Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 525/2024-T
Data da decisão: 2025-03-20  IRC  
Valor do pedido: € 1.457.205,36
Tema: IRC – Transmissibilidade de benefício fiscal. Fusão. Ato administrativo constitutivo de direitos. Contribuições para fundos de pensões.
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Sumário

1. O ato certificativo praticado pela ANI, em sede de SIFIDE, constituindo um ato administrativo que gera o direito ao benefício fiscal, conforme definido no n.º 3 do artigo 167.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), reveste a natureza jurídica de um ato constitutivo de direitos, pelo que não pode ser desconsiderado pela AT - artigos 266.º, n.º 2, da Constituição, 55.º da LGT 3.º, n.º 1, do CPA.

2. O artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRC não estabelece qualquer distinção entre diferentes tipologias de fundos, pelo que estando demonstrada a existência de um único fundo de pensões no Grupo da Requerente, organizado em torno de um plano de contribuição definida, mas com uma cláusula de salvaguarda que prevê uma componente de benefício definido para alguns trabalhadores, aquela norma é aplicável quanto à globalidade da massa salarial.

 

DECISÃO

 

Os Árbitros Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro (Presidente), Dr. Sérgio Pontes e Dr. Martins Alfaro (Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

1.Relatório

A..., S.A., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o número único de matrícula e identificação fiscal ..., com sede na ..., ..., ...-..., ..., ..., com capital social de € 500.000.000 (quinhentos milhões de euros), abrangida territorialmente pela competência do Serviço de Finanças de  ... e objeto de acompanhamento permanente pela Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”), sociedade dominante de grupo submetido ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS” e “Grupo B...”) do qual a sociedade a seguir identificada era participante no período de tributação em causa (“A...”); e C..., S.A. (adiante “C...”), com número único de identificação e de matrícula na Conservatória do Registo Comercial de Figueira da Foz 500 636 630, com sede em Lavos, Figueira da Foz, 3090 – 451, Figueira da Foz e com capital social de € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros), abrangida territorialmente pela competência do Serviço de Finanças de Figueira da Foz ... e objeto de acompanhamento permanente pela UGC (adiante “C...”), conjuntamente designadas como “Requerentes”, no seguimento da notificação do indeferimento (parcial) da reclamação graciosa com o ...2023... “contra a liquidação adicional de IRC de 2018 com o n.º 2022... e as liquidações de juros compensatórios com os n.os 2022... e 2022..., pelas quais se apura o valor a pagar de € 13.763.739,75, todas respeitantes ao Grupo B..., ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a); 3.º, n.º 1; e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que regula o regime jurídico da arbitragem em matéria tributária (adiante “RJAT”), apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral sobre os mencionados atos de liquidação respeitantes a 2018 e o indeferimento da reclamação que os manteve inalterados, os primeiros praticados pelos serviços centrais da AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) e assinados pela Diretora- Geral daquela Autoridade e aquele último emitido pelo Chefe da Divisão de Justiça Tributária da UGC ao abrigo de Subdelegação de competências

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUNAEIRA (AT).

 

  1. Do pedido

A Requerente formula o seu pedido:

“TERMOS EM QUE SE REQUER A V. EXA. SE DIGNE ADMITIR O PRESENTE PEDIDO DE CONSTITUIÇÃO E DE PRONÚNCIA ARBITRAIS, NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS DO DECRETO‐LEI N.º 10/2011, DE 20 DE JANEIRO, SEGUINDO‐SE A TRAMITAÇÃO PREVISTA NOS ARTIGOS 17.º E SEGUINTES E APLICANDO‐SE OS EFEITOS MENCIONADOS NO ARTIGO 13.º DO REFERIDO DIPLOMA, TUDO COM AS DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, CONCLUINDO‐SE, A FINAL, DO SEGUINTE MODO: A) PELA DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE E ANULAÇÃO DOS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO ADICIONAL DE IRC E JUROS COMPENSATÓRIOS DO PERÍODO DE TRIBUTAÇÃO DE 2018 NA PARTE CONTESTADA E AINDA DO INDEFERIMENTO DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA QUE OS MANTEVE INALTERADOS, TODOS ACIMA IDENTIFICADOS E COM BASE NOS VÍCIOS INVOCADOS; B) PELA CONDENAÇÃO DA AT AO REEMBOLSO À A... DOS VALORES ADICIONAIS INDEVIDAMENTE LIQUIDADOS E POR ESTA PAGOS, NOS SEGUINTES TERMOS: i. PELO MENOS, € 715.322,28 A TÍTULO IMPOSTO LIQUIDADO A MAIS QUANTO À CORRECÇÃO ATINENTE À C...; ii. PELO MENOS, € 574.418,99 A TÍTULO IMPOSTO LIQUIDADO A MAIS QUANTO À CORRECÇÃO ATINENTE À DOTAÇÃO DE SIFIDE DA A...; iii. PELO MENOS, € 280.986,98 TÍTULO DE JUROS COMPENSATÓRIOS DECORRENTES DO ARTIGO 35.º DA LGT, OU, SUBSIDIARIAMENTE, PELO MENOS, OS JUROS COMPENSATÓRIOS LIQUIDADOS EM EXCESSO A PARTIR DE 13 DE DEZEMBRO DE 2021 E 15 DE NOVEMBRO DE 2021, QUANTO A CADA UMA DAS CORRECÇÕES EM CAUSA. C) PELA CONDENAÇÃO DA AT À LIQUIDAÇÃO E PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS DEVIDOS À LUZ DO ARTIGO 43.º DA LGT SOBRE A TOTALIDADE DOS VALORES REFERIDOS, TUDO COM OS DEMAIS EFEITOS LEGAIS”

 

  1. Tramitação processual

O pedido de constituição do tribunal arbitral entregue no dia 08-04-2024 foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 09-04-2024.

As Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram notificadas dessa designação em 31-05-2024, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 19-06-2024, e nesse dia a Requerida foi notificada para apresentar Resposta.

Em 09-09-2024, a Requerida apresentou a Resposta e juntou o Processo Administrativo (PA).

Por despacho de 13-09-2024, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2, todos do RJAT.

A 10-10-2024 as Requerentes e a Requerida apresentaram alegações escritas, e as Requerentes exerceram o seu direito ao contraditório sobre a exceção invocada.

As Requerentes com as alegações juntaram o doc. 17, que protestaram junta no PPA e a decisão arbitral proferida no processo n.º 429/2024-T, a qual consta do site do CAAD, acessível por todos pelo que se admite a sua junção.

As Requerentes juntaram ainda um documento identificado como informação jurídica.

Por despacho datado de 07-03-2025, foi determinada a notificação da Autoridade Tributária (AT) para que se pronunciasse sobre a junção dos referidos documentos no prazo de 5 dias.

A AT por e-mail de 18-03-2024, já fora do prazo concedido, apresentou um requerimento em que considera relativamente aos documentos juntos com as Alegações das Requerentes: “A documentação junta aos autos em nada altera a posição da AT expressa na Resposta oportunamente apresentada. (...)”.

Assim, entende este Tribunal Arbitral que não há obstáculo a essa junção, uma vez que os pareceres, independentemente de quem os emita, podem ser juntos em qualquer estado do processo (artigo 426.º do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

2. Matéria de facto

2.1 Factos provados

Em face das posições das partes expressas nos articulados e dos documentos integrantes do processo administrativo anexo, julgam-se como provados os seguintes factos pertinentes para a decisão da causa:

  1. A A..., S.A. (doravante “A...”) é a sociedade dominante de grupo submetido ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS” e “Grupo B...”) do qual a C..., S.A. (doravante “C...”) era participante no período de tributação de 2018; (cfr. doc. junto com o PPA).
  2. A A... incorporou, através de fusão, registada comercialmente a 27 de dezembro de 2018, a sociedade D..., tendo a operação beneficiado do regime de neutralidade fiscal previsto nos artigos 73º e seguintes do Código do IRC; (cfr. doc. junto com o PPA).
  3. A A... apresentou, em 24 de maio de 2019, candidatura para certificação de despesas de investigação e desenvolvimento (I&D) por parte da Agência Nacional de Inovação (ANI); (facto não controvertido).
  4. A A... inscreveu €1.448.249,37 no campo 710 do Anexo D da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC do período de 2018, como dotação do período relativa ao benefício fiscal do SIFIDE, que resultou da soma dos produtos de 32,5% sobre €2.548.374,69 e de 50% sobre €1.240.055,19; (cfr.  página 10 do RIT, incluído como doc. 12 junto com o PPA).
  5. A ANI emitiu certificação, datada de 19 de junho de 2020, das despesas de I&D realizadas pela A... em 2018, fixando-as em €2.454.474,64 (líquidas de subsídios recebidos); (cfr. doc. 9 junto com o PPA).
  6. Através de declarações emitidas em 8 de maio de 2020 a mesma ANI considera as quantias de €888.892,45 (€888.893,55 na declaração de 19 de Junho de 2020) e €1.722.373,93 (€1.722.379,77 na declaração de 19 de junho de 2020) como despesas com I&D líquidas de subsídios relativas, respetivamente a, 2016 e 2017, sendo a respetiva média de €1.305.636,66; (cfr. docs. 9 e 11 juntos com o PPA).
  7. Na referida declaração de 19 de junho de 2020, a ANI recomenda a atribuição à A... de um crédito fiscal de €1.372.123,25, apurado nos termos da aritmética resultante do artigo 38º, n.º 1 do CFI, considerando a taxa base de 32,5% multiplicada por €2.454.474,64 (resultando em €797.704,26) e a taxa incremental de 50% sobre €1.148.837,98 (resultando em €574.418,99); (cfr. doc. 9 junto com o PPA).
  8. O montante apurado pela ANI (€1.372.123,25) é inferior ao inscrito pela A... (€1.448.249,37) no campo 710 do Anexo D da Modelo 22 de IRC do período de 2018 em €76.126,12; (cfr. resulta da aritmética das alíneas anteriores e da página 14 do RIT, incluído como doc. 12 junto com o PPA).
  9. A ANI emitiu certificação, datada de 8 de janeiro de 2019, das despesas de I&D realizadas pela D... em 2017, fixando-as em €3.500.000,01 e recomendou a atribuição de um crédito fiscal à empresa de €2.637.500,00, o qual foi integralmente deduzido em 2017; (cfr. doc. 13 junto com o PPA).
  10. A A... apresentou em 31-05-2019 a declaração periódica de rendimentos (modelo 22) referente ao exercício de 2018; (cfr. PPA e RIT).
  11. A A... foi sujeita a uma ação de inspeção externa, no que respeita ao exercício de 2018, iniciada em 17 de fevereiro de 2021, tendo sido notificada do Relatório Final de Inspeção Tributária (RIT), datado de 23 de dezembro de 2021, em janeiro de 2022; (cfr. página 23 do RIT, incluído como doc. 12 junto com o PPA).
  12. O RIT, que consta do documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, refere, além do mais, o seguinte:

“reduz-se em 650.545,11 Euro o valor de dotação por benefício fiscal de SIFIDE (…) sendo que a diferença apurada decorre:

a. 76.126,12 Euro correspondente à diferença entre o crédito de imposto por SIFIDE declarado pelo sujeito passivo (1.448.249,37 Euro) e o calculado nos termos do artigo 38º do CFI (1.372.123,35 Euro) para as despesas de I&D aprovadas pela ANI; e

b. 574.418,99 Euro (1.372.123,25 Euro – 797.704,26 Euro) decorrente da alteração da média de despesas de I&D nos dois anos anteriores, para efeitos de aplicação da taxa marginal prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 38º do CFI, em resultado da incorporação por fusão da sociedade D..., S.A.”; (cfr. ponto I.4.1 do RIT).

“(…) a A..., SA, incorpora na sua esfera jurídica a atividade antes desenvolvida pela sociedade incorporada, sendo que essa sociedade incorporada, no exercício da sua atividade durante o ano de 2017 – atividade que se transmitiu para a incorporante, desenvolveu atividades de I&D elegíveis para SIFIDE e cujas despesas ascenderam a um total de 3.500.000,01 Euro (ver quadro abaixo)

 

A...

D...

 

 

 

A continuidade da atividade deve ser refletida na determinação do crédito fiscal por SIFIDE por via da inclusão das despesas com I&D incorridas nos dois períodos anteriores quer pela incorporante, quer pelas sociedades incorporadas. Assim, em conformidade com as despesas de I&D elegíveis para SIFIDE validada pela Agência de Inovação na candidatura submetida pela sociedade incorporante para o período de 2017 resulta que, para efeitos de determinação do incremento sujeito à aplicação da taxa marginal de benefício fiscal em 2018, a média das despesas incorridas pela A..., S,A, ascende a 3.055.636,67 Euro em vez de 1.305.636,66 Euro Considerados pela empresa (…)”;

A redução da dotação do SIFIDE incluída no RIT é suportada na consideração de que “(…) o crédito fiscal por SIFIDE em 2018 nos termos do n.º1 do artigo 38º do CFI decorre das despesas de I&D no período de 2018 e da comparação com as despesas de idêntica natureza nos dois períodos anteriores, e que:

a. As despesas com I&D realizadas pela sociedade em 2018 ascendem a 2.454.474,64 Euro;

b. As despesas com I&D realizadas pela sociedade em 2017 e 2016 ascendem a um total de 2.611.273,32 Euro (1.722.379,77 Euro + 888.893,55 Euro de 2016);

c. As despesas com I&D realizadas pela sociedade incorporada, D..., SGPS, elegíveis para SIFIDE em 2017, ascenderam a um total de 3.500.000,01 Euro;

d. A A..., S.A. sociedade incorporante, não considerou nos seus cálculos do SIFIDE de 2018, as despesas de I&D de 2017 daquela sociedade, apesar de à data de encerramento do período de tributação incorporar os ativos e a atividade antes desenvolvida pela sociedade incorporada por fusão.”; (cfr. ponto III.2.1.D do RIT);

  1. Os SIT no RIT procederam a uma correção no montante de €574.418,99, relativa à aplicação da taxa incremental prevista no art.º 38. º do Crédito Fiscal ao Investimento, considerando que as despesas de I&D realizadas pela incorporada em 2017, no montante de €3.500.000,01 devem ser consideradas no cálculo do acréscimo de despesas de I&D realizadas pela incorporante; (cfr. RIT).
  2. Na sequência do RIT a A... foi notificada em 24 de outubro de 2022 da liquidação adicional de IRC de 2018, com o n.º 2022... e as liquidações de juros compensatórios com os n.ºs 2022... e 2022..., pelas quais se apura o valor a pagar de € 13.763.739,75 até 23 de Novembro de 2022, todas respeitantes ao Grupo B... (cfr. docs.  demonstração de liquidação adicional de IRC - doc. 2, demonstração de liquidação de juros- doc. 3, demonstração de acerto de conta - 4 juntos com o PPA).
  3. A identificada liquidação de IRC concretizou, ao nível do Grupo, as correções individualmente sustentadas quanto a algumas das sociedades naquele incluídas, efetuando, entre o mais, as correções à C... e à A... contestadas na reclamação graciosa apresentada pelas Requerentes.
  4. A C... foi sujeita a uma ação de inspeção externa, no que respeita ao exercício de 2018 tendo sido emitido Relatório Final de Inspeção Tributária (RIT), datado de 20 de dezembro de 2021; (cfr. PPA e RIT).
  5. O RIT, que consta do documento n.º 16 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, refere, além do mais o seguinte:

“(…) Para as pessoas identificadas pela sociedade como ativos beneficiários do FPBD em 2018, procedeu-se à recolha dos rendimentos inscritos nas DMR de cada mês dos anos de 2016, 2017 e 2018 (consideraram-se todos os rendimentos pagos conforme se descreveu acima (A, A3, A4, A5, A21, A22, A23) – quer relativamente a rendimentos do ano, quer de anos anteriores pagos nos anos de 2016, 2017 e 2018).

Aplicando a metodologia descrita, apuraram-se os valores de remunerações pagas pela sociedade em 2016, 2017 e 2018 a funcionários que integram a «população» do Plano de Pensões BD e, consequente o limite de 15% para efeitos do n.º 2 do artigo 43º do Código do IRC.

Assim, para efeitos e cálculos dos limites aos encargos com realizações sociais, nos termos dos n.ºs 2 e 7 do artigo 43º do Código do IRC, considera-se os valores indicados na linha do Quadro 02:

 

C...

 

C – Quanto à existência de folgas de períodos anteriores dedutíveis nos termos do n.º 7 do artigo 43º do CIRC

Como posição final, a empresa reclama a existência de folgas de períodos anteriores para os efeitos do n.º 7 do mesmo artigo 43º no valor de 8.570.768,00 Euros.

Decorrente dos limites calculados nos termos do n.º 2 do artigo 43º do Código do IRC, a empresa em 2018 dispunha de folgas de períodos anteriores para os efeitos do n.º 7 do mesmo artigo 43º no valor total de 5.905.279,65 Euros (em vez de 8.570.768,00 Euros que invoca), correspondente ao somatório dos montantes apurados em 2016 e 2017 como se demonstra:

 

C...

 

E, síntese temos que:

a) As realizações de utilidade social sujeitas ao limite do n.º 2 do artigo 43º do Código do IRC, realizadas pela C... em 2018 repartem-se por: i. Dotação do Fundo de Pensões de Benefícios Definidos: 11.976.948,00 Euros; ii. Outras realizações de utilidade social: 242.793,00 Euros.

b) Relativamente à dotação do Fundo de Pensões de Benefícios Definidos da empresa, a dotação realizada em 2018 reparte-se por: i. Dotação regular do FPBD: 5.837.600,90 Euros; Dotação suplementar FPBD (remanescente da alteração pressupostos atuariais de 2016): 6.139.347,10 Euros.

c) Do cálculo do limite do n.º 2 do art.º 43.º do CIRC, considerando as remunerações pagas pela empresa – e declaradas nas DMR, para funcionários que integram a «população» do Plano de Pensões em 2018 apuram-se os limites dos anos relevantes (2016, 2017 e 2018) – Quadro 02 – Linha B e Quadro 03 – Linha F, sendo 3.015.993,16 Euros de 2016, 2.889.286,50 Euros de 2017 e 2.908.164,80 Euros de 2018;

d) Em resultado da revisão do limite do n.º 2 do artigo 43º do Código do IRC, a folga reportada de períodos anteriores passível de ser deduzida às dotações suplementares realizadas no período, nos termos definidos pelo n.º 7 do artigo 43.º do Código do IRC ascende a 5.905.279,66 Euros (3.015.993,16 Euros de 2016 e 2.889.286,50 Euros de 2017) – Quadro 03 – Linha H.

Face ao exposto, procede-se ao cálculo do montante das realizações de utilidade social que excedem os limites do n.º2 e do n.º7 do artigo 43º do Código do IRC no quadro seguinte:

 

(…) Resulta assim demonstrado que a empresa registou o pagamento a título de realizações de utilidade social que excedem os limites do artigo 43º do Código do IRC no valor total de 3.406.296,55 Euros sendo:

i. 3.172.229,10 Euros, de dotações regulares para FPBD que excedem o n.º 2do referido artigo, e

ii. 234.067,45 Euros, de dotações suplementares para FPBD que, não tendo cabimento no limite n.º 2 do artigo 43º do ano de 2018, excedem a folga apurada nos períodos anteriores.

  1. O RIT procedeu à correção ao resultado tributável, no montante de €3.406.296,55, relativa a realizações de utilidade social; (cfr. facto não controvertido).
  2. No seguimento dos referidos Relatórios de Inspeção Tributária, em 24 de outubro de 2022 a A... foi notificada da liquidação adicional de IRC de 2018 com o n.º 2022...e as liquidações de juros compensatórios com os n.ºs 2022... e 2022..., pelas quais se apura o valor a pagar de €13.763.739,75 com data limite de pagamento 23 de novembro de 2022, todas respeitantes ao Grupo B...; (cfr. docs. 2 e 3 juntos com o PPA).
  3. Em 17 de março de 2023 A A... apresentou reclamação graciosa, a que foi atribuído o n.º ...2023...; (cfr. doc. 5 junto com o PPA).
  4. Em 08-01-2024, a A... foi notificada do despacho com data de 04-01-2024, enviado por carta registada, que indeferiu parcialmente a reclamação graciosa; (cfr. PPA).
  5. A AT mantendo o entendimento dos RIT quanto ao SIFIDE e às realizações de utilidade social, conforme conclusão do respetivo projeto de decisão que propõe “o DEFERIMENTO PARCIAL da presente reclamação graciosa, de acordo com o teor do “quadro-síntese”, inserido na parte inicial da presente Informação (…)”, que se apresenta:

 

  1. A C... adotou a denominação deE... , S.A. e, antes desta, a denominação de F..., S.A.; (facto não controvertido).
  2. Em 2012/2013, a C..., denominada à época de F..., S.A., era associada de dois fundos de pensões, um designado de “Fundo de Pensões F...” e outro de “Fundo de Pensões F... 2”; (facto não controvertido).
  3. A C... decidiu, a partir de 31 de dezembro de 2013, descontinuar os planos de pensões de benefício definido para os seus colaboradores no ativo, substituindo-os por um plano de contribuição definida para o futuro, financiado no Fundo de Pensões G..., do qual a C... se tornou associado, para os qual transitaram os respetivos colaboradores no ativo, cujos direitos e expectativas associados ao anterior plano de pensões de benefício definido foram assegurados mediante a atribuição de um crédito inicial em contas individuais correspondente ao valor das responsabilidades acumuladas por serviços passados e foi financiado de acordo com um plano previamente acordado entre o associado e a entidade gestora do fundo; (facto não controvertido).
  4. Aos participantes abrangidos pela transição unilateral do fundo de benefício definido para contribuição definida, que em 31 de dezembro de 2013 se encontravam ao serviço da C..., foi dada a opção, a exercer de forma irreversível até 16 de Janeiro de 2015, entre duas alternativas, designadas de A e B; (cfr. docs.19 e 20 juntos com o PPA).
  5. Foi dada a todos os 676 participantes ativos do associado, em 31 de dezembro de 2013, a possibilidade de escolher entre as duas alternativas, incluindo aqueles que já haviam deixado a empresa desde essa data, sendo que 555 optaram pela alternativa A e 121 pela pela B; (cfr. docs.19 e 20 juntos com o PPA).
  6. A alternativa A inclui uma cláusula de salvaguarda em que é garantida a aplicação da fórmula de benefícios anteriormente em vigor, considerando o tempo de serviço pensionável a 31 de dezembro de 2013 e contribuições futuras de 2% até perfazer 25 anos de antiguidade e a alternativa B, consubstancia-se na manutenção do plano de pensões de contribuição definida, em vigor à data da opção, com reforço de contribuição inicial de 25% do seu valor; (cfr. docs.19 e 20 juntos com o PPA).
  7. Em 2015, o então Grupo H... decidiu centralizar, no Fundo de Pensões Grupo G... (em 2016 passou a designar-se Fundo de Pensões A...), o financiamento de todos os planos de pensões das suas empresas, anteriormente dispersos. Para tal, extinguiu os fundos de pensões individuais e transferiu os respetivos patrimónios e responsabilidades para o Fundo de Pensões G...; (cfr. docs. 20 e 21 juntos com o PPA).
  8. Existe apenas um fundo de pensões consolidado, integrado por múltiplos associados e integrando múltiplos planos, conforme evidenciado na identificação dos contratantes e na cláusula 4 documento n.º 20, junto com o pedido de pronúncia arbitral, designadamente;
  9. A C... deduziu ao resultado contabilístico do período, para efeitos de determinação do resultado tributável, a quantia de €11.976.948, na linha da modelo 22 relativa a pagamento ou colocação à disposição dos beneficiários de benefícios de cessação de emprego, benefícios de reforma e outros benefícios pós emprego ou a longo prazo dos empregados;
  10. Em 08-04-2024, as Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2 Factos não provados

O Tribunal Arbitral entende que, embora as Requerentes tenham peticionado a condenação da Autoridade Tributária (AT) ao reembolso do IRC liquidado e ao pagamento de juros indemnizatórios, e apesar de a AT não ter contestado a realização do pagamento, nos autos não consta qualquer documento que comprove efetivamente a realização de tal pagamento pelas Requerentes. Dessa forma, considera-se não provado que as Requerentes efetuaram o pagamento em questão.

 

2.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto

O juiz (ou o árbitro) não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, a) e), do RJAT).

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.

Assim, o presente Tribunal Arbitral formou a sua convicção quanto à factualidade provada tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, como prevê o artigo 110.º do CPPT, a prova documental produzida.

 

3. Da exceção da competência do Tribunal Arbitral

Importa apreciar prioritariamente a questão da competência do tribunal arbitral nos termos do artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

 

3.1. Posição da Requerida

Na Resposta a AT defende que:

Ora, as Requerentes quantificam valores que entendem terem sido indevidamente liquidados e pagos, nos seguintes termos:

i. Pelo menos, € 715.322,28 a título imposto liquidado a mais quanto à correção atinente à C...;

ii. Pelo menos, € 574.418,99 a título imposto liquidado a mais quanto à correção atinente à dotação de SIFIDE da A...;

iii. Pelo menos, € 280.986,98 a título de juros compensatórios decorrentes do artigo 35.º da LGT, ou, subsidiariamente, pelo menos, os juros compensatórios liquidados em excesso a partir de 13 de dezembro de 2021 e 15 de novembro de 2021, quanto a cada uma das correções em causa.

Sendo que, tais operações de quantificação estão vertidas numa tabela elaborada pelas Requerentes, com base na qual apuram valores aproximados e não certos, como resulta da utilização da expressão «Pelo menos» .

Assim, ainda que a pretensão das Requerentes pudesse eventualmente decorrer de uma hipotética execução de julgados que viesse a ser efetuada em caso de a decisão arbitral proferida ser de procedência do pedido - o que se concede a título meramente académico –, a verdade é que o pedido formulado extravasa a competência do presente Tribunal.”

 

3.2. Posição da Requerente

Nas alegações e em resposta à exceção suscitada a Requerente defende que o Tribunal Arbitral é competente referindo:

Na autorização legislativa que permitiu ao Governo aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como diretriz essencial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.

O processo de impugnação judicial é um meio processual que tem por objecto actos em matéria tributária, visando apreciar a sua legalidade e decidir se deve ser anulado ou ser declarada a sua nulidade ou inexistência, como decorre do artigo 124.º do CPPT.

Pela análise dos artigos 2.º e 10.º do RJAT, constata-se que só se incluíram nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD questões da legalidade de actos de liquidação ou de actos de fixação da matéria tributável e actos de segundo grau que tenham por objecto a apreciação da legalidade de actos daqueles tipos, todos quantos a apreciação se insere no âmbito dos processos de impugnação judicial, como resulta das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

O legislador não consagrou na autorização legislativa, no que concerne à parte em que se previa a extensão das competências dos tribunais arbitrais, as questões que são apreciadas nos tribunais tributários através de acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

O legislador não consagrou na autorização legislativa, no que concerne à parte em que se previa a extensão das competências dos tribunais arbitrais, as questões que são apreciadas nos tribunais tributários através de acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

Todavia, à luz da intenção subjacente à autorização legislativa de criar um meio alternativo ao processo de impugnação judicial, deverá entender-se que, quanto aos pedidos de declaração de ilegalidade de actos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm as mesmas competências que têm os tribunais estaduais em processo de impugnação judicial, dentro dos limites definidos pela vinculação que a AT veio a fazer através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ao abrigo do n.º 1 do artigo 4.º do RJAT.

Embora o processo de impugnação judicial tenha por objecto primacial a declaração de nulidade ou inexistência ou a anulação de actos dos tipos referidos, tem-se entendido pacificamente que nele podem ser proferidas condenações da AT a pagar juros indemnizatórios e a indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado, em processo de impugnação judicial, pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a AT seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços.

(...)

Pois bem, à semelhança do que sucede com os tribunais tributários em processo de impugnação judicial, o tribunal arbitral deve ser competente para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga e de pagamento de juros indemnizatórios.

Não se ignora que a competência para executar os julgados proferidos pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD cabe, em primeira linha, à própria AT, como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta...”.

Esta separação é uma característica típica de um contencioso apenas anulatório como é o do CPPT e, no caso dos processos arbitrais, encontra especial justificação no facto de os tribunais arbitrais não terem qualquer competência para apreciar litígios que ocorram na fase de execução de julgados (o que acontece, aliás, em relação aos tribunais arbitrais em geral).

Porém, dentro dos limites fixados, os tribunais arbitrais têm competência para apreciar pedidos de reembolso de imposto indevidamente pago.

Em suma, constitui jurisprudência pacífica que os tribunais arbitrais têm competência para apreciar pedidos de juros indemnizatórios.

Essa apreciação não pode deixar de envolver o pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, atendendo à indissociabilidade dos mesmos: o direito a juros, a existir, incide sobre a quantia a reembolsar.

Assim sendo, nos casos em que o montante a reembolsar resulta claramente identificado na sequência da anulação do acto tributário, não se deve deixar de aceitar a competência do tribunal para o pedido de reembolso, por o mesmo ainda se compreender nos poderes de anulação.

Somente nas situações em que exista divergência quanto ao montante a reembolsar, deverá a sua determinação ser relegada para a fase de execução de sentença, por esta pertencer, de facto, à esfera da AT.

No caso dos autos, as Requerentes indicaram em concreto o montante da liquidação que reputam de ilegal e a Requerida não o contestou, limitando-se a arguir a incompetência do Tribunal para apreciação do pedido de restituição do imposto indevido.

Neste contexto, afigura-se legítimo que as Requerentes reclamem o reembolso da quantia peticionada na sequência da anulação dos actos de liquidação.

O que não impede que, sobrevindo eventual dúvida sobre o montante peticionado, o mesmo possa ser dirimido em sede de execução de sentença.”

 

3.3. Apreciação

O âmbito de competência material dos Tribunais constitui matéria de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, cumprindo, por isso, antes de tudo o mais, proceder à sua apreciação (cfr. artigos 16.º do CPPT, 13.º do CPTA e 96.º e 98.º do CPC, subsidiariamente aplicáveis por remissão, respetivamente, das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).

Como ensinava o Prof. Manuel Domingues de Andrade em “Noções Elementares de Processo Civil” págs. 88 e ss., a competência dos tribunais é a medida de jurisdição dos diversos tribunais; o modo como entre eles se fracciona e reparte o poder jurisdicional”, sendo que a “Competência abstracta dum tribunal é a medida da sua jurisdição; a fracção do poder jurisdicional que lhe é atribuída; a determinação das causas que lhe tocam” e a “Competência concreta dum tribunal, trata-se (…) da sua competência para certa causa. É o seu poder de julgar (exercer actividade processual) nesse pleito; a inclusão deste na fracção de jurisdição que lhe corresponde.”

A competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a ação é proposta e pela forma como o autor estrutura o pedido e os respetivos fundamentos. Por isso, para se aferir da competência material do tribunal importa apenas atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja, à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados. (Neste sentido veja-se Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.1.2015, Proc. 117/14.4TTLMG.C1 que veio a ser confirmado pelo Acórdão do STJ de 16-06-2015).

A competência material dos Tribunais Arbitrais que funcionam junto do CAAD é desde logo definida pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que dispõe: “1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; c) (...)” - Revogada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro.

A competência material dos Tribunais Arbitrais que funcionam junto do CAAD é ainda limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de março, que estabelece o seguinte: “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com exceção das seguintes: a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário; b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão; c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.”

 

Importa então começar por analisar o pedido formulado pelas Requerentes que se materializa como segue: A) pela declaração de ilegalidade e anulação dos actos de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios do período de tributação de 2018 na parte contestada e ainda do indeferimento da reclamação graciosa que os manteve inalterados, todos acima identificados e com base nos vícios invocados;

B) pela condenação da at ao reembolso à A... dos valores adicionais indevidamente liquidados e por esta pagos, nos seguintes termos: i. pelo menos, € 715.322,28 a título imposto liquidado a mais quanto à correcção atinente à C...;

ii. pelo menos, € 574.418,99 a título imposto liquidado a mais quanto à correcção atinente à dotação de sifide da A...;

iii. pelo menos, € 280.986,98 título de juros compensatórios decorrentes do artigo 35.º da LGT, ou, subsidiariamente, pelo menos, os juros compensatórios liquidados em excesso a partir de 13 de dezembro de 2021 e 15 de novembro de 2021, quanto a cada uma das correcções em causa.

 c) pela condenação da AT à liquidação e pagamento de juros indemnizatórios devidos à luz do artigo 43.º da LGT sobre a totalidade dos valores referidos, tudo com os demais efeitos legais”.

Como visto, a pretensão de anulação de atos de liquidação adicional e de juros compensatórios relativos a IRC, a tem perfeito cabimento na norma competencial, alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º do RJAT.

Ademais, a Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de março, através da qual a Requerida se vinculou à arbitragem em matéria tributária, não contém qualquer exclusão que pudesse abarcar a situação dos presentes autos (cfr. n.º 2 do art.º 2.º da referida Portaria).

Nessa medida, o pedido formulado pela Requerente está compreendido no âmbito das competências dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, pois nele está incluída a apreciação de pretensões de “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, como decorre do estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

Prosseguindo, e agora quanto à competência do CAAD para apreciação da (i)legalidade de atos de primeiro, segundo e terceiro grau, considera o tribunal que é atualmente entendimento pacífico tanto na Jurisprudência como na Doutrina que os atos de indeferimento de pretensões dos sujeitos passivos poderão ser arbitráveis junto do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), na condição de, eles próprios, terem apreciado a legalidade de um ato de liquidação de imposto - i.e., de um ato de primeiro grau.

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, como mencionado, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT. Incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais do CAAD competências para apreciar atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, designadamente de atos que decidam reclamações graciosas ou pedidos de revisão oficiosa e recursos hierárquicos, como se depreende das referências expressas que se fazem no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, aos “atos suscetíveis de impugnação autónoma” e à “decisão do recurso hierárquico”. 

Impende sobre a Administração Tributária o dever de decisão sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados pelos sujeitos passivos (artigo 56.º, n.º 1, da LGT), dentro do prazo estabelecido pelo n.º 1 do artigo 57.º, da LGT, cujo decurso faz presumir o indeferimento para efeitos de reação contenciosa.

Deste princípio da decisão resulta a impugnabilidade da decisão que sobre o pedido venha a ser proferida, devendo igualmente admitir-se a possibilidade de o contribuinte poder “reagir contra o silêncio que sobre ele recair”.

Estando em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios o meio processual adequado é a impugnação judicial precedida de apresentação de reclamação graciosa necessária nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT.

Não obstante, a impugnação judicial é também o meio processual adequado para reagir contenciosamente contra o ato de indeferimento expresso da AT, no prazo legal.

O ato de indeferimento expresso de uma reclamação graciosa que tenha por objeto atos tributários constitui um ato administrativo à face da definição fornecida pelo artigo 120.º do CPA (subsidiariamente aplicável em matéria tributária, por força do disposto no artigo 2.º, alínea d), da Lei Geral Tributária, 2.º, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário), pois constitui uma decisão de um órgão da Administração que ao abrigo de normas de direito público visou produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.

Trata-se de ato em matéria tributária pois nele é feita a aplicação de normas de direito tributário.

Assim, o ato de indeferimento da reclamação graciosa constitui um “acto administrativo em matéria tributária”.

Das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) infere-se a regra de que a impugnação de atos administrativos em matéria tributária deve ser feita no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou ação administrativa (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do artigo 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses atos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de atos administrativos de liquidação.

As Requerentes apresentaram reclamação graciosa com o n.º ...2023... “contra a liquidação adicional de IRC de 2018 com o n.º 2022... e as liquidações de juros compensatórios com os n.os 2022... e 2022..., pelas quais se apura o valor a pagar de € 13.763.739,75 até 23 de Novembro de 2022, todas respeitantes ao Grupo B..., em que pediram a anulação do ato de autoliquidação de IRC do período de tributação de e a restituição do imposto indevidamente suportado pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos”.

As Requerentes afirmam que apresentam o pedido de pronúncia arbitral “sobre os mencionados actos de liquidação respeitantes a 2018 e o indeferimento da reclamação que os manteve inalterados, os primeiros praticados pelos serviços centrais da AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) e assinados pela Directora- Geral daquela Autoridade e aquele último emitido pelo Chefe da Divisão de Justiça Tributária da UGC ao abrigo de Subdelegação de competências”.

As Requerentes fazem um pedido de natureza anulatória, uma vez que o pedido de pronúncia arbitral foi deduzido para “declaração de ilegalidade e anulação dos actos de liquidação adicional de irc e juros compensatórios do período de tributação de 2018 na parte contestada e ainda do indeferimento da reclamação graciosa que os manteve inalterados, todos acima identificados e com base nos vícios invocados”.

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários.

Esta interpretação alinha-se com o espírito da autorização legislativa que fundamentou a aprovação do RJAT, na qual se estabelece, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

Nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da “ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, (...) actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria coletável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.

Os artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março, dispõem que a Direção Geral dos Impostos se encontra vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no Centro de Arbitragem Administrativa, nomeadamente nos processos que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos.

A competência dos Tribunais Arbitrais em matéria tributária compreende as pretensões que envolvam a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de fixação da matéria coletável e de fixação de valores patrimoniais, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 a) e b) do RJAT, constituindo um efeito da decisão arbitral de procedência que a AT deva praticar o ato tributário legalmente devido de substituição do ato impugnado e restabelecer a situação que existiria se esse ato não tivesse sido praticado (cfr. artigo 24.º, n.º 1, do RJAT).

As Requerentes pedem a anulação da liquidação adicional e das liquidações de juros compensatórios, e não do valor de IRC resultante dessas liquidações. Ademais, requerem a anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra as liquidações adicionais supramencionadas.

A questão central a ser apreciada neste processo consiste em determinar se os atos de liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios referentes ao exercício de 2018 são ilegais por violação de lei. Tal violação decorre do fato de que, na referida autoliquidação, não foi considerado o benefício fiscal do SIFIDE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, para vigorar nos períodos de tributação de 2014 a 2020, além de serem ilegais as correções realizadas com base no cálculo de realizações de utilidade social.

Cabe, portanto, decidir se as Requerentes poderiam beneficiar do SIFIDE e deduzir os valores relativos a realizações de utilidade social. Em outras palavras, trata-se de averiguar se as Requerentes poderiam deduzir à coleta parte das despesas que a Autoridade Tributária (AT) considerou não dedutíveis em decorrência da ação inspetiva.

Se as deduções pretendidas pelas Requerentes à coleta e ao rendimento coletável fossem aceitas e não corrigidas pela AT, conclui-se, com meridiana clareza, que o objetivo das Requerentes é a anulação das liquidações adicionais em função das correções efetuadas pela AT.

Assim, o Tribunal Arbitral Coletivo considera-se competente para apreciar a pretensão formulada pela Requerente no PPA, uma vez que o que se peticiona é a avaliação da legalidade da decisão administrativa que indeferiu a reclamação graciosa apresentada em relação ao ato de autoliquidação de IRC referente ao ano de 2018.

O valor do Processo corresponde às liquidações adicionais contestadas, englobando tanto o montante já pago e o crédito que as Requerentes poderão vir a obter a seu favor. Esse crédito resultará da apreciação da anulação das liquidações adicionais, incluindo, como dedução à coleta de IRC, os valores referentes ao SIFIDE e aqueles relacionados às correções realizadas com base no cálculo de realizações de utilidade social.

E, diga-se como, afirmação de princípio, estando aqui em causa a anulação dos atos de liquidação adicionais, o montante que importa para a determinação do valor da ação arbitral é o valor controvertido e submetido a juízo, ou seja o valor de IRC resultante das liquidações adicionais, no contexto de um processo de anulação das mencionadas liquidações adicionais.

 

Pelo exposto improcede a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral.

 

4 - Saneamento

O Tribunal Arbitral coletivo foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido, que foi tempestivamente apresentado nos termos dos artigos 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT.

O processo não enferma de nulidades, nem existem outras exceções ou questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

5. Das questões de direito

Encontrando-se a aludida matéria de facto dada como provada, importa seguidamente determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões supra.

Vejamos.

A Autoridade Tributária e Aduaneira efetuou inspeções às empresas A... e C..., relativamente ao ano de 2018, tendo efetuado correções, que se traduziram na liquidação adicional de IRC e liquidações de juros compensatórios.

As correções impugnadas no presente processo e, depois refletidas no resultado do grupo são:

a) a correção ao cálculo da dotação por SIFIDE no período;

b) a correção ao resultado tributável individual declarado pela C..., no valor total de €3.406.296,55, referente à dedução indevida relativa a realizações de utilidade social;

 

5.1. Correções baseadas no cálculo da dotação por SIFIDE

5.1.1. Posições das Partes

O regime fiscal do SIFIDE, em vigor nos períodos de tributação de 2014 a 2020, encontra-se estabelecido no Capítulo V, artigos 35.º a 42.º, do Código Fiscal do Investimento (CFI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31/10. No que aqui interessa, esses artigos, na sua redação à data, estabeleciam o seguinte:

Artigo 37.º- A

Reconhecimento da idoneidade e do caráter de investigação e desenvolvimento dos projetos

 1 - Cabe à Agência Nacional de Inovação, S. A., o reconhecimento da idoneidade da entidade em matéria de investigação e desenvolvimento a que se referem as alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 37.º bem como o reconhecimento do caráter de investigação e desenvolvimento dos projetos a que se refere a alínea f) do n.º 1 do artigo 37.º

 2 - O reconhecimento da idoneidade da entidade nos termos previstos no número anterior é válido até ao oitavo exercício seguinte àquele em que foi pedido.

(…)

Artigo 38.º

Âmbito da dedução

1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante da coleta do IRC apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação com início entre 1 de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2020, numa dupla percentagem:

a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;

b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000,00.

(…).

Artigo 40.º

Obrigações acessórias

“1 - A dedução a que se refere o artigo 38.º deve ser justificada por declaração comprovativa, a requerer pelas entidades interessadas, ou prova da apresentação do pedido de emissão dessa declaração, de que as atividades exercidas ou a exercer correspondem efetivamente a ações de investigação ou desenvolvimento, dos respetivos montantes envolvidos, do cálculo do acréscimo das despesas em relação à média dos dois exercícios anteriores e de outros elementos considerados pertinentes, emitida pela Agência Nacional de Inovação, S. A., no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial, a integrar no processo de documentação fiscal do sujeito passivo a que se refere o artigo 130.º do Código do IRC. (Redação da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro).

(…)

 

A A... considerou €1.448.249,37 no campo 710 do Anexo D da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC do período de 2018, a título de dotação do período relativa ao benefício fiscal do SIFIDE, que resultou da soma dos produtos da taxa base e da taxa incremental do n.º 1 do artigo 38º do CFI pelas respetivas despesas de I&D. A AT reduziu essa dotação por benefício fiscal de SIFIDE em €574.418,99 decorrente da alteração da média de despesas de I&D nos dois anos anteriores, para efeitos de aplicação da taxa marginal prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 38º do CFI.

A Requerida sustenta as correções efetuadas no RIT, em suma, no seguinte entendimento:

- o cálculo do quantitativo dedutível referente à taxa incremental do SIFIDE do período de 2018 deve considerar as despesas de I&D elegíveis (aferidas e determinadas pela ANI) correspondentes à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores realizadas pela sociedade incorporante (A...) e pela sociedade incorporada a D...;

- o regime da fusão traduz a continuidade da atividade da sociedade incorporada na sociedade incorporante, sobretudo quando a operação se enquadra no regime de neutralidade fiscal, como acontece com a fusão em causa, continuidade essa que deve ser refletida na determinação do crédito fiscal por SIFIDE, através da consideração das despesas com I&D incorridas nos dois períodos anteriores pela incorporante e pela sociedade incorporada;

- não se extrai das normas legais vigentes, à data dos factos, que a determinação da competência da ANI seja fixar unilateralmente o valor do SIFIDE, sem a possibilidade da AT realizar qualquer correção ao valor apurado;

- a AT pode aferir quantitativamente, e não qualitativamente, a conformidade do conjunto de valores indicado pela ANI com os pressupostos previstos nas normas do Estatuto dos Benefícios

Fiscais, não sendo a declaração da ANI vinculativa quanto à dedução do SIFIDE e limitadora dos poderes de atuação da AT, tratando-se de uma mera recomendação;

- o regime fiscal especial aplicável às fusões não deixa de ser neutro pelo facto de se considerar a continuidade da atividade da sociedade fundida na esfera da sociedade incorporante.

 

Por sua vez, as Requerentes defendem, em suma, o seguinte:

- a correção efetuada pela AT desconsidera o ato certificativo da ANI, no qual esta entidade não considerou, no apuramento do SIFIDE de 2018, as despesas de exercícios anteriores incorridas por sociedade incorporada pela A... em 2018, violando o princípio da legalidade por ser manifesto que a AT não pode alterar a decisão firmada da ANI;

- na medida em que a ANI tem um cariz público, competência e poderes para o efeito, os certificados que emite, em substância, configuram atos administrativos válidos e eficazes, não podendo, por conseguinte, a AT efetuar uma revogação da decisão da entidade certificadora competente;

- consequentemente, a correção efetuada pela AT, na medida em que revoga decisões da ANI será, nula, porquanto consiste num ato “estranho às suas atribuições”;

- nenhum elemento na letra de todo o regime do SIFIDE sugere ou permite supor que no (i) apuramento da dotação do SIFIDE de determinado exercício devam considerar-se despesas de I&D realizadas por outro sujeito passivo distinto do primeiro, bem como que, nada indica que (ii) no caso de fusão, se deva ter em conta as despesas de I&D que a incorporada realizou em data anterior à data de produção dos efeitos jurídicos e fiscais da fusão;

- é contrária à teleologia do SIFIDE e da taxa incremental a interpretação das normas desse benefício fiscal segundo a qual possa o sujeito passivo (sociedade incorporante) ver ser adicionado ao montante das despesas de I&D que o próprio realizou em N‐1 e N‐2, para efeitos do cálculo da taxa IRC (sociedade incorporada) nos mesmos períodos de N‐1 e N‐2 antes da produção de efeitos da fusão entre ambos;

- a fusão nunca poderá retroagir os seus efeitos fiscais e contabilísticos a um período de tributação diferente do período em que se verifica o registo da fusão, conforme decorre do artigo 8.º, n.ºs 11 e 12 do Código do IRC;

- a interpretação da AT, ao criar uma penalização fiscal à fusão, viola o princípio da neutralidade subjacente ao regime fiscal das fusões, viola a constituição (artigo 81.º, n.º 1, alínea f) da CRP) e, ainda, o direito comunitário que considera que a fiscalidade não deve impor penalizações fiscais a este tipo de operações.

 

5.1.2. Apreciação

Conforme suscitado pelas Requerentes no artigo 28º das alegações, correção idêntica àquela ora em apreciação – isto é, a correção fundamentada na aplicação da taxa incremental do benefício do SIFIDE, conforme disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 38.º do CFI, pela qual se defende que, para a determinação da média das despesas com I&D de exercícios anteriores, devem ser incluídas as despesas efetuadas por sociedades que, posteriormente, se incorporaram por fusão – foi anulada por decisão arbitral proferida no processo n.º 429/2024‐T.

Seguindo o iter jurídico incluído na decisão arbitral mencionada, cabe recordar que o artigo 40.º, n.º 1, do Código Fiscal do Investimento (CFI), na redação em vigor em 2018, estabelece que:

“1 – A dedução a que se refere o artigo 38.º deve ser justificada por declaração comprovativa, a requerer pelas entidades interessadas, ou prova da apresentação do pedido de emissão dessa declaração, de que as atividades exercidas ou a exercer correspondem efetivamente a ações de investigação ou desenvolvimento, dos respetivos montantes envolvidos, do cálculo do acréscimo das despesas em relação à média dos dois exercícios anteriores e de outros elementos considerados pertinentes, emitida pela Agência Nacional de Inovação, S. A., no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial, a integrar no processo de documentação fiscal do sujeito passivo a que se refere o artigo 130.º do Código do IRC.”

O texto expresso do referido articulado demonstra de forma clara que, para efeitos do SIFIDE, é da competência da ANI certificar os elementos necessários à determinação do benefício, o que inclui, entre outros, o “cálculo do acréscimo das despesas em relação à média dos dois exercícios anteriores”.

Conforme foi esclarecido pelo Plenário do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 10-09-2014, processo n.º 01960/13, invocado pelas Requerentes no artigo 146º do pedido de pronuncia arbitral e entretanto reiterado pela já referenciada decisão arbitral proferida no processo n.º 429/2024‐T, é manifesto que não se insere nas atribuições da Autoridade Tributária e Aduaneira alterar o que foi certificado, designadamente através de novo cálculo do acréscimo das despesas em relação à média dos dois exercícios anteriores.

Tal como se refere no processo n.º 429/2024‐T, o vício suscitado pelas Requerentes – desconsideração do ato certificativo da ANI praticado no exercício das suas atribuições – consubstancia vício de violação de lei, gerador de anulabilidade, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Tal como referido na decisão arbitral proferida no processo n.º 429/2024‐T “na verdade, o acto certificativo praticado pela ANI é um acto administrativo constitutivo do direito ao benefício fiscal, à face da definição fornecida pelo n.º 3 do artigo 167.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) (…). Assim, como também referem as Requerentes, daquela jurisprudência decorre que «a elegibilidade ou inelegibilidade em termos fiscais fica desde logo definida com a decisão da entidade certificadora, sem necessidade de ulterior acto da administração tributária». (…) Com efeito, sendo acto constitutivo de direitos, aquele acto administrativo inclui-se no bloco de legalidade que a Administração Tributária tem de respeitar, por força do princípio da legalidade (…), pois esse princípio, que também vigora no procedimento tributário (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) impõe a obediência da actividade administrativa «à lei e ao direito» (artigo 3.º, n.º 1, do CPA) e «a submissão ao direito vai muito além de um entendimento positivista da ordem jurídica, implicando a submissão a princípios gerais de direito, à Constituição, a normas internacionais, a disposições de carácter regulamentar, a actos constitutivos de direitos, etc.[1].

Considerando tudo quanto exposto, a correção efetuada pela Autoridade Tributária (AT) em sede de SIFIDE, ao violar o princípio da legalidade, encontra-se viciada por violação de lei, o que justifica a sua anulação, bem como a anulação da liquidação, na parte que tem como fundamento a referida correção.

 

5.2. Correções baseadas no cálculo de realizações de utilidade social

5.2.1. Posições das Partes

O artigo 43.º do CIRC estabelecia o seguinte, na redação à data dos factos, no que aqui interessa:

Artigo 43.º

Realizações de utilidade social

1 — São também dedutíveis os gastos do período de tributação, incluindo depreciações ou amortizações e rendas de imóveis, relativos à manutenção facultativa de creches, lactários, jardins-de-infância, cantinas, bibliotecas e escolas, bem como outras realizações de utilidade social como tal reconhecidas pela Direcção-Geral dos Impostos, feitas em benefício do pessoal ou dos reformados da empresa e respectivos familiares, desde que tenham carácter geral e não revistam a natureza de rendimentos do trabalho dependente ou, revestindo-o, sejam de difícil ou complexa individualização relativamente a cada um dos beneficiários.

2 – São igualmente considerados gastos do período de tributação, até ao limite de 15 % das despesas com o pessoal contabilizadas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao período de tributação, os suportados com:

a) Contratos de seguros de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, de doença ou saúde, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, benefícios de saúde pós-emprego, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa;

b) Contratos de seguros de doença ou saúde em benefício dos trabalhadores, reformados ou respetivos familiares.

3 — O limite estabelecido no número anterior é elevado para 25%, se os trabalhadores não tiverem direito a pensões da segurança social.

4 – Aplica-se o disposto nos n.os 2 e 3 desde que se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições, à exceção das alíneas d) e e), quando se trate de seguros de doença ou saúde, de acidentes pessoais ou de seguros de vida que garantam exclusivamente os riscos de morte ou invalidez:

a) Os benefícios devem ser estabelecidos para a generalidade dos trabalhadores permanentes da empresa ou no âmbito de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho para as classes profissionais onde os trabalhadores se inserem;

b) Os benefícios devem ser estabelecidos segundo um critério objectivo e idêntico para todos os trabalhadores ainda que não pertencentes à mesma classe profissional, salvo em cumprimento de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho;

c) Sem prejuízo do disposto no n.º 6, a totalidade dos prémios e contribuições previstos nos nºs 2 e 3 deste artigo em conjunto com os rendimentos da categoria A isentos nos termos do n.º 1 do artigo 18.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais não devem exceder, anualmente, os limites naqueles estabelecidos ao caso aplicáveis, não sendo o excedente considerado gasto do período de tributação;

d) Sejam efectivamente pagos sob a forma de prestação pecuniária mensal vitalícia pelo menos dois terços dos benefícios em caso de reforma, invalidez ou sobrevivência, sem prejuízo da remição de rendas vitalícias em pagamento que não tenham sido fixadas judicialmente, nos termos e condições estabelecidos em norma regulamentar emitida pela respectiva entidade de supervisão, e desde que seja apresentada prova dos respectivos pressupostos pelo sujeito passivo;

e) As disposições de regime legal da pré-reforma e do regime geral de segurança social sejam acompanhadas, no que se refere à idade e aos titulares do direito às correspondentes prestações, sem prejuízo de regime especial de segurança social, de regime previsto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou de outro regime legal especial, ao caso aplicáveis;

f) A gestão e disposição das importâncias despendidas não pertençam à própria empresa, os contratos de seguros sejam celebrados com empresas de seguros que possuam sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em território português, ou com empresas de seguros que estejam autorizadas a operar neste território em livre prestação de serviços, e os fundos de pensões ou equiparáveis sejam constituídos de acordo com a legislação nacional ou geridos por instituições de realização de planos de pensões profissionais às quais seja aplicável a Directiva n.º 2003/41/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Junho, que estejam autorizadas a aceitar contribuições para planos de pensões de empresas situadas em território português;

g) Não sejam considerados rendimentos do trabalho dependente, nos termos da primeira parte do n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.

(…)

7 – As contribuições suplementares destinadas à cobertura de responsabilidades por encargos com benefícios previstos no n.º 2, quando efetuadas em consequência de alteração dos pressupostos atuariais em que se basearam os cálculos iniciais daquelas responsabilidades, reportados à data da celebração do contrato de seguro ou da constituição do fundo de pensões ou à data em que as responsabilidades foram transferidas, e desde que devidamente certificadas pelas entidades competentes, podem também ser aceites como gastos nos seguintes termos:

a) No período de tributação em que sejam efetuadas, num prazo máximo de cinco, contado daquele em que se verificou a alteração dos pressupostos atuariais ou a transferência de responsabilidades;

b) Na parte em que não excedam o montante acumulado das diferenças entre os valores dos limites previstos nos nºs 2 ou 3 relativos ao período constituído pelos 10 períodos de tributação imediatamente anteriores ou, se inferior, ao período contado desde o período de tributação da transferência das responsabilidades ou da última alteração dos pressupostos actuariais e os valores das contribuições efectuadas e aceites como gastos em cada um desses períodos de tributação.

(…)

Para o caso em análise releva, ainda, a primeira parte do n.º 3) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.

3 - Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente:

(…)

3) As importâncias despendidas, obrigatória ou facultativamente, pela entidade patronal:

i) Com seguros e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de pensões, fundos de poupança-reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, desde que constituam direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários;

ii) Para os fins previstos na subalínea anterior e que, não constituindo direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários, sejam por estes objeto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação da correspondente disponibilidade;

 

A C..., no apuramento do resultado tributável, deduziu a importância de €11.976.948,00 relativa ao valor entregue, em 2018, a título de dotação do Fundo de Pensões. A AT considera que aquele quantitativo excede os limites do artigo 43º do Código do IRC no valor total de €3.406.296,55, dos quais €3.172.229,10 são relativos a dotações regulares para o Fundo de Pensões de Benefício Definido (FPBD) que excedem o n.º 2 do referido artigo 43º, e €234.067,45 de dotações suplementares para o FPBD que, não tendo cabimento no limite n.º 2 do artigo 43º do ano de 2018, excedem a folga apurada nos períodos anteriores.

 

A Requerida sustenta as correções efetuadas no RIT, em suma, no seguinte entendimento:

- a referida quantia de €11.976.948,00 reparte-se numa dotação de caráter suplementar, referente à alteração de pressupostos atuariais do pessoal ativo (€6.139.347,10) e numa dotação com carater regular referente a pessoal ativo (€5.837.600,90);

- o Fundo de Pensões é de Benefício Definido (FPBD), devendo o limite estabelecido no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRC determinar-se apenas com os ordenados ou salários relativos aos trabalhadores (população) que beneficiam desse FPBD;

- os benefícios dos empregados devem reger-se pela Norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) 28, a qual tem por base a Norma Internacional de Contabilidade (IAS) 19, sendo que os planos de benefícios pós-emprego são classificados como planos de contribuições definidas ou como planos de benefícios definidos, dependendo da substância económica do plano que resulte dos seus principais termos e condições;

- não obstante estarmos na presença de um único Fundo de Pensões, existem dois “sub-fundos, um de contribuição definida (FPCD), em que os riscos relativos ao valor das pensões a receber no futuro correm por conta do beneficiário (o trabalhador-empregado) e não da C... e, outro, sub-fundo de Pensões de Benefício Definido (FPBD), em que o risco da gestão dos ativos do fundo corre por conta da C..., uma vez que se vinculou à garantia de um dado montante de reforma;

- o requisito que consta al. b) do n.º 4 do artigo 43.º do CIRC, que obriga a que os benefícios devam ser estabelecidos segundo um critério objetivo e idêntico para todos os trabalhadores ainda que não pertencentes à mesma classe profissional, não está cumprido, na medida em que os critérios associados a cada sub-fundo não beneficiam de uma forma objetiva e idêntica todos os trabalhadores da C...;

- sabendo-se que no FPCD o risco (risco do investimento e risco atuarial) recai sobre os empregados e não sobre a C..., não há base legal que sustente a tese das Requerentes de que a majoração de 15%, prevista no n.º 2 do artigo 43.º do CIRC, deve ser aplicada à totalidade das remunerações dos trabalhadores da C..., onde se incluem os abrangidos por este FPCD;

- apenas o FPBD reúne os pressupostos de acesso ao benefício, pelo que o cálculo do limite estabelecido no n.º 2 do artigo 43.º do CIRC se faz com base nas remunerações de referência dos colaboradores no ativo visados nesse sub-fundo e não da globalidade da massa salarial da C...;

- estão contemplados na al. d) do n.º 2 do artigo 23.º do CIRC os gastos que têm a natureza de direitos adquiridos dos empregados, particularizados e alocados a cada um dos seus beneficiários, nas suas contas individuais;

- os encargos suportados pela entidade patronal respeitantes a realizações de utilidade social que cumpram os requisitos estabelecidos no artigo 43.º do CIRC não se qualificam como rendimentos da categoria A na esfera do trabalhador. (Cfr. al. b) do n.º 1 do artigo 2.º-A do CIRS);

- no caso das contribuições efetuadas pela C... para o Sub-Fundo de Pensões de Contribuição Definida (FPCD) não existe o cariz eminentemente social subjacente à aplicação do disposto no artigo 43.º do CIRC, porquanto os riscos relativos ao valor das pensões a receber no futuro correm por conta do trabalhador e não da C...;

- não há, portanto, lugar à majoração de 15%, dos salários dos trabalhadores no ativo afetos ao FPCD;

As Requerentes, por sua vez, argumentam, de forma resumida, o seguinte:

- o Grupo B... tem um só fundo de pensões sendo a C... uma das sociedades associadas deste Fundo, pelo que a referência a um qualquer “Fundo de Pensões de Benefício Definido” e a um “Fundo de Pensões de Contribuição Definida” é errónea e enganadora;

- o referido único Fundo de Pensões do Grupo B... encontra-se organizado em torno um plano de contribuição definida, com uma cláusula de salvaguarda para alguns trabalhadores com uma componente de benefício definido, a qual resulta de alterações ocorridas em anos anteriores e de opção concedida aos trabalhadores;

- todos os trabalhadores da C... têm direito e são abrangidos pelo Fundo de Pensões do Grupo B...;

- sendo o Fundo de Pensões do Grupo B... apenas um, estando todos os trabalhadores da C... abrangidos pelo mesmo, ainda que aí coexistam trabalhadores com opção por cláusula de salvaguarda, a “população” em que assenta o cômputo do limite do n.º 2 do artigo 43.º do CIRC tem de corresponder, necessariamente, à totalidade dos seus trabalhadores;

- O elemento literal permite delimitar a aplicação do n.º 2 do artigo 43.º do CIRC, excluindo todos os trabalhadores que não estão abrangidos pelas realizações de utilidades social ali mencionadas, porém não permite concluir que o dito artigo se aplica por plano de benefícios (de benefício definido ou de contribuição definida), veículo de financiamento (seguradora ou fundo de pensões) ou mesmo tipo de benefício (pensão ou saúde).

 

5.2.2. Apreciação

A AT parece fazer uma construção jurídica ancorada na distinção dos planos de benefícios pós-emprego constantes do normativo contabilístico, que os classifica entre planos de contribuições definidas e planos de benefícios definidos. Classificando o Fundo de Pensões do Grupo B... como de fundo de pensões de benefício definido, a AT entendeu que o limite estabelecido no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRC deve apurar-se apenas com os ordenados ou salários relativos aos trabalhadores (população) que beneficiam desse fundo de pensões de benefício definido, pois considera que apenas este reúne os pressupostos de acesso ao benefício, e logo o cômputo do limite estabelecido no n.º 2 do artigo 43.º do CIRC deve determinar-se com base nas remunerações de referência dos colaboradores no ativo visados nesse sub-fundo e não da globalidade da massa salarial da C... .

Conforme invoca a Requerente no artigo 39º das alegações, o artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRC não estabelece qualquer distinção entre a tipologia de fundos e, embora, nos planos de contribuições definidas o risco corra por conta do beneficiário, não deixa de existir um benefício, o qual pode variar de acordo com os rendimentos obtidos pelo fundo. Uma vez que os benefícios são atribuídos à generalidade dos trabalhadores da empresa, os trabalhadores cujos vencimentos devem ser considerados para o cálculo do limite do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRC, são todos aqueles que estão abrangidos por esse benefício de pensões, quer possam usufruir de um benefício definido, quer possam beneficiar de contribuição definida.

Conforme estabelecido pelo artigo 9.º do Código Civil, a interpretação da norma jurídica deve encontrar na letra da lei um mínimo de correspondência verbal. Esse dispositivo impõe o primeiro e essencial limite à interpretação normativa, de modo que qualquer interpretação que se desvie do conteúdo literal do texto viola o princípio da legalidade. Não podem, portanto, adotar-se interpretações extensivas ou restritivas que não estejam sustentadas pelo enunciado da lei, sob pena de comprometer a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões.

Não estabelecendo o artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRC qualquer distinção entre diferentes tipologias de fundos, e estando demonstrada a existência de um único fundo de pensões no Grupo B..., organizado em torno de um plano de contribuição definida, mas com uma cláusula de salvaguarda que prevê uma componente de benefício definido para alguns trabalhadores, conclui-se que, por violar o princípio da legalidade, a correção efetuada no âmbito do cálculo das realizações de utilidade social está viciada por violação de lei. Tal vício justifica a anulação dessa correção, assim como a anulação da liquidação na parte que se fundamenta na referida correção.

 

Pelo exposto decide este Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral.

 

6. Pedido de reembolso e juros indemnizatórios

6.1. Pedido de reembolso

A Requerente pede o reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios.

[2]Na sequência da anulação da parcial da liquidação adicional de IRC de 2018, as Requerentes têm direito a ser reembolsadas das quantias que tiverem pagado a mais, o que é consequência da anulação.

No entanto, não se provou qualquer pagamento da quantia liquidada adicionalmente.

Na falta de prova de pagamento, não pode proceder o pedido de reembolso, sem prejuízo de o direito a reembolso e a juros indemnizatórios poder ser reconhecido em execução da presente decisão arbitral.

 

7. Decisão

De harmonia com o exposto, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:

  1. Julgar improcedente a exceção dilatória invocada pela Requerida;
  2. [3]Anular a decisão de indeferimento (parcial) da reclamação graciosa que as Requerentes apresentaram contra a liquidação adicional de IRC de 2018 com o n.º ...2023... e as liquidações adicional de IRC de 2018 com o n.º 2022... e de juros compensatórios com os n.os 202... e 2022...;
  3. [4]Declarar a ilegalidade parcial da liquidação adicional do IRC impugnada e respetivos juros compensatórios, referente ao exercício de 2018, e anulá-la nos termos e com os limites suprarreferidos;
  4. Julgar improcedente os pedidos de reembolso e de juros indemnizatórios, sem prejuízo de que possam vir a ser reconhecidos em execução de sentença ou processo autónomo;
  5. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

8. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 1.457.205,36 nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por remissão expressa do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, em consonância com os artigos 296.º, n.º 1 do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

9. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 19.584,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

Notifique-se

Lisboa, 20 de março de 2025

 

Os Árbitros

 

 

 

 

_________________

(Regina de Almeida Monteiro – Presidente)

 

__________________

(Sérgio Pontes - Adjunto)

 

 

(Martins Alfaro – Adjunto)

 



[1] DIOGO FREITAS DO AMARAL et al, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3.ª edição, página 40.

[2] De acordo com o Despacho de Retificação de 2025-04-08

[3] De acordo com o Despacho de Retificação de 2025-04-08

[4] De acordo com o Despacho de Retificação de 2025-04-08