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SUMÁRIO
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Existindo uma decisão penal absolutória que assenta sobre os mesmos factos que justificam a correção operada pela AT em IRC, no caso a não aceitação fiscal de gastos em virtude de estes alegadamente se suportarem em “faturas falsas”, deve ser aplicado o princípio previsto no artigo 624.º, n.º 1, do CPC, de que se trata de uma “simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário”. Não tendo a Requerida apresentado qualquer prova adicional no processo arbitral, deve o Tribunal considerar, em virtude daquela presunção legal, a inexistência dos factos sobre os quais assentou a correção em sede de IRC.
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Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º-B, do Código de IRC, a dedução fiscal das imparidades sobre créditos depende da existência de provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento, cabendo ao sujeito passivo apresentar essas provas, não bastando a mera alegação de que foram efetuadas diligências de cobrança.
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O facto de a imparidade sobre créditos ter sido registada no ano seguinte àquele em que a fatura se venceu não determina a desconsideração do gasto fiscal, uma vez que o seu registo depende da existência de provas objetivas de imparidade.
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A lei fiscal não exige que montante considerado para efeitos de imparidade seja reduzido pelo valor de créditos que o devedor possa eventualmente ter sobre o sujeito passivo.
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Havendo um passivo que consiste em dívida bancária e uma parte do ativo que consiste em empréstimos não remunerados feitos a sócios pessoas singulares, caberia ao sujeito passivo a demonstração de que tal dívida bancária foi utilizada exclusivamente para financiar a sua atividade. Não sendo feita essa demonstração, a proporção dos encargos financeiros não é fiscalmente dedutível ao abrigo do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC.
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O sujeito passivo tem o ónus de identificar a quem foram oferecidos cheques de viagem, nomeadamente identificando os colaboradores, fornecedores e clientes, bem como o contexto empresarial de tais ofertas, caso contrário os gastos não são fiscalmente dedutíveis nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Jorge Belchior de Campos Laires, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral no processo identificado em epígrafe, decide o seguinte:
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RELATÓRIO
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A..., Lda, contribuinte nº ..., com sede no ..., lote ..., ...-... ... (“Requerente”), veio apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), ao abrigo do disposto no artigo 268.º da Lei n.º 82/2023, de 29 de dezembro, que prevê a remessa de processos tributários pendentes para o CAAD.
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Está em causa a apreciação da legalidade da liquidação adicional de IRC n.º 2018..., no valor de € 59.554,93, quanto ao exercício de 2013, bem como a legalidade do despacho de indeferimento do recurso hierárquico previamente deduzido quanto à referida liquidação.
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É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no dia 27/06/2024, tendo sido aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT.
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Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º, todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro signatário em 13/08/2024, sem oposição das partes.
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O Tribunal Arbitral foi constituído em 02/09/2024.
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Em 09/09/2024 a Requerida foi notificada para apresentar a resposta a que se refere o artigo 17.º do RJAT, tendo apresentado em 14/10/2024.
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Em 06/01/2025, em resposta ao requerimento da Requerente de dispensa de audição das testemunhas e aproveitamento dos depoimentos proferidos pelas mesmas testemunhas noutro processo, e depois de exercido o contraditório pela Requerida, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:
Em face das posições assumidas pelas partes nos requerimentos de 29/11/2024 (Requerente), 09/12/2024 (Requerida) e 12/12/2024 (Requerente), dispensa-se a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, dispensando-se igualmente a produção de alegações. Determina-se o aproveitamento para os presentes autos da gravação da prova testemunhal produzida no âmbito do processo n.º 403/2023–T, bem como os documentos relativos às alegações aí produzidas. No prazo de quinze dias, solicita-se à Requerida que: 1. Junte aos autos cópia da liquidação controvertida ou que identifique em que página do ficheiro “pdf” do Processo Administrativo a mesma se encontra; 2. Confirme que o valor apurado na liquidação foi pago pela Requerente. A prolação da decisão arbitral deverá ocorrer até à data-limite prevista no artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, devendo a Requerente proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
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Em 25/02/2025, o Tribunal proferiu o seguinte despacho: “Considerando a complexidade da matéria em causa neste processo decide-se a prorrogação por dois meses do prazo para prolação da decisão arbitral, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT. O início da prorrogação apenas se conta a partir do termo do prazo em curso.”
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SANEAMENTO
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.
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O pedido de pronúncia arbitral cumpre com o disposto no artigo 268º da Lei n.º 82/2023, de 29 de dezembro.
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As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.
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Não se verificam nulidades.
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MATÉRIA DE FACTO
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Factos provados
Exceto quando indicado especificamente, os factos abaixo dados como provados resultam do Relatório de Inspeção Tributária (“RIT), desde que não tenham sido contestados pela Requerente.
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A Requerente exerce, desde 17/03/1988, a atividade de fabricação de calçado, com o CAE 15201.
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No ano de 2013 a Requerente empregou uma média de 54 funcionários, tendo equipamento para produção de calçado, subcontratando terceiros para a realização de serviços de corte, costura e montagem.
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A Requerente, no ano de 2013, estava enquadrada no regime geral do IRC, bem como no regime normal do IVA com periodicidade mensal e entregou regularmente as declarações periódicas de IVA, Modelo 22 e Declarações Anuais de Informação Contabilística e Fiscal.
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A Requerente, no ano de 2013, possuía contabilidade regularmente organizada e apresentou os ficheiros SAFT do programa de faturação e contabilidade.
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No ano de 2013, a Requerente não adotou o sistema de inventário permanente na contabilização dos inventários, nem possuía contabilidade analítica de custos.
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A Requerente foi objeto de uma ação de inspeção externa com âmbito parcial em IRC e IVA iniciada em 10/10/2017, suspensa em 28/02/2018 na sequência de processo de inquérito criminal, tendo o respetivo Relatório de Inspeção sido assinado em 28/09/2018.
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A inspeção teve por motivo o facto de uma outra ação inspetiva à sociedade B... Unipessoal Lda., com o NIF..., ter concluído que esta, na qualidade de fornecedor, emitiu faturas para a Requerente que são “falsas”, por não terem subjacente qualquer transação económica.
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Do RIT resultaram as seguintes correções em matéria de IRC, que totalizam o montante de €187.101,61 de ajustamento ao lucro tributável, pelo facto de a AT ter considerado a não dedutibilidade para efeitos da determinação do resultado tributável, dos gastos imputados ao exercício de 2013, suportados por:
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Operações registadas na conta de compras, e consequentemente na conta de custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas (CMVMC), por se ter concluído que não consubstanciam operações reais, no montante de €132.585,95
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Operações registadas na conta de subcontratos, por se ter concluído que não consubstanciam operações reais, no montante de €7.768,17
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Do registo de perdas por imparidade em créditos de cobrança duvidosa, no montante de €21.907,51.
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Gasto com juros suportados de empréstimos, existindo empréstimos efetuados aos sócios sem a respetiva contrapartida financeira, no montante de €5.215,48.
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Gasto com deslocações e ofertas, não tendo sido comprovado a sua indispensabilidade, no montante total de €19.624,50.
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Na sequência do RIT foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 2018... no valor de € 59.554,93 e consequentes juros e coimas, tendo sido pago pela Requerente (confirmação dada pela Requerida, após despacho do tribunal).
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A 28/01/2019 a Requerente interpôs Reclamação Graciosa contra a referida liquidação, a qual foi indeferida por Despacho datado de 31/07/2019.
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A Requerente interpôs seguidamente Recurso Hierárquico, em 04/09/2019, o qual mereceu Despacho de Indeferimento datado de 17/08/2020.
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Foi interposta Impugnação Judicial em 03/02/2021 que correu os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, tendo a Requerente solicitado a extinção da instância para efeitos do disposto no artigo 268.º da Lei n.º 82/2023, de 29 de dezembro.
Operações registadas na conta de compras e na conta de subcontratos
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No ano de 2013, a Requerente registou na sua contabilidade as seguintes faturas emitidas pela B... Unipessoal, Lda (“B...”).
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Estas faturas continham o seguinte descritivo:
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As faturas foram emitidas através de programa informático e apresentam os seguintes elementos referentes ao transporte:
- local de carga: “N/Morada”;
- local de descarga: V/Morada;
- Transporte: ... .
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A matrícula ... corresponde a uma viatura propriedade da B... desde 15/07/2023.
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A Requerente emitiu 3 cheques à ordem da B... Unipessoal Lda. para pagamento do valor de € 35.235,46.
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A B... foi constituída em 2012, tendo como objeto social “o comércio por grosso de têxteis, vestuário, calçado e artigos de couro”, a que corresponde o CAE 56301.
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No ano de 2013, a Requerente registou na sua contabilidade as seguintes faturas emitidas pela C..., unipessoal, lda (“C...”)
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As faturas tinham o seguinte descritivo:
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A sociedade C... foi constituída em 2011, tendo como objeto social o comércio de calçado, têxteis e confeções, a que corresponde o CAE 46410.
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No ano de 2013, a Requerente registou na sua contabilidade as seguintes faturas emitidas pela D...– Unipessoal, Lda. (“D...”).
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As faturas tinham o seguinte descritivo:
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A D... iniciou a sua atividade em 2012 e tem por objeto social a fabricação de calçado e o comércio do mesmo, a que corresponde o CAE 15201.
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Em resultado dos procedimentos inspetivos da AT, foi instaurado contra a Requerente, entre outros arguidos, um processo-crime sob o número .../18...IDPRT, que correu termos pelo Juízo local Criminal de Felgueiras (cfr. documentos juntos com o PPA).
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O Tribunal emitiu uma sentença de absolvição da Requerente, datada de 2 de Março de 2023, por não ter ficado provado que as faturas referidas acima não consubstanciam verdadeiras operações (cfr. documento junto com o PPA).
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Na sequência de pedido de pronúncia arbitral contra a liquidação adicional de IVA sofrida pela Requerente, o CAAD proferiu a decisão no processo n.º 403/2023-T, não tendo igualmente ficado provado de que se tratou de faturas falsas (cfr. documento junto com o PPA).
Perdas por imparidade em créditos de cobrança duvidosa
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No ano de 2013 a Requerente registou na contabilidade o montante de €163.819,32 relativos a perdas por imparidades em dívidas a receber de clientes, assim discriminada:
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A AT solicitou à Requerente comprovativos das provas objetivas de imparidade e de que foram realizadas diligências para o seu recebimento, não tendo a Requerente apresentado qualquer documento, ou justificação, referente ao cliente E... .
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Quanto ao cliente F... a Requerente apresentou correspondência enviada pelo advogado a solicitar o pagamento da quantia de € 29.586,25 e não o valor total do crédito sujeito a imparidade de €32.678,39.
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Quanto ao cliente G... a Requerente apresentou e-mail remetido em 17/06/2013 a solicitar o pagamento de € 5.505,00, que diz respeito a parte da fatura n.º 578, emitida em 02/11/2011 e vencida a 01/01/2012.
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Quanto ao cliente M..., a Requerente apresentou documento de “Oposição ao Processo de Injunção" requerido pela M..., em que esta vem reclamar o pagamento de faturas que totalizam o montante de € 7.120,09. A Requerente esclareceu que as solas não obedeciam às normas europeias, tendo procedido à devolução de uma das suas requisições, e emitido duas faturas decorrentes do cancelamento de encomendas por parte dos seus clientes.
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Na contabilidade existe uma conta de fornecedores em nome de M..., com o saldo credor de € 18.044,17 (a mesma conta apresentava um saldo de €27.120,09 antes do registo da Nota de Devolução n.º 25 emitida pelo sujeito passivo).
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A AT procedeu aos ajustamentos com os custos de imparidade conforme o quadro seguinte.
Gasto com juros suportados de empréstimos,
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A Requerente suportou no exercício de 2013 um valor de € 25.472,90 referente a juros de empréstimos bancários contraídos.
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Em 2013 verificou-se a existência das seguintes contas respeitantes a empréstimos aos sócios, bem como a existência de documento de "Confissão De Dívida E Acordo De Pagamento" datado de 29/11/2010, em que estes reconhecem estar em divida para com a Requerente os seguintes valores:
Gasto com deslocações e ofertas
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Em 2013 a Requerente registou na contabilidade faturas emitidas pela sociedade '"J...".
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Em sede de inspeção, a AT notificou a Requerente para comprovar a indispensabilidade dos gastos contabilizados, tendo esta respondido que “os cheques viagens foram adquiridos com o intuito de serem oferecidos aos nossos fornecedores, clientes e até pessoal, dado que de momento não conseguimos especificar a quem o mesmos foram oferecidos, pois não temos registo documental dessas ofertas, de todo o modo temos a consciência que o valor em causa representa uma pequenina percentagem do nosso volume de negócios, e por vezes estas ofertas são necessárias para que exista uma forte motivação e foco, entre a empresa o seus clientes, fornecedores e até pessoal”.
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A AT solicitou à sociedade J... esclarecimentos sobre os serviços prestados à A..., justificando-os e identificando as pessoas. Da resposta apresentada pela sociedade "J..., SA", verificou-se o motivo da emissão das seguintes faturas registadas nas contas de gastos, que se discriminam no quadro seguinte:
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Factos não provados
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Com relevo para a decisão, não ficou provado que as faturas que estão em causa nos ajustamentos ao lucro tributável relativos a “operações registadas na conta de compras” e “operações registadas na conta de subcontratos” não consubstanciavam verdadeiras operações (faturas falsas). Remete-se para análise feita no capítulo “Matéria de Direito”.
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Não ficou igualmente provado terem sidos contratados juros nos empréstimos feitos pela Requerente aos seus sócios.
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MATÉRIA DE DIREITO
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Operações registadas na conta de compras e na conta de subcontratos
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No que se refere à alegação contida no RIT de que as faturas em causa no presente processo não consubstanciam verdadeiras operações, a AT reuniu um conjunto de indícios plasmados no RIT, conforme se resume de seguida.
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A B... é uma sociedade que não cumpre integralmente as suas obrigações declarativas, já que apenas apresentou a declaração de rendimentos Modelo 22 de 2012, tendo em falta as declarações de IVA dos períodos 2014-03T e 2104-06T.
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Foram solicitados todos os elementos contabilísticos junto do sócio-gerente da sociedade, não tendo sido recebida qualquer resposta.
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Apenas foram exibidos pelo TOC da empresa os registos contabilísticos dos meses de abril a junho de 2013.
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Da análise da faturação da B... realçam-se as seguintes incongruências: (i) a numeração não segue uma ordem cronológica, já que a fatura manual 53 foi emitida em 27-06-2014 e a fatura 56 foi emitida em 09-06-2014; (ii) ora emite faturas manuais, ora emita faturas informatizadas através de programa certificado (iii) emite diversos tipos de documentos, ora faturas ora vendas a dinheiro.
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A B... não tinha quaisquer instalações compatíveis com a atividade industrial declarada.
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A B... emitiu diversas faturas após ter cessado a sua atividade em 30/06/2014.
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A Sociedade não tinha quaisquer trabalhadores inscritos na Segurança Social em seu nome.
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Apenas tem um fornecedor, uma sociedade com sede em Braga, também conotada com a prática de emissão de faturação falsa.
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Da análise do sistema “e-fatura” não consta a aquisição de quaisquer mercadorias, matérias-primas, ou subcontratação de mão de obra.
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No que diz respeito ao pagamento das faturas constata-se que foram emitidos 3 cheques no montante total de €35.235,46.
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Com efeito, um dos cheques foi levantado ao balcão por um sujeito que nada tem que ver com a B... e os demais cheques foram depositados em contas que também não são daquela sociedade.
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Não constam dos planos de fabrico e posteriores vendas da Requerente as peles com as referências “Crust Preto”, Crust Cinza” e “Crust TAN”, constantes das faturas supra descritas.
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A B... não consta no programa informático da Requerente, no ficheiro de Movimentos de Stocks, como sua fornecedora.
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Da análise efetuada aos movimentos de stocks de peles pode constatar-se que a Requerente não tem registos de entrada em armazém que seja possível relacionar com as peles faturadas pela B... e as faturas emitidas não se encontravam registadas no programa de stocks.
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Assim, e foi por estas razões, que a AT concluiu que as operações mencionadas nas faturas emitidas pela B..., em nome da Requerente, não correspondiam a efetivas prestações de serviços ou a quaisquer outras operações reais, sendo por isso fictícias ou simuladas.
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Por sua vez, a Sociedade C... foi constituída em 2011, tendo como objeto social o comércio de calçado, têxteis e confeções a que corresponde o CAE 46410.
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No ano de 2013, a C... indiciadas pela emissão de faturas falsas, designadamente, “B..., Unipessoal, Lda.” e “H..., Unipessoal, Lda.”.
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Nesse mesmo ano os cheques emitidos para pagamento das faturas a essas empresas foram levantados ao balcão, perdendo-se dessa forma o rasto ao dinheiro e assim não sendo possível identificar o verdadeiro destinatário do mesmo.
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Alguns clientes da empresa admitiram ter utilizado faturas emitidas por esta que não consubstanciam verdadeiras operações.
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Alguns desses cheques emitidos foram levantados pelo seu sócio-gerente.
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A C... não dispunha dos meios técnicos ou humanos necessários para prestar os serviços constantes das faturas, já que (i) não dispunha de quaisquer instalações próprias ou arrendadas; (ii) não tinha quaisquer trabalhadores inscritos e (iii) não tinha quaisquer máquinas, viaturas ou demais utensílios necessários à prestação daqueles serviços.
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Nenhum sujeito passivo declarou ter vendido à C... matérias-primas, mercadorias ou cedido mão-de-obra.
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Da análise efetuada aos movimentos de compras e vendas de peles, e atendendo às quantidades dos inventários declarados, verificou-se a existência de divergência no 1.º trimestre de 2012 (faturou peles a mais do que adquiriu nesse período acrescido do que tinha em inventário).
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Não obstante ter cessado atividade para efeitos de IVA, em 2015-05-20, declarou bens e valores em inventário final no ano de 2015 que, no período em que decorreu a presente ação de inspeção, não se encontravam nas suas instalações.
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Não constam dos planos de fabrico e posteriores vendas da Requerente as peles com as referências “Crust Preto”, Crust Cinza” e “Crust TAN”, constantes das faturas em causa.
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A C... não consta no programa informático da Requerente, no ficheiro de Movimentos de Stocks, como sua fornecedora.
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Da análise efetuada aos movimentos de stocks de peles pode constatar-se que: (i) não existem registos de entrada em armazém que seja possível relacionar com as peles faturadas pela C... (ii) as faturas emitidas por “C... Unip., Lda” não se encontravam registadas no programa de stocks.
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Todos os fornecedores têm associado um n.º de fornecedor no programa de stocks e têm valores registados nesse mesmo programa, com exceção de “C... Unip. Lda”, sendo que se trata do fornecedor com valores mais relevantes.
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Verifica-se uma exata correspondência entre os bens adquiridos e os vendidos à Requerente, sendo que é anormal que um grossista reparta as aquisições por vários clientes.
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Não foi possível aferir se as peles faturadas foram efetivamente necessárias e consumidas no processo de fabrico, por não terem sido disponibilizadas folhas de necessidades dos planos de fabrico e falta de inventário permanente.
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Assim e por tais razões, concluiu a AT que as operações mencionadas nas faturas emitidas pela C... em nome da A..., não correspondiam a efetivas prestações de serviços ou a quaisquer outras operações reais, sendo por isso fictícias ou simuladas.
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Finalmente, a sociedade D... iniciou a sua atividade em 2012 e tem por objeto social a fabricação de calçado e o comércio do mesmo, a que corresponde o CAE 15201.
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A D... apenas apresentou a declaração de rendimentos de IRC Modelo 22 do ano de 2012, e as declarações periódicas de IVA até ao terceiro trimestre de 2013 (inclusive) encontrando-se em falta as restantes.
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Na data de emissão da fatura a D... não tinha qualquer capacidade técnica e humana para prestar os serviços descritos nas mesmas, isto porque: (i) abandonou as suas instalações de produção no final do mês de agosto de 2013 (ii) vendeu duas máquinas de rebarbar, tendo ficado apenas com uma máquina de costura (iii) a partir do mês de junho de 2013 não registou a aquisição de quaisquer matérias primas e (iv) não tinha quaisquer trabalhadores inscritos na Segurança Social em seu nome.
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Por outro lado, não obstante a perda total da capacidade produtiva, o valor global das faturas emitidas aumentou significativamente a partir de junho de 2013.
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Quer na fatura, quer na guia de transporte não vem indicada a hora, nem a viatura supostamente utilizada.
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E assim a AT concluiu que as operações mencionadas nas faturas emitidas pela D..., em nome da Requerente, não correspondem a efetivas prestações de serviços ou a quaisquer outras operações reais, sendo por isso fictícias ou simuladas.
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Os factos supra elencados, na medida em que resultam da inspeção levada a cabo pela AT, serviram de base ao processo-crime instaurado contra a Requerente e as outras sociedades mencionadas, que correu termos pelo Juízo local Criminal de Felgueiras.
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O Tribunal emitiu uma sentença de absolvição da Requerente, por não ter ficado provado que as faturas referidas não consubstanciam verdadeiras operações.
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A Requerente começa por alegar que, tendo havido sentença que a absolveu criminalmente, tal deveria constituir “caso julgado” para efeitos de IRC. Alega ainda ter já sido proferida decisão arbitral em matéria de IVA, assente na mesma factualidade.
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Improcede esta alegação, por ser claro que nenhuma decisão foi emitida quanto à dedutibilidade para efeitos de IRC dos custos representados pelas faturas, pelo que não se verifica identidade de pedido. Conforme estipula o artigo 581.º, n.º 3, do CPC, é condição essencial para que se verifique o caso julgado a existência de identidade de pedido, ou seja “quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico”.
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Nos termos do disposto no artigo 29.º do RJAT, o CPC é de aplicar subsidiariamente ao processo tributário arbitral. A este caso considera-se ser de aplicar o estatuído no artigo 624.º do CPC, no que respeita à eficácia da decisão penal absolutória, determinando o seu n.º 1 que: “a decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer ações de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário”.
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Sucede que na presente ação arbitral a Requerida optou por não apresentar qualquer prova adicional que permitisse a este Tribunal considerar ilidida a presunção legal de que goza a referida sentença, pelo que se impõe julgar como não provada a alegação de que as faturas não corporizam operações efetivas.
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A argumentação da AT assenta exclusivamente nas alegações de facto exaustivamente apresentadas no RIT e que, no entender da AT, levariam a concluir que os custos foram suportados por “faturas falsas”, logo não fiscalmente dedutíveis em face do disposto no artigo 23.º do Código do IRC.
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Não se julgando provado de que se tratou de faturas falsas, não resta qualquer outra razão para considerar que os custos não se enquadram na citada disposição, sendo assim de julgar procedente o PPA quanto às correções em causa.
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Perdas por imparidade em créditos de cobrança duvidosa
Imparidade relativa ao devedor E...
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A AT alega que o Requerente não apresentou qualquer prova das diligências efetuadas para o recebimento do crédito, não cumprindo com as condições impostas na alínea c) do n. 1 do artigo 28.º-B do CIRC, impossibilitando a consideração dessa imparidade como gasto fiscal.
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O Requerente, em sede PPA, alega que, “por se tratar de um cliente estrangeiro, de nacionalidade espanhola, as abordagens foram feitas pessoalmente, em deslocações do gerente da Requerente a Espanha, ou por telefone. Efetivamente, neste caso foi verificado que se tornou impossível a cobrança do crédito pela avaliação que o gerente do SP fez do cliente, pois, ponderados os riscos de incobrabilidade ainda que com o recurso a ação judicial, com as despesas inerentes à instauração de ação judicial fora de Portugal, com contratação de advogado Espanhol, e todos os custos associados a deslocações de testemunhas e do próprio gerente, entendeu-se que estava verificada a situação de incobrabilidade e não se justificava mais démarches tendo em vista a cobrança do crédito. Em todo o caso, a verificação do risco de incobrabilidade não está sujeita a qualquer requisito de forma, pelo que é abusiva a decisão da AT quanto a esta
situação e não se percebe a insistência da AT quanto à ausência de documentos que titulem as tentativas de cobrança”.
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A imparidade registada só poderia ser deduzida fiscalmente se a situação em causa se enquadrasse na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º-B, do CIRC (uma vez que não tem enquadramento em qualquer outra das alíneas), ou seja quando “os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento”.
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Nem consta do RIT, nem do PPA, qualquer prova objetiva de que foram efetuadas diligências de cobrança, além da mera alegação feita pela Requerente no PPA e transcrita no ponto anterior. Sendo certo que a norma legal exige uma “prova objetiva”, não pode o julgador deixar de considerar que, neste caso, tal condição não se tem por verificada, improcedendo o PPA no que concerne ao ajustamento relativo ao cliente E...
Imparidade relativa ao devedor F...
Pela mesma razão apontada no caso anterior, é de julgar improcedente o PPA no que concerne ao ajustamento referente ao cliente F..., uma vez a Requerente apresentou apenas provas de diligências de cobrança quanto ao valor de € 29.586,25 e não o valor total do crédito sujeito a imparidade de €32.678,39.
Imparidade sobre o devedor G...
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Quanto ao cliente G..., a AT alega que o risco de incobrabilidade do crédito verificou-se no ano de 2012, pelo que a imparidade já devia ter sido reconhecida no ano de 2012 na contabilidade (mora entre 6 e 12 meses, atendendo à data de vencimento da fatura). Adicionalmente, à data de 31.12.2013, a mora do crédito não é superior a 24 meses, mas antes se encontra entre os 18 e os 24 meses, pelo que a percentagem do crédito em mora não pode ser superior a 75% para efeitos fiscais.
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Assim, conclui a AT, atendendo à periodização do lucro tributável previsto no artigo 18.º do Código do IRC e às percentagens dos créditos em mora previstas no n.º 2 do artigo 28.º-B do CIRC, que não é aceite como gasto fiscal do ano de 2013 o gasto com imparidade que deveria ter sido considerada no ano de 2012 (25%), e, por o crédito em mora não ser superior a 24 meses, a diferença entre a taxa aplicada pela Requerente (100%) e a percentagem aceite fiscalmente (75%). Assim, só é aceite como gasto fiscal do ano de 2013, o respeitante a 50% do crédito em mora.
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Alega a Requerente que “é falso que o risco de incobrabilidade se tenha verificado no ano de 2012, conforme abusivamente refere o relatório e a resposta ao recurso Hierárquico não retifica, uma vez que não é a data de vencimento da fatura que determina a incobrabilidade do crédito, mas sim as condições do mercado e, sobretudo, do devedor, é que o determinam. Só quem conhece o mercado e mesmo assim com muita dificuldade é que pode avaliar quando surge o risco de incobrabilidade e, no caso concreto, só após diversas démarches junto do devedor e ao longo de vários meses é que se chegou à conclusão da sua incobrabilidade. Com efeito, ao longo do ano de 2012 existia uma legitima e fundada expectativa de cobrança deste crédito, sendo certo que por se tratar de um cliente conhecido, o mesmo beneficiou de credibilidade quanto às promessas de pagamento que foi fazendo. O risco de incobrabilidade apenas surgiu em 2013 quando se confirmaram as dificuldades económicas deste devedor e, consequentemente, a impossibilidade de cobrança do crédito”.
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Nesta matéria importa mais uma vez notar que a imparidade registada só poderia ser deduzida fiscalmente se a situação em causa se enquadrasse na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º-B, do CIRC, ou seja quando “os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento”.
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A correção operada pela AT quanto ao montante de 25% da imparidade registada tem como único fundamento o facto de a fatura se ter vencido em 2012, e não a ausência de prova objetiva de imparidade (sendo de notar que, nos termos da factualidade apurada, a Requerente encetou diligências de recebimento em 2013). Ora, não há base legal para a correção operada, uma vez que, ainda que a fatura se vencesse em 2012, tal não implicaria, face à letra da lei e à jurisprudência corrente, que a imparidade tivesse de se registar em 2012. O que releva é a verificação de prova objetiva de imparidade, o que não tem de ocorrer forçosamente no ano do vencimento da fatura, nem consta que a AT tenha questionado a Requerente da razão do registo da imparidade a partir de 2013.
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Em reforço da conclusão, note-se que a NCRF 27 enuncia no seu ponto 25 que indícios de prova objetiva devem ser considerados, como por exemplo a significativa dificuldade financeira do emitente ou devedor, que se torne provável que o devedor irá entrar em falência ou qualquer outra reorganização financeira, etc.
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Assim, e quanto a esta parte, o Tribunal considera que a fundamentação apresentada pela AT não é suficiente para a correção operada.
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Nessa medida, e no que se refere ao enquadramento nas classes de mora do crédito, e que justifica o remanescente do ajustamento feito quanto a este crédito, assiste razão à AT, considerando as classes de antiguidade da mora previstas no n.º 2 do artigo 28.º-B do CIRC. A Requerente não contesta no PPA este ajustamento.
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Conforme jurisprudência do STA (Processo 04/16.1BECBR, de 13/07/2023), “se o ato de liquidação tem um único fundamento jurídico, não sendo nele possível distinguir entre uma parte que está conforme à lei e outra que a viola, não se pode decretar a anulação parcial, mesmo que se entenda que, por força de outras disposições legais, uma liquidação poderia ter lugar”.
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Todavia, o ajustamento em causa é divisível, na medida em que assenta em dois fundamentos jurídicos diferentes e que conduzem a montantes específicos do ajustamento operado, sendo que quanto a uma parte do ajustamento assiste razão à AT.
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Desta forma, quanto ao ajustamento de € 2.752,50 operado na imparidade sobre o cliente G..., considera-se procedente o valor contestado de € 1.376,25.
Imparidade sobre o devedor M...
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Quanto ao cliente M..., a AT alega que a Requerente deveria ter abatido ao saldo deste cliente considerado para efeitos de imparidade, o valor de € 18.044,17, uma vez que se trava de uma dívida que a Requerente tinha perante o cliente.
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A este respeito, contra-alega a Requerente no sentido de que do regime legal “não resulta que deva ser considerado para efeitos de calculo da PPI qualquer saldo devedor relativamente ao saldo credor da conta de fornecedores. Ou seja, para efeitos de cálculo da PPI, não resulta do dispositivo legal que deva ser feito o acerto de contas entre o saldo credor e o devedor, pois os mesmos têm tratamentos diferenciados. Logo, não se pode aceitar a operação de compensação entre saldo devedor e saldo credor efetuada no relatório quanto aos devedores (…)M...”.
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Assiste razão à Requerente, porque a já citada lei não exige qualquer compensação entre posições credoras e devedoras, não havendo assim base legal para a correção operada.
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Considera-se procedente o PPA quanto ao ajustamento da imparidade do crédito sobre o cliente M... .
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Gasto com juros suportados de empréstimos
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Alega a AT que, havendo empréstimos efetuados aos sócios sem a respetiva contrapartida financeira, verifica-se um excessivo endividamento bancário face ao realmente necessário, pelo que nem todos os juros suportados de empréstimos poderão ser aceites como gasto fiscal, face ao disposto no artigo 23.º do Código do IRC.
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Para cálculo dos juros não aceites como custo, a AT tomou em conta o saldo final mensal do somatório das contas de empréstimos bancários e das contas respeitantes a empréstimos aos sócios, tendo considerado que a parte proporcional dos juros bancários suportados de €5.215,48 não é um custo fiscal (conforme quadro seguinte).
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Embora a Requerente não tenha apresentado qualquer contra-alegação em sede de PPA, em sede de recurso hierárquico alegou que: “de facto o SP realizou despesa com juros relativos a empréstimos bancários, como decorre da normal atividade empresarial. A dedução de tal despesa é, conforme refere o relatório, aceite como gasto do exercício. A existência de empréstimos a sócios não exclui, de forma automática a possibilidade de deduzir estes juros como gastos, uma vez que, por aí, não fica totalmente excluída a essencialidade daquele gasto para o exercício da atividade. Desde logo porque, não se apurou se existia qualquer pagamento de juros previsto nos empréstimos aos sócios (incluídos na declaração de divida). Note-se que poderia, como foi o caso, ter sido incluído no valor final alcançado na confissão de divida, o valor do capital acrescido dos juros, e computado como um valor global. Logo, não surgiu dai uma penalização ou prejuízo para a sociedade e que levasse a que os juros que pagou para se financiar não tenham sido essenciais para a atividade desenvolvida e, como tal, suscetíveis de serem objeto de dedução como gastos”.
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Desde logo, ainda que o montante pelo qual os sócios se confessam devedores incluísse um montante de juros decorridos, como parece alegar, mas sem provar, a Requerente, sempre faltaria a contabilização desses juros como rendimentos do exercício de 2013 ou de exercício anterior (uma vez que a contabilização deve obedecer ao princípio do acréscimo), facto que a Requerente nem sequer alega, pelo que tem de se concluir, como fez a AT, que tais empréstimos não geraram quaisquer juros na esfera da Requerente.
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A conclusão retirada pela AT no RIT, e que justifica o ajustamento realizado, é de que parte dos financiamentos bancários obtidos está a financiar empréstimos não remunerados feitos aos sócios e que, dessa forma, tais custos não têm enquadramento no artigo 23.º do Código do IRC, ou seja, nas palavras do próprio artigo (na redação que vigorava em 2013), não se consideram “indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”.
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Há assim que concluir, como fez a AT, de que parte do passivo representado pela dívida bancária se encontra a financiar operações não enquadradas na atividade da Requerente e que nem sequer geram rendimentos sujeitos a imposto.
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De facto, havendo um passivo que consiste em dívida bancária e uma parte do ativo que consiste em empréstimos não remunerados feitos a sócios pessoas singulares, caberia ao sujeito passivo a demonstração de que tal dívida bancária foi utilizada exclusivamente para financiar a sua atividade. Não sendo feita essa demonstração, a proporção dos encargos financeiros não é fiscalmente dedutível ao abrigo do artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, pelo que improcede o PPA quanto a esta parte.
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Gasto com deslocações e ofertas
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A AT considera que os pagamentos feitos à agência de viagens “não são indispensáveis, ou não pode ser comprovada a sua indispensabilidade, para a realização dos rendimentos ou para a manutenção da fonte produtora, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC à data dos factos, pelo que não são aceites como gastos do exercício de 2013, no montante total de €19.624,50, atendendo que não foram identificadas as pessoas que beneficiaram dos cheques viagem, e os locais indicados nas viagens a Cabo Verde, México e réveillon no Brasil, são destinos turísticos, não tendo o sujeito passivo clientes ou fornecedores nesses países”.
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E efetivamente, da resposta apresentada pela Requerente em sede de inspeção tributária, não se pode corroborar tal indispensabilidade, uma vez que se limitou a dizer que os cheques viagens foram adquiridos com o intuito de serem oferecidos a fornecedores, clientes e até pessoal, não especificando, porém, a quem os mesmos foram oferecidos, por falta de registo documental das ofertas.
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Em sede de PPA, foi apenas adiantado o seguinte pela Requerente: “Foram elencados diversos gastos com viagens que a AT não aceita para efeitos fiscais por não se considerarem indispensáveis para a realização dos rendimentos ou manutenção da fonte produtora. Tal não corresponde à realidade já que os mesmos foram realizados para compensação quer a clientes quer, sobretudo, a colaboradores da empresa, a título de gratificação (remuneração em espécie). Como tal, fizeram parte integrante das remunerações que, por sua vez, correspondem a uma das formas aceites para a realização de despesas para efeitos de obtenção dos rendimentos. Acresce que a fatura n.º 4831 (960 euros) corresponde a uma viagem em trabalho à Holanda, em visita a um cliente da empresa, a sociedade I... . O que se encontra devidamente documentado”.
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Ora, cabia à Requerente o ónus de demonstrar que estes encargos têm cabimento na atividade da Requerente, não bastando as meras alegações feitas, de forma geral, não tendo sequer sido identificado um fornecedor, cliente ou colaborador que tenha beneficiado dos cheques ou das viagens, nem dado o respetivo contexto empresarial concreto para cada caso.
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Na verdade, em sede de PPA (e não no âmbito da inspeção) a Requerente sugere que a maioria dos cheques foram usados como forma de atribuição de remuneração em espécie aos empregados, mas não consta, nem do RIT, nem dos autos, que tais importâncias tenham sido declaradas como remuneração em espécie dos empregados.
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Improcede assim o PPA quanto a esta parte.
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Juros indemnizatórios
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Entende a Requerente que a procedência do PPA implica o reembolso do valor peticionado e o pagamento de juros indemnizatórios.
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Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
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No que se refere às correções no decorrer dos ajustamentos quanto a operações registadas na conta de compras, no montante de €132.585,95 e operações registadas na conta de subcontratos, no montante de €7.768,17, o presente Tribunal segue a posição assumida pelo CAAD no processo n.º 403/2023-T, em que estava em causa a matéria do presente processo, mas na parte relativa à liquidação adicional de IVA. Cita-se de seguida a parte considerada relevante:
“Nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária e artigo 61.º do CPPT "[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido". (…) Entende-se por erro imputável à administração, o erro que não for imputável ao contribuinte e que assentar em errados pressupostos de facto e de direito que não sejam da responsabilidade do contribuinte. Assim, "o direito a juros indemnizatórios abrange apenas uma das causas de responsabilidade da Administração tributária, agindo como tal: a originada pelo pagamento indevido de tributos, que lhe for imputável (...) o direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte provem, em regra geral, de um dever de indemnização da Administração tributária resultante da forçada improdutividade das importâncias desembolsadas pelo contribuinte"(cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, p. 204 e 205).
(…) No presente caso, o Tribunal considerou que a Autoridade Tributária e Aduaneira elencou uma série de indícios que permitem pôr em causa a presunção de veracidade da contabilidade da Requerente dos quais se destaca a ausência do inventário permanente obrigatório, na esfera da Requerente. (…) Pelo que, tendo a Requerente omitido um dever legal de inventariação permanente (medida que permitiria validar, em real time, o stock, suas entradas e saídas e correspondente valorização do stock da empresa), considera este Tribunal que as liquidações adicionais não se devem a erro da Administração Tributária, que agiu no âmbito do que lhe competia, conforme jurisprudência superior: “a Autoridade Tributária e Aduaneira não tem de provar, em sede de ação inspetiva, a efetiva simulação nos termos constantes do art.º 240.º do Código Civil. É assim bastante a demonstração da existência de indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais. (…) Improcede assim o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
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Conforme citado na decisão arbitral (trata-se do Acórdão do TCA Sul dado no processo nº 472/17.4BECTB, de 16 de março), reitera-se a jurisprudência de que reunindo a AT indícios sérios e objetivos que impliquem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas não foram operações reais, cessa a presunção de veracidade prevista no artigo 75.º da LGT, competindo ao sujeito passivo alegar e provar a efetividade das operações.
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Deste modo, este Tribunal acompanha a posição referida, sendo por isso devidos juros indemnizatórios apenas no que respeita ao ajustamento relativo às perdas por imparidade, na parte em que o Tribunal considerou procedente o PPA.
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DECISÃO
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Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando ilegais os seguintes ajustamentos à matéria coletável de IRC do exercício de 2013:
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Operações registadas na conta de compras, no montante de €132.585,95
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Operações registadas na conta de subcontratos, no montante de €7.768,17
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Registo de perdas por imparidade em créditos de cobrança duvidosa, no valor de €19.420,42, que corresponde ao total da parte considerada procedente e que se discrimina de seguida:
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Imparidade sobre o devedor G...– anulação do valor de € 1.376,25.
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Imparidade sobre o devedor M...– anulação do valor de € 18.044,17
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Condenar a AT ao reembolso do montante de IRC pago em excesso pela Requerente, em resultado da anulação dos ajustamentos supramencionados.
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Condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante pago em excesso relativamente ao ajustamento referido na alínea c) do n.º 1.
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VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 59.554,93.
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CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, sendo a cargo da Requerida o valor de € 1.829,15 e da Requerente € 312,85, em razão do respetivo decaimento.
Notifique-se.
Lisboa, 2 de abril de 2025
O árbitro,
Jorge Belchior de Campos Laires
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