Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 870/2024-T
Data da decisão: 2025-03-21  IRC  
Valor do pedido: € 4.215.039,76
Tema: IRC – mais e menos-valias mobiliárias
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SUMÁRIO:

  1. As prestações acessórias que foram utilizadas para cobertura de prejuízos anteriores devem ser consideradas para efeitos de determinação do custo de aquisição de partes de capital alienadas, mas não podem, simultaneamente, ser tidas como autonomamente transmitidas no âmbito de uma operação de compra e venda de partes de capital realizada subsequentemente;
  2. A ausência de coincidência entre os fluxos financeiros associados à alienação de partes de capital e de créditos de accionista e os correspondentes efeitos jurídicos e económicos subjacentes a essa transacção não conduz, necessariamente, a que haja uma vantagem fiscal, para um sujeito passivo, que seja desconforme com a legislação fiscal relevante;
  3. Caso haja motivos para que a Autoridade Tributária e Aduaneira considere que houve “abuso” das formas jurídicas conducente com a existência de “construção” ou “séries de construções” anómalas que visem alguma finalidade fiscalmente intolerável e inaceitável, deverá recorrer à cláusula geral anti-abuso, prevista no artigo 38.º, da Lei Geral Tributária, para promover (querendo) a ineficácia dos negócios jurídicos tidos por não “genuínos”.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Carlos Alexandre Quelhas Martins e Vasco António Branco Guimarães, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

 

 

RELATÓRIO

 

  1. A... - S G P S, S.A., com o número de identificação de pessoa colectiva..., entretanto dissolvida e liquidada, representada por B..., com domicílio fiscal na Rua..., n.º...,  ..., … ..., na qualidade de representante para efeitos tributários da A...- S G P S, S.A. e de representante legal (Presidente do Conselho de Administração) da sua accionista única, a D... SGPS, S.A., com o número de identificação de pessoa colectiva ... (“Requerente”), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) n.º 2024..., no montante de € 4.277.072,05, referente ao período de tributação de 2019, emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida”).

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, apresentado pela Requerente no dia 12 de Julho de 2024, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 4 de Setembro de 2024, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.

 

  1. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 24 de Setembro de 2024.

 

  1. Tendo sido devidamente notificada para o efeito, a Requerida apresentou requerimento, em 25 de Outubro de 2024, a solicitar a prorrogação do prazo para apresentação da Resposta e junção do processo administrativo instrutor por um período adicional de 10 dias, dado não dispor até àquela data dos elementos referentes ao processo administrativo.

 

  1. Tendo tal requerimento da Requerida sido deferido por parte do Tribunal Arbitral colectivo, veio a Requerida apresentar, no dia 11 de Novembro de 2024, a sua resposta, tendo-se defendido por excepção, invocando a ineptidão da petição inicial, e por impugnação.

 

  1. Em tal resposta, a Requerida pugnou, a final, pela procedência da excepção invocada e pela sua absolvição da instância, ou, caso assim não viesse a ser entendido, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, por não provado, com a consequente absolvição da Requerida de todos os pedidos ali formulados.

 

  1. Na mesma data, a Requerida juntou o processo administrativo.

 

  1. Em 15 de Novembro de 2024, foi proferido despacho arbitral a conceder prazo à Requerente para, querendo, exercer o direito ao contraditório quanto à matéria de excepção invocada pela Requerida na sua resposta.

 

  1. Em 26 de Novembro de 2024, a Requerente apresentou requerimento para responder à matéria de excepção de incompetência invocada pela Requerida, enunciando os motivos pelos quais considera que não se verifica qualquer ineptidão da petição inicial e, como tal, essa exceção não poderia proceder.

 

  1. Em 6 de Janeiro de 2025, foi proferido despacho arbitral a designar o dia 27 de Janeiro de 2025, pelas 11 horas, para a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, notificando a Requerente para indicar, de forma individualizada, a quanto a cada uma das testemunhas arroladas, os concretos factos do pedido arbitral e da resposta que serão objecto daquele tipo de prova.
  2. Em 10 de Janeiro de 2025, a Requerente apresentou requerimento a solicitar a designação de nova data para a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, em virtude de indisponibilidade de agenda do seu mandatário para a data que havia sido designada para o efeito, indicando ainda que as testemunhas por si arroladas iriam depor sobre os pontos 13 a 29 do pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Em 22 de Janeiro de 2025, foi proferido despacho arbitral a dar-se sem efeito a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT que se encontrava agendada para o dia 27 de Janeiro de 2025, designando-se como nova data o dia 19 de Fevereiro de 2025, pelas 11 horas.

 

  1. A reunião prevista no artigo 18.º, do RJAT teve lugar no dia 19 de Fevereiro de 2025, para ouvir as testemunhas E... e F... .

 

  1. Nesse mesmo dia, o Tribunal Arbitral proferiu despacho para a facultar às partes para, de modo simultâneo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias.

 

  1. A Requerente apresentou as suas alegações escritas no dia 28 de Fevereiro de 2025 e a Requerida, no dia 3 de Março de 2025, apresentou igualmente as suas alegações escritas.

 

SANEAMENTO

 

  1. O pedido foi tempestivamente apresentado, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

  1. O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

  1. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º a 3.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
  2. Para efeitos de saneamento do processo cumpre apreciar a excepção de ineptidão da petição inicial invocada pela Requerida, o que será feito a título prévio no âmbito da análise do mérito da causa, logo após a fixação da matéria de facto provada e não provada.

 

QUESTÃO A DECIDIR

 

  1. A questão a apreciar irá incidir particularmente sobre os moldes como rendimentos e ganhos, mais concretamente, as mais-valias resultantes de operação de alienação de partes de capital deverão ser calculadas para efeitos de apuramento do lucro tributável de um determinado sujeito passivo.

 

  1. Em particular, analisar-se-á em que medida é que:
    1. A existência de determinados tipos de créditos de accionista (prestações acessórias e suprimentos) pode (ou não) influenciar aquele cálculo;
    2. A ausência de coincidência entre os fluxos financeiros associados à alienação acima referida e os efeitos jurídicos e económicos subjacentes à mesma conduziu a alguma vantagem fiscal, para a Requerente, que influenciando aquele cálculo, seja não conforme à legislação fiscal relevante.

 

MATÉRIA DE FACTO

 

§1 -   Factos provados

 

  1. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
  1. A Requerente é uma sociedade anónima, tributada em IRC pelo exercício das “Atividades das Sociedades Gestoras de Participações Sociais Não Financeiras” à qual corresponde o CAE 64202, Revisão-3;
  2. Em 23.09.2019, a Requerente detinha 50.000 acções representativas da totalidade do capital social da sociedade G... S.A. (doravante “G...”), cujo valor nominal ascendia a € 50.000,00;
  3. A Requerente detinha créditos sobre a G..., no montante total de € 10.434.999,40, assim discriminados:
  1. Suprimentos, no montante de € 5.873.893,05;
  2. Suprimentos, no montante de € 520.065,40, e;
  3. Suprimentos, no montante de € 4.041.040,95;
  1. A G... tinha um passivo de € 20.602.754,51 perante diversas instituições financeiras;
  2. Numa reunião do conselho de administração da Requerente, do dia 23.09.2019, a Requerente decidiu alienar a sua participação financeira, representativa de 100% do capital social, bem como também, a totalidade de créditos que detinha, na G... à entidade H..., Lda. (doravante “H...”);
  3. A referida alienação foi acordada pelo montante global de € 28.090.940,35, no qual se estipulou que a Requerente alienava as ações representativas da totalidade do capital social, no montante nominal de € 50.000,00 da G... por um montante de € 38.185,84, bem como alienava também a totalidade dos créditos relativos a suprimentos, prestações acessórias ou outros existentes à data, pelo valor total de € 28.052.754,51;
  4. Foi condição imposta pelo comprador, H..., para a referida aquisição, que:
    1. A G... procedesse à amortização antecipada do financiamento contratado por esta ao..., S.A. e ao Banco ..., S.A. no montante global de € 20.602.754,51, bem como a revogação dos contratos conexos e dos contratos de hedging que lhe estão associados, bem como o cancelamento de todas as garantias prestadas a favor dos mesmos bancos;
    2. A Requerente financiasse à G..., sob a forma de suprimentos, no montante de € 20.602.754,51, para que esta amortizasse empréstimos bancários, através da alocação, para esse efeito, de parte dos fundos que serão entregues à Requerente a título de preço da transação;
    3. A G... reembolsasse a Requerente do montante de € 520.065,40, referente a um suprimento efetuado em 06.05.2010;
    4. A Requerente procedesse à conversão dos créditos no montante de
      € 5.873.893,05 detidos a título de suprimentos pela Requerente na G..., em prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares voluntárias e, simultaneamente, eliminasse parcialmente nesta sociedade os prejuízos transitados no montante correspondente (cobertura de prejuízos);
  5. Na reunião do conselho de administração da Requerente do dia 23.09.2019, foi aprovada a minuta do contrato de compra e venda a celebrar entre a Requerente e a H...;
  6. A Requerente celebrou, em 25.09.2019, com a G... um contrato de suprimentos (“shareholder loan agreement”), mediante o qual aquela concedeu a esta um financiamento no montante de € 20.602.754,51;
  7. O contrato de suprimentos celebrado entre a Requerente e a G... prevê que o objectivo deste financiamento é o pagamento total, por parte desta ou seu nome, dos financiamentos contratados por esta junto do ..., S.A. e do Banco ... S.A.;
  8. O contrato de suprimentos celebrado entre a Requerente e a G... prevê que sobre este financiamento incidam juros, calculados à taxa anual de 6%;
  9. A Requerente celebrou, em 25.09.2019, um contrato de compra e venda respeitante à alienação à H... da totalidade do capital social e créditos que detinha sobre a G...;
  10. Nesse contrato de compra e venda, constam as seguintes cláusulas:
  1. Empréstimo Adicional do Acionista” significa o empréstimo concedido pelo Vendedor à Empresa na presente Data de Assinatura e imediatamente antes do Encerramento e documentado nos termos estabelecidos no Anexo 12, no montante principal de 20.602.754,51 euros (vinte milhões, seiscentos e dois mil, setecentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta e um cêntimos)”;
  2. Contribuições dos acionistas” significa os créditos dos acionistas no montante global de 28.052.754,51 euros (vinte e oito milhões, cinquenta e dois mil, setecentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta e um cêntimos), dos quais 24.643.795,46 (vinte e quatro milhões, seiscentos e quarenta e três mil, setecentos e noventa e cinco euros e quarenta e seis cêntimos) correspondem a capital e 3.408.959 euros, 05 (três milhões, quatrocentos e oito mil, novecentos e cinquenta e nove euros e cinco cêntimos) correspondem a juros, detidos pelo Vendedor sobre a Empresa na presente Data de Assinatura (incluindo os decorrentes do Empréstimo do Acionista Adicional) após a ações previstas na Cláusula (….) estarem concluídas e executadas”;
  3. 3 Contrapartida

3.1  Montante

A contrapartida a pagar pelo comprador ao vendedor pela venda e compra de Ações e cessão das contribuições dos Acionistas ao abrigo deste Acordo é no montante de 28.090.940,35 euros (vinte e oito milhões, noventa mil, novecentos e quarenta euros e trinta e cinco cêntimos) (a “Contrapartida”), e corresponde à soma de 28.090.940,35 euros:

3.1.1  38.185,84 euros (trinta e oito mil, cento e oitenta e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos) relativos à aquisição das Ações (a “Contrapartida de Ações”): e

3.1.2  28.052.754,51 euros (vinte e oito milhões, cinquenta e dois mil, setecentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta e um cêntimo) relativamente à aquisição das contribuições dos Acionistas (a “Contrapartida das Contribuições dos Acionistas”), que está sujeita aos ajustamentos estabelecidos nesta Cláusula 3.

 

3.2     Pagamento de contrapartidas

O pagamento da Contrapartida será efetuado pelo Comprador na presente Data de Assinatura em dinheiro e em simultâneo com a transferência da titularidade das ações e cessão das Contribuições dos Acionistas, através de transferências bancárias (“transferências bancárias”), conforme detalhado no Acordo de Direção.

3.3  Ajustes à Contrapartida

Se qualquer pagamento for devido pelo Vendedor ao Comprador em relação a uma indemnização ou indemnização a pagar ao abrigo do presente Acordo ou qualquer Pedido de Indemnização por Fuga, o pagamento será efetuado, na medida permitida pela lei aplicável, através de uma redução à Contrapartida, através de dedução numa base de euro por euro e, salvo acordo em contrário entre as partes, será imputado, em primeiro lugar, à Contrapartida das Ações e, em segundo lugar, à Contrapartida das Contribuições dos Acionistas. Quando o total das fugas exceder a Contrapartida das Ações juntamente com a Contrapartida das Contribuições dos Acionistas, qualquer pagamento em excesso será considerado como uma indemnização ao Comprador.”;

  • As “contribuições dos acionistas” mencionadas no contrato de compra e venda e que foram adquiridas pela H... tinham a seguinte decomposição:

Descrição

Valor

Suprimentos – conta 4113226 (1)

€ 4.041.040,95

Juros registados – conta 2721206 (2)

€ 3.266.774,89

Juros registados – conta 7914 (3)

€ 142.184,16

Suprimentos – conta 4113226 (4)

€ 20.602.754,51

Total (5) = (1+2+3+4)

€ 28.052.754,51

  • A Requerente celebrou, em 25.09.2019, um “ACORDO DE DIREÇÃO” com a H... na qual constam os seguintes termos:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. Em conformidade com o contrato de compra e venda e o “ACORDO DE DIREÇÃO” e face à impossibilidade de a Requerente disponibilizar à G... os fundos necessários para proceder à amortização antecipada do financiamento contraído pela G... junto do ..., S.A. e ao Banco..., S.A., a H... amortizou diretamente esses financiamentos da G... no montante de € 20.602.754,51 e entregou o remanescente do preço acordado para a transação de compra e venda, no montante de € 7.488.185,84, à Requerente, mediante a realização de transferências bancárias;
  2. O valor das acções que a Requerente detinha na G..., transmitidas por € 38 185,34, estava registado na conta “4111261- Investimentos em subsidiárias – participações de capital –G...– Valor nominal”, à data da alienação, pelo montante de € 50.000,00;
  3. O montante de € 5.873.893,05 relativo à conversão de suprimentos em prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares voluntárias foi reconhecido na conta “411426 – prestações suplementares –G...” e utilizado integralmente para cobertura de prejuízos transitados na G...;
  4. Os fluxos financeiros associados à compra e venda de ações e contribuições de acionista realizada entre a Requerente e a H... foram os seguintes:

Descrição

Valor a pagar

Forma de pagamento

Acções

€ 38.185,84

Transferência bancária para a Requerente no montante de € 7.488.185,84

Subtotal 1

€ 38.185,84

Suprimentos

€ 4.041.040,95

Juros registados

€ 3.266.774,89

Juros registados

€ 142 184,16

Subtotal 2

€ 7.450.000,00

Suprimentos

€ 20.602.754,51

Transferência efetuada para entidades bancárias, conforme “ACORDO DE DIREÇÃO”

Subtotal 3

€ 20.602.754,51

TOTAL

€ 28.090.940,35

 

 
  1. Na sequência do contrato de compra e venda de acções e de contribuições do acionista celebrado entre a Requerente e a H..., a Requerente efetuou os seguintes movimentos contabilísticos relacionados com a venda da sociedade G...:

 

H...

H...

H...

 

  1. No âmbito da mencionada operação de compra e venda das ações da G..., a Requerente, na sua contabilidade:
  1. Reconheceu uma perda com a transmissão das acções, no montante de € 5.885.707,21, registada contabilisticamente na conta 6853 – Gastos e Perdas em Subsidiárias, associadas e empreendimentos conjuntos – Alienações;
  2. Não reconheceu qualquer resultado pela transmissão dos créditos dos accionistas, por terem sido alienados pelo seu valor nominal;
  1. A Requerente, para efeitos do apuramento da perda na alienação das acções da G... e da correspondente menos-valia fiscal, na determinação do custo de aquisição, ao valor das acções (€ 50.000,00) adicionou o montante
    € 5.873.893,05 referente às prestações acessórias, utilizadas na cobertura de prejuízos;
  2. A Requerente considerou que a transmissão dos créditos que detinha sobre a G... à H... não gerou qualquer ganho ou perda, atendendo a que os mesmos foram transmitidos ao seu valor nominal;
  3. A Requerente, para efeitos fiscais, nomeadamente o apuramento do seu resultado fiscal, na declaração de rendimentos Modelo 22, referente ao período de 2019, não acresceu qualquer valor no campo 712 (Anulação dos efeitos do método da equivalência patrimonial e do método de consolidação proporcional no caso de empreendimentos conjuntos que sejam sujeitos passivos de IRC (art.º 18 n.º 8)), acresceu € 5.886.656,07 € no campo 736 (Menos-valias contabilísticas) e deduziu € 948,86 no campo 769 (Diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias fiscais);
  4. Na declaração de informação empresarial simplificada de substituição apresentada em 27.04.2021, apresentada pela G... referente ao período de 2019, refere-se o seguinte:

 

  1. “Durante o período findo em 31.12.2019, existiram transações de financiamento que não exigiram o uso de caixa e de depósitos bancários pela entidade. Essas transações corresponderão à liquidação integral dos financiamentos bancários no montante de euro 18 682 595,42, ao cancelamentos dos contratos de swap e liquidação integral das respetivas responsabilidades no montante de euro 1 725 000,00 e à liquidação de juros e outros gastos similares associados aos financiamentos bancários no montante de euro 195 159,09, importâncias que foram pagas pela acionista por conta da entidade por conseguinte foi reconhecido um novo suprimento no montante de euro 20 602 754,51”;
  2. O valor de 3.801.641 euros respeita essencialmente à especialização de juros decorrentes dos suprimentos efetuados pela anterior empresa-mãe e adquiridos no contrato de compra e venda e ações e créditos celebrado a 25 de setembro de 2019”;
  1. Ao abrigo da Ordem de Inspecção n.º OI2023..., datada de 31 de Julho de 2023, a Requerida efetuou uma ação de inspecção tributária externa de âmbito geral, à Requerente, referente ao período de 2019;
  2. Em resultado desse procedimento de inspeção tributária, a Requerida emitiu um relatório de inspecção tributária, no qual efectuou as seguintes correções:

 

  1. A Requerida, no relatório de inspecção tributária, descreve os seguintes movimentos contabilísticos efectuados pela Requerente:

 

H...

 

  1. A Requerida considera que o valor dos suprimentos prestados pela Requerente à G... está empolado, nos seguintes termos:

 

H...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. A Requerida, no seu relatório de inspecção tributária, procedeu à determinação do valor das contrapartidas do acionista, nos seguintes moldes:

 

  1. A Requerida, no seu relatório de inspecção tributária, considera que o valor de aquisição das contrapartidas dos acionistas na G... ascende a € 13.323.893,05, nos seguintes moldes:

 

  1. A Requerida considerou, no relatório de inspecção tributária, que o resultado da venda das contribuições dos accionistas efectuada entre a Requerente e a H... gerou um ganho no montante de € 14.728.861,46, assim discriminado:

 

 

 

 

 

 

  1. A Requerida, no relatório de inspecção tributária, apurou o seguinte resultado em resultado transmissão da participação social e dos créditos na G..., nos seguintes moldes:

 

G...

 

  1. Na sequência da inspecção tributária e da correção à matéria tributável no montante de € 14.728.861,46, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC (incluindo derrama municipal, derrama estadual e juros compensatórios)
    n.º 2024... e da demonstração de acerto de contas, da qual resultava um montante total a pagar de € 4.277.072,05, emitida pela Requerida;
  2. A liquidação adicional de IRC (incluindo derrama municipal, derrama estadual e juros compensatórios) n.º 2024..., no montante de € 4.215.039,76, tinha um prazo limite para pagamento que terminava a 13 de Maio de 2024;
  3. Foi deferido pela Requerida, em prol da Requerente, um plano de pagamento a prestações da liquidação adicional de IRC (incluindo derrama municipal, derrama estadual e juros compensatórios) que havia sido emitida por aquela, nos termos do qual ficou definido o pagamento da quantia em dívida de 12 prestações, sendo a primeira devida até ao dia 30 de Junho de 2024 e a última devida até ao dia 31 de Maio de 2025;
  4. A Requerente apresentou, em 12 de Julho de 2024, o pedido de pronúncia arbitral, por não aceitar esta liquidação adicional de IRC (incluindo derrama municipal, derrama estadual e juros compensatórios) efectuado pela Requerida, peticionando pela declaração de ilegalidade dessa liquidação e pelo pagamento de juros indemnizatórios, decorrente do pagamento do imposto liquidado em regime prestacional.

 

§2 -   Factos não provados

 

  1. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, inexistem factos que se tenham considerado não provados.

 

§3 -   Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

  1. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas Partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário –“CPPT” - e artigo 607.º, n.º 3, do Código do Processo Civil  - “CPC” -, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

 

 

  1. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (conforme artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

  1. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

  1. Os factos dados como provados e não provados resultaram da análise da prova produzida no presente processo, designadamente a prova documental junta aos autos pela Requerente, do processo administrativo junto aos autos pela Requerida, a prova testemunhal que se revelou segura, coerente e credível no que respeita ao conhecimento dos factos relevantes, tendo os mesmos sido apreciados pelo Tribunal Arbitral de acordo com o princípio da livre apreciação dos factos, conforme decorre do artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e do artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

  1. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

 

 

MATÉRIA DE DIREITO

 

§1      Questão prévia – saneamento – ineptidão da petição inicial

 

  1. Na resposta que apresentou, invocou a Requerida a ineptidão da petição inicial, arguindo que a Requerente atribuiu o valor a presente acção correspondente ao valor da liquidação adicional posta em crise (€ 4.277.072,05), sendo que compulsados os autos, a Requerente apenas aponta vícios a parte dessa liquidação adicional. Como tal, haveria, segundo a Requerida, uma manifesta contradição entre o pedido e a causa de pedir, tornando inepta a petição inicial, em conformidade com os artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, al. a), e 278, n.º 1, al. b), ambos do Código de Processo Civil, artigo 89.º, n.ºs 2 e 4, al. b) do CPTA e artigo 98.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do CPPT. Para a Requerida, não é percetível se a intenção da Requerente é obter apenas a anulação da parte que contesta ou se é seu entendimento de que os vícios que aponta à parte contestada produzirão um efeito invalidade sobre toda a liquidação adicional de IRC.

 

  1. Em sede de contraditório, invocou, em síntese, a Requerente que a sua intenção e o seu pedido são manifestamente claros, nomeadamente porque declarou expressamente, no artigo 6.º do seu pedido de pronúncia arbitral que circunscrevia o seu pedido à correcção da matéria tributável no montante de € 14.728.861,46, pelo que peticiona a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC controvertida, na parte contestada. Como tal, acrescenta a Requerente que não há qualquer contradição entre o pedido e a causa de pedir, recordando que é inquestionável na jurisprudência (remetendo para o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo – “STA” - de 07.03.2018, no processo n.º 01460/15) a divisibilidade do acto tributário, pelo que a declaração de ilegalidade suscitada determinará apenas a anulação parcial do acto tributário e não a sua anulação integral.

 

 

 

  1. Esta mesma questão – em torno da anulação parcial do acto tributário – foi já objecto de ampla apreciação pelos Tribunais Arbitrais, cuja jurisprudência cumpre aqui considerar em cumprimento do desiderato uniformizador de jurisprudência que decorre do artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil. Para o efeito, remete-se para o decidido nos seguintes acórdãos do Tribunal Arbitral, que na parte aqui relevante referiram o seguinte:
    1. Processo n.º 844/2024-T, de 28.11.2024:

A divisibilidade do acto tributário está consolidada na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que afirma que a anulação parcial do acto, se devida, se insere nos poderes e função judicial e não constitui interferência na actividade reservada à Administração (v. acórdão de 02.12.2015, processo n.º 0754/15).

No mesmo sentido se pronuncia também o TCA Sul que aduz, em linha com a jurisprudência do Supremo, que só se o fundamento da anulação afetar integralmente o acto é que não é admissível anulá-lo apenas parcialmente, devendo a anulação do acto ser, nessa situação, integral (v. acórdãos de 08.06.2017, processo n.º 06112/12; de 15.03.2023, processo n.º 1241/11.0BELRS; de 19.12.2023, processo n.º 448/18.4BELLE)”.

  1. Processo n.º 781/2023-T, de 10.07.2024:

Conforme mencionado na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 539/2023-T, “Quer os Tribunais de natureza tributária, quer a lei, (cfr. artigos 79.º, n.º 1 e 100.º da Lei Geral Tributária; artigo 112.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário), têm preconizado a possibilidade de anulação parcial dos actos tributários.

A divisibilidade do acto tributário constitui o argumento utilizado pela jurisprudência para fundamentar a possibilidade da decisão judicial de anulação parcial dos actos tributários.

 

 

Baseando-se na classificação dos actos administrativos divisíveis (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 1991, pág.1396; Acórdão do STA-Pleno da 1ª.Secção, 18/07/1985, rec.15294, A. Dout., n.º 300, pág.1533 e seg.), os Tribunais Superiores abundantes vezes já afirmaram que os actos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis, uma vez que correspondem a um quantitativo pecuniário e são apurados através de operações aritméticas, divisibilidade essa que igualmente resulta da própria lei, em virtude de que é admissível a sua anulação parcial quando o fundamento da anulação apenas afecte uma parte do acto. Assim já não acontece no caso de acto tributário que assente na fixação da matéria colectável por métodos indirectos (v.g. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/1999, rec.24101; ac.S.T.A.- 2ª.Secção, 16/5/2001, rec.25532; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/9/2005, rec.287/05; ac.T.C.A.Sul2ª.Secção, 3/7/2012, proc.4397/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7660/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/12/2015, proc.7421/14) – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 08/06/2017, processo n.º 06112/12, o que não é o caso dos autos.

Igualmente a doutrina fiscal admite a característica da divisibilidade no acto tributário (cfr. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina, 4ª. edição, 2006, pág.415; J.L. Saldanha Sanches, O contencioso tributário como contencioso de plena jurisdição, Fiscalidade, n.º 7/8, Julho/Outubro de 2001, pág.63 e seg.; André Festas da Silva, Princípios Estruturantes do Contencioso Tributário, Dislivro, 2008, pág.75).

  1. Processo n.º 103/2023-T, de 26.02.2024:

O reconhecimento da divisibilidade do ato tributário está hoje consolidado na jurisprudência: a liquidação pode ser ilegal só em parte, pelo que pode ser anulada também só em parte.

 

 

 

O ato tributário, porque se reconduz a uma quantidade monetária, é uma realidade divisível. O contribuinte que se não conforme com parte (por oposição ao todo) de um ato tributário, pode (e deve) segregar essa parte das demais para efeitos de:

(i) requerer apenas a anulação dessa parte; e

(ii) indicar, em função do valor dessa parte, um valor para a causa.

Isto acontece frequentemente, sem que se conheça oposição da AT a este modo de proceder. Este é, sublinha-se, o único modo de proceder proporcional, porque respeitador do ato tributário na parte em que não haja discordância entre a AT e o contribuinte.

Neste sentido, entre muitos outros, veja-se o acórdão do STA de 02.12.2015, proferido no processo n.º 0754/15 e a decisão do CAAD de 30.11.2020 no Processo n.º 901/2019-T”.

 

  1. Em face do acima exposto, considera-se que inexiste qualquer contradição entre o pedido e a causa de pedir formuladas pela Requerente, nem existe qualquer constrangimento no que tange à eventual anulação parcial do acto tributário contestado, pelo que se julga improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial invocada pela Requerida na sua resposta.

 

§2      Do mérito da causa

 

  1. Passando-se, agora, à análise da questão de fundo, começa-se por recordar que, de acordo com o disposto no artigo 17.º, n.º 1, do Código do IRC, “[o] lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”, sendo que a alínea a) do n.º 3 daquele artigo prescreve que “a contabilidade deve (…) [e]star organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código)”.

 

  1. Nesta sequência, para efeitos da determinação do “resultado líquido do período”, estipula o artigo 20.º, n.º 1, alínea h), do Código do IRC que as “mais-valias realizadas” integram o rol dos “rendimentos e ganhos (…) resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória”.

 

  1. Para se apurar o que é que se entende por “mais-valias”, para efeitos de IRC, prescreve o artigo 46.º, n.º 1, do Código do IRC, que se [c]onsideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa” de determinados activos, incluindo-se, aqui, as partes de capital.

 

  1. As “mais-valias” são calculadas, segundo o n.º 2, daquele artigo do Código do IRC, pela diferença entre o “valor de realização” (líquido dos encargos que lhe sejam inerentes) e o “valor de aquisição” (eventualmente objecto de algumas deduções devidamente elencadas na lei).

 

  1. Na determinação do aludido “valor de realização”, a alínea g) do n.º 3 daquela norma do Código do IRC (aquela tida por relevante no âmbito destes autos) determina que se deve ter tido em consideração “o valor da respectiva contraprestação”.

 

  1. Por seu turno, para o cômputo do “valor de aquisição”, a alínea a) do n.º 8 daquela disposição legal do Código do IRC indica que, no caso de “partes de capital”, dever-se-á considerar “consoante os casos, positiva ou negativamente: (…) O montante das entregas dos sócios para cobertura de prejuízos, o qual é imputado proporcionalmente a cada uma das partes de capital detidas”.

 

  1. Tendo por referência as normas acima citadas e apenas por referência à alienação tout court das partes de capital (e apenas destas) da G... por parte da Requerente, é possível concluir se esta operação gerou uma mais ou menos valia.

 

  1. Conforme decorre da matéria de facto dada como provada, a participação que a Requerente detinha (em momento anterior à sua alienação) na G... encontrava-se contabilizada pelo montante de € 50.000,00, sendo este o montante aceite por ambas as partes como correspondendo ao valor nominal daquelas partes de capital.

 

  1. Também se julga que não há dissídio entre as partes e assim foi dado como provado que o montante de € 5.873.893,05, correspondente às prestações acessórias que a Requerente detinha sobre a G... em 23 de Setembro de 2019, foi utilizado por aquela para cobertura de prejuízos transitados que esta tinha registado na sua contabilidade.

 

  1. De igual modo, existe concordância entre as partes que o montante utilizado pela Requerente para cobrir os prejuízos existentes na G... deverá ser considerado para efeitos de determinação do custo de aquisição das partes de capital alienadas naquela sociedade participada, em conformidade com o disposto na alínea a) do n.º 8 do artigo 46.º do Código do IRC.

 

  1. Razão pela qual se subscreve o entendimento veiculado pela Requerida, no seu relatório de inspecção tributária, ao enunciar que “para efeitos de apuramento da menos valia fiscal, na determinação do custo de aquisição o sujeito passivo somou ao valor nominal das ações (50 000,00€) o montante 5.873.893,05 € referente a prestações acessórias efetuadas para cobertura de resultados transitados negativos, apurando desta forma um valor de aquisição de 5.923.893.05 €”.

 

  1. Centrando-nos, agora, no apuramento do valor de realização subjacente à alienação das mesmas partes de capital (e apenas destas) na G... por parte da Requerente.

 

  1. Há igualmente entendimento entre a Requerente e a Requerida e decorre da matéria de facto dada como provada de que aquele valor ascendeu ao montante de € 38.185,84.

 

 

 

 

 

  1. Como tal, se os presentes autos se centrassem – sem mais – na análise tout court dos valores de aquisição e alienação das partes de capital que a Requerente detinha na G... e alienou à H..., então dúvidas não haveria de que tal transação daria lugar ao apuramento de uma menos-valia na esfera da Requerente, com as consequências fiscais que daí adviriam, em conformidade com o Código do IRC.

 

  1. Porém, decorre da matéria de facto dada como provada e foi particularmente destacado pela Requerida no seu relatório de inspecção tributária, que, juntamente com a alienação das partes de capital que a Requerente detinha na G..., ocorreu a transmissão para a  H...dos “créditos dos acionistas” que a Requerente também detinha sobre a G... .

 

  1. E é esta circunstância que conduziu a Requerida a alcançar um resultado diferente do registado pela Requerente no que respeita ao apuramento do resultado (positivo ou negativo) gerado pela operação de alienação de partes de capital e créditos à H... .

 

  1. Para efeitos desta avaliação, desde já se esclarece que se rejeita a tese da Requerida de que, as prestações acessórias - no montante de € 5.873.893,05, utilizadas pela Requerente para cobrir os prejuízos transitados que a G... havia registado na sua contabilidade - foram igualmente transmitidas para a  H... .

 

  1. … e, por conseguinte, deviam ser tidas em conta na determinação do valor de realização referente à operação de alienação realizada entre a Requerente e a H... .

 

  1. Com efeito, dúvidas não há que, do ponto societário, existe um poder-dever incidente sobre os sócios de - havendo prejuízos na esfera das sociedades por si participadas - tomarem as decisões tidas por relevantes para minorar ou eliminar a existência dos mesmos.

 

 

  1. Uma dessas possibilidades consiste, precisamente, na cobertura de prejuízos transitados existentes na esfera da sociedade participadas, a qual poderá ocorrer – segundo o Código das Sociedades Comerciais (“CSC”) por múltiplas vias, tais como a não distribuição aos sócios de lucros que sejam necessários para cobrir prejuízos transitados (cfr. artigo 33.º, do CSC), a redução do capital social (cfr. artigo 94.º, n.º 1, alínea a), do CSC), ou uso da reserva legal (cfr. artigo 296.º, alínea b), do CSC).

 

  1. Ainda que tal não decorra de uma forma expressa do CSC, não se vislumbra – nem tampouco tal hipótese é aventada pela Requerida – que um sócio (neste caso, a Requerente) esteja legalmente impedido de utilizar as prestações acessórias que detém sobre uma sociedade por si participada (neste caso, a G...), com o fito de cobrir prejuízos transitados que esta haja apurado e registado contabilisticamente.

 

  1. No fundo, as prestações acessórias configuram um direito de crédito que os sócios detém sobre a sociedade participada, pelo que é compreensível que aqueles – com um determinado objectivo, de que o cumprimento do artigo 35.º, do CSC será um exemplo – prescindam desse direito em prol de cobrir (ou, se se preferir, eliminar) os prejuízos transitados que foram sendo acumulados por esta, com vista à melhoria da sua situação patrimonial líquida (mensurada pelos respectivos capitais próprios).

 

  1. Acresce que a alínea a) do n.º 8 do artigo 46.º do Código do IRC é absolutamente agnóstica quantos aos moldes utilizados pelos sócios de uma determinada sociedade para cobrirem prejuízos.

 

  1. Nesse sentido, o enquadramento fiscal a dar aos fundos utilizados pelos sócios com aquele fito é exactamente o mesmo, independentemente de derivarem de operações de redução de capital, de utilização de reservas e/ou conversão e utilização de créditos (e.g. prestação acessórias).

 

 

  1. Não admira, portanto, que a Requerida, na Informação Vinculativa, proferida no processo n.º 24346, com despacho de 06.09.2023, do Subdiretor-Geral da Área Gestão Tributária - IR, por delegação, faça equivaler a “cobertura de prejuízos” a “entradas de capital a qualquer título(com negrito nosso).

 

  1. Ora, se as prestações acessórias que a Requerente detinha sobre a G..., no montante de € 5.873.893,05 foram utilizadas por aquela para cobrir os prejuízos transitados que esta registada, logo tais prestações acessórias foram necessariamente “consumidas” no momento em que a Requerente prescindiu desse activo (direito de crédito) que tinha sobre a G... para alcançar aquele propósito.

 

  1. É, precisamente, pela circunstância de haver um “consumo” das prestações acessórias que se considera que o respectivo montante desta “entrada de capital” (na terminologia adoptada pela Requerida) realizada “para cobertura de prejuízos” deve integrar o cálculo do valor (ou, se se preferir, do custo) de aquisição de partes de capitais.

 

  1. Como tal, se aquele direito de crédito deixou de existir (por força da cobertura de prejuízos), fica inviável a arguição efectuada pela Requerida que esse mesmo direito (apesar de consumido ou extinto), foi (de um modo que, com o devido respeito, não se consegue vislumbrar), posteriormente transmitido para uma entidade terceira.

 

  1. Pelo que andou mal a Requerida ao integrar, no valor de realização associado à operação translativa realizada entre a Requerente e a H..., o montante de € 5.873.893,05, alusivo às prestações acessórias que a Requerente já havia utilizado, em momento prévio àquela transacção, para cobrir prejuízos da G... .

 

  1. Aliás, se dúvidas houvesse, bastava atentar-se ao contrato de compra e venda celebrado entre a Requerente e a  H... para concluir que o objecto e o perímetro desta transacção não englobou, em momento algum, o montante de € 5.873.893,05, alusivo às prestações acessórias que a Requerente havia anteriormente detido sobre a G... ...

 

  1. Passemos, agora, à análise da alienação do crédito que a Requerente detinha (ou, na versão da Requerida, alegadamente detinha) sobre a G..., sob a forma de suprimentos.

 

  1. Para esse efeito, ter-se-ão em conta os argumentos apresentados pela Requerida para negar a existência desse crédito, sob a forma de suprimentos, detido pela Requerente sobre a G... e que poderão ser assim sumariados:
    1. O montante dos suprimentos contratados entre a Requerente e a G... foi pago directamente pela H... às entidades bancárias, com vista à amortização das dívidas que esta detinha, pelo que não houve qualquer transferência ou empréstimo – de dinheiro ou outro activo fungível - entre a Requerente e a G...;
    2. A Requerente registou contabilisticamente o suprimento sobre a G... e anulou-o logo de seguida por força da alienação acordada com H..., pelo que não se verifica o período de permanência legalmente exigido para o efeito; e
    3. O contrato de suprimentos celebrado entre a Requerente e a G... foi assinado, de ambas as partes, pelos mesmos administradores.

 

Vejamos,

 

  1. Prescreve o CSC, no seu artigo 243.º, n.º 1 (de resto, citado pela Requerida no relatório de inspecção tributária) que se considera contrato de suprimentos “o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo carácter de permanência”.

 

 

 

 

  1. No n.º 2 daquele mesmo artigo, esclarece-se que “[c]onstitui índice do carácter de permanência a estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano, quer tal estipulação seja contemporânea da constituição do crédito quer seja posterior a esta. No caso de diferimento do vencimento de um crédito, computa-se nesse prazo o tempo decorrido desde a constituição do crédito até ao negócio de diferimento”.

 

  1. Ainda com relevo para efeitos da presente análise sublinhe-se que a obrigação de efectuar suprimentos pode “ser constituída por deliberação dos sócios votada por aqueles que a assumam”, sendo que a “celebração de contratos de suprimentos não depende de prévia deliberação dos sócios” e a validade de tal contrato “[n]ão depende de forma especial” (cfr. artigos 243.º, n.º 8, e 244.º, n.º s 2 e 3, do CSC).

 

  1. No caso ora em apreciação, é matéria de facto dada como provada que houve lugar a uma deliberação, na esfera da Requerente, a aprovar a concessão por parte desta de um financiamento sob a forma de suprimento à sua participada G... e que houve um contrato de suprimento formalmente celebrado entre ambas as partes.

 

  1. Ora, nesta matéria, julga-se relevante dar destaque à posição constante do acórdão do STA, de 30.11.2021, no processo n.º 1000/19.2T8CTB-A.C1.S1 (Relator João Cura Mariano), no qual é expresso que “No presente caso, a denominação utilizada pelas partes no texto escrito em que o acionista Exequente e a sociedade Executada formalizaram os contratos de empréstimo, para classificarem os contratos outorgados revela-se decisiva. Na verdade, não obstante o nomen juris utilizado pelas partes na redação dada a um contrato não seja decisivo quanto à sua qualificação e muito menos, no tocante à determinação da correspondente disciplina jurídica, certo é que constitui um dos elementos auxiliares a ter em consideração no esforço interpretativo para alcançar o real sentido das declarações de vontade, sobretudo quando os contraentes são sociedades comerciais e no contrato figuram cláusulas características do correspondente tipo negocial. Ora no texto inicial dos contratos outorgados entre a Exequente e a Executada, não só as partes adotaram o título “Contrato de Suprimento”, como na declaração preambular referiram que “é ajustado e reciprocamente aceite o presente “contrato de suprimento”, na definição do objeto do contrato na cláusula 1.ª mencionaram expressamente que o empréstimo concedido era efetuado “a título de suprimentos” e referiram-se sempre aos valores emprestados nas demais cláusulas como “suprimentos”. (…) Perante a evidência da redação supra referida e tendo em consideração a qualidade dos outorgantes, seguramente dotados de assessoria jurídica, não oferece dúvidas que foi vontade das partes subordinarem os empréstimos efetuados ao regime dos suprimentos” (com negritos nossos).

 

  1. Esta convicção de que a Requerente e a G... quiseram celebrar - e celebraram - um contrato de suprimentos é ainda evidenciada pelas cláusulas que foram incluídas no contrato de compra e venda celebrado entre a Requerente e a H..., no qual a existência anterior desse crédito sob a forma de suprimentos fica, igualmente, evidenciada.

 

  1. Conforme salientado em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – “STJ” -, de 26.09.2017, no processo n.º 1008/14.4YRLSB.L1.S1 (Relator Alexandre Reis), “[o] princípio da autonomia privada reconduz-se a uma permissão genérica de conduta a todos os sujeitos da ordem jurídica, possibilitando-lhes estabelecer os efeitos jurídicos que se irão repercutir na sua esfera jurídica, através da liberdade de celebração do contrato e de fixação de conteúdo do mesmo”.

 

  1. Nestes moldes, tendo em conta este princípio e a prova documental constante dos autos, não restarão dúvidas quanto à intenção da Requerente e da G... em constituírem um crédito, sob a forma de suprimentos, em momento prévio à transacção que envolveu a H... .

 

  1. Porém, atendendo a que a movimentação financeira que sucedeu a esse contrato de suprimento não acompanhou os efeitos económicos e jurídicos associados ao mesmo será motivo bastante para se concluir – como fez a Requerida – que tal financiamento não chegou a existir?

 

  1. Isto é, o facto de o montante desses suprimentos não ter entrado directamente numa conta da G..., mas antes ter sido utilizado (em linha com aquelas que eram as condições prévias à celebração do contrato de compra e venda e as que decorreram desse contrato e do “ACORDO DE DIREÇÃO”) para pagar directamente às entidades bancárias que eram credoras da G..., através da alocação a esse pagamento (por parte da H...) de uma parte do preço da transacção acordada entre as partes vendedora e compradora, prejudica o entendimento de que estariam em causa, do ponto de vista legal e contabilístico, suprimentos prestados pela Requerente à G...?

 

  1. Com o devido respeito, não se acompanha essa visão adoptada pela Requerida nesta matéria.

 

  1. Desde logo porque não há nada que decorra expressamente das normas anteriormente citadas do CSC que institua ou regule os moldes como os movimentos financeiros deverão ser efectuados, do ponto de vista prático, para operacionalizar um contrato de suprimentos celebrado entre um sócio e uma sociedade.

 

  1. Acresce que não se vislumbra qualquer circunstância tida como “estranha” nem qualquer vantagem anormal – designadamente para a Requerente – pelo facto de a operacionalização do financiamento por esta concedido à G... ter sido concretizada mediante o pagamento diretamente efetuado por parte da H... às entidades bancárias.

 

  1. Se a Requerente não conseguiria pagar os encargos bancários acumulados pela G..., mas estava na sua esfera jurídica poder solicitar ao comprador H... que utilizasse parte do preço da aquisição da G... para liquidar esses encargos como forma de cumprir o acordado (que era a venda livre de passivo bancário da G...), não resulta da matéria dada como provada (nomeadamente da contabilização efetivada pela Requerente) qualquer vantagem fiscal ou outra (para além de se livrar de um activo “tóxico”) que se possa considerar ilegal ou abusiva.

 

  1. Recorrendo-se às regras da experiência comum, dir-se-á que é – até - frequente, no contexto de transmissão de bens ou activos onerados por um determinado crédito bancário, solicitar-se ao adquirente que proceda à emissão de dois cheques bancários ou visados (e por igualdade de razão, por quaisquer outros meios de pagamento legalmente admissíveis, como sejam transferências bancárias):
    1. Um, com o valor da dívida bancária e demais encargos contabilizada ao dia, que é entregue ao credor bancário no momento imediatamente anterior à transmissão do bem transmitido; e
    2. Outro, com o remanescente do preço, que é entregue ao alienante do bem ou activo que é transmitido “livre de ónus ou encargos”, mediante declaração de distrate ou equivalente apresentada no ato notarial pelo credor hipotecário ou detentor de garantias.

 

  1. Significa isto, que o fluxo monetário entre credor com garantias reais ou outras (neste caso, as entidades bancárias) é pago pelo fluxo monetário do comprador (neste caso, a H...) sem que isto influencie ou determine o fluxo económico previsto e realizado entre as partes contratantes (sendo que a operação de libertação das garantias é neutra, ou seja, em nada influencia o resultado económico, contabilístico e fiscal da operação pretendida).

 

  1. Como tal, é-se do entendimento – em resposta ao primeiro dos argumentos enunciados pela Requerida – que não é possível negar-se a existência de um empréstimo em dinheiro efectuado pela Requerente à G..., mesmo atendendo a que tal empréstimo não se traduziu na transferência directa e imediata de uma determinada verba daquela para esta.

 

 

 

  1. Por outro lado, no que respeita ao cumprimento do critério da permanência a que o artigo 243.º, n.º 2, do CSC, faz referência, também aqui a Requerida labora em erro ao considerar que o mesmo tem necessária e exclusivamente de ser verificado na esfera do sócio (neste caso, a Requerente) e não na esfera da sociedade participada (neste caso, a G...).

 

  1. Não se crê que tenha sido essa necessariamente a perspectiva do legislador societário, uma vez que, mesmo num cenário de alienação de partes de capital (com alteração integral da identidade dos sócios), o suprimento permanece, inalterado, na esfera da sociedade participada, enquanto passivo registado no respectivo balanço.

 

  1. Pelo que, não será por mero efeito de uma alienação de partes de capital realizada entre antigos e novos sócios que o índice de permanência legalmente enunciado é posto em causa na esfera da sociedade participada.

 

  1. Aliás, decorre do artigo 243.º, n.º 5, do CSC, que uma alienação de partes de capital não põe, de todo, em causa, a existência e a manutenção da aplicação do regime legal aplicável aos suprimentos, ao instituir que “fica sujeito ao regime de crédito de suprimento o crédito de terceiro [ou seja, um não sócio] contra a sociedade que o sócio adquira por negócio entre vivos”.

 

  1. Nesse sentido, entende o presente Tribunal que: os argumentos avançados pela Requerida para, face a toda a documentação que lhe foi disponibilizada pela Requerente (igualmente carreada para estes autos) e ao regime do contrato de suprimentos previsto no CSC, rejeitar tout court a existência de suprimentos, não são bastantes ou suficientes para suportar a legalidade da sua actuação.

 

  1. A circunstância – enunciada pela Requerida – de que o contrato de suprimentos havia sido assinado por administradores comuns à Requerente e à G... em nada contraria a conclusão anteriormente expressa.

 

  1. Sem prejuízo do acima exposto, mesmo que admitisse a hipótese de o montante de € 20.602.754,51 não ser considerado, do ponto de vista legal, como um crédito sob a forma de suprimentos, por força das diferentes incidências que rodearam a sua constituição, tal hipótese não conduz – automaticamente e sem mais – à conclusão de que a G... não tinha um passivo financeiro (um empréstimo), naquele montante, assumido contratual e primeiramente junto da Requerente e, posteriormente, transmitido para a H... .

 

  1. Tal passivo financeiro é algo que – independentemente da interpretação que se faça das normas societárias relevantes - não pode, simplesmente, ser ignorado, seja pela Requerida, seja por este Tribunal.

 

  1. Até porque a existência desse mesmo passivo financeiro, na esfera da G... encontra-se amplamente documentada, nomeadamente por via da acta do conselho de administração da Requerente, do contrato de compra e venda celebrado entre a Requerente e a H..., e da informação revelada pela G... na informação empresarial simplificada referente ao período de 2019.

 

  1. Por outro lado, dentro do princípio de autonomia privada acima referido, tinham a Requerente e a H... o direito e a liberdade de conformar o objecto dos créditos de accionista que as mesmas pretendiam transaccionar e, igualmente, proceder à valorização que consideraram adequada dar a esses mesmos créditos.

 

  1. Ora, é inequívoco, conforme decorre do teor da acta do conselho de administração da Requerente e do contrato de compra e venda celebrado entre a Requerente e a H..., que a intenção de ambas as partes foi a de transmitir esses mesmos créditos (incluindo os suprimentos postos em causa pela Requerida) e de valorizar essa mesma transferência mediante recurso ao respectivo valor nominal.

 

  1. Sendo esses créditos transmitidos pelo seu valor nominal, nenhum ganho ou perda foi apurado pela Requerente em resultado dessa transmissão, com as consequências fiscais daí advenientes.

 

  1. Aqui chegados é ainda possível observar-se o caso presente nestes autos sob uma perspectiva distinta.

 

  1. Fica claro da leitura do processo administrativo (em particular do relatório de inspecção tributária) e da resposta da Requerida que a mesma apresenta uma desconfiança séria quanto aos moldes como toda a operação que envolveu:
    1. O saneamento financeiro da G... (que envolveu operações de conversão de suprimentos em prestações acessórias, de cobertura de prejuízos, de reembolso de suprimentos, de concessão de novos suprimentos e amortização de dívida bancária); e
    2.  A alienação de partes de capital desta sociedade realizada entre a Requerente e a H... .

 

  1. Por outras palavras, dir-se-á que a Requerida terá considerado que teria “havido um abuso ou um aproveitamento excessivo da autonomia privada” (citando-se, aqui, as palavras empregues no acórdão do STJ atrás mencionado) por parte das partes intervenientes naquela operação, mormente a Requerente.

 

  1. Ora, se a Requerida constatou, dentro da sua esfera de actuação, que haveria algum “abuso” imputável à Requerente, tal “abuso” teria, necessariamente, de conduzir a Requerida à conclusão de que teria havido uma “construcão” ou uma “série de construções” anómalas que visavam alguma finalidade fiscalmente intolerável e inaceitável.

 

 

 

  1. Nesse sentido, era da Requerida a responsabilidade única e exclusiva de recorrer à cláusula geral anti-abuso, prevista no artigo 38.º, da Lei Geral Tributária (“LGT”), para promover (querendo) a ineficácia dos negócios jurídicos tidos por não “genuínos”, nomeadamente o contrato de suprimentos celebrado entre a Requerente e a G... .

 

  1. Não tendo sido essa a opção seguida pela Requerida, não se subscreve o entendimento por esta adoptado de, simplesmente, ignorar (sem o adequado suporte legal para o efeito) a existência do contrato de suprimentos e do respectivo montante, para efeitos de apuramento do resultado subjacente à transaccção mobiliária realizada entre a Requerente e a H... .

 

  1. Nesse sentido, e em suma, é-se do entendimento que:
    1. Por um lado, as prestações acessórias que foram utilizadas para cobertura de prejuízos anteriores devem ser consideradas para efeitos de determinação do custo de aquisição de partes de capital alienadas, mas não podem, simultaneamente, ser consideradas como tendo sido autonomamente transmitidas no âmbito de uma operação de compra e venda de participações sociais subsequente;
    2. Por outro, havendo um contrato de suprimentos entre a Requerente e a sua subsidiária G..., no montante de € 20.602.754,51, e tendo sido acordado que tais suprimentos eram cedidos, em simultâneo com os demais créditos que a primeira detinha sobre a segunda, pelo seu valor nominal à H..., não se vislumbra que esta transacção possa ter gerado qualquer ganho ou rendimento, suscetível de ser tributado em sede de IRC (até porque a mera transmissão das participações sociais gerou uma menos-valia fiscal).

 

  1. Perante as conclusões acima enunciadas, é-se do entendimento que a operação de alienação de partes de capital e de créditos de accionista que a Requerente detinha sobre a G... foi geradora de uma menos-valia, no montante de € 5.885.707,21.

 

  1. Perante o apuramento desta menos-valia, realizada “mediante transmissão onerosa” decorre do disposto no artigo 51.º-C, n.º 1, do Código do IRC, que a mesma “[n]ão [concorre] para a determinação do lucro tributável” da Requerente.

 

  1. Pelo que, em conformidade com o que decorre da matéria de facto dada como provada, agiu a Requerente bem ao não computar esta perda como sendo dedutível para efeitos fiscais.

 

  1. Consequente e naturalmente, o procedimento adoptado pela Requerente no que respeita a esta matéria não será merecedor de qualquer censura pelo menos à luz da fundamentação usada, ao passo que, as correcções à matéria colectável da Requerente promovidas pela Requeridas a este respeito são julgadas ilegais e deverão ser anuladas.

 

  1. Em face do exposto, julga-se procedente o pedido formulado pela Requerente de requerer a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC, que é objeto do presente pedido, devendo a mesma ser anulada na parte peticionada pela Requerente.

 

  1. Veio, ainda, o Requerente pedir que, com essa declaração de ilegalidade e consequente anulação daquela liquidação adicional houvesse lugar à produção de “todos os efeitos legais”, o que se traduzirá, nos presentes autos, em restabelecer a situação que existiria se a ilegalidade em causa não tivesse sido praticada, em conformidade com os artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, e 100.º, da LGT.

 

  1. Esse restabelecimento da situação que existiria caso a ilegalidade não tivesse sido praticada implica, nos presentes autos, a condenação da Requerida de reembolsar a Requerente do montante de imposto indevidamente liquidado e pago até à presente data (tendo em conta o pagamento em regime prestacional acordado), bem como o pagamento de juros indemnizatórios que se mostrarem devidos.

 

 

 

  1. O direito a tais juros encontra-se regulado no artigo 43.º, n.º 1, da LGT, que, ao que importa, estabelece que “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

 

  1. Ora, resultou provado que o acto de liquidação contestado enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, unicamente imputável aos serviços da Requerida.

 

  1. Por conseguinte, ao ter a Requerente suportado imposto em montante superior ao legalmente exigido, é devido pela Requerida o pagamento de juros indemnizatórios, contados sobre o valor do imposto indevidamente pago, desde a data do pagamento indevido, à taxa legal supletiva e até à data da emissão da correspondente nota de crédito, nos termos conjugados dos artigos 43.º, n.º 1, e 100.º, da LGT, 61.º, do CPPT, e 24.º, n.º 5 do RJAT.

 

DECISÃO

 

Termos em que se decide:

  1. Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em consequência, declarar a ilegalidade da liquidação adicional de IRC
    n.º 2024..., que é objeto do presente pedido, na parte cuja anulação é peticionada pela Requerente e que ascende a € 4.215.039,76;
  2. Condenar a Requerida ao reembolso da quantia de imposto indevidamente liquidada e paga até à presente data;
  3. Condenar a Requerida ao pagamento dos juros indemnizatórios, decorrente do pagamento do imposto que a Requerente está a fazer em regime prestacional, contados desde a data do pagamento indevido, à taxa legal supletiva, até à data da emissão da correspondente nota de crédito; e
  4. Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

VALOR DO PROCESSO

 

A Requerida invocou a este respeito que o valor do processo teria de ser ajustado em função da correcção contestada, a qual é inferior ao montante de imposto e juros apurados no acto de liquidação de IRC ora posto em crise. Por seu turno, alegou a Requerente, aquando do exercício do seu direito ao contraditório, que o valor do processo é determinado com base na importância da liquidação cuja anulação se pretende, que no caso ascenderia ao montante de € 4.215.039,76.

 

Mais referiu a Requerente que, apenas para evitar qualquer discussão sobre o apuramento da causa e, por prudência, é que mencionou, no seu pedido de pronúncia arbitral, o valor integral da liquidação questionada, sendo que se o valor do pedido tivesse de ser alterado sempre seria para menos de forma a não incluir as correcções não contestadas e que também integram aquele acto.

 

Na fixação do valor do processo cumpre ter em consideração o disposto no artigo 97.º‑A, do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, do RJAT, no qual se determina, ao que aqui importa, o seguinte:

 

Artigo 97.º-A

Valor da causa

1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:

a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;”

 

Deste artigo resulta que o valor da causa corresponderá ao montante cuja anulação é pretendida. Nos presentes autos, a Requerente conformou inicialmente o seu pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação da totalidade do acto de liquidação adicional de IRC (incluindo derrama municipal, derrama estadual e juros compensatórios), tudo no montante global de € 4.277.072,05, sendo que, posteriormente, confirmou que apenas pretende que haja ligar a uma anulação parcial daquele acto de liquidação adicional, na parte efectivamente por si contestada.

Por conseguinte, e tendo em conta que a eventual anulação total ou parcial dos actos de liquidação contestados respeita à procedência do mérito e à divisibilidade dos referidos actos e já não à apreciação do valor do pedido tal como inicialmente conformado pela Requerente, e atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 4.215.039,76.

 

CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 53.244,00, a suportar pela Requerida, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 21 de Março de 2025

 

Os árbitros,

 

 

Carla Castelo Trindade

(Presidente e Relatora)

 

 

Carlos Alexandre Quelhas Martins

 

 

 

 

 

Vasco António Branco Guimarães