Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 689/2024-T
Data da decisão: 2025-03-21  IRC  
Valor do pedido: € 161.599,39
Tema: RFAI – Artº. 22º. do CFI – conceito de “instalações fabris”
Versão em PDF

Consultar versão completa em PDF

SUMÁRIO: A expressão “instalações fabris”, constante do art.º 22º do CFI (RFAI), deve ser entendida como abrangendo os armazéns de uma empresa industrial diretamente integrados no circuito de produção.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Rui Duarte Morais (árbitro presidente), A. Sérgio de Matos e Fernando Matos (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

A... S.A., adiante “Requerente”, com sede na Rua ..., n.º ..., ... ..., com número de identificação fiscal ..., veio requerer, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), nos termos do artº. 2.º do RJAT.

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também identificada por “AT” ou “Requerida”.

 

  1. O Pedido

 

A Requerente pede (transcrevemos):

- a anulação dos atos de liquidação adicionais de IRC, melhor identificados no artº. 97º. do ppa, referente ao período de tributação de 2018 e 2019, mantendo-se as liquidações por si apresentadas,

 Ou, se assim não se entender,

-  O valor devido deverá ser corrigido para o valor melhor descrito no artº. 106.º do ppa.

- Independentemente de qualquer dos pedidos supr referidos, deverá determinar-se a devolução da quantia paga pelo Sujeito Passivo referente à nota de liquidação que aqui se impugna.

 

Apesar de entender que o pedido se encontra formulado em termos imprecisos, o tribunal pode concluir que a Requerente pede a anulação, total ou parcial, da liquidação adicional de IRC 2024..., relativa ao exercício de 2019, bem como da correspondente liquidação de juros compensatórios, das quais, feitos os devidos acertos de contas (doc. 2024...) resultou um montante a pagar de 161.599,39 euros.

 

  1. O Litígio

 

A Requerente foi objeto de um procedimento inspetivo, no ano de 2023, referente ao período de tributação de 2019. A Requerente limita o seu pedido à parte dos atos que impugna que decorreu das correções relativas ao Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”).

 

Há uma discordância no que respeita ao valor enquadrável para efeitos de RFAI quanto a um investimento relativo à construção / ampliação de armazéns.

 

Questiona a Requerente, sustentando a abrangência pelo RFAI do investimento em causa: “como se poderá concluir que não lhe assiste razão em impugnar o Relatório Final de Inspeção, quando a própria Requerida emitiu uma informação vinculativa que confere razão à Requerente?”.

 

A Requerida, na sua resposta, em conformidade com o constante do RIT, defende que os investimentos na ampliação de edifícios se encontram expressamente excluídos das aplicações relevantes do RFAI, por força da subalínea ii) da alínea a), do n.º 2 do artº. 22º. do CFI (Código Fiscal do Investimento).

 

C) Tramitação processual

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 31-05-2024.

Os árbitros que constituem este Tribunal foram designados, nos termos legais, pelo CAAD, aceitaram tempestivamente as nomeações, as quais não foram objeto de impugnação.

O tribunal arbitral ficou constituído em 06-08-2024.

A Requerida apresentou resposta e juntou o PA.

Em 3 de dezembro de 2024 (tinha sido adiada em 5 de novembro, devido a impossibilidade de comparência do mandatário da Requerente), efetuou-se a reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, seguida de inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente e Requerida.

As partes apresentaram alegações, em que reproduziram, no essencial, as posições apresentadas nas suas peças anteriores.

 

  1. Saneamento

O processo não enferma de nulidades ou irregularidades.

Não foram alegadas nem detetadas questões capazes de obstar ao mérito da causa.

Adiante se conhecerá da “questão prévia” aduzida pela Requerente.

 

 

II PROVA

 

      II.1 – Factos Provados

 

  1. A Requerente é uma média empresa de produção industrial, que tem como atividade a injeção de peças em plástico e seus derivados, as quais se destinam a diversas áreas de mercado, especialmente a indústria automóvel.
  2. No ano de 2018, a Requerente realizou avultados investimentos (1.968.262,16 Euros) , nomeadamente em: (i) quatro novas máquinas de injeção, modernas e de maior capacidade e outros investimentos com elas diretamente conexo (obras de adaptação de implementação das referidas máquinas, remodelação do piso destinado a colocar as máquinas, serviços e investimento em instalações fabris conexas); (ii) construção e ampliação de pavilhão de armazenagem dos produtos acabados e (iii) construção de armazém de matérias-primas.
  3. No ano de 2019, apesar de aquisição das máquinas de injeção ter sido efetuada em 2018, verificou-se um investimento (712.681,20 Euros) em: (i) equipamentos complementares ou auxiliares (essencialmente robots, respetivos suportes, central de refrigeração), (ii) instalações fabris relacionadas com o funcionamento dessas máquinas e equipamentos (quadros de instalação elétrica, sistema de alimentação e dosagem, rede de ar comprimido, sistema de refrigeração) e (iii) construção e ampliação de armazéns.
  4. Relativamente a 2018, a Requerente considerou os descritos investimentos elegíveis para o RFAI na sua totalidade, tendo declarado, na autoliquidação de IRC, um benefício de 256.259,45 Euros (passou para os anos seguintes o valor de 235.806,09 Euros).                
  5. No ano de 2019, a Requerente considerou tais investimentos elegíveis para RFAI na sua totalidade, tendo declarado na autoliquidação de IRC, um benefício de 413.976,39 Euros (incluindo o valor reportável do ano anterior).
  6. Não obstante o âmbito e extensão da ação inspetiva ser respeitante ao exercício de 2019, a Requerida veio corrigir o montante relativo ao benefício RFAI do ano de 2018, referente à construção/ampliação de edifício no valor de 78.335,29 Euros, bem como a correção do montante relativo ao benefício RFAI do próprio ano, referente à construção e ampliação de armazéns no valor de 61.956,44 Euros
  7. Os investimentos são respeitantes a investimento inicial, por se incluírem na categorização da expansão da sua atividade, tanto na aquisição de máquinas e equipamentos com elas conexos, como no aumento dos armazéns, estando também cumprido o requisito da criação de postos de trabalho e a sua manutenção.
  8. O investimento enquadrável na aquisição de máquinas e investimento conexo foi aceite pela AT como enquadrável no RFAI.
  9. Nos anos de 2018 e 2019 foram efetuadas construções pela Requerente, respeitantes à ampliação do pavilhão de armazenagem de produtos acabados e do armazém exterior de matérias-primas.
  10. O armazém de matérias primas e o armazém de produtos acabados estão situados no início e no fim da cadeia de produção.
  11. Tal localização é uma exigência de racionalidade económica, evitando demoras na introdução de matéria prima no processo produtivo e um mais fácil carregamento dos produtos acabados (alguns volumosos e de difícil maneio, como para-choques) nos camiões que os transportarão para os clientes, contribuindo assim para uma maior produtividade na globalidade do investimento realizado.
  12. Antes das obras, a armazenagem das matérias primas e dos produtos acabados era feita em espaços do pavilhão principal, espaços esses que passaram a ser ocupados pelas novas máquinas e equipamentos necessários ao funcionamento destas.
  13. A Requerente procedeu ao pagamento do imposto adicionalmente liquidado, em 26-02-2024,
  14. A ação inspetiva tem-se por iniciada em 22-06-2023, nos termos do artº. 51º. do RCPITA, e o relatório final da inspeção tributária foi notificado à Requerente no dia 02-01-2024,

 

Os factos dados como provados, com exceção de J) e K) e L), estão documentalmente demonstrados e não foram objeto de divergência entre as partes.

O dado como provado em J), K) e L) resultou do depoimento das testemunhas, as quais, no entender do tribunal, depuseram com verdade e pleno conhecimento dos factos.

Estes depoimentos foram essenciais para permitir ao tribunal compreender qual o grau de “pertença” dos armazéns em causa ao processo produtivo, o que foi corroborado pelo documento “Layout das Instalações Fabris” junto pela Requerente em 13-12-2024, a solicitação do tribunal.

 

 

    II.2 – Factos não provados

 

Não existem factos não provados com relevância para a decisão da causa.

 

 

III - O DIREITO

 

1 – “QUESTÕES PRÉVIAS”

 

  1. CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO 

 

A.1) A suspensão do prazo

 

A Requerente alega que a ação inspetiva abrangeu um período que extravasou os quatro anos referidos no n.º 1 do artigo 45.º da LGT. Entende que o ano de 2018 não podia ser alvo desta ação inspetiva, por a mesma se reportar a 2019, concluindo assim se ter extrapolado o período temporal legalmente previsto.

Concretamente, realça que o valor declarado no ano de 2018 como “benefício do RFAI”, correspondente à construção/ampliação de um armazém, no montante de   78.335,29 Euros, não pode ser alvo de qualquer tipo de ação inspetiva. Sustenta que a Requerida pretende “anexar” a uma ação inspetiva relativa a 2019, valores respeitantes a 2018, o que constitui violação do princípio da legalidade.

Conclui pedindo a declaração de caducidade da liquidação decorrente do valor supra mencionado.

 

A Requerida alega que foram propostas correções que se materializaram na correção da autoliquidação de IRC efetuada pela Requerente correspondente ao período de tributação de 2019, o que deu origem à liquidação adicional aqui contestada.

Tal liquidação adicional teve em conta a realidade tributária do ano de 2019, o que não significa que os factos relevantes para o efeito se esgotem nesse mesmo período, isto é, tenham início e fim e produzam integralmente os seus efeitos naquele período de tributação.

Mais afirma que, se nada mais houvesse, a caducidade do direito à liquidação ocorreria, relativamente ao IRC de 2019, em 31-12-2023, uma vez que tal prazo se suspende, nos termos do nº. 1 do artº. 46º. da LGT, durante o período de duração da ação de inspeção externa, se esta for concluída antes de seis meses após a notificação do seu início, acrescido do período em que esteja suspenso o prazo para a conclusão do procedimento de inspeção.

Alega ainda que há que ter também em conta o disposto no nº. 3 do artigo 57º A da LGT, o qual dispõe:  São suspensos os prazos relativos ao procedimento de inspeção tributária durante o mês de agosto, para efeitos do artigo 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira.​

 

Por último, a Requerida entende ser também aplicável o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 46.º da LGT[1], ao nível da ampliação do prazo de caducidade. Tudo conforme o quadro seguinte (há um lapso na data de suspensão do ano 2019: de 2020-06-30 a 2022-12-31):

 

 

 

Cumpre decidir,

 

 Determina o artº. 45º. nº. 1, da LGT: “O prazo de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”.

Dispõe o nº. 4 do mesmo artigo, “O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.”

 

A inspeção realizada à empresa teve natureza externa, pelo que o prazo suspendeu-se nos termos do nº. 1 do artº. 46º. da LGT.

É certo que a duração total da inspeção foi de 6 meses e 11 dias. Mas como há que “descontar” os dias correspondentes ao mês de agosto, a “duração legal” da inspeção resulta inferior a 6 meses, o que exclui a invocada caducidade do direito à liquidação.

 

 

O que torna desnecessária a invocação do regime de suspensão no caso de benefícios fiscais de natureza condicionada – como é o caso – do qual resulta a caducidade ocorrer em datas (anos) muito posteriores ao da notificação da liquidação impugnada.

 

É, assim, evidente que, tendo a AT concretizado validamente a notificação da liquidação adicional do IRC relativa ao período de 2019 em 30 de janeiro de 2024, o fez dentro do prazo de caducidade legalmente previsto, ou seja, muito antes do termo do prazo geral de 4 anos acrescido do número de dias de suspensão a que alude o artigo 46.º da LGT, não tendo, assim, cometido uma qualquer ilegalidade.

 

 

A.2) O âmbito temporal das correções

 

Como relembra a nota preambular ao Código do IRC, invocada pela Requerida, “Embora o rendimento das unidades económicas flua em continuidade e, por isso, exista sempre algo de convencional na sua segmentação temporal, há, geralmente, necessidade de proceder à divisão da vida das empresas em períodos e determinar em cada um deles um resultado que se toma para efeitos de tributação.”

 

Concordamos com o que alega a Requerida:

“Donde resulta que, embora o procedimento inspetivo tenha sido dirigido ao período de tributação de 2019, a análise e confirmação dos factos que sustentam as liquidações de impostos desse período têm, obrigatoriamente, de abranger o período ou períodos em que tiveram origem ou a partir dos quais se formaram, de molde a que sejam integralmente percecionados. Não se confundindo, naturalmente, com factos resultantes ou que tenham impactado diretamente liquidações de períodos anteriores.”

 

Não está, portanto, a AT a querer “anexar” a uma ação inspetiva de 2019, valores respeitantes a 2018, como refere a Requerente.

Resumindo: é exato que o valor de 78.335,29 € respeita ao benefício do RFAI correspondente ao investimento na construção/ampliação de armazéns realizado no ano de 2018.

 No entanto, por insuficiência de coleta, tal valor transitou e apenas foi deduzido à coleta do IRC de 2019, ao abrigo artigo 23.º do CFI (ou seja, o exercício do direito à dedução à coleta do IRC, só ocorreu no ano seguinte, 2019), pelo que a sua alegada incorreção só era detetável e podia ser corrigida com referência a este ano.

 

Não se vislumbra, pois, qualquer ilegalidade relativamente a esta questão.

 

 

  1. DO ERRO DE CÁLCULO DA NOTA DE LIQUIDAÇÃO

 

A Requerente alega que a AT laborou em erro no cálculo do montante da liquidação impugnada.

E alega, ainda, que a nota de liquidação não é clara, não permitindo ao contribuinte apreender o seu conteúdo nem a forma de cálculo, pelo que, invocando o princípio da fundamentação, consagrado no artigo 77.º da LGT, dá por totalmente impugnada a nota de liquidação.

 

Mais concretamente, afirma que o ponto V.2.2.1.4. do Relatório em análise dispõe uma correção no montante de 61.956,44 Euros, referentes ao ano de 2019 e o ponto V.2.2.2.3. do mesmo documento dispõe uma correção no montante de 78.335,29 Euros, referentes ao ano de 2018.

Considera que o montante referido na nota de liquidação e a sua descrição em nada se assemelha à soma dos valores descritos no ponto anterior, acrescidos de juros.

Pelo que, existindo algum valor devido, o que não aceita, entende que o valor correto a considerar seria o seguinte:

 

  • 61.956,44 Euros respeitante ao valor do benefício RFAI.
  • Acrescendo o montante de juros legalmente aplicáveis ao valor referido.

 

Apreciando,

 

Não se entendem as dúvidas da Requerente relativas à nota de liquidação do IRC.

Na sociedade Requerente – uma sociedade anónima, para mais – terá (até por exigência legal) que existir alguém, desde logo um contabilista certificado, que tenha familiaridade com a técnica (a prática) fiscal, nomeadamente no preenchimento do quadro 10 da Declaração Modelo 22.

Conforme a justificação pormenorizada da AT não há quaisquer dúvidas nas correções pretendidas.

 

O Tribunal elaborou um quadro resumo:

 

 

 

 

Não tem razão, portanto, a Requerente na impugnação, por vício de falta fundamentação ou contradição nos fundamentos invocados, da liquidação de IRC referente ao período de tributação de 2019, entendendo o tribunal ser exato o valor total a pagar de 161.599,39 €.

 

2 - THEMA DECIDENDUM

 

  1. “Investimento inicial”

 

O conceito “investimento inicial” tem extrema importância para efeitos de enquadramento do investimento elegível em termos de RFAI.

O “investimento inicial” tem que ser considerado como o resultado de uma estratégia global de expansão ou de modernização, enquadrado, relativamente ao seu contributo, para:

- No caso da expansão, através da criação de um novo estabelecimento, aumento da capacidade do estabelecimento já existente ou diversificação da produção (produtos não fabricados anteriormente);

- No caso da modernização, através da alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.

 

No caso concreto temos que a Requerente, quando confrontada pela AT, informou:

de acordo com o “dossier de investimento” para os dois anos em questão, o “Investimento Inicial” para o período de 1 de janeiro de 2018 até 31 de dezembro de 2019 enquadra-se “no aumento da capacidade de um estabelecimento já existente”, por se tratar de um investimento preponderante ao aumento da produtividade anual.

E

“que provou com os seus dossiers de suporte ao apuramento do benefício, que terminada esta sua ampliação da unidade industrial, mais especificamente, desta zona de armazenagem dos produtos acabados assim como do armazém exterior de matérias-primas, e com este aumento, conjugado com o investimento realizado em novas máquinas, conseguiu aumentar a sua capacidade produtiva, e, por conseguinte, aumentou o seu stock, sentindo a necessidade de aumentar a sua capacidade de armazenagem.”

 

 

  1. O conceito “instalações fabris”

 

B.1) O entendimento da AT

A Requerida procedeu à correção que deu origem à liquidação impugnada por entender que:

 “não se questionou o aumento da capacidade produtiva nem sequer as necessidades que tal implique a nível de edificações para armazenamento ou outras. Simplesmente, o legislador excluiu o investimento na construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios do regime, ficando salvaguardado, apenas, o investimento em instalações fabris ou em edifícios que estejam afetos a atividades turísticas, de produção de audiovisual ou administrativas (atividades cuja CAE consta da Portaria 282/2014, de 30 de dezembro e que não correspondem à desenvolvida pelo sujeito passivo), conforme previsto nos termos da subalínea ii), da alínea a), do n.º 2, do artigo 22.º do CFI.

E

“O conceito de “instalações fabris”, previsto nos termos e para os efeitos do citado artigo (subalínea ii) da alínea a) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI), entre outros, dever-se-á assim entender como compreendendo todas as instalações ligadas de forma imediata ao processo produtivo (conceito funcional), não se confundindo com quaisquer edifícios, ainda que estes se integrem num complexo fabril ou industrial. As instalações fabris alimentam e suportam o funcionamento das máquinas e equipamentos produtivos, sendo, portanto, meios de produção em si mesmos que integram o sistema de produção, cuja função base é a transformação de matérias primas em produtos finais. No caso do sujeito passivo, são exemplos de instalações fabris, os quadros e ligações elétricas das máquinas, sistema de alimentação e dosagem de matérias primas, rede de ar comprimido, sistema de refrigeração, etc., os quais são normalmente constituídos por diversas partes, peças e acessórios.

Logo, a utilização do termo “instalações” e não “edifícios”, indicia, desde logo, que o legislador pretendeu restringir o incentivo fiscal RFAI a investimento produtivo propriamente dito (constituído essencialmente por máquinas, equipamentos, e pelas instalações fabris necessárias ao seu funcionamento – elétricas, água, vapor, ar comprimido, etc.), distinguindo claramente os dois conceitos, conforme se alcança:

 -quer da diferenciação existente no CFI, relativamente à redação prevista quanto a considerar aplicações relevantes os investimentos em AFT, adquiridos em estado de novo, em que:

 - no âmbito do RFAI, com exceção (entre outros) de construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris ou afetos a atividades turísticas, de produção de audiovisual ou administrativas (art.º 22.º, n.º 2, alínea a), subalínea ii));

- no âmbito da DLRR, com exceção (entre outros) de construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo quando afetos a atividades produtivas ou administrativas (art.º 30.º, n.º 1, alínea b));

 

 

B.2) Os conceitos contabilísticos

Tendo o legislador adotado a terminologia contabilística para definir o tipo de investimentos relevante no âmbito do RFAI, tais conceitos têm de ser interpretados em conformidade com as normas que os consagram, em especial no que se refere ao conceito de ativo fixo tangível, que distingue claramente “Edifícios” de “Instalações”.

 

Vejamos, numa breve síntese, as normas contabilísticas aqui relevantes:

 

NCRF 7, § 32 – “O justo valor de terrenos e edifícios deve ser determinado a partir de provas com base no mercado por avaliação que deverá ser realizada por avaliadores profissionalmente qualificados e independentes. O justo valor de itens de instalações e equipamentos é geralmente o seu valor de mercado determinado por avaliação.”

NCRF 7, § 49 — O gasto de depreciação de um período é geralmente reconhecido nos resultados. Contudo, por vezes, os futuros benefícios económicos incorporados num ativo são absorvidos na produção de outros ativos. Neste caso, o gasto de depreciação constitui parte do custo do outro ativo e está incluído na sua quantia escriturada. Por exemplo, a depreciação de instalações e equipamento de fabrico é incluída nos custos de conversão de inventários (ver NCRF 18).

 

Adiantamos desde já que esta distinção entre “terrenos e edifícios” e “instalações e equipamentos” está de acordo com a nossa visão, quando abaixo apresentamos os dois conceitos para “instalações”.

 

-Conta 432 e Conta 433

A Requerida refere o livro “SNC Explicado”, de João Rodrigues, segundo o qual as subcontas da classe 4 em que são movimentados estes AFT também são distintas, incluindo-se as instalações no “Equipamento básico”:

 

- Conta 432 – AFT - Edifícios e outras construções: Respeita aos edifícios fabris, comerciais, administrativos e sociais (refeitórios, postos médicos, instalações desportivas e culturais para os trabalhadores, etc), compreendendo as instalações fixas que lhes sejam próprias (água, energia elétrica, aquecimento, etc.). Refere-se também a outras construções, tais como muros, silos, parques, albufeiras, canais, estradas, arruamentos, vias férreas, pistas de aviação, cais e docas;

 

- Conta 433 – AFT - Equipamento básico: Trata-se do conjunto de instrumentos, máquinas, instalações e outros bens com os quais se realiza a extração, transformação e elaboração dos produtos ou a prestação dos serviços.

 

No entanto, podemos identificar na conta 432, acima discriminada, a referência a “instalações desportivas e culturais para os trabalhadores”

 

 

B.3 ) Definições constantes  RGIC

(Reg. (UE) nº. 651/2014, de 16 de junho, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno)

 

De acordo com o RGIC, parágrafo 29 do artigo 2.º:

«Ativos corpóreos», os ativos constituídos por terrenos, edifícios e instalações, máquinas e equipamentos;

Ao longo de todo o RGIC encontram-se inúmeras referências ao conceito de “instalações”, ligadas a várias áreas, como por ex. “instalações subterrâneas”, pelo que este parágrafo distingue entre “edifícios (incluindo as instalações fabris) e as instalações fixas que lhes sejam próprias.”

Distinção que o RGIC também faz, cf. o n.º 6 do artigo 14.º, segundo o qual, “(…) Os custos relacionados com a locação de ativos corpóreos podem ser tidos em conta nas seguintes condições:

 

a) No caso de terrenos e edifícios, a locação deve manter-se pelo menos cinco anos após a data prevista de conclusão do projeto de investimento, no que se refere às grandes empresas, ou três anos, no que se refere às PME;

b) No caso de instalações ou máquinas, a locação deve assumir a forma de uma locação financeira e prever a obrigação de o beneficiário do auxílio adquirir o ativo no termo do contrato de locação.

 

B.4) Resumindo:

Encontramos dois conceitos para “instalações fabris”, conforme o tipo de investimento:

 

instalações fabris relacionadas com o funcionamento dessas máquinas e equipamentos (quadros de instalação elétrica, sistema de alimentação e dosagem, rede de ar comprimido, sistema de refrigeração)

e

instalações fabris relacionadas com edifícios (fabris), pavilhões e armazéns diretamente ligados ao processo produtivo.

 

O próprio investimento inicial (§ 49 do artigo 2.º do RGIC) faz essa distinção, como melhor identificação e compreensão e o mesmo integra o Decreto Regulamentar nº. 25/2009:

 

Os edifícios, quaisquer que sejam, constam da Tabela II – Taxas genéricas, Divisão I, Grupo 1 (Imóveis).

As instalações fabris estão distribuídas por diversos códigos expressos na Tabela I – Taxas específicas, em função do setor de atividade, constando, neste caso, na DIVISÃO III - Indústrias transformadoras, Grupo 12 – Fabricação de artigos de matérias plásticas, assim como se encontram, na Tabela II – Taxas genéricas, Divisão I, Grupo 2.

 

Ou seja:

Os edifícios, incluindo “instalações de estar”, quaisquer que sejam, têm uma tabela própria;

As “instalações de ter”, porque muito técnicas são abrangidas por diferentes códigos, conforme a sua finalidade.

 

B.5) O conceito de “instalações fabris no contexto do RFAI

Como ensina Baptista Machado, “(...) todos os conceitos utilizados pelas normas jurídicas, mesmo os chamados conceitos descritivos, são conceitos “análogos”, no sentido de que não carreiam apenas o significado de referência a algo de percepcionável pelos sentidos, mas também, se não principalmente, dão expressão a um específico sentido jurídico – por isso mesmo que a norma que os utiliza também é ela mesma, um meio de expressão da ordem jurídica e dos valores jurídicos que informam esta. Neste sentido pode também dizer-se que todas as noções que a lei vai buscar às situações típicas da vida sofrem sempre uma tal ou qual deformação “teleológica” ao serem incorporadas no sistema jurídico, pois que são sempre elementos integrantes do sentido da lei, são sempre “conceitos funcionais”.

Daí que tais conceitos sejam muitas vezes susceptíveis de aplicação a “factos” ou dados muito distantes da sua significação originária.”

Aplicando este ensinamento, temos que o “conteúdo” do conceito “instalações fabris” relevante para efeitos do RFAI tem que ser “preenchido” atento o contexto jurídico em que se insere, em última análise, tendo em conta a teleologia deste sistema de benefícios fiscais.

 

Em concreto:

Na sequência da reunião do artº. 18 do RJAT foi junto o documento demonstrativo do processo produtivo das instalações fabris da Requerente. Ao analisar o documento verifica-se que a organização está de acordo com o que é mencionado, por exemplo, por António C. Pires Caiado, no seu livro “Contabilidade Analítica e de Gestão”, 8ª. edição, Áreas Editora, em que apresenta um diagrama para caracterizar uma empresa comercial e outro para uma empresa industrial.

Naturalmente que o “circuito económico” de uma empresa industrial (como é o caso) não pode terminar aquando da obtenção do exemplar produzido. Tem subjacente o designado “ciclo de negócio” com a integração de três componentes fundamentais: o produto, o processo e o mercado.

Mesmo uma empresa em que toda a sua produção diária tivesse uma procura de mercado (de grande “elasticidade”) e fosse sempre (imediatamente) vendida, não sendo nunca armazenada, os produtos não saem diretamente do “chão-de-fábrica” para o cliente.

A função de aprovisionamento é muito importante (quer à entrada-MP), (quer à saída-PA), para o melhor acondicionamento, etiquetagem, “lettering”, na eficiência/eficácia da “cadeia de valor”. É também muito importante em termos de futuro controlo ao nível da rastreabilidade.

O “ciclo operacional” de uma empresa inicia-se com a aquisição de MP que entram no processo produtivo e termina com a realização em termos financeiros da venda dos produtos acabados.

A empresa, de acordo com o seu objeto de negócio, é uma “ongoing concern”, que tem de se adaptar às exigências do mercado onde opera e às necessidades dos seus clientes.

A reestruturação da empresa com estes avultados investimentos, constituindo um projeto agregador (estratégia global de investimento), teve um “business purpose” para a sua atividade de exploração.

Os investimentos em causa têm como objetivo o aumento da rendibilidade, o acréscimo da produtividade e a modernização da empresa.

 

O que é um Ativo?

De acordo com a Estrutura Conceptual, na al.) a) do seu parágrafo 49, “Um ativo é um recurso controlado pela entidade como resultado de acontecimentos passados e do qual se espera que fluam para a entidade benefícios económicos futuros.”

Os benefícios económicos futuros, incorporados num ativo podem fluir para a entidade das seguintes formas:

  1. Usado isoladamente ou em combinação com outros ativos na produção de bens ou serviços para serem vendidos pela entidade;

(…)

 

Ou seja, a exceção no RFAI não poderá contemplar as instalações afetas a atividades produtivas.

 

A jurisprudência mais relevante do STA será a constante do proc. nº. 016050 de 30-06-1993: Não constitui crédito fiscal ao investimento (CIF) - que se refere a al. a) do n. 1 do art. 2 do DL 197-C/86, a construção de um pavilhão destinado a armazém, serviços sociais e escritórios, por não se tratar de “instalações fabris”, no sentido de instalações ligadas imediatamente ao processo produtivo propriamente dito.

 

Há que começar por frisar que o que estava em causa era “um pavilhão destinado a armazém, serviços sociais e escritórios.”

A relevância deste aresto resultará de dele se poder concluir, a contrario, que estariam abrangidos pelo benefício fiscal em causa “instalações ligadas imediatamente ao processo produtivo propriamente dito”.

 

Em termos da jurisprudência do CAAD, uma referência ao Proc. nº. 483/2022-T, em que, a propósito de investimentos em obras realizadas num edifício, se menciona (pág. 128):  Por outro lado, os armazéns incluem-se nas «instalações fabris», se são utilizados para armazenagem dos materiais utilizados na produção, como é o caso[2].

Por último,

Relativamente à Informação Vinculativa nº.  2021 00087317, de 2 de junho de 2021, invocada pela Requerente, a Requerida começa por salientar que o seu efeito jurídico é, apenas, interpartes, pelo que, não tendo sido solicitada pela Requerente, a mesma não pode ser por esta invocada.

Aceitando tal realidade jurídica, não deixaremos de referir, por o considerarmos relevante, que, ainda que para efeitos do DLRR, a administração fiscal expressamente admitiu considerar como aplicações relevantes o investimento em edifícios (construção, aquisição reparação e ampliação) afetos às “atividades elegíveis”, incluindo na parte afeta às atividades administrativas fundamentais ao desenvolvimento da sua atividade (Informação Vinculativa nº. 2022 00308 PIV 23398, de 28 de dezembro de 2022).

 

CONCLUINDO:

 

Pelo exposto, entende-se que o investimento na alteração e ampliação do armazém de produtos acabados assim como no armazém exterior de matérias primas, atentas as circunstâncias factuais deste caso concreto, é elegível para efeitos de RFAI.

A stockagem é uma necessidade óbvia de uma empresa industrial. Sem estes armazéns, consideradas as suas caraterísticas no caso concreto, não teria sido logrado o aumento de capacidade produtiva conseguido com o investimento em questão.

 

O legislador não pode ter considerado como opção uma restrição de delimitação do investimento desta natureza, incluindo apenas a parte dita “funcional”, atentas as condições que estiveram na génese deste benefício, conforme os Regulamentos comunitários que, recorde-se, tiveram como fundamento o desenvolvimento económico, pela redução das desigualdades entre as diversas regiões e melhorando a competitividade das empresas.

 

  • DECISÃO

 

Nestes termos, acorda este Tribunal Arbitral em julgar a ação totalmente procedente e anular, no peticionado montante de € 161.599,39, as liquidações adicionais (de IRC e de juros compensatórios) relativas ao período de tributação de 2019.

 

VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 161.599,39.

 

CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, do artigo 4.º, n.º 5 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas no valor de € 3.672,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Porto, 21 de março de 2025

 

                                                           O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

 

                                                                 Rui Duarte Morais

                                                        

                                                                 A. Sérgio de Matos

                                                

 

Fernando Matos (Relator)

 

 

 



[1] Artigo 46.º (Suspensão do prazo de caducidade)

 

Nº 2. al. c) Em caso de benefícios fiscais de natureza condicionada, desde a apresentação da declaração até ao termo do prazo legal do cumprimento da condição;

[2] Existe uma evidente semelhança entre a realidade factual sobre que incidiu tal acórdão arbitral e o presente caso. Refere aquele acórdão:

“Neste caso, como resulta da prova produzida que foi incluída no edifício adquirido uma secção de corte, com máquinas específicas para dar continuidade às operações de fabrico da Requerente, bem como uma máquina de testes dos produtos, para além de ser utilizado para armazém de matérias-primas com melhor organização e para serviços administrativos. (sublinhado nosso)

Resulta ainda da prova produzida que foi o aumento de produção da Requerente que fez surgir a necessidade de melhor organização e armazenamento de matérias-primas, que justificou a aquisição do edifício [alínea NNN) da matéria de facto fixada], com gestão de stocks adequada que foi necessária em face da maior diversificação necessária à nova produção muito diferenciada [alíneas PPP) e QQQ) da matéria de facto fixada], pelo que ele se está perante um investimento «relacionado com ... aumento da capacidade de um estabelecimento existente», que se enquadra na definição 49), alínea a), do artigo 2.º do RGIC.

Do exposto conclui-se que a correcção relativa às despesas com as reparações do edifício, no valor de (…), enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito que justifica a sua anulação.” (pág. 130)