SUMÁRIO:
I.A inscrição como residente não habitual tem natureza meramente declarativa, e não constitutiva de direitos, conforme dispõe o nº 10 do artigo 16.º do CIRS, pelo que é irrelevante a data em que o Requerente solicitou a inscrição como RNH.
II. Encontrando-se preenchidos os pressupostos de aplicação do regime de residente não habitual, sendo o sujeito passivo à data em que se torne fiscalmente residente em Portugal, não considerado residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores ao ano em que se deva considerar residente ( nº 10 do artigo 16.º do IRS), deve beneficiar do regime de RNH pelo período de 10 anos consecutivos a partir de 2022, encontrando-se preenchidos os requisitos legais para o efeito.( nº 9 do artigo 16.º do CIRS).
DECISÃO ARBITRAL
I.RELATÓRIO
1. A..., pessoa singular com o NIF nº ..., residente na Rua ..., nº..., ..., Código Postal nº ...-... Braga, (doravante designada por Requerente ou Sujeito Passivo), apresentou em 2024-06-05, pedido de constituição de tribunal arbitral, e de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1, dos artigos 2º,5º, nº 2 alínea a), 6º nº 1 e 10º, nºs 1 e 2, todos do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante referido por RJAT), e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 2 de Março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações adicionais de IRS nº 2023..., do ano de 2022 no valor de €35.168.58.
2. O pedido de constituição de tribunal arbitral tributário foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 2024-06-05 e notificado à Requerida em 2024-06-11 nos termos legais.
3.Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário que comunicou àquela Conselho a aceitação do encargo, no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.
4. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 3, alíneas a) e b) na redação que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
5. O tribunal arbitral singular ficou constituído em 2024-08-13 de acordo com a prescrição da alínea c) do artigo 11º do RJAT, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
6. Devidamente notificada para tanto, através de despacho arbitral, proferido em 2024-08-13, a Requerida apresentou em 2024-09-24 a sua resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação, e tendo procedido à junção do processo administrativo (PA) em 2024-09-24.
7. O Requerente apresentou em 2024-10-25, requerimento para admissão de prova testemunhal, concretamente para audição das testemunhas; B... e C..., para que as mesmas fossem sejam ouvidas nas instalações do CAAD em Lisboa e a testemunha D... nas instalações do CAAD no Porto.
8.Por despacho arbitral a 2024-10-28, foi deferido o pedido do Requerente, tendo sido inquirido as testemunhas em 2024-11-12.
9. Requerente e Requerida, apresentaram, respectivamente em 2024-11-27 e 2024-11-25 alegações escritas, onde fundamentalmente reiteraram e reforçaram o argumentário constante das suas peças processuais.
10. O Tribunal, em cumprimento do disposto no artigo 18.º nº2 do RJAT, designou até 2025-02-13 para o efeito a prolação da decisão arbitral.
11. Com data de 2025-02-10, e pelas razões que do mesmo constam, foi prorrogado o prazo de emissão e notificação da decisão arbitral, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 21º do RJAT.
POSIÇÃO DO REQUERENTE
Em resposta às exceções, e no que respeita à incompetência do Tribunal, defende o Requerente que o pedido de pronúncia arbitral não incide sobre a decisão de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual, mas a decisão de reclamação graciosa que apreciou a liquidação de IRS relativa ao ano de 2022, bem como a liquidação adicional de IRS referente ao mesmo ano.
Pelo que, tal pretensão encontra acolhimento na jurisdição do CAAD, concretamente na alínea a) do artigo 2.º do RJAT, uma vez que os tribunais arbitrais são competentes para apreciação dos actos de liquidação, que é precisamente o caso dos autos.
Já no que respeita à excepção de litispendência, argumenta o Requerente que não estamos perante causas repetidas, uma vez que os pedidos (o da acção administrativa especial), e o presente pedido de pronúncia, são distintos.
“(…) Na acção administrativa em curso no TAF de Braga sob o processo n.º 791/24.3BEBRG impugna-se a decisão de indeferimento do pedido de inscrição do Requerente no registo de residentes não habituais com fundamento na extemporaneidade do pedido.”[1]
Enquanto no presente processo arbitral se contesta a legalidade de um acto de liquidação, alegando-se que a inscrição no registo como residente não habitual não constitui condição necessária e imprescindível para ser tributado de acordo com aquele regime, quando estão preenchidos os pressupostos do artigo 16,º nº 8 do CIRS, na redação em vigor à data”.
No que concerne à questão prejudicial, e em abono da sua tese, invoca a Decisão sob a égide do CAAD nº 581/2022T, para defender que o facto de estar pendente a decisão sobre a inscrição do contribuinte como residente não habitual, não impossibilita a impugnação directa do acto de liquidação de IRS, com fundamento na não aplicabilidade do regime de residente não habitual.
Defende ainda, e quanto à excepção da idoneidade do meio processual, que o regime do residente não habitual, não carece de prévio reconhecimento da concessão de tal benefício, dado que o pedido arbitral tem como objeto claro a decisão de indeferimento da reclamação graciosa oportunamente apresentada, e consequentemente o ato de liquidação adicional de IRS, referente ao ano de 2022.
Por outro lado, defende ainda o Requerente, e quanto à matéria de impugnação, em breve súmula, o seguinte;
“(…) Em 17-07-2023, o Requerente entregou a declaração de rendimentos relativa ao ano de 2022, na qual incluiu o anexo J, onde declarou rendimentos da categoria A obtidos no estrangeiro no valor de 97.492,54€, conforme documento 12 que se junta (cfr., artigo 28.º do PPA);
(…) Na sequência disso, o Requerente foi notificado da liquidação de IRS n.º 2023..., do ano de 2022, com valor a pagar de 35.168,58€ conforme documento 13 que se junta e que constitui o objeto do presente pedido arbitral. (cfr., 29.º do PPA);
(…) Na liquidação objecto do presente pedido arbitral, a AT não aplica aos rendimentos auferidos pelo Requerente, no ano de 2022, o regime do residente não habitual, quando o Requerente preenchia todos os pressupostos para que pudesse beneficiar daquele regime. (cfr, artigo 32.º do PPA);
O Requerente preenchia os pressupostos para que lhe fosse aplicada a taxa especial de 20% sobre os rendimentos da categoria A por si auferidos, conforme resulta do artigo 72.º, nº 10 do Código do IRS. (cfr., artigo 33.º do PPA);
Os rendimentos auferidos pelo Requerente no ano de 2022 dizem respeito ao exercício de uma atividade de valor acrescentado, nomeadamente, de Diretor Geral e gestor executivo de empresas. ( cfr, artigo 34.º do PPA);
“(…) Face ao exposto, o Requerente preenchia, quanto ao ano de 2022, os requisitos para ser tributado à taxa especial de 20% prevista para os residentes não habituais, (…) pelo que entende que as liquidações impugnadas padecem de excesso de quantificação, motivo pelo qual deverão ser anuladas”. ( cfr., artigos 44.º e 45.º do PPA);
Sustenta ainda o Requerente, que o acto de liquidação de IRS, não se encontra devidamente fundamentado, não sendo elemento bastante, a notificação de declaração de IRS, sendo consequentemente o acto ilegal por vício de forma.
POSIÇÃO DA REQUERIDA
Defendendo-se a Autoridade Tributária por excepção, a mesma alega e em suma, as seguintes excepções: Incompetência material do Tribunal Arbitral, litispendência, questão prejudicial e idoneidade do meio processual.
Neste sentido, susta a AT que há erro na forma do processo, porque o acto de reconhecimento do pedido de inscrição como residente não habitual, é um acto administrativo, e não encontra enquadramento no âmbito da competência do CAAD, e como tal, o meio adequado seria a acção administrativa especial, nos termos do nº2 do artigo 97.º do CPPT, tendo o CAAD competência para conhecer da legalidade do acto de liquidação, o que alegadamente não corresponde à pretensão do Requerente.
E que o Requerente intentou acção administrativa especial no TAF de Braga, identificada com o nº 791/24.3BEBRG, considerando que nos autos está em causa a apreciação dos pressupostos de aplicação do regime de residente não habitual, da qual a “ liquidação mais não é do que o culminar da não aplicação daquele regime aos rendimentos auferidos pelo Requerente e estando a ser sindicados por via da acção administrativa, os motivos do indeferimento do pedido de Residente Não Habitual, recorta-se existir litispendência entre o presente pedido de pronúncia arbitral e acção administrativa”[2], dando lugar à absolvição da Requerida e da instância nos termos do disposto no artigo 577.º do CPC.
Alega ainda, que a “discussão da legalidade de IRS constitui uma questão que depende do entendimento que, a montante vier a ser fixado e que está a ser apreciada em sede de acção administrativa no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga distribuída sob o Proc. nº 791/24.3BEBRG.”[3]
É o mesmo que dizer, que só após o que for decidido na acção administrativa é que poderia o Tribunal Arbitral apreciar da liquidação de IRS aqui em crise.
Neste sentido, refere a AT o Acordão do Tribunal Constitucional nº 718/2017, proferido no Processo nº 723/2016, de 15-11-2017, para afirmar” (…) a impugnação do ato de reconhecimento da condição de residente não habitual, não encontra sustentação jurisdicional na discussão da liquidação, sendo, o meio gracioso previsto consiste no pedido de reconhecimento correspondente, e na eventualidade de indeferimento da dita pretensão, a ação administrativa.[4]
Por outro lado, defende a Requerida por impugnação, e em breve síntese, e para o que aqui releva, o seguinte:
“ Alega primeiramente o Requerente que o direito a ser tributado como residente não habitual, depende apenas do preenchimento dos requisitos do nº.8 do Art.º 16.º do CIRS e da inscrição como residente em território português, e não da inscrição como residente habitual, e nesse desiderato, tendo-se tornado residente em Portugal em 2021, e não tendo sido considerado residente fiscal nos 5 anos anterior ( 2016 a 2021), sempre se encontra preenchidos os pressupostos de que depende a tributação no regime do residente não habitual, e isto pese embora o Requerente tenha procedido à apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual após a data indicada no Art.º 16º, nº 10 do Código do IRS, o facto de este pedido não ter sido formulado até aquela data, não preclude o direito de ser considerado residente não habitua e de ser tributado como tal. (cfr. artigo 93.º da Resposta);
(…) Pelo que, para atribuição do estatuto de Residente Não Habitual, deverá:
-
Tornar-se fiscalmente residentes em território Português de acordo com qualquer dos critérios estabelecidos no n. º1 ou 2 do artigo 16.º do CIRS no ano relativamente ao qual pretende que tenha início a tributação como residente não habitual;
-
Não ter sido considerado residente em território nacional em qualquer dos cinco anos anteriores ao ano relativamente ao qual pretende que tenha início a tributação como residente não habitual;
-
Solicitar a inscrição como residente não habitual no ato de inscrição como residente em território nacional ou, posteriormente, até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente neste território. (cfr., artigo 95.º da Resposta);
Desde logo. o requisito constante da alínea c), versa concretamente sobre o caracter perentório do prazo ali estabelecido para aplicação do regime em análise, impondo o legislador, efetivamente, um limite -31 de Março do ano seguinte àquele em que o Requerente se torne residente em território português- para inscrição com vista a poder beneficiar do regime de residentes não habituais. ( cfr., artigo 96.º da Resposta)
Sendo entendimento de que se trata de um prazo perentório que, pela sua natureza, faz, quando ultrapassado, precludir o direito de que aqui se arroga o Requerente, ao invés da interpretação jurídica propugnada pelo aquele de que a tributação de acordo com o regime do residente não habitual, depende exclusivamente do preenchimento dos pressupostos estabelecidos no nº 8 do Art.º 16 do CIRS, consubstanciando o nº10 do citado artigo uma mera obrigação declarativa, (cfr., artigo 97.º da Resposta);
Contudo tal interpretação, constitui uma manifesta violação das regras de interpretação das normas jurídicas fiscais previstas nos n.ºs 1 e 2 do art.º 11 da Lei Geral Tributária e do art.º 9.º do Código Civil. ( cfr., artigo 98.º da Resposta);
O Estatuto dos Benefícios Fiscais ( EBF), determina, no seu Art.º 2, que “ consideram-se benefícios fiscais as medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem.” Sendo considerados como benefícios fiscais, nomeadamente: (…) “as isenções. (cfr., artigo 100.º da Resposta);
O legislador pretendeu criar um forte incentivo para que um conjunto limitado de pessoas, com determinadas características, deslocalizasse a sua residência para Portugal, demonstrando-se essencial conseguir distinguir entre quem deslocalizou a sua residência para Portugal por conta dos incentivos, de quem nem sequer conhecia o regime e seus respetivos prazos, e ara tal, o legislador, além de criar o regime, fixou um procedimento obrigatório que exige o cumprimento de um prazo imperativo. ( cfr., artigo 101.º da Resposta).
Apelando a uma inscrição obrigatória para a obtenção de um estatuto jurídico, e não de uma mera declaração, encontrando-se desde já, o nosso elemento sistemático, sendo entendimento da Requerida que a inscrição é um ato formal que tem por consequência o início ou a alteração da uma situação jurídica, e um enquadramento legal para uma pessoa ou um bem. ( cfr., artigo 102.º da Resposta);
E, ainda quanto ao elemento sistemático, sempre será de referir que a grande maioria das obrigações declarativas não se encontra nos capítulos de incidência objetiva e subjetiva do CIRS, como acontece aliás com todos os outros Códigos Fiscais, o que reforça ainda mais a posição da Ré, veja-se a disposição do nº. 10 do artigo 16.º do CIRS se encontra na secção das normas de incidência subjetiva do CIRS. (cfr., artigo 103.º da Resposta);
Ademais, se assim não fosse, o legislador poderia ter optado por formular uma regra de prazo remanescente para os 10 anos de duração do regime de RNH, para aqueles que efetuassem o pedido fora do prazo, o que não sucedeu, tendo sido fixado expressamente um limite temporal para acesso ao regime de RNH, pelo que, só pode depreender que esta disposição é condição formal e constitutiva do regime jurídico do benefício fiscal. (cfr., artigo 104.º da Resposta);
Acrescenta ainda a AT, que o Requerente não desempenha nenhuma actividade de valor acrescentado, porquanto não faz prova que exercia o cargo de Director Geral e gestor executivo da empresa E..., LDA, pelo que não poderia beneficiar da aplicação do disposto no artigo 72.º nº 10 do CIRS.
No que concerne à falta de fundamentação, entende a AT, que o ato de liquidação de IRS tem natureza de um processo em massa, e que a lei não exige senão a observância dos requisitos gerais de fundamentação constantes nos citados números 1 e 2 do artigo 77.º da LGT e que é cumprido pela Administração fiscal de forma “padronizada e “ informatizada”, acrescentando ainda, que o Requerente tinha perfeito conhecimento do conteúdo do acto de liquidação, o que lhe permitiu concluir, que não lhe tinha sido aplicado o regime do residente não habitual, concretamente a taxa de 20%, elencada no artigo 72.º nº 10 do CIRS.[5]
II.SANEAMENTO
-O Tribunal Arbitral Singular é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído nos termos do disposto nos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º do RJAT,
- As partes têm personalidade e capacidade judiciária, e estão devida e legalmente representadas (artigos 3º e 15º do Código de Procedimento e Processo Tributário, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT,
-A acção é tempestiva, tendo o pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral sido apresentados no prazo referido no artigo 10º, nº 1 do RJAT,
- O processo não enferma de nulidades,
- Foram suscitadas excepções, cujo o conhecimento, se efetuará infra.
- Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
III- FUNDAMENTAÇÃO
A.Matéria de facto
A.1. Factos dados como provados
Perante os documentos aportados ao processo, da factualidade aceite pelas partes, e do processo administrativo anexo, e da prova testemunhal produzida, consideram-se provados os seguintes factos:
a. O Requerente, é um sujeito passivo com nacionalidade espanhola.
b. O Requerente passou a residir em território Português em 2021-06-15, concretamente na Rua ... n ... ...– Braga, Código Postal ...-... Braga, morada que mantêm até ao momento da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, (Cfr., Documento 4, documento junto com PPA)
c. O Requerente não residiu em Portugal nos cinco anos anteriores ao ano de 2021.
d. O Requerente veio apresentar em 2022-07-18, a declaração de rendimentos de IRS modelo 3, referente ao ano fiscal de 2021. (Cfr. Documento 10 junto com o PPA);
e. Tendo declarado no anexo J, que deteve rendimentos obtidos no estrangeiro no montante de 120.727.69€ (Cfr. Documento 11 junto com PPA);
f. A Autoridade Tributária procedeu à liquidação de IRS com o número 2022..., no valor de 46.346.50€.
g. O Requerente entregou a declaração de rendimentos referente ao ano de 2022, tendo declarado no anexo J, rendimentos obtidos no estrangeiro no valor de 94.792.54, conforme documento 12 junto com o PPA;
h.A Autoridade Tributária procedeu à liquidação de IRS referente ao ano de 2022, no montante de 35.168.58, conforme documento 13 junto com o PPA;
i. O Requerente apresentou em 2022-10-14, o seu pedido de inscrição como residente não habitual, através do portal de finanças com o estado: pendente (Cfr., documento 7 junto com o PPA),
j. A AT indeferiu o pedido de inscrição como residente não habitual a 6-12-2022, (…) “foi indeferido o pedido de inscrição como residente não habitual, com efeitos ao ano de 2022, cujo regime foi criado pelo Decreto-Lei nº 249/2009, de 23 de setembro, na medida em que não reúne as condições previstas no artigo 16.º do Código do IRS (CIRS) e constante das Circulares nºs 2/2010, de 6/5 e 9/2012, de 3/8 (Cfr., documento 8 junto com o PPA),
A decisão de indeferimento do pedido é proferida com base no (s) facto(s) abaixo assinalados(s):
I)Registado/a no cadastro da AT como residente em território português (n.º 8 do artigo 16.º do CIRS e 2021
II) Consta, como residente fiscal, em declaração de rendimentos de IRS, da categoria A, relativamente ao(s) ano (s) 2021(…)” conforme documento 8 junto com o PPA.
k) O Requerente apresentou reclamação graciosa (Cfr., documento 1 junto com o PPA), tendo sido indeferido o pedido de atribuição de estatuto de residente não habitual.
L) Em 2024-06-05, o Requerente apresentou junto do CAAD pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
A.2 Factos dados como não provados e Fundamentação da decisão da matéria de facto
Com relevo para a decisão inexistem factos que devam considerar-se como não provados.
A matéria dada como provada, assenta nos documentos juntos pelos requerentes com o pedido de pronúncia arbitral, e na produção de prova testemunhal, que se revelou credível e coerente.
As testemunhas inquiridas depuseram de forma consistente, com isenção, correcção e conhecimento dos factos que lhes foram colocados.
A.3 Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão, de discriminar a matéria provada da não provada [( cfr. art. 123º, nº2 do CPPT, e nº 3 do artigo 607º do Código de Processo Civil, aplicáveis, ex vi, artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)].
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções da (s) questão (ões) de direito. (cfr. artigo 596º do CPCivil, aplicável ex vi artigo 29º nº1 alínea e) do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do disposto no artigo 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental junta aos autos, o PA anexo, os depoimentos das testemunhas apresentadas pelo requerente, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.
IV. O DIREITO
A questão que se discute nos presentes autos, versa sobre a aplicabilidade do regime fiscal do residente não habitual, previsto no nº 10 do artigo 16.º do CIRS, tendo o Requerente solicitado o registo como residente não habitual, fora do prazo previsto na lei.
Assim, a questão prende-se em aferir se aquele transcrito legal, exige a inscrição como residente não habitual, como condição essencial para que o Requerente possa usufruir daquele benefício fiscal, sem prejuízo das exceções invocadas pela AT, e que adiante se examinará.
Em face das exceções levantadas pela AT, impõe-se em obediência ao disposto no artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi, artigo 29.º nº 1 alínea a) do RJAT a apreciação prioritária das mesmas.
DA INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL
Alega a Requerida, que o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente, porquanto o Requerente vem sustentar o seu pedido no indeferimento da reclamação graciosa apresentada com o nº ..., por inaplicabilidade dos requisitos do regime do residente não habitual.
Sustenta ainda em defesa da exceção que enuncia, que o pedido do Requerente, se circunscreve ao “(…) ato de indeferimento do pedido de inscrição no registo de contribuintes como residente não habitual, é um ato administrativo em matéria tributária que não comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação.[6]”
E como tal, o registo do Requerente como residente não habitual pressupõe um ato administrativo, pelo que o seu indeferimento corresponde necessariamente a uma ação administrativa especial, e não ao presente pedido de pronúncia arbitral[7].
Sustenta ainda em sua defesa, que tal posição corresponde ao defendido pelo Tribunal Constitucional no acórdão nº 718/2017, proferido no âmbito do Processo nº 723/2016, de 15.11.2017, e cujo o excerto se transcreve:
“(…) O Tribunal, após ter julgado que o artigo 54º do CPPT, se interpretado no sentido de que o sujeito passivo que não impugnou judicialmente o acto administrativo de indeferimento do pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual está impedido de posteriormente impugnar a liquidação com fundamento em ilegalidades daqueles despachos, era incompatível com os princípios da tutela judicial efectiva e da justiça consagrados nos artigos 20º e 268º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, apreciou o mérito do pedido formulado e declarou procedente a acção.(…)[8]”
Em resposta o Requerente defende que o “(…) objeto do presente processo arbitral não é a decisão de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual, mas antes da reclamação graciosa que apreciou a legalidade da liquidação de IRS relativa ao ano de 2022. (…)”.[9]
“(…) O Requerente formulou um pedido muito concreto, no qual pede a anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa e a anulação do acto de liquidação de IRS contestada enferma de excesso de quantificação da matéria tributável para efeitos de IRS, pela não aplicação das regras de tributação na qualidade de residente não habitual, e de vício de fundamentação”.[10]
(…) “Por outras palavras, o objecto do presente processo não é a inscrição autónoma e específica da condição de residente não habitual do Requerente, mas a legalidade da liquidação de IRS em atenção à relação jurídica aplicável.”[11]
Ora, analisemos o pedido do Requerente;
Do pedido do Requerente subjaz o seguinte: “Nestes termos, e nos demais de direito, deve o presente pedido arbitral ser considerado procedente por provado e anulada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa nº...2023..., e da subjacente demonstração de liquidação de IRS nº2023..., do ano de 2022, no valor de €35.168,58.”
Isto é, do presente pedido, resulta claro que o mesmo tem por objecto a liquidação de IRS, referente ao ano de 2022, e não o reconhecimento do benefício fiscal do regime dos residentes não habituais.
Neste sentido, e conforme se retira das Decisões sob a égide do CAAD nº 319/2022T, e 1054/2023T respetivamente[12]:
“(…) O Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), que concretizou a autorização legislativa e “instituiu a arbitragem tributária limitada a determinadas matérias, arroladas no art.º 2.º do RJAT, expressamente consignou como competência dos tribunais arbitrais a pretensão relativa à “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”.
Através da Portaria nº. 112-A/2011, de 20-04, ficaram vinculados os serviços da Direcção- Geral de Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, sendo que, a estes serviços corresponde, presentemente, a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do Decreto-Lei n.º 118/ 2011, de 15-12, que aprova a estrutura orgânica desta Autoridade.
Na referida Portaria estabelecem-se condições adicionais e limites de vinculação tendo em conta a especificidade das matérias e o valor em causa.
Os autores Sérgio Vasques e Carla Castelo Trindade, em Cadernos de Justiça Tributária nº100, Abril/ Junho de 2013, no artigo “O âmbito material da arbitragem tributária “referem que “nos termos da alínea a) do n.1, os tribunais arbitrais têm competência para apreciar pretensões que se prendam com a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta”.
Destarte, a competência dos tribunais prevista no RJAT é taxativa, razão pela qual é o mesmo competente para decidir questões relacionadas apenas com a ilegalidade dos atos acima enunciados.
Ora, a esta luz, não se vislumbra que o pedido formulado possa extravasar o âmbito da competência material do tribunal arbitral, na medida em que o pedido se reconduz à declaração de ilegalidade de um acto tributário de liquidação e não o reconhecimento de um qualquer benefício fiscal.
Na verdade, e descendo ao caso dos autos, o pedido do Requerente encontra-se enquadrado no âmbito de competência dos tribunais arbitrais.
Neste domínio, impõe-se referir que o pedido do Requerente encontra acolhimento no artigo 2.º nº 1 alínea a) do RJAT, em consonância com as disposições conjugadas nos artigos 10.º nº 1 alínea a) e 102.º nº 1 alínea a) do CPPT.
Pelo que, não procede o entendimento da AT, quando recorre ao enquadramento visado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º718/2017, Proferido no Processo nº 723/2016, de 15.11.2017, (…) “ O Tribunal, após ter julgado que o artigo 54º do CCPT, se interpretado no sentido de que o sujeito passivo que não impugnou judicialmente o acto administrativo de indeferimento do pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual está impedido de posteriormente impugnar a liquidação com fundamento em ilegalidades daqueles despachos, era incompatível com os princípios da tutela judicial efetiva e da justiça consagrados nos artigos 20º e 268º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa, apreciou o mérito do pedido formulado e declarou procedente a acção.”[13], que não julgou inconstitucional tal interpretação.
Não obstante, tal não deverá impedir a impugnação do acto de liquidação de IRS, com fundamento na não aplicação do regime fiscal dos residentes não habituais.
Na verdade, resulta da fática dos presentes autos, que o sujeito passivo submeteu o pedido do registo de residente não habitual, em 14-10-2022, tendo o mesmo sido indeferido.
Pelo que, não se vislumbra de que forma poderá ser “impedido” de impugnar o acto de liquidação de IRS, que quantificou em excesso, por não considerar que se enquadrava no regime de Residente não Habitual.
Em abono desta doutrina, veja-se o excerto recordado da Decisão nº 319/2022T, sob a jurisdição do CAAD, que se transcreve:
(…) “não obstante o sentido da não inconstitucionalidade resultante do aresto supra identificado, importa relevar que a decisão não recolheu unanimidade, tendo votado vencido o Juiz Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro, o qual conclui “Se, pelo contrário, o como julgo mais correto, não chegasse a semelhante conclusão- aceitando como não manifestamente errada a qualificação do ato acolhida na decisão recorrida- cabia-lhe revisitar a questão decidida pelo Acórdão nº.410/2015. Nessa hipótese, julgo que o Tribunal deveria ter reiterado essa jurisprudência, por me parecer que a convivência de um ónus normal de impugnação unitária com um ónus excecional de impugnação autónoma, delimitada por um conceito de elevado grau de complexidade e imprecisão- « ato imediatamente lesivo de direitos»- , constitui um fator de insegurança jurídica que condiciona o exercício do direito à impugnação contenciosa das decisões tributárias, sem que se consigam discernir quaisquer razões constitucionalmente relevantes que o justifiquem. Como se afirmou naquele aresto: «ao impedir que a impugnação do ato de liquidação do imposto se funde em vício próprios do acto de cessação do benefício fiscal, a interpretação que a decisão recorrida fez do artigo 54.º do CPPT desprotege gravemente os direitos do contribuinte, assim ofendendo princípio da tutela judicial efetiva e o princípio da justiça, inscritos nos artigos 20.º, e 268.º nº4, da CRP»
Em suma, o Tribunal deveria ter julgado o recurso improcedente”.[14]
Conclui-se assim, e face ao exposto, que improcede a exceção de incompetência matéria do tribunal Arbitral invocada pela Requerida/ AT.
DA LITISPENDÊNCIA
“(…) A litispendência e o caso julgado são pressupostos processuais de índole negativa, na medida em que a sua verificação gera uma exceção dilatória e conduz à absolvição da instância (arts. 278.º, nº 1, al. e) e 577.º, al.i)).
A litispendência e o caso julgado pressupõem a repetição de uma causa, divergindo quanto ao estado em que ambas se encontram: se numa delas foi proferida decisão final transitada em julgado, verifica-se a exceção de caso julgado, na situação oposta há litispendência. Qualquer das exceções visa evitar que o tribunal reproduza ou a contradiga uma decisão anterior, tutelando, no essencial, o prestígio e a credibilidade da função judicial os valores da segurança jurídica e da certeza do direito.[15]
A repetição da causa ocorre quando é proposta uma ação idêntica a outra quantos aos sujeitos, ao pedido e causa de pedir, sendo essa tripla identidade crucial para a verificação de alguma das exceções dilatórias de caso julgado e litispendência. (…)”
Conforme se demonstrará infra, não pode colher a tese da Requerida / AT no que concerne à exceção de litispendência, alegando que os presentes autos (isto é, o acto de liquidação de IRS aqui em crise), se funda na não aplicabilidade do regime do residente não habitual, nos mesmos termos que a ação administrativa proposta pelo Requerente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.
Nestes termos, é de subscrever a posição do Requerente, quando refere:
(…)”Na ação administrativa em curso do TAF de Braga sob o processo n.º 791/24.3BEBRG impugna-se a decisão de indeferimento do pedido de inscrição do Requerente no registo dos residentes não habituais com fundamento na extemporaneidade do pedido.
Enquanto no presente processo arbitral se contesta a legalidade de um ato de liquidação, alegando-se que a inscrição no registo como residente não habitual não constitui condição necessária e imprescindível para ser tributado de acordo com aquele regime, quando estão preenchidos os pressupostos do artigo 16.º, n.º 8 do CIRS, na redação em vigor à data.
Nessa medida, não nos encontramos perante “causas repetidas” que possam dar origem a juízos contraditórios: o TAF de Braga não irá apreciar a legalidade da liquidação de IRS de2022 e este Tribunal Arbitral não irá decidir da inscrição da Requerente no registo de residentes não habituais. (…)”.[16]
DA QUESTÃO PREJUDICIAL
Sustenta ainda a AT, que o Requerente tem pendente uma acção administrativa no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, e que se encontra em curso sob o Proc. nº 791/24.3BEBRG, sendo que deveria suspender-se a instância, pela alegada existência de causa prejudicial.
Entende a AT, que há identidade de pedidos entre a ação administrativa que corre termos, e o presente pedido de pronúncia arbitral, pelo que deveria o tribunal arbitral suspender a instância até que tal questão fosse dirimida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, devidamente enquadrada no art.º 15.º do Código do Procedimento nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi alínea d) do nº1 do art. º29.º do RJAT.
Nesta sede, impõe-se uma breve resenha sobre a alegada causa prejudicial, e se a mesma deve proceder.
(…)” O nexo de prejudicialidade define-se assim: estão pendentes duas acções, e dá-se o caso de a decisão de uma poder afectar o julgamento a proferir noutra: a razão de ser da suspensão, por pendência de causa prejudicial, é a economia e a coerência de julgamentos; uma causa é prejudicial em relação à outra quando a decisão da primeira possa destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda.
Ainda que esses dois requisitos se verifiquem, o juiz deve negar a suspensão fundada na prejudicialidade quando se demonstrar que a acção foi intentada precisamente para se obter a suspensão da outra ou, independentemente disso, quando o estado da causa tornar gravemente inconsciente a suspensão. É que não pode ignorar-se que a suspensão obsta a que a insta prossiga normalmente, o que pode revelar-se gravoso para os interesses que o autor procurou acautelar. Daí que, nessas situações, cumpra apreciar na acção todas as questões que tenham sido suscitadas (…)”.[17]
Questão identifica já foi colocada junto da jurisdição do CAAD, concretamente nos processos nº 815/2021T, 1054/2023T, 769/2024-T.
Neste sentido, e atento o pedido apresentado junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, resulta do documento 9, junto com o presente pedido arbitral;
“Termos em que, deve a presente ação ser julgada procedente por provada e por via dela: serem declarados procedentes os vícios imputados ao acto;
Seja anulado o acto impugnado, com as devidas e legais consequências. “, ancorado na não atribuição ao Requerente do regime do residente não habitual, apesar de o ter requerido junto do portal da AT, carecendo de fundamentação o indeferimento de tal atribuição.
Por outro lado, resulta do pedido do PPA: “Nestes termos, e nos demais de direito, deve o presente pedido arbitral ser considerado procedente por provado e anulada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2023..., e da subjacente demonstração de liquidação de IRS n.º 2023..., do ano de 2022, no valor de €35.168,58€.
É assim que aqui chegados, subscrevemos, prontamente e neste segmento, a posição assumida no processo sob a égide do CAAD nº 769/2024T:
“(…) Não se ignora que poderia existir uma relação entre os pedidos, caso se considerasse existir uma natureza prejudicial do registo como RNH para aplicação, anual, do seu estatuto na liquidação de IRS.
Sucede que, como infra se demonstrará, não resulta da lei, que o registo do sujeito passivo como RNH seja um requisito substantivo para aplicação desse regime em cada ano fiscal.
Ora, se o registo como RNH objeto da referida acção administrativa especial não é prejudicial relativamente à aplicação do regime de “residente não habitual” em cada ano fiscal (anos de 2020 e 2021 no presente processo arbitral), não existe interdependência dos pedidos que obste à apreciação do mérito desse processo arbitral.
Conclui-se, assim, pela inexistência de causa prejudicial que determine a obrigação de suspensão da instância. (…)”[18]
Nesta esteira, improcede a excepção de litispendência suscitada pela AT.
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DA IDONEIDADE DO MEIO PROCESSUAL
A AT alega ainda na sua resposta, e conforme já explanado supra no título: Da Incompetência do Tribunal, sobre a idoneidade do meio processual utilizado pelo Requerente.
Em abono do seu entendimento, reitera a Requerida, que estando em causa o reconhecimento do estatuto do residente não habitual, que a impugnação do ato do benefício fiscal, é autónoma em relação ao acto de impugnação, sendo que o meio adequado para que o Requerente faça valer a sua pretensão, é ação administrativa especial.
Neste sentido, e atendendo a que o aludido entendimento já foi exposto em sede própria, a propósito da competência material do tribunal arbitral, reitera-se o já exposto, quanto à análise do pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente junto do CAAD.
“Isto é, do presente pedido, resulta claro que o mesmo tem por objecto a liquidação de IRS, referente ao ano de 2022, e não o reconhecimento do benefício fiscal do regime dos residentes não habituais.”
Pelo que, a questão decidenda, não respeita a qualquer decisão administrativa de concessão do benefício do estatuto de residente não habitual, mas em saber se, apesar do Requerente ter solicitado a sua inscrição como residente não habitual fora do prazo imposto, pode ou não beneficiar do referido benefício.
Pelo que improcede a exceção invocada pela Requerida /AT.
DO REGIME DO RESIDENTE NÃO HABITUAL
Importa agora traçar o quadro normativo aplicável ao regime dos residentes não habituais.
Dispõe o artigo 16.º do CIRS, e na parte que aqui releva:
“(…)8- Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos nº 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.
9- O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual, adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.
10- O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de Março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.
11- O direito a ser tributado como residente não habitual em cada período referido no nº 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.”
De acordo com o artigo 16.º, nº8 do Código do IRS são considerados residentes não habituais os sujeitos passivos que, sendo considerados residentes fiscais em Portugal num determinado ano, não tenham sido considerados residentes fiscais em Portugal em nenhum dos 5 anos anteriores.
Quanto ao regime do residente não habitual, o mesmo foi introduzido pelo Decreto Lei nº 249/2009, de 23 de Setembro, concretamente no artigo 23.º do Código Fiscal de Investimento, tratando-se de um regime fiscal mais vantajoso, para os não residentes em território português.
Atualmente, prevê o artigo 16.º do CIRS, o regime dos residentes não habituais, cabendo analisar se o respetivo registo reveste natureza constitutiva, isto é, se é elemento essencial para que o Requerente possa beneficiar daquele regime.
Sobre este assunto, é vasta a jurisprudência do CAAD, designadamente as Decisões, 319/2022T 1054/2023T, 769/2024T, 666/2024T.
Assim, é pacífico na jurisprudência sob a égide do CAAD, em consonância com a jurisprudência dos tribunais superiores, onde se ressalva o entendimento que brota do sumário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no processo 0842/23.9BESNT, de 29-05-2024, relatado por Pedro Vergueiro, quanto à natureza meramente declarativa do registo como residente não habitual.
“Com referência ao art. 16º do CIRS, é condição de aplicação do regime dos residentes não habituais que o sujeito passivo à data em que seja considerado como residente e esteja inscrito nos registos da AT, não tenha sido residente em território nacional nos últimos cinco anos, sendo que o nº 10 aponta que “O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redacção do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)”.
O transcrito preceito legal apenas estabelece uma data-limite para o cumprimento da obrigação acessória que onera o contribuinte, sobre o qual impende o dever de inscrição da sua qualidade de residente não habitual, sendo que não resulta das normas supra transcritas que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de acto de reconhecimento por parte da AT (art. 5º do EBF), pelo que o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa. ( Sublinhado nosso)
Assim, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no nº 8 do artigo 16º do CIRS, os quais são aferidos em função do ano de inscrição como residente (no caso 2018), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual, ou seja, nada obsta à inscrição, em 2022, da ora Recorrente como residente não habitual, ainda que a sua inscrição como residente tenha sido feita em 2018.”
Acompanha-se igualmente a Decisão do CAAD nº 769/2024T, em sentido idêntico,
“Constata-se assim que os critérios para ter o estatuto de RNH são definidos pelo nº 8 do artigo 16.º do CIRS, que estabelece um critério positivo e negativo. O critério positivo consiste no facto de o sujeito passivo tornar-se fiscalmente residente nos termos do nº 1 e 2 do artigo 16.º do Código do IRS (1ª parte do nº8 do artigo 16.º do CIRS). O critério negativo consiste em não ter sido residente em território português nos cinco anos anteriores ( 2.ª parte do nº 8 do artigo 16.º do CIRS).
Por seu turno, o nº 10 do mesmo artigo, refere que o contribuinte “deve” solicitar a sua inscrição até dia 31 de Março do ano seguinte em que se torne residente fiscal em Portugal.
Trata-se de estabelecer como limite o dia anterior ao prazo de início de entrega do Modelo 3 do IRS (1 de Abril), previsto no artigo 60.º do CIRS, com vista a facilitar a tarefa de organização administrativa do cadastro, mormente com a liquidação do IRS dos beneficiários de tal estatuto.
Deste modo, do confronto dos números 8 e 10 do artigo 16.º do CIRS, dúvidas não restam que os requisitos estão unicamente previstos no respetivo nº 8.
Concluindo-se assim que a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, antes da data-limite prevista no nº 10 do artigo 16.º do CIRS, tem natureza meramente declarativa, e não tem efeitos constitutivos do direito a ser tributado nos termos do respetivo regime[19]”.
Descendo ao caso dos autos, é inequívoco que o Requerente não era residente fiscal em Portugal antes de 29-06-2021(de acordo com os documentos 3 6 e 7 junto com o PPA), como requereu a sua inscrição como residente não habitual em 14-10-2022.
Assim, resulta claro que o sujeito passivo à data em que se torna fiscalmente residente em território nacional, preenchia os requisitos previstos no nº8 do artigo 16.º do CIRS, sendo essas as únicas exigências para que o Requerente pudesse beneficiar do regime de residente não habitual, apesar da inscrição no Portal da AT ter ocorrido fora do prazo previsto no nº 10 do mencionado transcrito legal.
Neste segmento, e ainda na sequência da jurisprudência do CAAD que vem a seguir-se:
“Concorda-se com esta jurisprudência, entendendo-se igualmente que a aplicação do regime dos residentes não habituais apenas exige a verificação de dois requisitos- de o sujeito passivo se ter tonado fiscalmente residente em território português e não ter sido nele residente em qualquer dos cinco anos anteriores-, não dependendo da correspondente inscrição no cadastro.
Como tal, a falta ou intempestividade da inscrição como residente não habitual não determina por si mesma, a exclusão do regime correspondente.
Em consequência, pelo facto de não ter sido aplicado o regime dos residentes não habituais, apesar de o mesmo ter sido solicitado pelo Requerente, os actos de liquidação em causa são ilegais por erro nos pressupostos de direito, o que implica a sua anulação nos termos do nº1 do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo.”[20]
Em face do exposto, procede o pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente, devendo ser anulada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, e anulada a liquidação de IRS referente ao ano de 2022.
DO ENQUADRAMENTO DAS ACTIVIDADES DE ELEVADO VALOR ACRESCENTADO NO ÂMBITO DO REGIME DE RESIDENTES NÃO HABITUAIS.
O Requerente alega ainda, que os seus rendimentos líquidos das categorias A e B devem ser enquadrados no disposto no “ (…) artigo 72.º nº 10 do CIRS na redação em vigor à data dos factos, “ Os rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos em actividades de elevador valor acrescentado, com o carácter científico, artístico ou técnico, a definir em Portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, por residentes não habituais em território português, são taxadas à taxa de 20%”.
Para efeitos do disposto no preceito acima transcrito foi aprovada, através da Portaria n.º 12/2010, de 07/01 posteriormente alterada pela Portaria n. º230/2019, a tabela de actividades de elevado valor acrescentado, nelas se enquadrando a atividade de “112- Diretor-geral e executivo, de empresas”.
A atividade de director geral e gestor executivo compreende, de acordo com a classificação portuguesa das profissões, as seguintes funções:
-Planear, dirigir e coordenar as actividades da empresa
-Rever operações e resultados da empresa e enviar relatórios ao conselho de administração e direcção
- Determinar objectivos, estratégias, políticas e programas para a empresa
- Elaborar e gerir orçamentos, controlar despesas e assegurar a utilização eficiente dos recursos
- Monitorizar e avaliar o desempenho da empresa
- Representar a empresa em encontros oficiais, reuniões do concelho de administração, convenções, conferências e outros encontros
- Selecionar ou aprovar a admissão de quadros superiores da empresa.
(…) A actividade do Requerente não se confunde com a de gerente ou administrador, já que o Requerente não é gerente da sociedade E..., Lda, conforme documento 19 que se juntou.
A atividade exercida pelo Requerente enquadra-se na atividade com o código “112- Director- geral e gestor executivo, de empresas”, prevista na Portaria nº230/2019, pelo que deverão ser tributados à taxa especial de 20%, prevista no artigo 72.º n. º10 do CIRS.”[21]
Ao invés, a Requerida/ AT, não só sustenta que o Requerente não faz prova das funções que exerce, como indica que há uma clara contradição face aos documentos apresentados, nomeadamente o contrato de locação, parecendo que o Requerente é gerente da empresa e não Director geral.
Nesta sede, e em sustento dos seus argumentos, entende a Requerida, que o Requerente nunca poderia beneficiar do enquadramento jurídico previsto no artigo 72.º nº 10 do CIRS, sendo os seus rendimentos tributados a uma taxa especial de 20%.
Vejamos se assim é,
A questão ora prende-se em saber se o Requerente fez prova face aos elementos juntos com o PPA, se efetivamente exercia uma atividade que pudesse ser enquadrada na Portaria nº 12/2020 de 7 de Janeiro, entretanto alterada pela Portaria 230/2019 de 23-07-2019.
Neste contexto, dispõe o nº 10 do artigo 72.º do CIRS, à data dos factos:
“Os rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos em atividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, por residentes não habituais em território português, são tributados à taxa de 20 %.”.
Tal preceito normativo remete expressamente para a Portaria nº 12/2020 de 07-01, que aprova a Tabela de atividades de elevado valor acrescentado.
Observando as atividades profissionais que englobam a referida Portaria, entretanto alterada pela Portaria 230/2019, de 23-07-2019, consta o seguinte:
“Aprova a tabela de actividades de elevado valor acrescentado para efeitos do disposto no n.º 6 do artigo 72.º e no n.º 4 do artigo 81.º do Código do IRS
Portaria n.º 12/2010
de 7 de Janeiro
Prevêem, quer o n.º 6 do artigo 72.º quer o n.º 4 do artigo 81.º do Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares, que deverão ser definidas, por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, as actividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico que relevem para o novo regime fiscal do residente não habitual.
A inclusão dos rendimentos empresariais neste regime implica a necessidade de compatibilização com os regimes concorrentes do espaço europeu e a limitação dos rendimentos das categorias A e B do IRS a incluir no seu âmbito, concentrando-os sobre as actividades de prestação de serviços de elevado valor acrescentado ou da propriedade intelectual, industrial ou know-how. O catálogo de actividades que se recolhe na presente portaria representa, neste contexto, um catálogo que serve ao arranque deste inovador regime fiscal e que, uma vez testado pela prática, pode e deve vir a beneficiar dos aperfeiçoamentos que venham a revelar-se necessários.
Manda o Governo, pelo Ministro de Estado e das Finanças, ao abrigo do disposto no n.º 6 do artigo 72.º e no n.º 4 do artigo 81.º do Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares, na sequência da nova redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de Setembro, o seguinte:
Artigo único
1 - É aprovada a tabela de atividades de elevado valor acrescentado para efeitos do disposto no n.º 10 do artigo 72.º e no n.º 5 do artigo 81.º do Código do IRS, constante do anexo, que faz parte integrante desta portaria.
2 - Todas a dúvidas interpretativas respeitantes ao âmbito e ao alcance das atividades constantes da presente tabela devem ser enquadradas nos códigos da Classificação Portuguesa de Profissões (CPP) anexa à Deliberação n.º 967/2010 correspondente à 14.ª Deliberação da Secção Permanente de Coordenação Estatística do Conselho Superior de Estatística (CSE) de 5 de maio de 2010, publicada no Diário da República, 2.ª série, n.º 106, de 1 de junho de 2010, bem como das respetivas Notas explicativas vigentes.
3 - Em função da avaliação da evolução da situação económica do país, a tabela de atividade de elevado valor acrescentado poderá ser revista no prazo de três anos.
O Ministro de Estado e das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, em 2 de Dezembro de 2009.
ANEXO
Tabela de atividades de elevado valor acrescentado para efeitos do disposto no n.º 10 do artigo 72.º e no n.º 5 do artigo 81.º do Código do IRS
I - Atividades profissionais (códigos CPP):
112 - Diretor-geral e gestor executivo, de empresas (sublinhado nosso)
12 - Diretores de serviços administrativos e comerciais
13 - Diretores de produção e de serviços especializados
14 - Diretores de hotelaria, restauração, comércio e de outros serviços
21 - Especialistas das ciências físicas, matemáticas, engenharias e técnicas afins
221 - Médicos
2261 - Médicos dentistas e estomatologistas
231 - Professor dos ensinos universitário e superior
25 - Especialistas em tecnologias de informação e comunicação (TIC)
264 - Autores, jornalistas e linguistas
265 - Artistas criativos e das artes do espetáculo
31 - Técnicos e profissões das ciências e engenharia, de nível intermédio
35 - Técnicos das tecnologias de informação e comunicação
61 - Agricultores e trabalhadores qualificados da agricultura e produção animal, orientados para o mercado
62 - Trabalhadores qualificados da floresta, pesca e caça, orientados para o mercado
7 - Trabalhadores qualificados da indústria, construção e artífices, incluindo nomeadamente trabalhadores qualificados da metalurgia, da metalomecânica, da transformação de alimentos, da madeira, do vestuário, do artesanato, da impressão, do fabrico de instrumentos de precisão, joalheiros, artesãos, trabalhadores em eletricidade e em eletrónica.
8 - Operadores de instalações e máquinas e trabalhadores da montagem, nomeadamente operadores de instalações fixas e máquinas
Os trabalhadores enquadrados nas atividades profissionais acima referidas devem ser possuidores, no mínimo, do nível 4 de qualificação do Quadro Europeu de Qualificações ou do nível 35 da Classificação Internacional Tipo da Educação ou serem detentores de cinco anos de experiência profissional devidamente comprovada.
II - Outras atividades profissionais:
Administradores e gestores de empresas promotoras de investimento produtivo, desde que afetos a projetos elegíveis e com contratos de concessão de benefícios fiscais celebrados ao abrigo do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro.”
Sem necessidade de demais delongas, resulta claro, que a função de Director-geral se encontra enquadrada na referida Portaria.
Em complemento, e de acordo com a Classificação Portuguesa das Profissões, o cargo de Director Geral, compreende o seguinte descritivo de funções:
“(…) Diretor geral e gestor executivo, de empresas
1120
1120.0
Compreende as tarefas e funções do director geral e gestor executivo de empresas,
que consistem, particularmente, em:
• Planear, dirigir e coordenar as actividades da empresa
• Rever operações e resultados da empresa e enviar relatórios ao conselho de
administração e direcção
• Determinar objectivos, estratégias, políticas e programas para a empresa
• Elaborar e gerir orçamentos, controlar despesas e assegurar a utilização eficiente
dos recursos
• Monitorizar e avaliar o desempenho da empresa
• Representar a empresa em encontros oficiais, reuniões do conselho de
administração, convenções, conferências e outros encontros
• Seleccionar ou aprovar a admissão de quadros superiores da empresa
• Assegurar que a empresa cumpre as leis e regulamentos em vigor”.
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Posto isto, e para formar tal convicção, resultou da prova testemunhal produzida (que esclareceu os artigos 34.º a 38.º e 40.º a 44ª do PPA)[22], e com assinalável segurança, que o Requerente desempenha as funções de Director -Geral da empresa E... designadamente através dos depoimentos das testemunhas; B..., que exerce funções de director de operações na referida empresa, e da testemunha Dr. C... director dos Recursos Humanos também na mesma estrutura empresarial.
Nestes testemunhos, resultou claro que o Requerente exerce as funções de Director- Geral em Portugal, e que tem funções de planeamento, coordenação e determina as estratégias para a empresa E..., sendo o mesmo que representa a empresa em eventos relacionados com outras empresas de transporte.
Resultou igualmente que a gerência da referida empresa é composta por outras três pessoas, não incorporando o Requerente, o que se corrobora com o documento 19, junto com o PPA.
Concluindo-se, face ao que vem de se expor, que é aplicável ao Requerente o disposto no nº 10 do artigo 72.º do CIRS, e que o mesmo exerce uma atividade de Director Geral, e que a mesma se encontra enquadrada na Portaria nº 230/2019, no anexo com o nº 112- Director Geral e gestor executivo, de empresas.
Assim, julga-se ser procedente a pretensão do Requerente, pelo que os seus rendimentos deveriam ter sido tributados à taxa e 20%, conforme dispõe o previsto no artigo 72.º, nº10 do CIRS.
QUESTÕES DO CONHECIMENTO PREJUDICADO
Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação que é objeto do presente processo, por vício que impede a renovação dos atos, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhe são imputados pelos Requerentes. Na apreciação dos vícios imputados ao ato cuja declaração de ilegalidade é pedida deverá começar-se pelos “vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” (artigo 124.º, n.º 2, do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), já que “a arbitragem tributária visa reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes” (artigo 124.º, n.º 3, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril). Com efeito, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao ato impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.
Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação que é objeto do presente processo, por vício que impede a renovação dos atos, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º n.º 2 do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhe são imputados pelo Requerente, a saber, a falta de fundamentação.
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V.UROS INDEMINIZATÓRIOS
De acordo com o disposto na alínea b) do artigo 24º do RAJT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no nº 1 do artigo 100º da LGT (aplicável por força do disposto com o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT), que estabelece, que a “administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto de litígio, compreendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo a execução da decisão”.
Embora o artigo 2º, nº 1, alíneas a) e b) utilize a expressão “declaração de ilegalidade”, para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), não fazendo menção a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem as suas competências, os podere4s que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se harmoniza e conjuga com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que, “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
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Foram conhecidas e apreciadas as questões consideradas relevantes, tendo em vista a pretensão da Requerente, submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, cuja apreciação seria inútil. (cfr., artigo 608º do CPPT, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT”).
VI- DECISÃO
Face ao que vem de expor-se e sem necessidade de quaisquer outras considerações, decide esse Tribunal Arbitral Singular em;
- Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando-se a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa nº ...2023..., e em consequência, a anulação do ato tributário de liquidação de IRS nº2023... do ano de 2022.
- Condenar a AT no reembolso do imposto pago, bem como ao pagamento de juros indemnizatórios, que serão devidos desde a data do pagamento até ao reembolso integral.
- Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
VII- VALOR DO PROCESSO
De conformidade ao estabelecido nos artigos 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, 97º-A do Código do Procedimento e Processo Tributário, e artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €35.168.58 (trinta e cinco mil, cento e sessenta e oito euros, e cinquenta e oito cêntimos), indicado pelo Requerente e não impugnado pela Requerida.
VIII- CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº1, 22º, nº 4 do RJAT, e artigos 3º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem, e Tabela I a este anexo, fixa-se o valor das custas em 1.836,00€.(mil oitocentos e trinta e seis euros.)
NOTIFIQUE-SE
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131-º do Código do
Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, nº 1 alínea e) do Regime Jurídico
da Arbitragem Tributária, com versos em branco, e revisto pelo árbitro.
[A redação da presente decisão, rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico
de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas]
O árbitro
j. coutinho pires
26 de Março de 2025
[1] Cfr., Resposta do Requerente às excepções apresentadas pela AT, pág.5
[2] Cfr., Artigo 30.ª da Resposta.
[3] Cfr., Artigo 36ª da Resposta.
[4] Cfr., Artigo 83.º da Resposta.
[5] Cfr., Artigos 148.º e 150º da Resposta.
[6] Cfr., Artigo 11.º da Resposta
[7] Cfr., Artigo 13º da Resposta
[8] Cfr., Artigo 20.º da Resposta
[9] Cfr., Artigo 5.º da Resposta do Requerente às Exceções
[10] Cfr., Artigo 13.º; Resposta do Requerente às Exceções
[11] Cfr., Artigo 16.º Resposta do Requerente às Exceções
[12] Cfr., Págs. 10 e 11 da Decisão 319/2022T, e Págs. 13 e 14 da Decisão 1054/2023T
[13] Cfr., Artigo 20.º da Resposta.
[14] Cfr., Decisão do CAAD nº 319/2022T, pág.12
[15] Cfr., Código do Processo Civil Anotado, Vol I, Parte Geral e Processo de Declaração, artigos 1.º a 702.º, 2ª edição, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta Luis Filipe Pires de Sousa, Almedina, pás.684, 685 e 686.
[16] CFR. Artigos 27.º, 28.º e 29.º. da Resposta do Requerente às exceções
[17] Código do Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral do Processo de Declaração, 2ª edição, 2020 António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, pág.333.
[18] Cfr.,Processo do CAAD nº 769/2024T, págs. 16 e 17.
[19] Cfr., Processo do CAAD nº 769/2024T, pág.18
[20] Cfr. Processo nº 769/2024-T, pág.22
[21] Cfr., Artigos 75º, 76º, 77º, 79.º e 80º do pedido do Requerente.
[22] Vide, Acta da Inquirição das testemunhas.