Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 680/2024-T
Data da decisão: 2025-04-04  IRS  
Valor do pedido: € 135.073,87
Tema: IRS. Prova de residência no estrangeiro para efeitos da dispensa da obrigação de retenção na fonte contida nos artigos 71.º, n.º 1, alínea b), e 101.º, n.º 2, alínea b), do CIRS.
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SUMÁRIO

Para efeitos da dispensa da obrigação de retenção na fonte que resulta dos artigos 71.º, n.º 1, alínea b), e 101.º, n.º 2, alínea b), do CIRS (relativa a rendimentos de capitais de fonte estrangeira colocados à disposição de residentes em território português por intermediários), ao sujeito passivo não é exigido apresentar certificados de residência como prova de que os clientes a favor dos quais coloca à disposição rendimentos de capitais de fonte estrangeira são residentes no estrangeiro.

Contudo, é necessário que apresente prova idónea, credível e suficiente da residência fiscal dos titulares desses rendimentos no estrangeiro, para que possa suportar a não retenção na fonte no pagamento de tais rendimentos.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (presidente), Dra. Maria Antónia Torres e Dr. João Santos Pinto (vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral no processo identificado em epígrafe, acordam no seguinte:

 

RELATÓRIO

A..., S.A., com sede na ..., ..., ...-... Porto, NIPC ... (“Requerente”), notificado da liquidação de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2024 ... e das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2024 ... a 2024 ..., referentes ao exercício de 2020, através da demonstração de liquidação de retenção na fonte de IRS n.º 2024 ... para efetuar o pagamento do montante total de € 135.073,87 até 26-02-2024, veio, em 24-05-2024, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de tribunal arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“AT” ou “Requerida”), peticionando a anulação dos referidos atos tributários, com as demais consequências legais.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 27-05-2024. As partes foram devidamente notificadas da designação dos árbitros em 16-07-2024, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do art. 11.º n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Nesta sequência, o Tribunal Arbitral foi constituído em 05-08-2024 para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, tendo sido a AT notificada para, querendo, apresentar resposta e juntar processo administrativo, o que fez em 30-09-2024.

Notificados para o efeito, o Requerente e a Requerida apresentaram alegações escritas.

 

SANEAMENTO

O Tribunal foi regularmente constituído e é materialmente competente.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O PPA foi apresentado tempestivamente, atento o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, e na alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT.

As partes não invocaram exceções que obstem ao conhecimento do mérito da causa. O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

QUESTÕES DECIDENDAS E POSIÇÃO DAS PARTES

O PPA tem por objeto o ato de liquidação de retenção na fonte de IRS n.º 2024..., as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2024 ... a 2024..., referentes ao exercício de 2020, e a demonstração de liquidação de retenção na fonte de IRS n.º 2024..., no montante total de € 135.073,87, emitidas pela AT nos termos do n.º 1 do artigo 71.º, n.º 1 do artigo 98.º, e n.º 2 do artigo 101.º do Código do IRS (“CIRS”), por o Requerente não ter efetuado, em 2020, uma retenção na fonte sobre pagamentos de rendimentos de fonte estrangeira a oito clientes que, de acordo com as bases de dados da AT, se encontravam inscritos, no ano de 2020, como residentes em território nacional.

No Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) que precedeu e fundamentou a emissão dos atos tributários ora contestados, a AT nota que os documentos apresentados pelo Requerente não constituem prova válida para contrariar a residência em Portugal. Mais observa a AT que o Requerente não cumpriu o disposto no artigo 101.º-C do CIRS, que prevê que a prova a apresentar para acionar uma convenção destinada a evitar a dupla tributação celebrada por Portugal é o Modelo 21-RFI certificado pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência, ou acompanhado de documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de Residência que ateste a sua residência fiscal.

No PPA, o Requerente começa por invocar o vício de falta de fundamentação das correções à matéria tributável efetuadas pela AT, em violação do artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e do artigo 77.º da LGT. Seguidamente, o Requerente defende que as correções encontram-se em manifesto erro sobre os pressupostos de facto e de direito, devendo ser anuladas, porquanto: (i) não há qualquer disposição legal que preveja que, para rendimentos de fonte estrangeira pagos a não residentes, o substituto tributário tenha de possuir algum tipo específico de documento que comprove a residência daqueles, (ii) o Requerente cumpriu com os deveres de identificação dos clientes e dos respetivos representantes previstos no artigo 24.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, e no Aviso do Banco de Portugal n.º 2/2018, e (iii) os elementos detidos pelo Requerente quanto aos oito clientes em causa constituem provas idóneas, credíveis e suficientes de que os mesmos eram não residentes em Portugal no ano de 2020. Por último, o Requerente invoca a ilegalidade da liquidação de juros compensatórios, por a AT não ter demonstrado a verificação dos pressupostos de que depende a liquidação de juros compensatórios, previstos no artigo 35.º, n.º 1, da LGT, designadamente a culpa do sujeito passivo no eventual atraso ou retardamento da liquidação do imposto.

Na resposta ao PPA, a AT Requerida defende que os documentos apresentados para demonstrar a residência dos oito clientes em apreço não constituem prova válida, aceite para contrariar a residência em Portugal. Sendo obrigatória a comunicação do domicílio do sujeito passivo à AT (por força do disposto no n.º 3 do artigo 19.º da LGT), e sendo a mudança de domicílio ineficaz perante a AT enquanto não lhe for comunicada (por força do disposto no n.º 4 do artigo 19.º da LGT), só seria de aceitar a alteração da qualidade de residente para não residente com a apresentação de prova válida por parte da entidade pagadora (in casu, o A...), uma vez que é sobre si que recai o ónus da prova (cf. n.º 1 do artigo 74.º da LGT), enquanto substituto tributário.

Quanto ao que constitui prova válida de residência para este efeito, veio a AT argumentar na resposta ao PPA o seguinte: (i) não havendo um normativo especialmente previsto quanto ao tipo de documento e qual a informação que deve conter, exclusivamente com a finalidade de confirmar a residência, só nos resta utilizar a disposição mais favorável ao sujeito passivo, e (ii) o artigo 101.º-C do CIRS prevê que a prova a apresentar para acionar uma convenção destinada a evitar a dupla tributação celebrada por Portugal é o Modelo 21-RFI certificado pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência, ou acompanhado de documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado. Subsidiariamente defende a AT que, ainda que se considere que não se aplica o estatuído no artigo 101.º-C do CIRS, sempre seria obrigação do Requerente apresentar qualquer prova idónea, credível e suficiente da residência fiscal no estrangeiro dos titulares dos rendimentos, ou seja, prova apta a justificar a não retenção na fonte sobre os rendimentos de capitais em causa, o que manifestamente não foi efetuado pelo Requerente.

Quanto ao vício de falta de fundamentação, veio a AT defender, em suma, que a fundamentação dos atos tributários é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação, o que se verificou no caso em apreço.

Relativamente à legalidade da liquidação de juros compensatório, a AT invoca jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo no sentido de que a fundamentação mínima exigível para esses atos de liquidação (juros) deve indicar a quantia sobre a qual os mesmos incidem, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa ou taxas aplicadas, com menção desses elementos no próprio ato de liquidação ou por remissão para documento anexo. No caso em apreço, verificam-se os requisitos exigíveis para que o ato de liquidação de juros compensatórios se mostre devidamente fundamentado, uma vez que, da demonstração de liquidação dos juros compensatórios, resultam expressamente os períodos de tributação, o valor base, o período de cálculo, a taxa aplicável e os montantes apurados, estando assim cumpridos os requisitos previstos nos n.ºs 3, 8, 9 e 10 do artigo 35.º da LGT.  

Considerando a posição das partes vertida nos respetivos articulados e os documentos juntos aos autos, e que cumpre ao tribunal arbitral conhecer primeiramente os vícios cuja procedência determine uma mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos (cf. artigo 124.º, n.º 1, alínea a), do CPPT), o tribunal arbitral apreciará as questões a decidir pela seguinte ordem:

  1. Se o Requerente deveria ter cumprido o disposto no artigo 101.º-C do CIRS?
  2. Se os oito clientes do Requerente em apreço devem ser considerados, para efeitos do artigo 71.º do CIRS, residentes em território português?
  3. Se a liquidação de imposto impugnada sofre do vício de falta de fundamentação?
  4. Se a liquidação de juros compensatórios cumpre os requisitos previstos no artigo 35.º da LGT?

 

MATÉRIA DE FACTO

Factos Provados

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta aos autos e da prova testemunhal produzida, fixa-se como segue:

  1. O Requerente é uma instituição de crédito que exerce, principalmente, a atividade de comércio bancário, sujeita à supervisão do Banco de Portugal de acordo com o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, previsto no Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro (cf. alegado no artigo 5.º do PPA, Documento 2 junto ao PPA).
  2. Em 2020, o Requerente colocou rendimentos de capitais à disposição de oito clientes, não tendo procedido a qualquer retenção na fonte sobre os mesmos, por os considerar como não residentes, com base na informação indicada no quadro infra:

 

 

 

(cf. alegado no artigo 72.º do PPA, artigo 8.º da resposta ao PPA, e Documentos 5 a 12 juntos ao PPA).

  1. Os oito clientes em causa constavam da base de dados da AT como residentes em Portugal em 2020 (cf. artigo 6.º da resposta ao PPA e Documento 2 junto ao PPA).
  2. À data da colocação dos referidos rendimentos de capitais, o Requerente não detinha elementos idóneos, credíveis e suficientes relativamente à residência fiscal no estrangeiro, em 2020, dos oito clientes em apreço, com os NIFs ... (cf. declaração de residência em Angola emitida em 2016 junta ao PPA como Documento 5), ... (cf. documento de “Registo único de informação fiscal” atualizado em 2018 junto ao PPA como Documento 6), ... (cf. certificado de residência fiscal na Venezuela datado de 28-07-2017 e junto ao PPA como Documento 7), ... (cf. declaração de residência na Venezuela emitida em 2017 junta ao PPA como Documento 9), ... (cf. declaração de rendimentos do ano de 2008 submetida na Venezuela e junta ao PPA como Documento 8), ... (cf. fatura de eletricidade emitida em 2019 e junta ao PPA como Documento 10), ... (cf. recibo de vencimento emitido em 2010 e junto ao PPA como Documento 11), e ... (cf. documento de identificação emitido pela República de Angola emitido em 2014 e junto ao PPA como Documento 12).
  3. O Requerente foi objeto de um processo inspetivo com referência ao ano de 2020, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2023..., de 28-03-2023, tendo sido notificado do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, por Ofício de 28-11-2023, e do RIT, do qual resultou, entre o mais, uma correção à matéria coletável em sede de retenção na fonte sobre rendimentos pagos a sujeitos passivos residentes, no montante de € 118.877,73, nos termos do artigo 71.º, n.º 1, do CIRS  (cf. alegado nos artigos 6.º a 9.º do PPA, artigo 5.º da resposta ao PPA, Documento 2 junto ao PPA).
  4. Com relevância para o caso sub judice, pode ler-se no RIT:

“(...) os documentos apresentados para demonstrar a residência dessas pessoas nos países indicados na Modelo 30, não constituem prova válida, aceite para contrariar a residência em Portugal:

- No caso do NIF ..., que consta como residente na base de dados da AT desde 2016-11-08, foi apresentada a declaração de residência em Angola emitida em 2016. Adicionalmente, verificou-se que o contribuinte entregou a declaração Modelo 3 de IRS para o ano de 2017 e seguintes (incluindo 2020), com a indicação de residência fiscal no continente;

- O NIF ... consta como residente na base de dados da AT desde 2019-08-26. O Banco apresentou um documento de "Registo único de informação fiscal", cujo ano da última atualização foi 2018. Verificou-se, ainda, que o contribuinte entregou a declaração Modelo 3 de IRS para o ano de 2020 com a indicação de residência fiscal no continente;

- Relativamente ao NIF..., registado na base de dados da AT como residente desde 2019- 10-07, o Banco apresentou um certificado de residência fiscal datado de 2017-07-28. Verificou-se, ainda, que o contribuinte entregou a declaração Modelo 3 de IRS para o ano de 2020 com a indicação de residência fiscal no continente;

- O NIF..., encontra-se registado na base de dados da AT como residente, tendo entregue a declaração Modelo 3 de IRS para o ano de 2020 e seguintes com a indicação da residência fiscal no continente. O A... para comprovar a residência fiscal apresentou uma “Declaração fiscal” da Venezuela do ano de 2008;

- O NIF ... consta como residente desde 2017-08-31 na base de dados da AT, tendo o A... apresentado um certificado de residência datado de 2017-06-26. Adicionalmente, verificou-se que o contribuinte entregou a declaração Modelo 3 de IRS para o ano de 2020 com a indicação de residência fiscal no continente;

- No caso do NIF ... consta como residente desde 2016-07-20 na base de dados da AT, tendo o Banco apresentado uma fatura da eletricidade de uma sociedade Australiana de setembro de 2019. Contudo, verificou-se que o contribuinte entregou a declaração Modelo 3 de IRS para os anos de 2016 a 2019 com a indicação de residência fiscal no continente;

- Relativamente ao NIF..., registado na base de dados da AT como residente desde 2018- 07-16, o Banco apresentou um documento de inscrição na Secretaria de Finanças do Brasil com data de vencimento em 2010-08-20. Verificou-se, ainda, que o contribuinte entregou a declaração Modelo 3 de IRS para o ano de 2018 e seguintes (incuindo 2020) com a indicação de residência fiscal no continente;

- No caso do NIF..., consta como residente na base da dados da AT desde 2019- 07-19, tendo o Banco apresentado o BI de Angola com validade até 2019-10-13. Adicionalmente, verificou-se que o contribuinte entregou a declaração Modelo 3 de IRS para o ano de 2020, com a indicação de residência fiscal no continente.”

“O art.º 101.º-C do CIRS prevê que a prova a apresentar para acionar uma convenção destinada a evitar a dupla tributação celebrada por Portugal é o Modelo 21-RFI certificado pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência ou acompanhado de documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência que ateste a sua residência para efeitos fiscais (…).

Para efeitos do Regime Especial de Tributação dos rendimentos de valores mobiliários representativos de dívida (Regime) o art.º 18.º estabelece que a prova se efetua através de certificado de residência ou documento equivalente emitido pelas autoridades fiscais, documento emitido por consulado português comprovativo da residência no estrangeiro ou documento especificamente emitido com o objetivo de certificar a residência por entidade oficial que integra a administração pública central, regional ou demais administração.”

(cf. Documento 2 junto ao PPA).

  1. O Requerente foi notificado da liquidação de retenção na fonte de IRS n.º 2024 ..., das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2024..., a 2024..., referentes ao exercício de 2020, e da demonstração de liquidação de retenção na fonte de IRS n.º 2024..., no montante global de € 135.073,87, correspondendo € 118.877,73 a imposto em falta, e € 16.196,15 a juros compensatórios (cf. Documento 1 junto ao PPA).
  2. Em 15-04-2024, o Requerente requereu, junto da Unidade dos Grandes Contribuintes, a suspensão do processo de execução fiscal n.º ...2024..., nos termos do n.º 2 do artigo 169.º, do CPPT, tendo para o efeito apresentado a garantia bancária n.º GAR/... no montante de € 172.049,25 (cf. Documento 3 junto ao PPA).
  3. O PPA que deu origem aos presentes autos foi apresentado em 24-05-2024.

 

 

Factos não provados

Não ficou provado que, em 2020, os oito clientes em apreço tinha residência fiscal no estrangeiro.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada. Assim sendo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (cf. artigo 596.º, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).

Os factos dados como provados resultaram da análise crítica dos documentos juntos aos autos, e das posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados. Note-se que, quanto aos documentos apresentados para comprovar a residência fiscal no estrangeiro dos oito clientes em causa no ano de 2020, nenhum dos documentos apresentados à AT no decorrer do procedimento inspetivo, ou em sede arbitral, se refere ao ano de 2020. Assim sendo, conclui-se que o Requerente não detinha nem detém elementos idóneos, credíveis e suficientes relativamente à residência fiscal no estrangeiro, em 2020, dos oito clientes em apreço.

 

MATÉRIA DE DIREITO

Os rendimentos de capitais devidos por entidades que não têm residência, sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional constituem rendimentos de fonte estrangeira (cf. artigo 18.º, n.º 1, alínea g), do CIRS, a contrario). Na qualidade de intermediário, e em representação de clientes com rendimentos de valores mobiliários em entidades não residentes em Portugal, o Requerente é obrigado a reter na fonte 28% dos rendimentos pagos ou colocados à disposição de residentes em território português (cf. artigos 71.º, n.º 1, alínea b), 101.º, n.º 2, alínea b), do CIRS). Não há qualquer obrigação de retenção na fonte quando os titulares dos rendimentos não são residentes em Portugal para efeitos fiscais.

O Requerente não efetuou qualquer retenção na fonte sobre os rendimentos de capitais colocados à disposição de oito dos seus clientes, por entender se tratarem de não residentes em Portugal para efeitos fiscais. Todavia, nesse ano, estes mesmos clientes constavam na base de dados da AT como residentes em território nacional. A AT não aceitou os documentos apresentados pelo Requerente como prova de residência no estrangeiro, com os fundamentos elencados supra.

Cumpre decidir.

  1. Se o Requerente deveria ter cumprido o disposto no artigo 101.º-C do CIRS?

Tal como defende o Requerente, não existe um normativo especialmente previsto quanto ao tipo de documento que um substituto tributário deve exigir ao titular dos rendimentos para comprovar a respetiva residência fiscal no estrangeiro, ou quanto à informação que deve o documento deve conter. Assim sendo, entramos no domínio da prova livre, sendo apenas exigível ao substituto tributário justificar a não retenção na fonte sobre rendimentos de capitais de fonte estrangeira através da apresentação de prova idónea, credível e suficiente da residência fiscal no estrangeiro dos titulares dos rendimentos (cf. Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 359/2022, em 15-06-2023, 339/2023, em 11-12-2023, 567/2023-T, em 15-02-2024).

Assim sendo, temos que não assiste razão à AT Requerida quando defende que o Requerente se encontrava adstrito a apresentar os documentos elencados no artigo 101.º-C do CIRS (ou no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro, para efeitos dos artigos 71.º, n.º 1, alínea b), e 101.º, n.º 2, alínea b), do CIRS.

Todavia, no RIT e na resposta ao PPA, a AT elenca também os documentos apresentados pelo Requerente e conclui que os mesmos não constituem prova válida para contrariar a residência em Portugal, o que nos remete para a questão seguinte.

  1. Se os oito clientes do Requerente em apreço devem ser considerados, para efeitos do artigo 71.º do CIRS, residentes em território português?

Quanto a esta questão, interessa começar por notar que o Requerente, enquanto substituto tributário, é o devedor principal do imposto em falta (cf. artigo 21.º do CIRS) e o principal responsável pela importância não entregue nos cofres do Estado (cf. artigo 28.º, n.º 3, da LGT). Relativamente a rendimentos de capitais de fonte estrangeira, o Requerente apenas fica dispensado de proceder à retenção na fonte prevista nos artigos 71.º, n.º 1, alínea b), e 101.º, n.º 2, alínea b), do CIRS, se os beneficiários desses rendimentos não forem residentes fiscais em território português.

Daqui se retira que cabe ao Requerente averiguar, de forma diligente, a residência fiscal dos clientes a quem paga, na qualidade de intermediário financeiro, rendimentos de capitais. De facto, para efeito da obrigação prevista nos artigos 71.º, n.º 1, alínea b), e 101.º, n.º 2, alínea b), do CIRS, não basta ao Requerente alegar que não conhece, nem tem meios de conhecer, a residência fiscal dos seus clientes. Até porque o Requerente pode sempre, antes de colocar rendimentos de capitais de fonte estrangeira à disposição dos seus clientes, solicitar aos mesmos documentos que comprovem a sua residência fiscal.

Tal como referido supra, no caso sub judice, o tribunal arbitral conclui que o Requerente não detinha nem detém elementos idóneos, credíveis e suficientes relativamente à residência fiscal no estrangeiro, em 2020, dos oito clientes em apreço, porquanto nenhum dos documentos apresentados pelo Requerente à AT no decorrer do procedimento inspetivo, ou em sede arbitral, se refere ao ano de 2020. Assim sendo, conclui-se que os oito clientes do Requerente em apreço devem ser considerados, para efeitos do artigo 71.º do CIRS, como residentes em território português.

Em consequência, julga-se improcedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação dos atos tributários impugnados com base em erro nos pressupostos de direito e de facto.

  1. Se a liquidação de imposto impugnada sofre do vício de falta de fundamentação?

Quanto ao vício de falta de fundamentação, seguimos a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo citada pela AT, no sentido de que a fundamentação dos atos tributários é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação (cf. Acórdão de 19-11-2008, processo n.º 194/08; Acórdão de 07-03-2007, processo n.º 587/06).

In casu, temos que o teor do RIT que antecedeu e fundamentou a emissão dos atos tributários em apreço é clara, expressa, acessível e suficiente para possibilitar ao contribuinte um conhecimento concreto da motivação do ato, cumprindo o disposto no artigo 268.º, n.º 3, da CRP e do artigo 77.º da LGT.

Improcede, assim, o vício de falta de fundamentação.

  1. Se a liquidação de juros compensatórios cumpre os requisitos previstos no artigo 35.º da LGT?

Relativamente à legalidade da liquidação de juros compensatórios, temos que também assiste razão à AT Requerida, porquanto da demonstração de liquidação dos juros compensatórios em apreço resultam expressamente os períodos de tributação, o valor base, o período de cálculo, a taxa aplicável e os montantes apurados, estando assim cumpridos os requisitos previstos no artigo 35.º da LGT.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo citada pela AT é clara que estes elementos são suficientes para que o ato de liquidação de juros compensatórios se mostre fundamentado (cf. Acórdão de 09-06-2016, processo n.º 0805/2015; Acórdão de 14-02-2013, processo n.º 645/12).

Pelo exposto, o tribunal arbitral julga o PPA totalmente improcedente e absorve a AT Requerida no pedido.

 

DECISÃO

Termos em que o tribunal arbitral decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, absolver a AT Requerida do pedido.

 

VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e no Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 135.073,87.

 

CUSTAS

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT e 5.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e da Tabela II anexa ao mesmo Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, a cargo do Requerente, em razão do decaimento.

Notifique-se.

 

CAAD, 4 de abril de 2025.

 

O Tribunal Arbitral

 

 

Profª. Doutora Rita Correia da Cunha

 

Dra. Maria Antónia Torres

 

 

Dr. João Santos Pinto