Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 636/2014-T
Data da decisão: 2015-04-30  Selo  
Valor do pedido: € 10.090,56
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS – Terreno para construção
Versão em PDF

Decisão Arbitral

 

 

Processo n.º 636/2014-T

           

Autor/Requerente: A…

Requerido: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT)

 

1. Posição das partes

A…, NIF …, residente na Rua …, doravante designado por requerente, submeteu, em 27-08-2014, ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral, com vista à declaração de ilegalidade da liquidação de imposto de selo da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, relativa a um terreno de construção urbana, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia da …, e concelho de Santa Cruz, referente ao ano de 2013, no montante total de € 10.090,56.

O requerente pede a declaração de nulidade da liquidação do Imposto de Selo.

O requerente alega, em suma, que a liquidação impugnada não contém a indicação do seu autor, não se encontra devidamente fundamentada e não foi precedida de audição prévia; que o imóvel a que se refere a liquidação de Imposto de Selo, cuja legalidade se discute, é um terreno destinado a construção urbana e não um prédio com afetação habitacional, não se verificando, na sua perspetiva, o pressuposto legal de incidência da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, e que terá sido feita pela AT uma interpretação errada quanto à incidência objetiva e subjetiva do imposto.

Foi designado como árbitro único, em 15-10-2014, Ricardo Marques Candeias. Em conformidade com o previsto no art. 11.º, 1, c), RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 30-10-2014.

Notificada para o efeito, a AT apresentou resposta a 05-12-2014. Esgrima que o conceito de prédios com afetação habitacional para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, propugnando pela improcedência do pedido de declaração de nulidade.

Em 15-12-2014 o requerente apresentou um requerimento que intitulou de “Resposta”, através do qual tomou posição quanto ao teor da resposta da AT, expôs a sua intenção de não prescindir da produção de prova testemunhal e protestou juntar as notas de cobrança referentes à 2ª e 3ª prestações do Imposto de Selo do ano de 2013.

Apesar de notificada para junção de PA, a requerida informou que não existe PA referente à liquidação em causa nos autos. Acrescentou ainda que aceita os documentos juntos pelo requerente, não contestando a sua veracidade.

Atento à posição assumida pela AT quanto à matéria de facto alegada, o tribunal arbitral entendeu, por despacho datado de 22-04-2015, compulsados os autos, e verificando-se que a discussão se circunscreve a matéria de direito, não ser necessária a inquirição de testemunhas bem como a realização das diligências de prova requeridas pelo requerente.

Através do mesmo despacho, foi o requerente notificado para se pronunciar a respeito da proposta de dispensa da realização da reunião a que alude o art. 18.º, RJAT, e dispensa de alegações orais, requeridas pela AT.

Em 27-04-2015 foi fixado para prolação da decisão o dia 30-04-2015.

O requerente pronunciou-se quanto ao despacho de 22-04-2015, através de requerimento datado de 28-04-2015. Manifestou a sua não oposição quanto à dispensa da apresentação de alegações, caso o tribunal mantivesse a decisão de dispensa de inquirição de testemunhas e demais diligências probatórias, o que se verificou. Com respeito à dispensa de realização de reunião arbitral, o requerente pronunciou-se no sentido da aceitação da dispensa, caso se entendesse inexistir alguma exceção ou questão prévia a decidir antes de conhecer o pedido.

Considerando a posição do requerente e os elementos do processo, a 28-04-2015 foi proferido despacho a determinar a dispensa da apresentação de alegações e a dispensa da reunião arbitral prevista no art. 18.º, RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, 1, 2, RJAT, e art. 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias que cumpra apreciar.

 

2. Dos factos

Analisada a prova documental produzida pelo requerente, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

a)      O terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia da …, concelho de Santa Cruz, tem como titular ativo o ora requerente;

b)      O valor patrimonial tributário do terreno referido em a) é de € 1.009.005,52;

c)      A AT liquidou, a 17-03-2014, o Imposto de Selo relativo ao ano de 2013, referente ao terreno referido em a), no valor correspondente a 1% do seu valor patrimonial tributário - € 10.090,56;

d)     O requerente foi notificado através do documento n.º 2014 004208482 para pagamento do valor de € 3.363,52 referente à primeira prestação relativa ao ano de 2013, a vencer em abril de 2014.

A convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos, concretamente, os pontos a) e b) resultam do teor da caderneta predial junta aos autos, e os pontos c) e d) resultam do documento de cobrança da primeira prestação do imposto.

Para a decisão da causa não se provaram outros factos com relevância.

 

3.         Do direito

São estes os factos que importa apreciar. Vejamos então.

O requerente vem alegar na sua petição inicial, quanto ao vício formal de falta de autor do ato, que “Uma análise rápida da nota de cobrança notificada ao Requerente mostra logo que a mesma não contém todos os elementos que deveriam ser obrigatoriamente notificados ao contribuinte (…) nomeadamente a indicação do autor do acto (…).”

Argumenta o requerente “Nessa nota de cobrança não vem indicada a categoria profissional ou cargo desempenhado pela pessoa que, entre os órgãos funcionários e agentes de determinado serviço, o praticou, nem sequer a respectiva assinatura, ainda que mecanográfica”.

Defende o requerente que “estamos, assim, perante um acto tributário que impõe ao Requerente um tributo mas que não tem autor definido”.

Concluindo, a este particular respeito, que “Não contendo a liquidação impugnada a indicação do seu autor e a respectiva assinatura, ainda que mecanográfica, a mesma viola o art.º 123º, n.º 1, a) e g) do CPA, sendo nula nos termos dos arts.º 133º, n.º 1 do CPA e 99º, alínea d) do CPPT (…)”

Quanto à falta de fundamentação da liquidação, argumenta o requerente que “foi notificado para pagar a nota de cobrança destinada à cobrança da liquidação do Imposto de Selo aqui impugnada (…), sem que da mesma conste qualquer fundamentação desse acto tributário.”.

Afirma ainda, referindo-se à liquidação “que a mesma não contém qualquer motivação de facto nem de direito, e não apresenta a regularidade lógica e formal indispensável à apreensão clara, suficiente e congruente das razões da decisão”.

Conclui, a este conspecto particular, o requerente, que “A exigência de fundamentação dos actos administrativos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos é, aliás, uma exigência constitucional (…) Não contendo o acto de liquidação a fundamentação devida, nem sequer por remissão, este violou o disposto no art.º 36º, n.ºs 1 e 2, do CPPT e o art.º 77º, n.º 1 da LGT, sendo por isso anulável em conformidade com o disposto no art.º 99º, alínea c) do CPPT (…).”.

No que tange à invocada falta de audição prévia, defende o requerente “que o exercício do direito de audição nas situações e nos termos previstos no mesmo artigo, nomeadamente “antes da liquidação”, ocorre “sempre que a lei não prescrever em sentido diverso””.

Refere o requerente “(…)que o mero preenchimento do modelo 1 do IMI não permite, só por si, apreender qual a posição, em termos factuais e de direito, do contribuinte quanto a uma liquidação do Imposto de Selo.”

Para concluir que “a omissão da audição prévia consubstanciou, in casu, a preterição de formalidade essencial, projectando-se como vicio invalidante da liquidação, que constitui fundamento da sua anulação nos termos do artigo 99º, alínea d) do CPPT e art.º 135º do CPA, por violação da aliena a) do n.º 1 do artigo 60º da LGT.”.

Quanto à questão de fundo, o requerente vem arguir a ilegalidade da liquidação por erro sobre os pressupostos de facto e erro de direito acerca dos factos.

O requerente vem alegar na sua petição inicial que “O prédio do Requerente, sobre o qual recaiu a liquidação, é um terreno (…). O terreno em causa não está a ser utilizado ou destinado a habitação (…).”

Defende o requerente que “(…) o terreno não possui, nem podia possuir, licença de utilização para habitação. O terreno em causa destina-se a construção, sendo fiscalmente um prédio da espécie ou tipo “terreno para construção”, conforme de resto se encontra indicado na caderneta predial respectiva.”.

Continua o requerente, argumentando que “Porque a situação jurídica do dito prédio urbano não é a de um prédio com afectação habitacional, mas de um prédio com afectação construtiva não podia o mesmo ser tributado ao abrigo do art.º 1º, n.º 1 do CIS e da verba 28.1 da TGIS”.

O requerente continua a sua argumentação referindo que “os prédios habitacionais ou com afectação habitacional são os edifícios ou construções licenciados para habitação ou que, mesmo quando não tenham licença de habitação, tenham como destino normal a habitação (art. 6º, n.º 2 do CIMI)”.

Argumenta o requerente “Ora, no caso do prédio objecto da liquidação impugnada, bem como nos demais terrenos para construção verifica-se, por um lado, que os mesmos não são por natureza edificações, por outro, que têm por destino normal a habitação”.

Espraia o requerente que “um terreno para construção não tem, atendendo à sua substancia económica, as características de um prédio habitável, pelo que não pode deixar de entender-se que não está abrangido pela norma de incidência tributária prevista na verba 28.1 da TGIS.

O requerente refere na sua argumentação a alteração à Lei do Orçamento de Estado de 2014, defendendo que “para que a liquidação tivesse sido efectuada ao abrigo da norma de incidência cuja redacção resultou da alteração da Lei do OE 2014, a qual passou a incluir os terrenos para construção (…), seria necessário que esta alteração tivesse entrado em vigor ainda durante o ano de 2013. O que não se verificou.”

A este respeito, conclui o requerente referindo que “(…)Decorre de tudo quanto acima se expendeu que os terrenos para construção não se encontravam abrangidos pela norma de incidência, constante da verba 28.1 da TGIS, ao abrigo da qual a AT praticou a liquidação ora em causa.”.

Refere ainda o requerente, que um entendimento diverso daquele que expôs, violaria o princípio constitucional da irretroactividade da lei fiscal, plasmado art. 103º, n.º 3, da CRP..  

Acrescenta o requerente que “ao pressupor que o terreno para construção do Requerente é um prédio com afectação habitacional, a AT faz errada interpretação do art. 1º, n.º 1 do CIS e da verba 28.1 da TGIS, ou se preferirmos, comete o chamado “erro de direito acerca dos factos”, o que constitui fundamento da anulação da liquidação, nos termos do artigo 99º do CPPT e art. 135º do CPA (…)”.

Noutra linha de argumentação, o requerente estriba a sua posição no erro quanto à incidência objectiva e subjectiva do imposto.

Argumenta o requerente, que a AT cometeu um erro sobre os pressupostos da liquidação, no que respeita à incidência objectiva e subjectiva, porquanto, “por sentença de 14/05/2007 (…) o Tribunal Judicial de Santa Cruz determinou a adjudicação do direito de propriedade da parcela com 1.665 m2, avaliada em € 118.631,99 (€71,25/m2), à entidade expropriante – Secretaria Regional do Plano e Finanças.(…) Ou seja, a entidade expropriante tem a posse administrativa da parcela expropriada desde 24/04/2003. (…) O prédio do ora Requerente foi totalmente vedado pela entidade expropriante.”

 Reforça ainda o requerente o seguinte: “a posse administrativa da entidade expropriante não se resumiu aos 1.665 m2, da parcela formalmente expropriada, pois aquela tem a posse total do prédio!”

Acrescentando à argumentação aduzida, refere o requerente que existe incorreção dos elementos constantes da caderneta predial do prédio, não obstante as finanças não terem procedido à atualização da inscrição matricial do prédio.

Espraia ainda o requerente que, pese embora tenha dirigido requerimentos nesse sentido, “aquele serviço de finanças não se pronunciou sobre os requerimentos do ora Requerente”, acrescentando “se o Serviço de Finanças de Santa Cruz tivesse procedido à alteração da inscrição matricial do prédio como era seu dever, nos termos do art.º 13º n.º 3, alínea a) e c) do CIMI, fosse oficiosamente ou na sequência dos requerimentos que lhe foram dirigidos pelo Requerente, certamente não teria sido emita a liquidação do imposto aqui impugnada”

O requerente esgrima ainda, numa outra linha de argumentação, que “ainda que assim não se entendesse, o que não se concede, sempre se dirá que a AT considerou, erradamente que o ora Requerente era sujeito passivo de imposto, quando é a Secretaria Regional do Plano e Finanças (entidade expropriante) que se comporta como dona e legitima proprietária do prédio”.

O requerente acrescenta que “Desde a posse administrativa da totalidade do prédio do Requerente – e não apenas da parcela de 1.665 m2 a expropriar – que este não goza de “modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição do mesmo (…) Não subsistem quaisquer dúvidas que a entidade expropriante detém, desde 24/04/2003, a posse da totalidade do prédio ora em causa”.

O requerente defende ainda que ”O expropriado, após a posse administrativa do prédio a expropriar, tem de respeitar na integra os direitos de gozo e fruição da entidade expropriante, nada podendo fazer para obstar aos mesmos.”.

Conclui o requerente, a este respeito “Tendo o Requerente demonstrado que, não obstante ainda figurar na matriz como proprietário, se viu provado do uso e gozo do prédio, em função de uma expropriação, e que é a Secretaria Regional do Plano e finanças (entidade expropriante) que tem a posse daquele, deve ser esta, e não o ora Requerente, o sujeito passivo do imposto (…) Consequentemente não pode o Requerente ser obrigado a pagar imposto de selo sobre um prédio que, há muito, deixou materialmente de lhe “pertencer””.

O requerente estriba ainda a sua argumentação na inconstitucionalidade da Lei n.º 55-A/2012 de 29/10, por violação do princípio da igualdade, defendendo que “A tributação em sede de imposto de selo de prédios afectos a fins habitacionais, com exclusão daqueles que, embora de valor igual ou superior a €1.000.000,00 não estejam afectos a essa finalidade é contrária ao princípio da igualdade, previsto nos artigos 13º e 104º da CRP.”.

O requerente defende ainda a inconstitucionalidade da interpretação feita pela AT da verba 28.1 da TGIS, por violação dos princípios constitucionais da legalidade, justiça, igualdade, imparcialidade e proporcionalidade.

O requerente conclui a sua fundamentação propugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e que, por via dela se “declare a nulidade da liquidação impugnada ou caso assim não se entenda, o que não se concede, determine a sua anulação.”.

Por seu lado, a AT vem contrapor a posição do requerente, fundamentando a sua pretensão no facto de o conceito de “prédios com afectação habitacional”, para efeitos do disposto na verba 28 da TGIS, englobar quer prédios edificados quer terrenos para construção.

No entendimento da AT “Para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da tabela Geral do Imposto do Selo não pode ser ignorada, valendo neste sentido a seguinte ordem de considerações:

- Na aplicação da lei aos casos concretos importa determinar o exacto sentido e alcance da norma, de modo a que se revele a regra nela contida, condição indispensável para que possa ser aplicada, de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites e previstas no art. 9º do C. Civil (art. 11º da LGT);

- O art. 67º, n.º 2 do CIS manda aplicar subsidiariamente o disposto no CIMI;

- A afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção;

- A própria verba 28 da RGIS remete para a expressão “prédios com afectação habitacional”, apelando a uma qualificação que se sobrepõe à espécies previstas no n.º 1 do art. 6º do CIMI.”

Argumenta a AT que “A alusão a prédios com afectação habitacional constante da verba 28 do CIS deverá ser entendida de forma ampla, abrangendo quer os prédios habitacionais edificados, quer os terrenos para construção, desde logo pela própria redacção da norma e do conceito utilizado.”

Apelando ao teor normativo defende a AT “a lei fiscal considera como elemento integrante para efeitos de avaliação dos terrenos para construção, o valor da área de implantação, a qual varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas com base no projecto de urbanização e construção.”

Mais acrescentando que “Por outro lado, os Planos Directores Municipais estabelecem a estratégia de desenvolvimento municipal, a política municipal do ordenamento do território e de urbanismo e as demais políticas urbanas, integrando e articulando as orientações estabelecidas pelos instrumentos de gestão territorial de âmbito nacional e regional. Assim, muito antes da efectiva edificação do prédio, será possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção.”

De acordo com a AT “A verba 28 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, ou seja, incide sobre o valor do imóvel.”

Quanto à inconstitucionalidade da norma “A diferente aptidão dos imoveis (habitação/serviços/comercio) sustenta o diferente tratamento, tendo constituído opção do legislador, por razões politicas e económicas, afastar da incidência do IS os imoveis destinados a outros fins que não os habitacionais”

Refere a AT que a tributação em sede de imposto de selo obedece aos critérios de adequação, pelo que não viola o princípio da proporcionalidade.

Conclui toda a fundamentação produzida em sede de resposta no sentido de que “a liquidação em crise não padece do vício de violação da lei, devendo, em consequência, julgar-se improcedente a pretensão aduzida e absolver-se a Entidade Requerida do pedido.”

Posta uma breve descrição da palete argumentativa tecida pelas partes, vejamos então.

Não obstante o requerente ter levantado várias questões, aquela que se apresenta como decidenda central é a de saber se a incidência da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) abrange os terrenos para construção. Considerando o pedido que foi formulado pelo requerente, esclarecida esta todas as outras ficarão prejudicadas. Vamos, então, à essentia do processo.

Esta questão já foi objeto de vários acórdãos do CAAD, nomeadamente, os proferidos nos processos 180/2013-T, 202/2014-T e 369/2014-T, que seguiremos de perto.

A verba 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS) foi aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro. Ela estabelece o seguinte:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);

Nas disposições transitórias que constam do art. 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras:

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011; (…)

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;

A verba 28.1, TGIS, e as subalíneas i) e ii) da alínea f) do n.º 1 do art. 6.º da Lei n.º 55-A/2012, contêm um conceito inovador em toda a legislação tributária que é o de “prédio com afetação habitacional”.

O CIMI estabelece no n.º 1, do art. 2.º, o conceito de prédio. Define-o como “toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com caráter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial”.

Já o art. 4.º, CIMI, estabelece que são prédios urbanos “todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte”.

Por sua vez, o art. 6.º, ibidem, procede à classificação das diversas espécies de prédios urbanos, distinguindo-os, no n.º 1 do referido artigo, em quatro subcategorias: “a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros”.

No n.º 2 do mesmo artigo encontramos o critério utilizado para essa distinção: “Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.

Da análise do artigo supra transcrito resulta que a noção mais aproximada de “prédio com afectação habitacional” é a de “prédios habitacionais”, definida pelo art. 6.º, 2, CIMI. Não obstante, estamos em crer que se o legislador tivesse entendido aplicar o mesmo conceito a uma e outra definição teria utilizado a mesma expressão para ambos.

Conforme se lê no Acórdão do CAAD proferido no Processo 180/2013-T,“A palavra «afetação», neste contexto de utilização de um prédio, tem o significado de «acção de destinar alguma coisa a determinado uso». Como se lê no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 53/2013-T: “em boa hermenêutica, «prédio com afetação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efetiva afetação a esse fim”.

Assim, “é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 as situações de prédios que ainda não estão afetos à habitação, nomeadamente os terrenos para construção detidos por empresas”.

Efetivamente, a expressão “com afectação habitacional” tem subjacente a ideia de uma potencialidade real, efetiva e presente. Não se nos afigura possível interpretar o art. 6.º, 1, a), CIMI, no sentido de o mesmo contemplar outras realidades para além das que têm correspondência com a letra da lei, pois caso tal fosse a intenção do legislador, tê-lo-ia previsto expressamente na letra da lei. Uma interpretação extensiva do preceito violaria os princípios estatuídos no art. 9.º, CCivil, e art. 11.º, LGT.

E mesmo quanto aos “terrenos para construção” enquanto prédios urbanos não edificados mas com capacidade construtiva de imóveis para habitação, não é razoável que, lançando mão de uma interpretação extensiva da norma, a espécie de prédios urbanos considerados “terrenos para construção” tenham cabimento na denominada “afectação habitacional”.

Para além do elemento literal da norma, o elemento histórico também concorre para o entendimento ora manifestado.

Efetivamente, a verba 28.1, TGIS, foi alterada com a Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro - Lei do Orçamento de Estado para 2014 - de forma a incluir, a partir de 01-01-2014, os prédios para construção.

De acordo com art. 194.º da citada lei, "Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação..."

A inovação introduzida pela lei em referência permite inferir que tais prédios não eram abrangidos pela redação vigente até 31-12-2013. Esse entendimento terá de se aplicar à liquidação em crise nos presentes autos, pois ela reporta-se ao ano de 2013.

Ademais, o imposto estabelecido pela verba 28 da TGIS pretende harmonizar a repartição do esforço fiscal dos contribuintes, fazendo incidir este imposto sobre os titulares de propriedades de elevado valor (que excedam € 1.000.000,00) destinadas a habitação.

Com efeito, determinando o princípio da igualdade fiscal que se deve tratar fiscalmente de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente, não se justifica o tratamento diferenciado, para efeitos de tributação, dos terrenos para construção.

À luz do que antecede, as liquidações em causa enfermam de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito. Tal entendimento sustenta e justifica a declaração da sua ilegalidade e  consequente nulidade.

O requerente estribou também a sua argumentação na nulidade das liquidações por falta de identificação do autor do ato, na falta de fundamentação preterição do direito de audição prévia e no erro sobre os pressupostos de liquidação no que respeita à incidência objetiva e subjetiva do imposto. Suscitou ainda a inconstitucionalidade da liquidação por violação dos princípios da igualdade, legalidade, justiça, imparcialidade e proporcionalidade.

Considerando a fundamentação supra aduzida, sendo a decisão no sentido de declaração de ilegalidade da liquidação que é objecto do presente processo, por vício de violação de lei e por erro nos pressupostos de direito, fica prejudicado o conhecimento dos vícios invocados e da inconstitucionalidade suscitada, a título subsidiário, pelo requerente.

O prédio em causa é um terreno para construção, não tendo qualquer afetação habitacional. Observamos, assim, a não verificação do pressuposto legal de incidência do Imposto de Selo previsto na verba 28 da TGIS.

Em consequência do exposto, concluímos pela ilegalidade da liquidação de imposto de selo impugnada pelo requerente.

De acordo com o disposto nos arts. 12.º, 2, e 22.º, 4, ambos do RJAT, e art. 4.º, 3, da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas do presente processo ficam a cargo da requerida.

 

4. Decisão

Perante o supra descrito, decide-se julgar totalmente procedente o pedido formulado pelo requerente no presente processo arbitral tributário, declarando-se a ilegalidade da liquidação de Imposto de Selo, efectuado nos termos da verba 28.1 TGIS, referente ao ano de 2013, que incidiu sobre o terreno de construção urbana, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia da …, e concelho de Santa Cruz, no montante global de € 10.090,56, devendo a mesma considerar-se nula, com as necessárias consequências legais.

A requerida ainda é condenada no pagamento das custas nos termos supra e infra referidos.

 

Valor do processo:

De acordo com o disposto nos arts. 306.º, 2, CPC, e 97.º-A, 1, a), CPPT, e 3.º, 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da ação em € 10.090,56.

 

Custas:

Nos termos do art. 22.º, 4, RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00, devidas pela Autoridade Tributária.

 

Notifique.

 

Lisboa, 30 de abril de 2015.

 

Texto elaborado por computador, nos termos do art. 131.º, 5, CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, 1, e), RJAT, com versos em branco e por mim revisto.

 

O árbitro singular

Ricardo Marques Candeias