como foi o caso.
A regra de dedução de imposto prevista no artigo 23.º, n.º 1, alínea a), da CDT não coincide com a regra prevista no artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, na redação introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, conduzindo a resultados diferentes. Neste caso, permite-se a dedução de importância equivalente ao imposto pago no estrangeiro, impondo, porém, um limite a esse valor. Todavia, nos termos da CDT há lugar a dedução integral do imposto pago em Moçambique, determinado a partir dos rendimentos brutos ali obtidos, desde que a importância desse modo deduzida não ultrapasse os limites previstos naquela norma convencional.
Como se pode ler na decisão recorrida, a aplicação da regra prevista no Código do IRC, conduzindo a menor dedução, “[…] frustraria parcialmente o objetivo de total eliminação da dupla tributação em situações envolvendo Portugal e Moçambique, objetivo principal prosseguido pela convenção subscrita pelos dois países”. Daí a contradição, manifestada em diferentes resultados da liquidação realizada em função de uma ou outra regra, conforme reconhecido no acórdão sob recurso, com a consequente anulação do ato de liquidação. Contradição que, face ao superior lugar do direito convencional sobre a lei ordinária na hierarquia normativa, só poderia resolver-se pelo afastamento da norma do Código do IRC, em favor da norma da CDT.” – sublinhado nosso.
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É, pois, este o entendimento que o presente coletivo arbitral sufraga, pelo que se conclui que a Requerente tinha direito a deduzir integralmente à coleta de IRC do exercício de 2021 o montante de € 66.527,97, correspondente à totalidade do IRPC suportado em Moçambique nesse mesmo exercício, uma vez que esse montante não ultrapassa os limites previstos na CDT Portugal-Moçambique.
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Nestes termos, julga-se ilegal o ato de autoliquidação de IRC do exercício de 2021 efetuado através da declaração Modelo 22 identificada pelo n.º..., e o ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada pela Requerente, que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da Lei Geral Tributária (“LGT”).
Do reembolso da quantia indevidamente paga pela Requerente e dos juros indemnizatórios
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A Requerente solicita ainda a condenação da Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios sobre aquela quantia.
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O artigo 24.º, n.º 1, al. b) do RJAT, estatui que em caso de procedência da decisão arbitral que a AT deve: “(…) restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
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No caso concreto, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago ilegalmente, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
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Na sequência da anulação da autoliquidação e do indeferimento tácito da reclamação graciosa, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia de € 66.527,97, o que é consequência da anulação.
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A Requerente formulou ainda um pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
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Com efeito, o artigo 24.º, n.º 5, do RJAT dispõe que: “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
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Refere o artigo 43.º, n.º 1, da LGT que: “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
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São, assim, três os requisitos do direito aos referidos juros: (i) a existência de um erro em ato de liquidação de imposto imputável aos serviços; (ii) a determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, e (iii) o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
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No caso destes autos, o erro imputável aos serviços da AT verificou-se no momento em que, omitindo o dever de decidir a reclamação graciosa, se permitiu que, na ordem jurídica, se formasse a presunção de indeferimento tácito.
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Por Acórdão de 29 de junho de 2022 proferido no Processo n.º 93/21.7BALSB, o Supremo Tribunal Administrativo procedeu à harmonização de jurisprudência nos seguintes termos:
“Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs.1 e 3, da L.G.T.”[3].
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No caso em apreço, a reclamação graciosa foi apresentada em 20 de dezembro de 2023, pelo que a presunção de indeferimento tácito se formou em 20 de abril de 2024, nos termos do artigo 57.º, n.º 5, da LGT, decorrido o prazo de quatro meses previsto no n.º 1 do mesmo artigo.
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Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, à taxa legal supletiva, e contados desde 21 de abril de 2024 até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
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DECISÃO
Nestes termos, acorda este Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, e consequentemente:
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Declarar a ilegalidade e anular o ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa autuada com o n.º ...2023... e o ato de autoliquidação do IRC relativo ao exercício de 2021, com o número de identificação...;
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Condenar a AT Requerida na devolução do imposto indevidamente pago, no montante de € 66.527,97;
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Condenar a AT Requerida no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, a liquidar nos termos legais, sobre aquela quantia, desde 21 de abril de 2024 até à data de processamento da respetiva nota de crédito.
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VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 66.527,97, conforme indicado pela Requerente e sem oposição da Requerida AT.
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CUSTAS
De harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e nos artigos 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 4.º, n.º 5 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, em razão do decaimento.
Notifique-se.
CAAD, 31 de março de 2025.
O Tribunal Arbitral Coletivo,
Prof.ª Doutora Rita Correia da Cunha (Presidente)
João Gonçalves da Silva (Vogal e relator)
Ricardo Rodrigues Pereira (Vogal)
[1] Decisão proferida na sequência do recurso para uniformização de jurisprudência apresentado junto do Supremo Tribunal Administrativo, por alegada contradição entre o decidido na decisão arbitral proferida em 23-10-2023 no processo arbitral n.º 781/2021-T, e o decidido na decisão arbitral proferida em 10-12-2021 no processo arbitral n.º 97/2021-T.
[2] A este respeito, podem ainda ver-se as decisões do CAAD proferidas no acórdão de 25 de janeiro de 2016, no âmbito do processo, n.º 369/2015-T, no acórdão de 1 de Junho de 2017, proferido no âmbito do processo, n.º 565/2016-T, no acórdão de 19 de Dezembro de 2019, proferido no âmbito do processo n.º 70/2019-T, no acórdão de 5 de Março de 2020, proferido no âmbito do processo n.º 389/2019-T, no acórdão de 15 de Novembro de 2021, proferido no âmbito processo n.º 583/2020-T, no acórdão de 10 de Dezembro de 2021, proferido no âmbito processo n.º 97/2021-T, no acórdão de 29 de Março de 2022, proferido no âmbito processo n.º 781/2021-T (decisão reformada após recurso para uniformização de jurisprudência para o Supremo Tribunal Administrativo), no acórdão de 15 de setembro de 2022, proferido no âmbito processo n.º 7/2022-T, e a decisão do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 12 de Junho de 2024, proferido no âmbito do processo n.º 9/2024.
[3] A este respeito, podem ainda ver-se as decisões do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 30 de setembro de 2009, proferido no âmbito do processo n.º 0520/09; no acórdão de 28 de outubro de 2009, proferido no âmbito do processo n.º 0601/09; e, no acórdão de 18 de janeiro de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 0890/16.
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