Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 893/2024-T
Data da decisão: 2025-03-31   Outros 
Valor do pedido: € 2.247,05
Tema: Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário. Liberdade de estabelecimento prevista nos artigos 49º e 54º do TFUE.
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Sumário

O regime jurídico do Adicional de Solidariedade Sobre o Sector Bancário (ASSB), ao diferenciar as entidades residentes das entidades não residentes, não permite aos operadores económicos a livre escolha da forma jurídica apropriada para o exercício das suas atividades, violando a liberdade de estabelecimento prevista nos artigos 49.º e 54.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE);

Para que a diferença de tratamento seja compatível com o TFUE é necessário que respeite a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou que seja justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.

Atenta a pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia, declarativa da incompatibilidade do ASSB com o disposto 49.° e 54.° TFUE e, ponderado o princípio do primado do direito da União Europeia, bem como o disposto no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, são inválidas e devem ser anuladas as autoliquidações do ASSB objeto do PPA.

 

Decisão Arbitral

  1. Relatório

A..., S.A., Sucursal em Portugal, com morada da representação na ...,  ..., n.º .../..., ..., ...-..., Porto, com sede em ..., ..., ..., Valência, Espanha, com o Número de Identificação Fiscal..., doravante designada por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), peticionando a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as autoliquidações do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário (doravante ASSB), referentes aos anos de 2022 e de 2023, submetidas pelo Requerente em 27-06-2022, através da declaração Modelo 57 n.º ..., e; em 28-06-2023, através da declaração Modelo 57 n.º ..., no montante global de € 2.247,05, bem como pede a consequente condenação da Requerida a reembolsar o montante pago indevidamente, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

No PPA, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, foi o signatário designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem, tendo essa designação aceite nos termos legalmente previstos.

Em 01-10-2024 foi constituído o Tribunal Arbitral Singular. A Requerida foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º do RJAT, vindo na resposta a juntar três documentos e o processo administrativo.

Atentas as posições assumidas pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

  1. Da posição das partes
  1. Da Requerente

No PPA, alega, em síntese, o seguinte:

Que o ASSB reveste a natureza de imposto especial sobre o sector bancário, enquadrável como imposto direto e cujos atos tributários de liquidação integram as competências do CAAD.

Que o pedido é tempestivo por ser apresentado no prazo de 90 dias contados da notificação do indeferimento expresso da reclamação graciosa, apresentada pela Requerente em 12-04-2024, dos atos de autoliquidação do ASSB referentes aos anos de 2022 e de 2023, indeferimento notificado pela Requerida em 27-05-2024.

Que a norma de incidência objetiva constante do artigo 3.º do RASSB viola o Direito primário da EU; em particular, verifica-se uma violação do direito de estabelecimento, previsto no artigo 49.º e 54.º do Tratado de Funcionamento da UE (TFUE).

Que essa desconformidade legislativa “decorre do facto de, no caso das instituições de crédito residentes, o ASSB incidir sobre o seu passivo "líquido dos capitais próprios”, ao passo que, relativamente às sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede na UE, o ASSB incide sobre o seu passivo "bruto", sem qualquer dedução relacionada com capitais próprios.”

Que nos termos dos artigos 18.º e 49.º do TFUE, são proibidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro (EM) da UE no território de outro e que o artigo 54.º do TFUE proíbe todas as medidas nacionais suscetíveis de dificultar, ou de tornar menos atraente, a constituição e a gestão de empresas, bem como a criação de agências, sucursais ou filiais num EM, pelas sociedades sedeadas ou estabelecidas (residentes) noutro EM.

Que atentas as normas de incidência objetiva constantes dos artigos 3.º e 4.º do RASSB, verifica-se que os sujeitos passivos podem deduzir ao seu passivo apurado e aprovado o valor dos fundos próprios e de certos elementos do passivo que contam para o cálculo dos fundos próprios de nível 1, e os fundos próprios de nível 2, de acordo com o disposto na parte II do Regulamento (UE) 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, possibilidade esta de que aproveitam as instituições de crédito residentes.

Ora, essas normas não são suscetíveis de serem aplicada e beneficiar as sucursais de instituições de crédito não residentes, na medida em que correspondem a instrumentos que apenas podem ser emitidos por entidades com personalidade jurídica.

Como as sucursais não têm personalidade jurídica, efetuam diretamente, no todo ou em parte, operações inerentes à atividade da instituição de crédito não residente que integram, pelo que não têm capitais e fundos próprios tal como estes são considerados e contabilizados para efeito das instituições de crédito residentes em Portugal.

No fundo, a norma de incidência objetiva do ASSB impossibilita as sucursais de instituições de crédito não residentes de deduzirem ao passivo os capitais próprios, colocando-as numa situação de desigualdade e mais desfavorável face às residentes, as quais são tributadas pelo seu passivo “líquido” e não pelo “passivo” bruto.

A Requerente alega, ainda, que a norma de incidência objetiva constante do artigo 2.º do RASSB, ao definir como sujeitos passivos somente as instituições de crédito, filiais e sucursais aí elencadas, incluindo de forma discriminatória apenas entidades do sector bancário, visando assim um único sector de contribuintes para suportar uma despesa de que esse sector apenas é responsável em parte, viola os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, consagrados nos artigos 13.º, 103.º e 104.º da CRP.

Que o ASSB incide subjetiva, e injustificadamente, sobre um determinado grupo de contribuintes, grupo esse que acaba por suportar sectorialmente o que deveria ser imposto a todos os contribuintes isentos de IVA, tributando, exclusivamente, o sector bancário, quando existem outros sectores que beneficiam igualmente de isenção de IVA.

Que essas isenções de IVA têm um enquadramento europeu (artigo 135.º, n.º 1, da Diretiva IVA) e nacional totalmente estabilizado, existindo ainda, no mencionado cenário nacional, uma clara lógica de complementaridade entre as referidas isenções e a sujeição a Imposto do Selo (IS), resultando, expressamente, do disposto no artigo 1.º, n.º 2 do Código do IS, ao incidir sobre os factos aí elencados, não sujeitos ou isentos de IVA.

Que a norma de incidência objetiva constante do artigo 3.º do RASSB, ao coincidir com a norma de incidência objetiva prevista no artigo 3.º do Regime da CSB, aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, tributando o ASSB os factos já tributados pela CSB, viola os princípios da capacidade contributiva e da proporcionalidade, nas vertentes de proibição do excesso e da adequação, consagrados nos artigos 13.º, 103.º e 104.º da CRP e no artigo 18.º, n.º 2, da CRP.

Igualmente, que a norma de incidência objetiva constante do artigo 3.º do RASSB, ao tributar uma realidade que não está contemplada no artigo 104.º da CRP, enquanto índice de capacidade contributiva, é inconstitucional por violação do princípio da capacidade contributiva, assim como do princípio da tipicidade consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da CRP.

  1. Da Requerida

Na resposta vem alegar, em síntese, o seguinte:

Preliminarmente, alude a diversos Acórdãos do STJ, em decisões sobre o CSB, e efetua uma breve apreciação do Acórdão C-340/22, do TJUE.

Nessa apreciação, conclui que “O princípio de que a situação de uma instituição de crédito não residente que exerce a sua atividade através de uma sucursal é objectivamente comparável à situação de uma instituição de crédito residente ou de uma filial de uma instituição de crédito não residente - premissa que subjaz à sua assimilação para efeitos tributários, a uma empresa separada e distinta da Sede – impõe que, para efeitos da aplicação das regras de cálculo da base de incidência do ASSB, se proceda a algumas adaptações nomeadamente na qualificação dos capitais afectos pela Sede.

Donde resulta que é crucial averiguar se as demonstrações financeiras da Sucursal, maxime o balanço, evidenciam rubricas que demonstrem de forma cabal se os fundos afectos às actividades exercidas por seu intermédio são equiparáveis a capitais próprios, seja por se tratar do chamado “capital afecto” não remunerado, ou de fundos obtidos por emissões da Sede de instrumentos de dívida nomeadamente, obrigações convertíveis, obrigações participantes, ações preferenciais remíveis e obrigações contingentes convertíveis.”

Por impugnação, vem afirmar que “(…) no âmbito da sua liberdade de conformação ou discricionariedade legislativa, o legislador entendeu dever sujeitar as instituições de crédito ao ASSB como forma de compensar a isenção de IVA aplicável aos serviços e operações financeiras por força do disposto no n.º 27 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e, com isso, reduzir a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais setores de atividade sujeitos e não isentos de IVA.”.

Sobre a alegada inobservância do princípio da igualdade na dimensão da proibição do arbítrio, a Requerida contesta, afirmando que; “No âmbito da sua liberdade de conformação ou discricionariedade legislativa, o legislador entendeu dever sujeitar as instituições de crédito ao ASSB como forma de compensar a isenção de IVA aplicável aos serviços e operações financeiras por força do disposto no n.º 27 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e, com isso, reduzir a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais setores de atividade sujeitos e não isentos de IVA. (…)

Ora, considerando que o IVA constitui, per se, uma das fontes de financiamento da Segurança Social, através da consignação de uma parcela da sua receita para essa finalidade (o denominado “IVA social”), a criação do ASSB como forma de contrabalançar a isenção de IVA associada aos serviços e operações financeiras, com a consequente consignação da sua receita ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), apresenta-se como uma opção natural e, certamente, coerente do legislador.” (…)

“Sendo, por isso, razoável e materialmente justificado que um setor reconhecidamente subtributado em matéria de fiscalidade indireta, como é o caso do setor financeiro e, em concreto, das instituições de crédito, seja, também ele, chamado a contribuir para o sistema de segurança social. (…)

Que a isenção de IVA “(…) não é inócua, uma vez que não se limita a minimizar as dificuldades de determinação da base tributável, tendo ainda o efeito de beneficiar, em termos de carga fiscal, o exercício de atividades financeiras, de modo a evitar um aumento do custo do crédito ao consumo, tal como tem sido reiteradamente afirmado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).” (…)

“(…) não se pode ignorar que a isenção de IVA desonera objetivamente de tributação o valor acrescentado a final no setor bancário, em detrimento de outros setores cujas atividades estão sujeitas e não isentas de tributação indireta em sede de IVA que, como já se demonstrou acima, contribuem para o FEFSS através do denominado “IVA social”.

Na verdade, em Portugal, somente uma parte diminuta da atividade financeira das instituições de crédito está sujeita a tributação indireta, mais concretamente em sede de Imposto do Selo, o qual, aliás, desde a reforma do Código do Imposto do Selo (CIS) levada a cabo pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, apresenta um mecanismo de funcionamento semelhante ao do IVA, porquanto o imposto é liquidado e entregue ao Estado pelo sujeito passivo e repercutido no adquirente.” (…)

“A justificação aduzida pelo legislador para sujeitar as instituições de crédito ao ASSB tem como fundamento material a ideia de justiça fiscal, mais concretamente de reposição da igualdade através da distribuição do esforço tributário entre os diversos operadores económicos, reduzindo-se assim a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais setores de atividade, atenta a isenção de IVA de que os serviços e operações financeiras beneficiam e que é apenas parcialmente colmatada, em matéria de fiscalidade indireta, pela tributação em sede de Imposto do Selo.

Pelo que as instituições de crédito são, também elas, chamadas a contribuir, na medida da sua capacidade contributiva, para as receitas públicas, mais especificamente para o financiamento do sistema de segurança social, tal como sucede, por exemplo, com os restantes setores de atividade através do denominado “IVA social”.(…)

“Podendo-se concluir que a criação do ASSB apenas violaria o princípio da igualdade se os setores não financeiros não estivessem sujeitos a uma tributação indireta equivalente ou, pelo menos, comparável.“ (…)

A Requerida contesta, igualmente, a alegada violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária, invocando, em síntese, que “(…) A capacidade contributiva concretiza, de facto, o princípio da igualdade fiscal, na sua vertente da uniformidade, pressupondo que todos paguem impostos segundo o mesmo critério, objetivando uma justa repartição dos encargos de acordo com a capacidade real e efetiva de cada um.” (…)

Que o “(…) o princípio da capacidade contributiva determina é que a carga económica inerente ao imposto seja regulada de modo a acompanhar as variações de poder aquisitivo do sujeito passivo que se encontra adstrito ao pagamento do mesmo, sem nunca olvidar a finalidade do tributo. “ (…)

Que “O legislador agiu dentro do escopo da liberdade de conformação fiscal, e encontrou como fundamento para delinear o âmbito de incidência do novo ASSB, a ausência ou a menor tributação num imposto indireto – IVA e Imposto do Selo – de determinadas operações.” (…)

A Requerida contesta, ainda, o pedido de juros indemnizatórios nos seguintes termos: “(…) afigura-se que em caso de vencimento do Requerente, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios deve ser indeferido, porque não existe erro imputável aos serviços, nos termos do art. 43º n.º 1 da LGT, e cautelarmente, dado que a aplicação do art. 43º n.º 3 al. d) da LGT é ilegal e inconstitucional, por violar os arts. 281º, 282º e 18º da CRP, nos termos supra contestados.”. (…)

Conclui, a Requerida, que “(…) deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado – analisado que seja em conjunto o Acórdão do TJUE com a jurisprudência do STA – e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências, pela manifesta conformidade constitucional do ASSB.”.

  1. Saneamento

O PPA é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto no artigo 10.º do RJAT.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

Não existem nulidades que invalidem o processado.

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legitimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

Não existem exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.

  1. Questões a decidir

Atentas as posições assumidas pelas Partes, vertidas nos argumentos expendidos e a prova, cumpre determinar se o ASSB viola o direito europeu, na vertente da liberdade de estabelecimento e, caso improcedente esse vício, os princípios constitucionais da igualdade, na vertente da capacidade contributiva, da capacidade contributiva e da proporcionalidade e do princípio da tipicidade.

  1. Matéria de facto
  1. Factos provados

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, atento o alegado pela Requerente e a prova documental junta (Docs 1 a 5), o processo administrativo, a resposta e os documentos juntos pela Requerida, deram-se como provados os factos seguintes:

  1. A Requerente é a sucursal em Portugal do B..., S.A., instituição de crédito de direito espanhol, com sede e efetiva administração em Espanha.
  2. Em 27/06/2022, a Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB relativo ao exercício de 2022, tendo por base a média dos saldos finais do passivo de 2022, no montante de € 5.321.399,07, mediante a submissão da declaração Modelo 57, tendo sido apurado o valor a pagar de 1.064,28 euros, pago em 29-06-2022.
  3. Em 28-06-2023, a Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB de 2023, tendo por base a média dos saldos finais do passivo de 2023, no montante de € 5.913.839,42, mediante a submissão da declaração Modelo 57, tendo sido apurado o valor a pagar de 1.182,77 euros, pago em 28-06-2023.
  4. Em 12-04-2024, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra os atos de autoliquidação de ASSB relativos aos exercícios de 2022 e de 2023, a qual foi indeferida por despacho notificado à Requerente por ofício datado de 27-05-2024.
  5. O pedido de constituição do tribunal arbitral em matéria tributária e de pronúncia arbitral foi apresentado em 22-07-2024.
  1. Factos não provados

Com interesse para os autos, nenhum outro facto se provou, nem existem factos não provados.

  1. Fundamentação da matéria de facto

A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base os elementos constantes dos autos, as alegações e prova documental junta pelas Partes e cuja adesão à realidade não foi questionada, bem como a matéria alegada e não impugnada.

Esses factos foram apreciados e valorados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tendo sido valorados e apreciados de acordo com o princípio da livre apreciação dos factos, conforme resulta da alínea e) do art.º 16.º do RJAT e do n.º 1 do art.º 596.º, dos n.ºs 4 e 5 do art.º 607.º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi alínea e), do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.

  1. Do mérito – fundamentação de direito

O Tribunal arbitral irá seguir a ordem de conhecimento das questões a decidir, começando pela análise da alegada violação do direito europeu, seguida, caso improcedente essa alegação, da apreciação das alegadas inconstitucionalidades. Desde logo, em face do princípio do primado do direito europeu, que impõe que as violações do direito europeu assacadas ao ato impugnado sejam conhecidas previamente.

Acresce que atento o n.º 2 do artigo 124º CPPT, por a eventual procedência da alegada violação do direito europeu determinar uma tutela dos interesses ofendidos de forma mais estável e eficaz.

Preliminarmente, tendo presente o regime do ASSB com relevância para o pedido, recorda-se que o ASSB foi criado pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/ 2020, de 29 de julho, que altera a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.º 2/2020, de 31 de março), cujo regime jurídico consta do seu Anexo VI, tendo como fundamento e objetivo reforçar o financiamento da Segurança Social, prevendo uma integral consignação da receita ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, conforme resulta do n.º 2, do artigo 1.º e do artigo 9.º do citado regime - anexo VI daquela lei.

A criação do ASSB e a sua aplicação exclusiva ao sector bancário foi justificada, de acordo com o estabelecido no n.º 2, do artigo 1.º, do referido anexo VI, enquanto “(…)forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais sectores”.

Desse modo, o ASSB constitui um imposto especial sobre o sector bancário que, não obstante apresentar um âmbito de incidência semelhante à Contribuição sobre o Setor Bancário (CSB), não se limita a estabelecer uma nova taxa sobre a matéria coletável dessa contribuição, nem um novo imposto sobre a coleta, e, nesse sentido, não corresponde a um adicional ou a um adicionamento, mas a um imposto autónomo[1].

Quanto à incidência subjetiva do ASSB, prevê o n.º 1 do artigo 2.º do respetivo regime jurídico que são sujeitos passivos do ASSB (a) as instituições de crédito residentes em Portugal, (b) as filiais em Portugal de instituições de crédito residentes noutros Estados e (c) as sucursais em Portugal de instituições de crédito residentes noutros Estados.[2]

Relativamente à incidência objetiva do ASSB, determina o artigo 3.º do respetivo regime que o imposto incide sobre o passivo ajustado e sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço, ambos apurados contabilisticamente no final do exercício.

Quanto à sua base de incidência, prescreve o artigo 4.º do mesmo regime jurídico que se entende por passivo o conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros, com exceção dos seguintes:

“a) Elementos que, segundo as normas de contabilidade aplicáveis, sejam reconhecidos como capitais próprios;

b) Passivos associados ao reconhecimento de responsabilidades por planos de benefício definido;

c) Os depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo relevam apenas na medida do montante efetivamente coberto por esses Fundos;

d) Passivos resultantes da reavaliação de instrumentos financeiros derivados;

e) Receitas com rendimento diferido, sem consideração das referentes a operações passivas;

f) Passivos por ativos não desreconhecidos em operações de titularização.”

Verifica-se, assim, que na sequência da criação, em 2011, da CSB, o referido adicional (ASSB) incide, igualmente, sobre passivos e, bem assim, sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço das instituições bancárias ao mesmo sujeitas.

Na determinação do imposto é aplicada a percentagem de 0,02% sobre os valores dos elementos passivos das instituições bancárias abrangidas, acrescida da aplicação de uma percentagem de 0,00005% sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço dessas mesmas entidades.

O apuramento do tributo, em regra, é realizado anualmente, através de autoliquidação pelos SP, sendo a respetiva declaração de modelo oficial enviada à AT até ao último dia do mês de junho, e devendo o respetivo pagamento ser efetuado no mesmo prazo.

A Requerente começa por invocar que o ASSB viola a liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49º do TFUE, por prejudicar as sucursais, face às entidades residentes, uma vez que o ASSB incide sobre o passivo bruto das sucursais e sobre o passivo líquido das entidades residentes.

A Requerida opõe-se, invocando não existir qualquer violação do direito europeu, já que as sucursais têm elementos que podem ser reconhecidos como capitais próprios e que, por via disso, podem ser deduzidos à base tributável do ASSB.

Invoca a Requerente, o facto de as sucursais, não detendo personalidade jurídica - cfr. alínea rr) do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras -, não terem, por natureza, elementos que possam ser reconhecidos como capitais próprios e instrumentos equiparáveis que possam ser deduzidos à base tributável de ASSB é discriminatório face às instituições de crédito residentes e às filiais de instituições não residentes.

Com efeito, ao contrário do que sucede com as sucursais, as instituições de crédito residentes e as filiais de instituições não residentes detêm personalidade jurídica, pelo que podem deduzir à sua base tributável de ASSB os capitais próprios e instrumentos equiparáveis.

Como defende a Requerida, há elementos que as sucursais podem reconhecer como capitais próprios e, assim, deduzir à base tributável do ASSB. É o caso do capital afeto caso exista, existisse ou fosse demonstrado.

Acresce que tal possibilidade, mesmo assim, não afasta a evidência de que existe um vasto conjunto de elementos que podem ser reconhecidos como capitais próprios e que as instituições de crédito residentes e as filiais não residentes podem deduzir à base tributável.

Porém, essas operações não podem ser realizadas no âmbito de sucursais, por apenas serem operações admitidas às entidades com personalidade jurídica. É o que sucede, por exemplo, com as obrigações convertíveis, as obrigações participantes e as ações preferenciais remíveis.

Assim sendo, dúvidas não restam de que o regime jurídico do ASSB cria, de facto, uma distinção entre entidades residentes e entidades não residentes, colocando estas últimas numa situação mais desfavorável face às primeiras.

Acresce que atento o ónus da prova e os poderes de inspeção da AT, esta não demonstra, ainda, “se as demonstrações financeiras da Sucursal, maxime, o balanço, evidenciam rubricas que demonstrem de forma cabal se os fundos afectos às actividades exercidas por seu intermédio são equiparáveis a capitais próprios, seja por se tratar do chamado “capital afecto” não remunerado, ou de fundos obtidos por emissões da Sede de instrumentos de dívida nomeadamente, obrigações convertíveis, obrigações participantes, ações preferenciais remíveis e obrigações contingentes convertíveis.”.

Nos termos do artigo 49.º do TFUE são proibidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro (EM) no território de EM, prescrevendo, ainda, o artigo 18.º do mesmo Tratado, a proibição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.

E o regime jurídico do ASSB, conforme exposto, cria uma restrição à liberdade de estabelecimento, na medida em que diferencia entidades residentes e não residentes, discriminando as entidades em função da sua nacionalidade.

Sobre a questão pronunciou-se o TJUE, no Acórdão C-340/22, de 21/12/2023. Observa-se que o Acórdão não foi proferido em sede de reenvio prejudicial no âmbito dos presentes autos, pelo que, em rigor, não se encontra este tribunal vinculado às suas conclusões. No entanto, tal vinculação parece, no caso, evidente. Porquanto o dito acórdão foi proferido em processo em tudo semelhante ao dos presentes autos, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, quer em face do princípio do primado do direito comunitário, que impõe a prevalência do direito da União sobre o direito nacional.

Assim, por razões de uniformidade jurisprudencial e o sentido de decisões arbitrais pretéritas (cf. Processos arbitrais tributárias n.ºs 624/2024, 577/2022, 325/2023, 3/2024, 12/2024, 14/2024, 19/2024, 347/2024, 567/2024) as conclusões do Acórdão do TJUE proferido no processo C-340/22 serão seguidas por este Tribunal arbitral.

Recorde-se que o TJUE considerou a liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.º e 54.º TFUE) abrange - no que se refere às sociedades constituídas segundo a legislação de um Estado-Membro e que tenham a sua sede social, administração central ou estabelecimento principal na União -, o direito de exercerem a sua atividade em outros EM, por intermédio de uma filial, sucursal ou agência – cfr. ponto 37, do suprarreferido Acórdão.

Prossegue esse Acórdão que o artigo 49.º do TFUE deixa expressamente aos operadores económicos a possibilidade de escolherem livremente a forma jurídica apropriada para o exercício das suas atividades em outros EM, não devendo esta livre escolha ser limitada por disposições fiscais discriminatórias – cfr. ponto 38 desse Acórdão.

Parece evidente que o regime jurídico do ASSB, ao diferenciar as entidades residentes das entidades não residentes, não permite aos operadores económicos a livre escolha da forma jurídica apropriada para o exercício das suas atividades.

De acordo com o TJUE, uma cobrança obrigatória que prevê um critério de diferenciação aparentemente objetivo, mas que, na maioria dos casos desfavorece, tendo em conta as suas características, as sociedades que têm a sua sede em outro EM que estão numa situação comparável à das sociedades com sede no EM de tributação constitui uma discriminação indireta em razão do lugar da sede das sociedades, proibida pelos artigos 49.º e 54.º do TFUE – cfr. ponto 42 do suprarreferido Acórdão.

Conforme resulta dos pontos 45 e 46 desse Acórdão do TJUE, afigura-se que o regime jurídico do ASSB não permite às sucursais das instituições de crédito não residentes exercer as suas atividades nas mesmas condições que se aplicam às filiais de instituições de crédito não residentes.

Com efeito - prossegue o TJUE -, ao onerar indistintamente o passivo das filiais e das sucursais das instituições de crédito não residentes, esta regulamentação permite que as filiais reduzam a base de incidência através da dedução dos capitais próprios e dos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios, embora essa dedução pareça ser legalmente inadmissível para as referidas sucursais.

É certo que, conforme defende a Requerida, o TJUE conclui que é ao órgão jurisdicional de reenvio, in casu, este Tribunal arbitral, que incumbe verificar se efetivamente as premissas que estão na base das conclusões do TJUE se encontram corretas, sendo este Tribunal que incumbe verificar se de facto, ao contrário das entidades residentes e das filiais não residentes, as sucursais não residentes se encontram impedidas de deduzir ao seu passivo, base tributável do ASSB, os capitais próprios e outros instrumentos financeiros equiparáveis.

No caso dos autos, como já exposto, embora se possa defender a possibilidade de dedução, pelas sucursais não residentes, do capital afeto, tendencialmente terão muito menos possibilidades de o fazerem do que as entidades com personalidade jurídica, desde logo por lhes estar vedado, em face da ausência de personalidade jurídica, o acesso a alguns tipos de capitais próprios, como suprarreferido.

Destarte, não se pode defender, nem afirmar que as sucursais de instituições não residentes podem exercer a sua atividade em condições iguais às entidades residentes e às filiais de instituições não residentes.

Existe, antes, no regime jurídico do ASSB, uma diferença de tratamento entre entidades residentes e não residentes, diferença essa suscetível de limitar a livre escolha da forma jurídica adequada para o exercício de uma atividade em outro EM, o que constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.º e 54.º do TFUE.

A Requerida alega que sendo as instituições de crédito residentes e as filiais e sucursais de instituições de crédito não residentes tratadas pelo regime jurídico do ASSB de forma idêntica, não haverá qualquer discriminação, provindo a distinção das normas de incidência do ASSB apenas e só natureza jurídica das sucursais.

Essa afirmação da Requerida não se apresenta rigorosa, de facto e de direito, porquanto, como se refere no Acórdão do TJUE a que se vem a fazer referência, desconsiderando o regime jurídico do ASSB as diferenças existentes entre os respetivos sujeitos passivos, decorrentes da sua natureza jurídica com as consequências daí decorrentes, verifica-se a existência uma efetiva discriminação, violadora da liberdade de estabelecimento.

Acresce que essa diferença de tratamento pode, ainda assim, ser compatível com o TFUE. Porquanto, para que tal possa suceder, impõe-se que respeite a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou que seja justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.

Condições essas que, in casu, como veremos, não se verificam. Desde logo, não resulta do regime jurídico do ASSB, para efeito da sua incidência subjetiva, qualquer distinção entre as instituições de crédito residentes e as filiais e sucursais de instituições de crédito não residentes, sendo este aplicável, transversalmente, a todas estas entidades. O regime jurídico do ASSB não procede, para efeito da sua aplicação, a qualquer distinção entre entidades residentes e entidades não residentes, nada resultando do respetivo regime que permita concluir pela existência de qualquer distinção entre a atividade exercida por uma instituição de crédito residente e a atividade desenvolvida por uma instituição de crédito não residente, através de uma sucursal ou filial.

Por outro lado, conforme resulta expressamente do artigo 1.º do regime jurídico do ASSB, este tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores.

Sublinha-se que conforme resulta do ponto 55 do suprarreferido Acórdão do TJUE, para que se possa defender a existência de uma razão imperiosa de interesse geral, é necessário que se demonstre a existência de um nexo direto entre a vantagem fiscal em causa e a compensação da mesma, através de uma determinada cobrança tributária.

Neste contexto, a Requerida adiantou diversos argumentos que, no seu entender, justificam a tributação, em sede de ASSB, das instituições de crédito, alegando, desde logo, que tal tributação tem como fundamento a reposição da igualdade, através da distribuição do esforço tributário entre os diversos operadores económicos, reduzindo assim a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e a que onera os demais setores de atividade, atenta a isenção de IVA de que os serviços e operações financeiras beneficia.

Porém, a Requerida, não avançou qualquer argumento suscetível de justificar a diferença de tratamento, em sede de ASSB, entre as entidades residentes e as filiais e as sucursais não residentes, designadamente que tal diferença de tratamento se justificasse por razões imperiosas de interesse geral.

O regime do ASSB pode tornar menos atrativo, para as sociedades sedeadas noutro Estado‑Membro, o exercício das suas atividades em Portugal através de uma sucursal, pelo que uma diferença de tratamento suscetível de limitar a livre escolha da forma jurídica adequada para o exercício de uma atividade em outro EM, na aceção da jurisprudência assinalada, pode constituir uma restrição à liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE

Ora, segundo jurisprudência constante, para que tal justificação possa ser admitida é necessário que se demonstre a existência de um nexo direto entre a vantagem fiscal em causa e a compensação da mesma através de uma determinada cobrança fiscal (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de junho de 2018, Bevola e Jens W. Trock, C‑650/16, EU:C:2018:424, n.° 45, e de 27 de abril de 2023, L Fund, C‑537/20, EU:C:2023:339, n.° 68 e jurisprudência referida).

Assim, entende-se que não se encontra demonstrado, nem que a diferença de tratamento respeita a situações que não sejam objetivamente comparáveis, nem que essa diferença seja justificada por uma razão imperiosa de interesse geral, pelo que, necessariamente, se tem de concluir pela existência de uma manifesta diferença de tratamento, não compatível com o TFUE.

Nesse sentido, no Acórdão do TJUE C-340/22, foi decidido: “(…) a liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49º e 54º do TFUE deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado-Membro que cria um imposto cuja base de incidência é constituída pelo passivo das instituições de crédito residentes, bem como das filiais e das sucursais das instituições de crédito não residentes, uma vez que a referida regulamentação permite deduzir capitais próprios e instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, que não podem ser emitidos por entidades sem personalidade jurídica, como essas sucursais.”

Atenta a similitude de situações e como referido em recente decisão arbitral: “No caso em análise, e com todo o respeito pelo Jurisprudência do STA citada pela AT na Resposta a propósito da CSB, mas, perfeitamente, aplicável (Processos n.º 0850/17.9BELRS, de 12-10-2022, Processo n.º 09/21.0BELRS, de 13-07-2022, Processo 090/21.2BELRS de 31-05-2023, anteriores ao citado acórdão do TJUE em sede de reenvio prejudicial),  deve entender-se - pelo menos, nos rigorosos termos que exigem a aplicação do estatuído no mesmo acórdão do TJUE - não estar fundamentado e inequivocamente demonstrado, ser legalmente possível que as referidas filiais/sucursais procedam à redução da base de incidência da ASSB, através da dedução dos capitais próprios e dos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios.

Aí se refere, é certo, que, entre o mais, as filiais e sucursais têm elementos que podem ser reconhecidos como capitais próprios, uma vez que são criadas e movimentadas contas de capital próprio, pelo menos o “capital afeto” (se existir) e os resultados transitados, nada impedindo que a sociedade-mãe aloque à sua sucursal em Portugal uma dotação de capital de base (“elementos do capital próprio”) registado em contas de capital próprio, caso em que tudo se assemelha às entradas feitas pelos sócios às empresas e que não são remuneradas, o que significa que, tal como o capital próprio dos bancos residentes é excluído da base de incidência .... o mesmo sucede ao “capital afeto” às sucursais, quando contabilizado como tal. …”.

Certo é, também, contudo, que, contrariamente às instituições de crédito residentes e às filiais de instituições de crédito não residentes, as sucursais das instituições de crédito não residentes estão impossibilitadas, por não terem personalidade jurídica, de deduzir capitais próprios da sua base de incidência a título do ASSB, não dispondo também estas entidades, por lei, de capitais próprios.

Além disso, estas sucursais não podem emitir instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios como, nomeadamente, obrigações convertíveis, obrigações participantes, ações preferenciais remíveis e obrigações contingentes convertíveis, pelo que também não podem deduzir tais instrumentos da sua base de incidência.

Ora, o que é argumentado na Jurisprudência do STA, não parece contrariar, na essência, tais considerações, que são, claramente, a razão de ser e fundamento, da alegada discriminação.

Não pode assim deixar de ser sufragado o entendimento de que a liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que cria um imposto cuja base de incidência é constituída pelo passivo das instituições de crédito residentes, bem como das filiais e das sucursais das instituições de crédito não residentes, uma vez que a referida regulamentação permite deduzir capitais próprios e instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, que não podem ser emitidos por entidades sem personalidade jurídica, como essas sucursais.” – cf. Processo n.º 624/2024T.

Em face do exposto, entende-se que o ato de liquidação de ASSB impugnado é ilegal, por violar a liberdade de estabelecimento prevista nos artigos 49.º e 54.º do TFUE, impondo-se, por isso, a sua anulação, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.

Atenta a conclusão que decorre dos autos e a procedência do pedido, fica prejudicada a apreciação das demais questões ou vícios suscitados – cfr. artigo 124º, do CPPT e artigo 608.º do CCP, aplicável por força do artigo 29.º do RJAT, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos da impugnante, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao ato impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

Assinala-se, com relevo para a situação objeto dos autos, que o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a norma contida nos artigos 18.º e 21.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, no segmento em que se estabelecem as regras de liquidação e pagamento do adicional de solidariedade sobre o setor bancário, previsto no regime que consta do Anexo VI à referida lei, relativo ao ano 2020 – cf. Acórdão nº 149/2024, de 27-2-2024.

Em conclusão, atenta a pronúncia do Tribunal de Justiça da UE, declarativa da incompatibilidade com o disposto 49.° e 54.° TFUE, e, atento o princípio do primado do direito da União Europeia e o disposto no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, são inválidas as autoliquidações impugnadas nos autos, porque contrárias ao direito da União Europeia (violação de lei), pelo que as mesmas devem ser anuladas, por ilegalidade substantiva, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 163.º do  CPA, por remissão da alínea d), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT.

Peticiona, ainda, a Requerente a condenação da Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios. Quanto aos juros indemnizatórios, prescrevem o artigo 43º e 100.º da LGT, os quais se dão aqui por reproduzidos.

O Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que a imputabilidade para efeitos de juros indemnizatórios apenas depende da prática de um ato ilegal, por iniciativa da Administração Tributária, mesmo em situações em que a ilegalidade deriva apenas da violação do direito da União Europeia.

Essa imputabilidade do erro aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro, podendo servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado.

O TJUE também já decidiu que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência na só direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo Acórdão de 18-04-2013, Processo n.º C-565/11.

De acordo com o disposto na alínea b), do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a atos tributários, que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

Assim, a Requerente terá direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o valor indevidamente pago, às taxas legais, desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da correspondente nota de crédito, nos termos do disposto no referido artigo 24.º do RJAT e nos artigos 43.º e 100.º da LGT.

VI. Dispositivo

Em face do exposto, decide-se julgar procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral e, em consequência:

  1. anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada;
  2. anular as liquidações de ASSB relativas aos exercícios de 2022 e de 2023;
  3. condenar a Requerida a reembolsar à Requerente o valor do imposto pago;
  4. condenar a Requerida no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios; e
  5. condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

VII.  Valor do processo

Fixa-se à causa o valor de € 2.247,05, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

VIII. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612,00, nos termos da Tabela I da Tabela Anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 1 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerida, por ser a parte vencida.

 

Lisboa, 31 de março de 2025.

 

O Árbitro em Tribunal Arbitral Singular,

 

(Vítor MR Braz)

 



[1] Cf. Casalta Nabais, Direito Fiscal, 11.ª edição, Coimbra, pág. 79; no sentido da qualificação do ASSB como imposto, Filipe de V. Fernandes, O (Imposto) Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, pág. 92.

[2] Para efeitos de aplicação do ASSB deve entender-se por instituições de crédito, filiais e sucursais as entidades definidas nas alíneas u), w) e ll) do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.