Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 894/2024-T
Data da decisão: 2025-03-19  IRC  
Valor do pedido: € 93.221,66
Tema: IRC: tributação autónoma; princípio da especialização dos exercícios; princípio do inquisitório; amortização de “goodwill”; aceitação como custo de apropriação de valores de caixa por terceiro.
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SUMÁRIO

I – Limitando-se a Administração Tributária a qualificar as facturas emitidas por uma empresa contratante como despesas de representação, com base no seu descritivo, com a consequente sujeição a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º, n.º 7, do CIRC, sem qualquer indagação complementar quanto à efectividade e caracterização dos serviços prestados, a correcção tributária assim fundamentada incorre em violação do princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.º da LGT;

II - O princípio da especialização dos exercícios, a que se refere o artigo 18.º do Código do IRC, não obsta a que sejam imputáveis a um período de tributação custos referentes a períodos anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais com vista a operar transferência de resultados entre exercícios;

III – Dispondo um contrato de cedência de know-how que é da responsabilidade do cedente criar valor para o beneficiário nos primeiros 6 anos após a celebração definitiva do contrato, nos termos do disposto no artigo 1º, nº 2, alínea b), do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, as amortizações poderão ocorrer a partir do primeiro ano de vigência do contrato, e não no termo do prazo de 6 anos em que se encontra constituída a responsabilidade da Requerente;

IV – As diferenças negativas de caixa resultantes de furtos incorridos por funcionários do sujeito passivo constituem custos fiscais para efeito do disposto no artigo 23.º do Código do IRC.

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I-RELATÓRIO

1. A...,LDA, pessoa colectiva nº ..., com sede na Rua ... nº ..., ...-... Vila Nova de Gaia (doravante designada por Requerente ou Sujeito Passivo), apresentou em 2024-07-22 pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º e alínea a) do nº 1 e 2 do artigo 10º, nºs 1 e 2 todos do Decreto-Lei nº 10/2011 de 20 de Janeiro (doravante designado por RJAT) e da Portaria nº 112-A/2011,de 22 de Março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, (doravante designada por AT ou Requerida), com vista à declaração  de ilegalidade da decisão de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa nº ...2024..., e consequentemente, a anulação parcial dos actos de liquidação de IRC nº 2023..., demonstração de liquidação de juros nº 2023... e a demonstração de acerto de contas nº 2023..., com  referência ao ano fiscal de 2019.

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Colectivo, foi aceite em 2024-07-23 pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e notificado à AT nesse mesmo dia.

3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificada às partes, nos prazos previstos, foram designados como árbitros os signatários, que comunicaram àquele Conselho a aceitação do encargo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

4. Em 2024-09-11 foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b), as amortizações, na redação que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5. O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 2024-10-01, em consonância com a prescrição da alínea c) do 11º do RJAT, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

6. Devidamente notificada para tanto através de despacho arbitral de 2024-10-01, a Requerida juntou aos autos em 2024-11-08 o processo administrativo, composto por catorze documentos, tendo apresentado a sua resposta em 2024-11-11

7.Com data de 2024-11-12 foi proferido despacho arbitral no sentido de a Requerente vir aos autos informar se mantinha interesse na diligência de audição de declarações de parte.

8. Datado de 2024-11-20 veio a Requerente informar “que concorda com a desnecessidade da diligência de depoimento de parte”.

9. Através de despacho arbitral de 2024-12-04, e pelas razões que do mesmo constam, “a data previsível para prolação da decisão arbitral é alterada para 1 de abril de 2025.”

 

******

Posição da Requerente

A Requerente assenta, fundamentalmente, o seu pedido de pronúncia arbitral, em quatro diferentes segmentos: (i) ilegalidade da correção referente à sujeição a tributação autónoma dos alegados serviços acessórios prestados pela B..., (ii) ilegalidade das correções referentes a gastos relativos a exercício anteriores, (iii) ilegalidade da não aceitação de gasto referente à amortização de goodwill, (iv) ilegalidade das correções referentes à não aceitação de um gasto referente à subtração e apropriação de valores de caixa.

Para tanto, invoca a Requerente, em breve síntese, o que segue (que se menciona, maioritariamente, por transcrição:

 

da ilegalidade da correção referente à sujeição a tributação autónoma dos alegados serviços acessórios prestados pela B...:

- no decurso do ano de 2019, a Requerente adquiriu serviços de publicidade à B..., tendo a AT notado a este respeito que “[a] B..., SA. Fatura um “pacote”, sem descriminação das prestações de serviços incluídas, pelo que o gasto incorrido pela empresa com a sua aquisição não pode ser aceite para efeitos de IRC, na sua totalidade, como “despesas de publicidade” (…)

- neste contexto, a AT afirma que “[a]s despesas relativas aos serviços acessórios configuram despesas de representação, pelo que deveriam ter sido sujeitas à tributação autónoma prevista no nº 7 do artigo 88º do Código do IRC. Assim, considerando a percentagem de 10% atribuída pela B... aos serviços acessórios, temos que, em cada uma das faturas o valor de €1.076,25 (€ 10.762,50 * 10%) corresponderá a serviços acessórios, ou seja, despesas de representação num total de € 4.305,00 de que resulta imposto em falta no montante de € 430,50”.

-é possível concluir que a AT (re)qualificou um conjunto de gastos suportados pela Requerente com uma parceria publicitária como despesas de representação, sujeitando-os a tributação autónoma sem, contudo demonstrar que, em termos práticos tais gastos revestem a natureza de despesas de representação e sem avançar qualquer justificação que permita à Requerente conhecer o rationale de tal qualificação.

-(…) a Circular nº 20/2009, divulga instruções administrativas referentes ao enquadramento em IRC dos gastos suportados pelos sujeitos passivos com a “aquisição de direitos de utilização de camarotes nos estádios de futebol” e que as faturas emitidas pela B... fazem alusão a essa circular, referindo, inclusivamente, que os serviços alegadamente acessórios representam 10% do valor da parceria publicitária.

- o entendimento vertido na Circular nº 20/2009, vincula somente a AT e já não a Requerente ou os tribunais.

- no caso vertente, a AT assumiu como bom o mencionado nas faturas emitidas pela B... (cujo conteúdo não é da responsabilidade da Requerente e ao qual a Requerente não está naturalmente vinculada) e dispensou-se automaticamente de demonstrar que os serviços que a B... reputa de acessórios nas faturas configuram, na realidade, despesas de representação, infringindo, quer o princípio do inquisitório, consagrado no artigo 58º da LGT, quer o seu dever de fundamentação, previsto no artigo 77º da LGT.

- (…) no entender da AT, o descritivo numa fatura emitida por um fornecedor da Requerente constitui uma verdade absoluta, não admite possibilidade de padecer de um qualquer lapso, dispensa a prática de quaisquer atos adicionais de investigação e comprovação da natureza da despesa em questão por parte da inspecção tributária e é bastante para, por si só, afastar a presunção de veracidade de que gozam as declarações dos contribuintes, nos termos do artigo 75º da LGT, e, bem assim, fundamentar a correção em questão.

- no caso sub judice, é particularmente notório que a AT faz tábua rasa dos princípios mais elementares do procedimento de inspeção tributária e que devem nortear e balizar a sua atuação, desde logo o princípio da verdade material.

- a verdade eventualmente alcançada pela AT no caso vertente é a verdade formal, que não é a pretendida pela legislador e que não se confunda com a verdade material.

- (…) no procedimento de liquidação da iniciativa da AT, esta terá de demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação (os factos, pressupostos da sua existência, qualificação do facto tributário) o que não sucedeu no caso vertente, dado que, conforme se evidenciou supra, a AT não logrou provar que os serviços reputados de acessórios nas faturas emitidas pela B... consubstanciam despesas de representação.

CONCLUIU a Requerente neste segmento que;

- a correção empreendida pela AT neste âmbito enferma de ilegalidade, porquanto viola o disposto nos artigos 58º, 74º, 77º, todos da LGT, e nº 7 do artigo 88º do Código do IRC.

 

 

 

Da ilegalidade das correções referentes a gastos relativos a exercícios anteriores:

- A AT considera que a Requerente levou “ao apuramento do resultado líquido  gastos no montante de € 12.921,92 “ relativos a exercícios anteriores e que, no seu entender, “não sendo imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos não são gasto do exercício nos termos do artº 18 do CIRC”.

- (…) A Requerente remete para o processo arbitral tributário nº 722/2022-T, de  25/07/2023-T (FERNANDA MAÇÃS, HÉLDER FAUSTINO, DANIEL TABORDA) para ilustrar a interpretação que aí se leva a cabo quanto ao artigo 18º do CIRC.

- afirma ainda a Requerente que o princípio da especialização dos exercícios possa não ter sido integralmente observado, em momento algum a AT coloca em causa a efetividade dos gastos ou a sua dedutibilidade nem tampouco suscita uma intencionalidade fraudulenta da Requerente, não tendo sido provado qualquer intenção de omitir custos ou de deferir ilegitimamente o seu pagamento.

- (…) a AT também não refere qualquer duplicação de gastos nem provou vir a existir qualquer prejuízo resultante do facto de a Requerente deduzir os gastos no exercício em causa.

- assim sendo, ponderando os interesses e princípios jurídicos em jogo, a saber, por um lado, o princípio da especialização dos exercícios, e, por outro lado, os princípios da justiça e da capacidade contributiva do contribuinte, afiguram-se desproporcionadas as correções efetuadas pela AT nesta matéria, no contexto apontado, devendo ser anuladas, o que se requer.

 

Da ilegalidade da não aceitação do gasto referente à amortização de goodwill.

- A AT desconsidera a dedução de um gasto referente à amortização de goodwill por considerar que “a amortização declarada pelo sujeito passivo, no montante de € 36.225,00, para além de não assentar em bases sólidas (discrepância entre o valor do contrato e registo contabilístico) não é aceite como custo fiscal dado que, nos termos da al. b) do nº 2 artº 1 do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14/9 no que se refere a ativos intangíveis, quando  se trate de elementos especificamente associados à obtenção de rendimentos, as depreciações e amortizações só são especificadamente consideradas a partir da sua utilização, o que no caso em apreço ainda não se verificou”

 

CONCLUIU a Requerente no sentido de que o juízo decisório da AT quanto ao valor da “goodwill” registado na contabilidade e quanto ao momento em que iniciou a utilização do ativo encontra-se irremediavelmente inquinado, enfermando, consequentemente, as correções produzidas nesta matéria de ilegalidade, o que se requer.

 

Da ilegalidade das correções referentes à não aceitação de um gasto referente à subtração e apropriação de valores da caixa.

- a Requerente inscreveu no quadro 7 da Modelo 22 de 2019 uma variação patrimonial negativa no montante de € 39.770, 25, relacionada com a subtração e apropriação de valores da caixa por parte de uma pessoa com funções comerciais, de apoio à gestão/gerência e de assistência informática.

- tal facto ditou, inclusivamente, a dedução de uma queixa – crime contra aquela pessoa, nomeadamente por crime de furto.

- a respeito desta situação, a AT refere que [n]ão se pode inserir o furto ou roubo no quadro normal da atividade exercida. Em regra, as perdas que resultem de furtos não podem ser consideradas como decorrentes da atividade normal desenvolvida pelos sujeitos passivos, nem que contribuam para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, não podendo, por isso, aceitar-se para efeitos fiscais a sua dedutibilidade”.

- a AT entende, portanto, que a subtração e apropriação de valores de caixa de que a Requerente foi alvo não consubstancia uma perda da sua atividade normal nem contribui para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, não aceitando, por isso, a sua dedução.

Em abono da sua tese, no sentido da dedutibilidade de tal variação patrimonial negativa, a Requerente remete para várias decisões jurisprudenciais, quer proferidas no âmbito do CAAD, quer do TCA Sul,

- concluindo, neste segmento que a correção empreendia nesta matéria padece de ilegalidade, por violação no nº 1 do artigo 23º do IRC, devendo ser anulada.

 

Posição da Requerida

A AT sustentou a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, reiterando os argumentos decorrentes, quer da reclamação graciosa, quer do relatório da inspeção tributária para onde expressamente remete, e que aqui se dão por reproduzidos, sob pena de redundância.

 

II.SANEAMENTO

a.O Tribunal Arbitral Colectivo foi regularmente constituído, e é competente em razão da matéria, face ao disposto no artigo 2º, nº 1, alínea a), 5º, nº 3  alínea a)  e no artigo 6º, todos do RJAT.

b.O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado dentro do prazo de noventa dias, previsto no artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT.

c. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, e estão regularmente representadas, em consonância com o disposto nos artigos 4º e 10º, ambos de RJAT, e nos artigos 1º e 3º da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março.

d.O processo não enferma de nulidades.

e. Não foram suscitadas quaisquer excepções de que deve conhecer-se.

f. Inexiste qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

III.FUNDAMENTAÇÃO

A.MATÉRIA DE FACTO

A.1.Factos dados como provados

Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

a. A Requerente pertence ao grupo farmacêutico C... encontrando-se registada para o exercício do comércio a retalho de produtos farmacêuticos.

b. A Requerente deu início de actvidade, para efeitos fiscais, sob a anterior denominação social em 2008/03/11.

c. Em sede IRC encontra-se enquadrada no regime de determinação do lucro tributável, nos termos do artigo 17º do CIRC.

d. Em sede IVA é sujeito passivo de imposto, de acordo com o disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º do CIVA.

e. A Requerente foi objeto de um procedimento inspectivo de âmbito parcial em sede de IRC e IVA, com referência ao exercício fiscal de 2019, credenciado pela ordem de serviço OI 2022... de 2022-10-25.

f. Com data de 2023-04-28, foi a Requerente notificada da alteração da extensão do procedimento de inspeção, para âmbito parcial de IRC, IVA e RFIRS, ao período de 2019.

g. No contexto da referia inspecção tributária, a AT procedeu à várias correções de IRC.

h. Na sequência das quais a Requerente foi notificada das respectivas liquidações  de IRC nº 2023..., da demonstração de liquidação de juros nº 2023... e da demonstração de acerto de contas nº  2023....

i. No Relatório da Inspecção Tributária, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, é, para além do mais, referido o seguinte, que importa salientar:

“[…]

 V. Descrição dos factos e fundamentos das correções/irregularidades

A-Parceria Publicitária

A A... tem registadas, na conta “6222 – Fornecimentos e serviços externos- Serviços especializados – Publicidade e propaganda “ e “24323132311- Iva-Dedutível-Outros Bens e Serviços-Outros Bens e Serviços- Continente- Obs- Taxa Normal -Obs- Taxa Normal 23%-Obs Tx Normal- 23%-Obs Tx NM-Mercado Nacional-Obs- Tax.MN-TT/Dedutível, as faturas a seguir identificadas emitidas pela sociedade B..., SA.

 

Faturas nº

Data

Registo

Base

IVA deduzido

Total

   

402018070090

31/01/2019

 

 

2019-01-31 00041 10073

 

8.750,00€

2.012,50€

10.762,50€

   

402018090063

13/03/2019

2019-03-14 00041 30068

8.759,00€

2.012,50€

10.762,50€

   

402018120076

19/06/2019

2019-06-19 00041 60081

8.759,00€

2.012,50€

10.762,50€

   

402019040113

15/10/2019

2019-10-15 00041 100088

8.759,00€

2.012,50€

10.762,50€

   

 

No descritivo das referidas faturas consta o seguinte “Os serviços acessórios considerados em conformidade com o nº6 da circular nº 20/2009 de DGI representam 10% do valor da presente parceria.”

A B..., S.A. fatura um “pacote”, sem discriminação das prestações de serviços incluídas, pelo que o gasto incorrido pela empresa com a sua aquisição não pode ser aceite para efeitos de IRC, na sua totalidade, como “despesas de publicidade”, não podendo igualmente ser aceite a dedução integral do IVA suportado.

As despesas relativas aos serviços acessórios configuram despesas de representação, pelo que deveriam ter sido sujeitos à tributação autónoma prevista no nº7 do artigo 88º do Código do IRC.

Assim, considerando a percentagem de 10% atribuída pela B... aos serviços acessórios, temos que, em cada uma das faturas o valor de € 1.076,25 (€ 10.762,50 x 10%  corresponderá a serviços acessórios, ou seja despesas de representação num total de € 4.305,00,  de que resulta imposto em falta de € 430,50.

O IVA incluído nas despesas relativas aos serviços acessórios, encontra-se excluído do direito à dedução do IVA nos termos das alíneas c) a e) do nº1 do artigo 21º do Código do IVA.

Pelo que a A... deduziu indevidamente em cada um dos períodos de janeiro, março, junho e outubro € 201,25, respetivamente, no total de € 805,00.

O IVA indevidamente deduzido é gasto nos termos da f)  do nº 2 artº 23º do CIRC, pelo que será de deduzir ao resultado líquido aquele montante ( € 850,00)

B- No que se refere à conta “6881 – Correções relativas a períodos anteriores”, o sujeito passivo efetuou diversos registos, levando ao apuramento do resultado líquido gastos no montante de € 12.921,92.

 

Registo contabilístico

Nº Fatura

Data Emissão

Valor

 

 

 

2017-06-09 00041 50007

 

24109

09/07/2017

1 801,82 €

 

2017-06-09 00041 50007

24109

09/07/2017

11,18 €

 

2017-06-22 00041 50013

5714115416

22/06/2017

1 338,32 €

 

2017-09-22 00041 50009

1129908

22/09/2017

651,92 €

 

2017-09-27 00041 50008

36736

27/09/2017

277,12 €

 

2018-05-03 00041 50010

1173534

 

94,16 €

 

2018-05-16 00041 50017

7717

16/05/2018

165,59 €

 

2019-06-30 00061 60006

 

 

Rec venc. Joana Vilar 06/2018

 

 

110,96 €

 

2019-06-30 00061 60006

Rec Venc Joana Vilar 06/2018

 

467,20 €

 

2019-06-30 00061 60006

Rec Venc Joana Vilar 06/2018

 

59,78 €

 

2019-06-30 00061 60007

Rec Venc Joana Vilar 07/2018

 

700,00 €

 

2019-06-30 00061 60007

Rec Ven Joana Vilar 07/2018

 

93,94 €

 

2019-06-30 00061 60007

Rec Venc Joana Vilar 07/2018

 

166,25 €

 

2019-06-30 00061 60008

Rec subs férias 2017

 

810,72 €

 

2019-06-30 00061 60008

Rec subs férias 2017

 

207,81

 

2019-06-30 00061 60008

Rec subs férias 2017

 

769,35 €

 

 

 

2019-06-30 00061 60008

 

Rec subs férias 2017

 

192,55 €

 

2019-06-30 00061 60008

Rec subs férias 2017

 

875,00 €

 

2019-06-30 00061 60008

Rec subs férias 2017

 

182,72 €

 

2018-10-03 00041 80001

236371

03/10/2018

210,30 €

 

 

 

2019-09-30 00041 90081

 

6140089188

22/06/2017

290,23 €

 

2018-01-09 00041 120097

22

09/01/2018

2 900,00 €

 

2018-01-12 00041 120099

25

12/01/2018

320,00 €

 

2019-12-01 00041 120100                    

40

30/01/2018

225,00 €

 

 

Total

 

12 921,92 €

 

 

Os mesmos reportam-se a gastos relativos a exercícios anteriores, os quais não sendo imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos, não são gasto do exercício nos termos do artº 18 do do CIRC.

De facto, com exceção aos gastos vencimentos e subsídio de férias, todas têm como suporte documentos emitidos em anos anteriores.

Quanto aos gastos com vencimentos e subsídios de férias, a A... também conhecia os encargos subjacentes ao seu quadro de pessoal e nesses termos, o respetivo processamento deveria ter ocorrido naqueles anos (2017 e 2018).

C- A A... tem registado a título de Goodwill na conta “4411- Goodwill – mercado nacional” o montante de € 1.035.000,00.

Afim de documentar o respetivo registo a A... facultou-nos  cópia de um contrato celebrado em 2018/07/15 entre esta e D..., número de identificação fiscal ..., com endereço em ..., EUA, com um valor de 885.750,96 USD.

O contrato tem como objeto o fornecimento de conceitos de venda no mesmo espaço ou em associados espaços, de medicamentos, equipamentos médicos, aplicação de vacinas, cosméticos, brinquedos, comida, digital revelação, papelaria, informática, eletrodomésticos, roupas médicas e não médicas, entre outros produtos .Também  fornece o software, tecnologia e equipamentos para a  operação e exploração da atividade.

Considerando a cotação do dólar face ao euro, que conforme dados do Banco de Portugal em julho de 2018 a média foi de 1.1686, o valor do contrato corresponderia a € 757.959,06, e não o valor registado na contabilidade de € 1.035.000,00.

O sujeito passivo, no ano de 2019, contabilizou uma amortização do referido Goodwill no montante de € 36.225,00 (€ 1.035,000,00 x 3,5% seja correspondente 28 anos e alguns meses de utilização, tendo considerado aquele valor gasto fiscal.

Contudo o contrato na sua cláusula 7.4 prevê o pagamento de royalties de acordo com a alteração a ser feita após a conclusão do processo de instalação, cujos pagamentos ainda não ocorreram e a cláusula 7.5, refere que é responsabilidade do cedente criar valor para a A... na pordem de 450,00 USD por ano, nos primeiros 6 anos após a celebração definitiva do contrato, que igualmente não se verificou a sua ocorrência, factos demonstrativos da não conclusão do processo de instalação.

Face ao exposto a amortização declarada pelo sujeito passiva, no montante de € 36.225,00, para além de não assentar em bases sólidas, (discrepâncias entre valor do contrato e registo contabilístico) não é aceite como gasto fiscal dado que, nos termos da al.b) do nº 2 artº 1 do Decreto Regulamentar nº 25/2009, de 14/9, no que se refere a ativos intangíveis, quando de trata de elementos especificamente associados à obtenção de rendimentos, as depreciações e amortizações só são consideradas a partir da sua utilização, o que no caso em apreço ainda não se verificou.

Aliás a A... no modelo 22 -Mapa de Depreciações e Amortizações, que nos facultou inscreveu o valor da amortização que calculou na coluna 14 do referido mapa “Depreciações/Amortizações e perdas de imparidade não aceites como gasto”.

Face ao exposto propõe-se o acréscimo à matéria coletável daquele montante.

D- A A..., deduziu ao resultado líquido, no quadro 07 da declaração mod. 22 de IRC como uma variação patrimonial negativa o valor de € 39.770, 25:

704 - Variações patrimoniais negativas não refletidas no resultado líquido do período (artº 24º)

39 770,25

 

Questionada, referiu-nos que aquele valor é referente à subtração e apropriação de valores de caixa por parte de um terceiro e que se encontra a correr um processo judicial- Inq. .../18... T9MTS. Ora no entendimento da AT, “Não se pode inserir o furto ou roubo no quadro normal da atividade exercida.

Em regra, as perdas que resultem de furtos não podem ser consideradas como decorrentes da atividade normal desenvolvida pelos sujeitos passivos, nem que contribuam para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, não podendo, por isso, aceitar-se-para efeitos fiscais a sua dedutibilidade”.

Efetivamente, pelo que foi relatado pelo sujeito passivo e mencionado na queixa apresentada no DCIAP, resultam indícios fortes de deficiências de controlo interno, no que respeita a procedimentos com vista à proteção dos ativos em causa.

Sem prescindir, a respetiva queixa foi apresentada em 2018/03/07, referindo-se a factos anteriores àquela data, cujo gasto, se aceite fiscalmente, o que não de admite, não seria gasto no ano de 2019, nos termos do artº 18 do CIRC […]”

j. Contra as referidas liquidações a Requerente deduziu em 2024-01-12 junto do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia ..., reclamação graciosa, a que veio a caber o nº ...2024... .

k. Através do ofício nº 2024..., de 2024-03-06, foi a Requerente notificada para exercer o seu direito de participação na decisão, na modalidade de audição prévia previsto no artigo 60º do LGT.

l. Pelo ofício nº 2024..., de 2024-04-16, foi a Requerente notificada do despacho proferido pela Chefe de Divisão da Direção de Finanças, ao abrigo de subdelegação de competências do indeferimento da reclamação graciosa.

m. Com data de 2024-07-22, a Requerente apresentou junto do CAAD, pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, que deu origem ao presente processo.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão da causa inexistem factos que tenham sido considerados como não provados.

A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada.

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem de pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importam para a decisão, de discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artº 123º, nº 2, do CPPT, e nº 3 do artigo 607º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções da questão (ões) de direito (cfr. artigo 596º do CPC, ex vi, artigo 29º, alínea e), do RJAT).

Somente quando a força probatória de certos meios de prova se encontra pré-estabelecido por lei (v.g., a força probatória dos documentos autênticos (cfr.,artigo 371º, nº 3 do Código Civil) é que não domina na apreciação das produzidas o princípio da livre apreciação.

Assim sendo, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental carreada para os autos e o processo administrativo anexo, consideram-se provados com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

Não se deram como provados, nem como não provados, as alegações produzidas pelas partes, e apresentadas como factos consistentes em afirmações conclusivas, insusceptíveis de prova, e cuja veracidade se terá de aferir-se em relação à concreta matéria de facto supra consolidada.         

 

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IV.O DIREITO

 

Da ilegalidade da correção referente à sujeição a tributação autónoma dos alegados serviços acessórios prestados pela B... .

É consabido, quer na doutrina, quer na jurisprudência que o princípio do inquisitório, consagrado no artigo 58º da Lei Geral Tributária tem como escopo a descoberta da verdade material, que se “justifica pela obrigação de prossecução do interesse público imposta à actividade da Administração Pública (art. 266º.nº 1 da CRP e art 55º da LGT e é o corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actividade.(artº 266º, nº 2 da CRP e 55º da LGT”[1].

É claro e inquestionável o normativo, nessa direção: “A Administração Tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”.

De igual modo, o disposto no artigo 6º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira: “O procedimento de inspeção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objectivo”.

Conforme afirmado no acórdão arbitral tributário nº 849/2021-T proferido sob a égide do CAAD, em 23/06/2022 (NUNO CUNHA RODRIGUES, JOÃO PEDRO RODRIGUES, MIGUEL PATRÍCIO); “O inquisitório é um princípio conformador da actividade da AT, na formação do acto lesivo dos interesses igualmente protegidos dos administradores e, é por isso, uma garantia não impugnatória do sujeito passivo.

Está aquém do ónus da prova, pelo que a verdade material ínsita no supra citado artigo [leia-se artigo 58º da LGT] se consubstancia numa verdade extraprocessual, que não é aquela que se afere pela prova ou não prova dos factos.

No cumprimento do princípio do inquisitório, recai sobre a AT o dever de realizar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade. Em contraponto, impende sobra os sujeitos passivos um dever de colaboração consagrado no artigo 59º da Lei Geral Tributária.

Contudo, perante um contribuinte não colaborante, a AT não está obrigada a repetir as tentativas de obter a sua colaboração para a investigação de um determinado facto”.

 

O princípio em causa tem, ainda, expressão no procedimento administrativo, atento o disposto no nº 1 do artigo 115º do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”); “1.O responsável pela direção do procedimento deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja adequado e necessária à tomada de uma decisão legal e justa dentro de prazo razoável, podendo, para o efeito recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito.”

 

Com respeito ao princípio do inquisitório no âmbito do procedimento tributário, haverá ainda que reter o que nos diz, de forma impressiva, Pedro Vidal de Matos, “Consagra-se assim legalmente o princípio do inquisitório no âmbito do procedimento tributário, instituindo para a Administração Tributária o dever de realizar as diligências necessárias à descoberta da verdade. Esta descoberta é então legalmente fixada como fim a atingir na actividade instrutória deixando para a Administração Tributária a escolha concreta do conteúdo dos actos a adoptar para o efeito.”[2]

 

De sublinhar ainda, que o princípio do inquisitório ou da oficialidade convoca pelo menos, duas outras questões: (i) a sua conjugação com os deveres de colaboração e participação do sujeito passivo – artigos 59º e 60º da LGT- e (ii) princípio do inquisitório e ónus de prova.

Segundo o disposto no nº 1 do artigo 59º da LGT “os órgãos da administração tributária e os contribuintes estão sujeitos a uma colaboração recíproca”, densificando o artigo 60 º as várias formas de participação dos contribuintes.

 

Como se retira de anotação ao artigo 6º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (“RCPIT”);[3]

Nesta interação entre o princípio do inquisitório e ónus de prova, entendemos que o primeiro, em termos funcionais, é anterior ao segundo, ou seja, as regras e critérios deste não pode, de forma alguma condicionar ou interferir com a actuação do princípio do inquisitório. As diligências efectuadas ao abrigo deste princípio, são-no efectivamente para definir os factos que servirão de suporte à decisão, o que significa que a Administração fiscal não pode em circunstância alguma fazer valer-se das regras do ónus de prova para não realizar as diligências que se afiguram necessárias, ao apuramento da verdade material”.

 

Face ao que vem de dizer-se, da posição das partes e do que emerge da matéria dos autos, entende este Tribunal, que se verifica a violação do princípio do inquisitório (bem como o vício de falta de fundamentação) convocando, desde logo, e como realça a Requerente, que a AT no contexto das facturas emitidas à Requerente pela B... se dispensou de demonstrar que os serviços em causa  constituem para si despesas de representação, e, como tal, objecto de tributação autónoma perante do disposto no nº 7 do artigo 88º do CIRC.

Com efeito, a AT assumiu, sem mais, que as despesas tidas como serviços acessórios prestados pela B... configuram despesas passíveis de tributação autónoma.

No âmbito do princípio do inquisitório deveria a AT ter promovido as necessárias diligências no sentido de chegar à conclusão a que chega, não se quedando, ao que se verifica, “pelo simples facto de um fornecedor de um sujeito passivo mencionar ao facto de um fornecedor  de um sujeito passivo mencionar uma circular numa fatura, sem discriminar o tipo de prestações de serviços em causa, assumindo a AT que os serviços mencionados nessa factura revestem a natureza de um panóplia de serviços referidos numa circular da própria AT”.

Como decorre do acórdão do TCA Norte, de 23-04-2020, proferido no âmbito do processo nº 01089/16.BEAVR, que, sem quaisquer reservas, se subscreve:

I.O princípio do inquisitório, previsto no artigo 58º da LGT e aplicável ao procedimento inspetivo por força do artigo 6º do RCPITA, postula que a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.

II.Este princípio fundamenta-se na obrigação de a administração prosseguir o interesse público (artigo 266º/1 da CRP e artigo 55º da LGT), assim como no dever de imparcialidade da actuação administrativa (266º/2 da CRP e artigo 55º da LGT).

III. O dever de inquisitório a cargo da AT situa-se a montante do ónus de prova, por isso não é possível afirmar que a AT cumpriu o ónus de prova a seu cargo quando não haja, sequer, realizado as diligências probatórias que o dever de inquisitório e de descoberta da verdade material lhe impunham”.

No caso, a Administração Tributária limitou-se a qualificar as facturas emitidas pela sociedade B..., com base no seu descritivo, como despesas de representação, com a consequente sujeição a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º, n.º 7, do CIRC, sem qualquer indagação complementar quanto à efectividade e caracterização dos serviços prestados, pelo que, antes do mais, verifica-se uma clara violação do princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.º da LGT.

 

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Da ilegalidade das correções referentes a gastos relativos a exercícios anteriores.

 

O princípio da periodização económica ou da especialização dos exercícios está positivado no nº 1 do artigo 18º do Código do IRC, consubstanciando-se na regra de que devem ser considerados como ganhos ou perdas de determinado exercício os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, que a esse exercício digam respeito, sendo irrelevante o exercício em que elas se materializam.

No nº 2 daquele mesmo artigo 18º prevê-se uma exceção para as componentes positivas ou negativas do lucro tributável que, na data do encerramento das contas de determinado exercício, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

O princípio da especialização dos exercícios deriva da periodização dos resultados que é imposta por necessidade de gestão e de informação, sendo “caracterizado pela cisão da vida da empresa em intervalos temporais e pela imputação dada a um deles das componentes, positivas e negativas, que tornem possível determinar o resultado que lhe corresponde”, impondo essa especialização “a realização de inventário de fim de exercício, dela decorrendo a necessidade de imputar a cada exercício todos os proveitos e  custos que lhe são inerentes e só esses”[4]desta forma, “a periodização anual do imposto implica que tanto os rendimentos como os gastos (e as variações patrimoniais fiscalmente relevantes) sejam imputados a cada período de tributação. Esta imputação resulta essencialmente da aplicação das normas contabilísticas, justamente porque o nosso legislador entendeu que as regras de periodização aí previstas oferecem um sistema coerente, fiável e eficaz também para efeitos fiscais.[5]

 

Ainda sobre este tema convoca-se o que vem dito no âmbito do processo arbitral, prolatado sob a égide do CAAD nº 874/2019-T, de 2020-09-11 (CARLOS FERNANDES CADILHA, LUÍS OLIVEIRA, RUI ZEFERINO FERREIRA),

“Consigna o nº 1 [artigo 18º do CIRC] o princípio contabilístico da especialização económica dos exercícios, que consiste em incluir nos resultados os proveitos e custos correspondentes a cada ano económico, independentemente do seu efectivo recebimento ou pagamento. O nº 2 permite que proveitos ou custos respeitantes a exercícios anteriores sejam imputáveis a um outro exercício apenas quando à data do encerramento das contas daquele eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos.

O que significa que o custo ou proveito está tendencialmente associado ao momento da emissão do documento.

Trata-se de um critério contabilístico que reflete o princípio da periodização anual do imposto.

No entanto, não de vê motivo para interpretar esse princípio em sentido estritamente literal quando da imputação do proveito ou custo a um exercício diverso daquele a que respeitava não resultar prejuízo para a Fazenda Nacional e a correcção poder vir a traduzir-se num agravamento fiscal do contribuinte.

Como se afirma no acórdão do STA de 23 de outubro de 1996 (Processo nº 20404), sem pôr em causa a relevância fiscal do princípio da especialização dos exercícios, é de admitir a imputação de custos a exercícios anteriores, quando ela não tenha resultado de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios, como é o caso em que está a acabar ou iniciar um período de isenção, quando há interesse em reduzir prejuízos de determinado exercício ou retirar benefícios do seu reporta e quando se pretende reduzir o montante dos lucros tributários.

Nestes termos, afigura-se ser de considerar a argumentação da Requerente e declarar a ilegalidade do acto tributário impugnado por violação do princípio da justiça, mediante a articulação do princípio da especialização de exercícios com o princípio da justiça, consagrado no artigo 55.º da LGT. a que a Administração Tributária se encontra igualmente vinculada.

 

 

 

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Da ilegalidade da não aceitação do gasto referente à amortização de goodwill.

Em 15/07/2018, a A... celebrou com a D... um contrato de cedência de know-how tendo por objecto os fornecimentos de conceitos de venda no mesmo espaço ou em associados espaços, de medicamentos, equipamentos médicos, aplicação de vacinas, cosméticos, brinquedos, comida, digital revelação, papelaria, informática, eletrodomésticos, roupas médicas e não médicas, entre outros produtos. Também fornece o software, tecnologia e equipamento para a operação e exploração da atividade.

A questão da aceitação fiscal da amortização desse ativo intangível (AI) no ano de 2019 é posta em causa pela AT com base numa suposta discrepância entre valor do contrato e registo contabilístico, considerando a cotação do dólar face ao euro, que corresponderia, à data da celebração do contrato, a € 757.959,06, e não ao valor registado na contabilidade de € 1.035.000,00, e também por alegadamente não ter ainda sido dado início à utilização dessa licença de know-how.

Quanto ao primeiro ponto, cabe referir que o goodwill não é necessariamente correspondente ao montante indicado no contrato, e, por outro lado, face aos dados do Banco de Portugal, à data, o montante atribuído ao contrato de $885.750,96 USD não corresponderia ao indicado valor de € 757.959,06, suscitando-se fundada dúvida quanto à quantificação do facto tributário, o que por si só, justifica a anulação do acto impugnado, segundo o disposto no artigo 100.º do CPPT.

 

Relativamente ao segundo aspecto da questão (não ter ainda sido dado início à utilização dessa licença), a posição da AT é inconsistente.

Dispondo a cláusula  7ª do contrato que o início do projeto é em 2018 (7.3) e que é responsabilidade do cedente criar valor para o beneficiário na ordem de $ 540.000 USD por ano, nos primeiros 6 anos após a celebração definitiva do contrato (7.5) e tendo o contrato sido celebrado em 15/07/2018, as amortizações poderão ocorrer a partir do primeiro ano de vigência do contrato (2019) e não no termo do prazo de 6 anos em que se encontra constituída a responsabilidade da Requerente, pelo que o artigo 1º, nº 2, alínea b), do DR nº 25/2009 deve ser interpretado como permitindo a amortização relativamente aos pagamentos que já tenham sido realizados nos termos contratuais.

Face ao exposto, não subsistem dúvidas quanto à ilegalidade da correção efetuada pela AT neste segmento, materializada na sua não aceitação como custo da Requerente.

 

Da ilegalidade das correções referentes à não aceitação de um gasto referente à subtração e apropriação de valores da caixa.

A Requerente inscreveu no quadro 07 da Modelo 22 uma variação patrimonial negativa de 39.770,25 €.

Tal valor como refere inscreve-se num custo, não considerado pela AT provindo  de um furto ou apropriação de valores em numerário, da autoria de um terceiro.

Relativamente a tal custo entendeu a AT que “não se pode inserir o furto ou roubo no quadro da actividade exercida. Em regra, as perdas que resultem de furtos não podem ser consideradas como decorrentes da atividade normal desenvolvida pelos sujeitos passivos, nem que contribuam para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, não podendo por isso, aceitar-se para efeitos fiscais a sua dedutibilidade”.

Ora,

Não se perfilha da opinião da AT, neste segmento, desde logo por ser contrária ao sentido da jurisprudência que vem abordando este tema.

Como salienta a Requerente “para se aferir da dedutibilidade da perda por furto (…) deverá avaliar-se se a mesma ocorreu no âmbito da atividade empresarial da Requerente”.

 

 O juízo que precede o entendimento que este Tribunal faz sobre esta matéria não se afasta do que vem expresso, nomeadamente, no processo arbitral tributário  nº 262/2019-T de 23-12-2019 ( CARLOS CADILHA, JÓNATAS MACHADO, VICTOR CALVETE);

“ Como é sabido, qualquer actividade implica perdas por deficiente utilização ou descuido, e qualquer actividade que implique o livre acesso ao público está sujeita a danos e furtos. Essas perdas são intrínsecas à actividade económica e irremovíveis e sempre teriam de encontrar cobertura no sistema de contabilidade e no sistema fiscal”.

Em sentido idêntico, e não obstante já sinalizado e parcialmente transcrito pela Requerente, vai o acórdão do TCA Sul de 2020-07-05, proferido no âmbito do processo nº 101/06.1BESNT, de onde se recorta:

“Neste particular, importa chamar à colação o entendimento de VÍTOR FAVEIRO, o qual doutrina, de forma expressa, que “a Administração Tributária vem seguindo o critério geral de não aceitar, como custos ou perdas, o roubo ou o extravio de mercadorias, e, portanto, o seu abatimento ao inventário das existências. Trata-se, porém, de um entendimento manifestamente errado, enquanto critério geral uniforme, porquanto se a existência de mercadorias é havida como um valor positivo porque se destinam à realização de operações de afluxo de valores positivos, ao rédito da empresa, a perda material de tais unidades, seja a que título for, e deste que comprovada em termos razoáveis, não pode deixar de ser havida com realidade que “foi indispensável suportar para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora” de resultados ou abatimentos ao inventário de “stock” de momento e adrede elabora, bem como as despesas de reparação dos bens danificados. O mesmo deverá suceder com os desvios de mercadorias em trânsito, quer por acidente quer por furto de viaturas ou seu arrombamento razoavelmente comprovado.”

Para concluir convoca-se ainda o acórdão de 24-06-2021 do TCA Sul (prolatado no âmbito do processo nº 2263/171.7BELSB, relatora ANA PINHOL), de cujo sumário se extrai;

III. As diferencias negativas de caixa (derivadas das situações de furtos e/ou enganos nos trocos incorridos pelos funcionários da recorrida) constituem custos fiscais porque provenientes do desenvolvimento da empresa.”

 

Conclui-se face ao que vem dito, que mal andou a AT ao não considerar como custo, para afeitos disposto no nº 1 do artigo 23º do CIRC os valores de caixa, resultantes de apropriação ou furto por terceiros, no valor de 39.770,25 €.

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Foram conhecidas e apreciadas as questões consideradas relevantes, tendo em vista a pretensão da Requerente, submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja apreciação seria inútil (cfr., artigo 608º do CPPT, ex vi artigo 29º, nº 1 do RJAT.”)

 

VI.DECISÃO

Face ao que vem de se expor, decide este Tribunal Arbitral Colectivo em:

1.Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com todas as legais consequências,

2.Condenar Autoridade Tributária e  Aduaneira no pagamento das custas processuais.

 

VII.VALOR DO PROCESSO

De conformidade ao estatuído nos artigos nºs 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº41/2013, de 26 de Junho, 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 93.221,66 € (noventa e três mil duzentos e vinte e um euros e sessenta e seis cêntimos) indicado pela Requerente e não impugnado pela Requerida.

 

VIII.CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 1, 22º, nº 4 do RJAT, e artigos 3º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem, e Tabela I a este anexo, fixa-se o valor das custas em 2.754,00 € (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros)

 

NOTIFIQUE

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e revisto pelos árbitros.

[A redação do presente acórdão rege-se pela grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas].

 

Lisboa, 19 de Março de 2025

 

Carlos Alberto Fernandes Cadilha

 

(Presidente do Tribunal)

 

 

José Carreira

(Árbitro Vogal)

 

José Coutinho Pires (relator)

 

(Árbitro Vogal)

 

 



[1] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 2013-05-07, prolatado no âmbito do processo nº 06518/13.

[2] O Princípio Inquisitório no Procedimento Tributário, Coimbra Editora, Outubro 2010, página 48.

[3] Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (Anotado e Comentado), Joaquim Freitas de Rocha e João Damião Caldeira, Coimbra Editora, Maio de 2013, páginas 47 e seguintes.

[4] Manuel Henrique de Freitas Pereira, “A periodização do lucro tributável”. Ciência e Técnica Fiscal, 1988, nº 349, pp.77 e ss.

[5] António Rocha Mendes, IRC e as Reorganizações Empresariais, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2016, p. 72.