Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 366/2024-T
Data da decisão: 2025-03-15  IRC  
Valor do pedido: € 236.518,12
Tema: IRC – Amortizações – Mudança de política contabilística – Ónus da prova
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SUMÁRIO:

I – O sujeito passivo tem a seu favor o normativo previsto no art. 100º do CPPT, nos termos do qual sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado, pelo que também à luz deste normativo a Decisão em crise de indeferimento da Reclamação Graciosa padece de ilegalidade e deverá ser anulada.

II – As regras do ónus da prova previstas no artigo 74.º da LGT (que transpõem para o procedimento tributário as regras do ónus da prova previstas no artigo 342.º do Código Civil) devem ser conjugadas com as regras do artigo 75.º da LGT, que no seu n.º 1 determina: “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”.

II – Nos termos do artigo 75.º n.º 2 alínea (a) e alínea (b) da LGT, a presunção de verdade não se verifica quando “a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo; b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações;”.

 

 

Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, Filomena Oliveira e Jorge Carita, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

 

A..., S.A., doravante abreviadamente designada por “A...”, “Empresa” ou “Requerente”, com o número de identificação de pessoa coletiva (“NIPC”) ... e sede na Rua ..., n.º..., ..., ..., na qualidade de sucessora universal dos direitos e obrigações da sociedade B..., S.A. (doravante abreviadamente designada por “B...”), com o NIPC..., adiante globalmente designada por “Requerente”, vem, no âmbito do indeferimento expresso do Recurso Hierárquico (“RH”) apresentado na sequência dos pedidos de Revisão Oficiosa no âmbito dos Processos n.º ...2021... e ...2021... (vide Documento n.º 1)  apresentados por referência aos períodos de tributação de 2012 e 2013, respetivamente, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 e 3.º, n.º 1 do Regime Jurídico de Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e, ainda, dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a Constituição de Tribunal Arbitral e apresentar Pedido de Pronúncia Arbitral em Matéria Tributária.

 

É Requerida a AT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 18 de março de 2024.

Quer a Requerente, quer a Requerida, procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o Árbitro Presidente, na sequência de indicação para o fazer de ambos os árbitros, tendo sido notificadas as partes em 2 de julho de 2024, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O TAC encontra-se, desde 22 de julho de 2024, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 27 de setembro de 2024.

Por despacho de 4 de dezembro de 2024, o TAC proferiu a seguinte decisão:

“1. Notifique-se a Requerente para exercer, no prazo de 10 dias, o direito de resposta quanto à matéria da exceção invocada pela Requerida.

2. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito e a prova produzida é meramente documental.

3. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença. 

4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.

Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

A Requerente respondeu às exceções.

 

  1. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

II.1      Posição da Requerente

O Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:

  1. A Requerente é uma sociedade anónima, concessionária de serviços públicos e responsável pela gestão e exploração do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do ... .
  2. A Requerente pertencente ao Grupo C... (doravante designado por “Grupo C...” ou tão-somente “Grupo”), resulta de uma reestruturação preconizada pelo Governo português, da qual, por força do Decreto-Lei n.º 93/2015, de 29 de maio, incorporou a B..., concessionária responsável pela gestão e exploração do sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento de..., conforme cópia que se junta e se dá por inteiramente reproduzida (Documento n.º 3).
  3. Em 31 de março e 6 de junho de 2016, a Requerente apresentou pedidos de Revisão de Ato Tributário (“RAT”), cujas cópias se juntam como Documento n.º 4, tendo por objeto as autoliquidações de IRC referentes aos períodos de tributação de 2012 (e também 2011), assim como de 2013 (respetivamente), efetuadas mediante a entrega, em 27 de maio de 2013 e 20 de maio de 2014, respetivamente, das declarações de rendimentos Modelo 22 (“DM22”) com as identificações números ... e..., respetivamente, nas quais declarou um lucro tributável de Euro 5.477.655,02 e 9.629.498,17, e um total de imposto a pagar no montante de Euro 247.353,82 e Euro 501.809,25 – respetivamente - cujas cópias se juntam como Documentos n.º 5.
  4. Com efeito, cumpre referir que a Requerente apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral junto do CAAD sobre a matéria que aqui se discutirá, relativo ao período de tributação de 2011, no passado dia 29 de janeiro de 2024, o qual corre em autos autónomos (conforme Documento n.º 6).
  5. Note-se, a título preliminar, que os pedidos de RAT apresentados, têm por referência as autoliquidações de IRC dos períodos de tributação de 2012 e 2013 efetuadas na esfera da B..., a que a Requerente sucedeu nos direitos e obrigações em resultado da operação de reestruturação ocorrida.
  6. Deste modo, em abono da clareza do pedido sub judice, importa notar que desde 1 de janeiro de 2010 a contabilização das obrigações contratuais da B..., enquanto concessionária de serviços públicos e responsável pela gestão e exploração do sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento de..., efetuava-se supletivamente pela aplicação da IFRIC[1] 12.
  7. Note-se, adicionalmente, que a concessão da exploração e gestão, incluindo a conclusão da conceção, a construção das obras e equipamentos, bem como a sua exploração, reparação, renovação e manutenção do Sistema Multimunicipal da Região de ..., foi atribuída à B..., em regime de exclusividade, através do Contrato de Concessão celebrado com o Estado português, em 6 de outubro de 2001, pelo prazo inicial de 30 anos, posteriormente alargado para 50 anos, com efeitos em 2010.
  8. Como melhor se explanará adiante, em virtude da alteração do normativo contabilístico aplicável às atividades concessionadas, em 1 de janeiro de 2010, foi decidido pelo Grupo C... que o reconhecimento e amortização dos investimentos previstos no âmbito das concessões, não iriam acompanhar os respetivos impactos fiscais, gerando-se assim ajustamentos fiscais na esfera das entidades concessionárias do Grupo.
  9. Note-se, no entanto que, a origem dos referidos ajustamentos fiscais prende-se, essencialmente, com o período de reconhecimento das amortizações dos investimentos previstos no âmbito da concessão, apresentando, por isso, natureza temporária, e dando origem ao reconhecimento de impostos diferidos na esfera das entidades concessionárias. 
  10. Ora, no âmbito de uma revisão interna aos procedimentos adotados, desenvolvida no contexto do processo de reorganização oportunamente referido veio a Requerente a aperceber-se que o apuramento do lucro tributável referente aos exercícios de 2011, 2012 e 2013 na B...  foi efetuado sem contemplar a dedução fiscal correspondente à recuperação de amortizações tributadas (acrescidas) no período de tributação de 2010 tendo por base o exposto no Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro (“DR 25/2009”), a vigorar nessa data, e que de acordo com os cálculos por si efetuados no que se refere ao período de 2012, ascendeu a  Euro 2.106.719,38 (valor que corrigiu para Euro 793.433,00 em sede de Direito de Audição Prévia (“DAP”) e relativamente ao período de tributação de 2013, ascenderia a Euro 78.790,54 (valor que corrigiu para Euro 612.498,00 em sede de DAP) – cujas cópias se juntam em anexo como Documento n.º 7).
  11. Neste contexto, solicitou junto da AT, a correção do lucro tributável da Requerente de 2012 pela respetiva importância para o montante de Euro 4.684.222,13 (quatro milhões, seiscentos e oitenta e quatro mil, duzentos e vinte e dois euros e treze cêntimos) e a restituição do IRC de 2012 pago em excesso, no montante de Euro 35.704,48 (trinta e cinco mil, setecentos e quatro e quarenta e oito cêntimos), correspondente à Derrama Municipal e Derrama Estadual, não tendo a AT aceitado.
  12. Já no que se refere ao período de tributação de 2013, a Requerente solicitou junto da AT, a correção do lucro tributável pela respetiva importância para o montante de Euro 9.016.999,90 (nove milhões, dezasseis mil, novecentos e noventa e nove euros e noventa cêntimos) e a restituição de IRC pago em excesso, no montante de € 39.812,39 (trinta e nove mil, oitocentos e doze euros e trinta e nove cêntimos).
  13. Atenta a complexidade que a matéria em análise comporta, a Requerente procurará, em primeiro lugar, enquadrar sucintamente a sua atividade, integrada no contexto do Grupo C..., com todas as especificidades que lhe são inerentes, nomeadamente ao nível contabilístico e fiscal, com o intuito de melhor enquadrar o pedido sub judice.

 

Enquadramento da atividade desenvolvida pelo Grupo C... .

  1. O Grupo C... (do qual a Requerente faz parte) exerce parte significativa da sua atividade por meio de contratos de concessão, encontrando-se as concessionárias vinculadas ao não exercício de outras atividades além das que constituem objeto da concessão, em conformidade com as disposições legais e contratuais aplicáveis a cada concessão.
  2. Pela exploração de cada concessão, a concessionária tem o direito a cobrar um preço (tarifa) aos utentes pelos serviços prestados.
  3. Os contratos de concessão celebrados pelo Grupo estão sujeitos a um enquadramento regulatório, estabelecido legalmente, sendo a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (“ERSAR”) a entidade reguladora, a qual assegura, entre outras, a regulação económica, promovendo a regulação dos preços para garantir tarifas eficientes e socialmente aceitáveis, sem prejuízo da sustentabilidade económica e financeira das entidades gestoras.
  4. Neste contexto, os contratos de concessão celebrados pela C... estabelecem os critérios para a fixação das tarifas, sendo que no presente caso interessa:
    1. Assegurar, dentro do período da concessão, a amortização do montante efetivo do investimento inicial a cargo da concessionária, deduzido das comparticipações e subsídios a fundo perdido recebidos;
    2. Assegurar a substituição de todos os bens e equipamentos até ao final da concessão;
    3. Assegurar a amortização tecnicamente exigida destes investimentos de substituição e eventuais novos investimentos de expansão ou modernização do sistema especificamente incluídos nos planos de investimento autorizados.
  5. Nos termos das respetivas concessões, sem prejuízo de uma indemnização pelos bens que resultem de novos investimentos de expansão ou de diversificação do sistema não previstos no contrato inicial, os bens afetos à concessão reverterão no final do período da concessão, para os municípios, livres de ónus ou encargos e em perfeitas condições de operacionalidade, utilização e manutenção.

 

Enquadramento contabilístico aplicável ao Grupo C...

  1. Tendo presente as características da atividade desenvolvida pelas concessionárias, a especificidade do regime das concessões e os critérios de normalização contabilística atinentes, todas as concessionárias utilizaram, até 31 de dezembro de 2009, as normas constantes da Diretriz Contabilística n.º 4 (DC n.º 4) – Contabilização de Empresas Concessionárias.
  2. Note-se que, a adoção das regras constantes da DC n.º 4, para além de ser uma imposição legal para as concessionárias, para efeitos da normalização contabilística, permitia-lhes praticar, ao longo dos respetivos contratos de concessão, uma tarifa homogénea, a cobrar aos utilizadores dos seus serviços, sendo que a não adoção das referidas regras implicaria significativas variações nas tarifas, de ano para ano, em função dos diferentes montantes de investimento anual.
  3. De acordo com a DC n.º 4, os investimentos que estivessem acabados no início ou no primeiro ano da concessão (“investimentos realizados”) deviam ser contabilizados como imobilizações (conta 42 – Imobilizações Corpóreas, atual conta 43 do SNC) e amortizados (conta 66 – Amortizações do exercício, atual conta 64 do SNC) durante o número total de anos da concessão, ou em período inferior ajustado.
  4. Quanto aos investimentos que fossem de realização certa nos anos seguintes (“investimentos futuros ou não realizados”), deveriam ser estimados os respetivos custos, os quais seriam de repartir pelo número total de anos da concessão, ou de acordo com a vida útil, se inferior, sendo as respetivas quotas-partes de considerar como custos, em cada exercício, na conta 66 (atual conta 64 do código de contas do SNC), por contrapartida de um passivo, na conta 273 (atual conta 2722 do código de contas SNC). Quando esses investimentos estivessem concluídos, seriam transferidos de imobilizado em curso para imobilizado corpóreo (conta 44 para conta 42), transferindo-se o saldo da conta de acréscimos de custos para a correspondente conta de amortizações acumuladas (transferência da conta 273 para a conta 48).
  5. Note-se que, as amortizações de investimento futuro (não realizado), correspondem a um reembolso futuro à tarifa permitindo o nível de estabilização da mesma, bem como, o balanceamento, durante o prazo de vigência dos contratos de concessão com o Estado, dos proveitos (tarifas) e dos custos (incorridos e a incorrer).
  6. As amortizações eram calculadas pelo método da soma das unidades, isto é, pela amortização dos investimentos, iniciais e futuros, que constam do estudo de viabilidade económica e financeira (“EVEF”), tendo por base os caudais de efluente faturados nesse exercício, e os efluentes a faturar até ao final da concessão previstos no estudo de viabilidade – adiante designado de “método de depleção”.
  7. Nestes termos, até 31/12/2009, os lançamentos das amortizações anuais efetuados pelas concessionárias do Grupo, eram os seguintes:
  8. Lançamento das amortizações lineares (de acordo com as taxas do DR n.º 2/90 ou 25/2009) na conta 66 a crédito da conta 48, relativamente às amortizações do investimento realizado;
  9. Subsequente correção das amortizações lineares, de acordo com o método da depleção, através do lançamento a débito na conta 66 a crédito da conta 273, relativamente às amortizações do investimento não realizado, e a crédito da conta 48, relativamente às amortizações do investimento realizado.
  10. A partir de 1 de janeiro de 2010, com a entrada em vigor do novo referencial contabilístico (SNC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, foi revogada a DC n.º 4, e na ausência de norma contabilística aplicável às atividades concessionadas em mercado regulado, as concessionárias do Grupo passaram a aplicar supletivamente a IFRIC 12 na contabilização das obrigações decorrentes da concessão.
  11. A aplicação da IFRIC 12 determinou uma alteração substancial no registo contabilístico dos contratos de concessão pelas empresas concessionárias em relação ao regime que vigorava anteriormente no âmbito do POC e DC n.º 4.
  12. Dadas as condições presentes nos contratos de concessão estabelecidos entre as concessionárias do Grupo e o Estado, a adoção da IFRIC 12, implicava o reconhecimento de um ativo intangível, dado que aquelas recebem as retribuições dos utentes do serviço público em função da utilização desse serviço, deixando os ativos revertíveis de ser reconhecidos como ativos fixos tangíveis.
  13. Por outro lado, deixava-se de considerar como custos, em cada exercício ao longo do número total de anos da concessão e acumulada no passivo como acréscimo de custos, a quota-parte das despesas capitalizáveis a efetuar nos anos seguintes, certas ou estimadas, e os custos estimados de investimentos a realizar também nos anos seguintes, passando as obrigações de manutenção e reparação das infraestruturas a ser reconhecidas e mensuradas de acordo com a NCRF 21/ IAS 37 (provisões) em contrapartida do ativo intangível.
  14. Note-se, adicionalmente, que as alterações de políticas contabilísticas, de acordo com o §29 da IFRIC 12, são contabilizadas retrospetivamente, o que implicava para as concessionárias do Grupo, efeitos significativos ao nível dos seus capitais próprios, distorcendo a apresentação das demonstrações financeiras das empresas ao longo dos anos.
  15. Em face do exposto, o Grupo C... decidiu que, contabilisticamente, as concessionárias manteriam os procedimentos que vinham a adotar relativamente ao método de amortização do ativo intangível, isto é:
    1. A amortização do investimento futuro (não realizado), utilizando o método de depleção (tal como vinha sendo seguido até 2009); e
    2. A manutenção da amortização do investimento já realizado pelo método de depleção (ao invés da opção pela adoção para efeitos contabilísticos da amortização decorrente do prazo da concessão).
  16. Assim, em face da alteração da política contabilística, decorrente da aplicação retrospetiva da IFRIC 12, as concessionárias do Grupo procederam, com efeitos a 01 de janeiro de 2010, ao apuramento:
    1. das amortizações acumuladas do investimento da concessão já realizado até 31/12/2009, que reclassificaram como amortizações acumuladas do ativo intangível, anulando as anteriormente registadas com base no DR 25/2009; e,
    2. das amortizações acumuladas do investimento não realizado registadas até 31/12/2009, que reclassificaram a título de provisão nas subcontas SNC 2722.
  17. As referidas reclassificações foram efetuadas por via de resultados transitados, originando variações patrimoniais e ajustamentos de transição, que em virtude do procedimento contabilístico adotado, apenas tiveram impacto fiscal, como mais adiante se explicará.
  18. No que se refere aos procedimentos internos de contabilização do investimento, esclarece-se, que a regularização das amortizações acumuladas dos investimentos realizados em cada ano,  o qual geraria o movimento contabilístico a débito nas contas SNC 27 por contrapartida a crédito das contas SNC 448, era calculado pelas empresas concessionárias fora do sistema SAP e era indicado manualmente no sistema, o que – antecipa, desde já, a Requerente –, inelutavelmente, encerra em si, por definição, um maior risco de se virem a verificar lapsos.
  19. Com efeito, em face das várias dúvidas suscitadas quanto à aplicação do novo normativo contabilístico e, bem assim, dos respetivos impactos fiscais, pelas empresas concessionárias na sequência da revogação da DC n.º 4, não foi possível assegurar, em tempo útil, a adequação dos sistemas contabilísticos e de imobilizado das empresas concessionárias (e da Requerente) para o cálculo das amortizações, e apuramento dos respetivos impactos fiscais, nos termos que anteriormente se mencionaram.
  20. Houve sim, um esforço inenarrável por parte da Requerente (e das restantes empresas do Grupo), no ano da adoção do novo normativo contabilístico, e seguintes, no sentido de assegurar, através do cálculo manual, o apuramento dos respetivos impactos contabilísticos e fiscais que eram necessários reportar, quer para efeitos contabilísticos, quer para efeitos fiscais, e que, em face da complexidade e do volume de informação que era preciso tratar, deu origem a algumas correções de amortizações em períodos seguintes, nomeadamente, em 2011, 2012 e 2013.

 

Enquadramento fiscal aplicável ao Grupo C...

  1. Como oportunamente se mencionou, até 31 de dezembro de 2009, a contabilização das obrigações contratuais das concessionárias, encontrava-se adstrita às instruções emanadas pela Comissão de Normalização Contabilística, pela DC n.º 4.
  2. Para efeitos fiscais, e em conformidade com o entendimento preconizado através do Ofício n.º..., de 24 de março de 2004 (Despacho n.º 699/2004-XV, de 17/03/2004, de S. Exa. o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais) – cuja cópia se junta como Documento n.º 8, os gastos relevados na contabilidade em resultado da aplicação imperativa da DC n.º4, configuravam gastos fiscais por serem comprovadamente indispensáveis para a realização de proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora, uma vez que estão correlacionados com o único proveito tributável das concessionárias, as tarifas.
  3. A partir de 1 de janeiro de 2010, com a revogação da DC n.º 4, as empresas concessionárias do Grupo passaram a aplicar supletivamente a IFRIC 12 na contabilização das obrigações contratuais das concessionárias, o que implicou uma alteração substancial no registo contabilístico dos contratos de concessão.
  4. Tendo-se suscitado dúvidas relativamente ao tratamento fiscal decorrente do novo enquadramento contabilístico, o Grupo C... apresentou em 20 de maio de 2010, e em 23 de novembro de 2010, dois Pedidos de Informação Vinculativa (“PIV”), no sentido de confirmar se o entendimento anteriormente sancionado pela AT se alterava.
  5. Através do Ofício n.º..., de 13 de setembro de 2010, e do Ofício n.º ..., de 25 de janeiro de 2011 (Documentos n.º 9 e n.º 10), em respostas aos PIV apresentados, o Grupo C... foi notificado pela Direção de Serviços de IRC (“DSIRC”) do novo entendimento, que considera que o regime fiscal que decorreria da aplicação da DC n.º 4, deixou de ser aceite fiscalmente a partir de 1 de janeiro de 2010, e onde se estipula, resumidamente, que:
  6. As obrigações de manutenção e reparação das infraestruturas (entenda-se, as amortizações do investimento não realizado) devem ser reconhecidas e mensuradas de acordo com a NCRF 21 / IAS 37 (Provisões), e por isso, não aceites fiscalmente nos termos do artigo 39.º do Código do IRC, uma vez que não se encontram contempladas naquele normativo;
  7. As alterações das políticas contabilísticas resultantes da adoção da IFRIC 12 (e consequente abandono da DC n.º 4 devem ser contabilizadas retrospetivamente), sendo de aplicar, o regime transitório constante do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13/7, que determina que os efeitos nos capitais próprios, com relevância fiscal, concorram para a formação do lucro tributável do período de tributação de 2010 e dos quatro seguintes;
  8. No período de tributação em que o investimento vier a ser realizado e utilizado, o ativo intangível reúne as condições para ser um elemento fiscalmente amortizável (artigo 1.º, n.º 2 do DR 25/2009), sendo a taxa de amortização calculada com base no número de anos que restam do contrato de concessão;
  9. Como contabilisticamente já foram reconhecidas as amortizações nos anos anteriores, sem que tivesse sido possível reconhecê-las fiscalmente nesses anos, deve ser aceite fiscalmente em cada ano, no ano da concretização do investimento e até ao fim do contrato de concessão, a amortização que vier a ser contabilizada e, nos termos do n.º 3 do artigo 1.º do DR 25/2009, a diferença entre a quota máxima aceite fiscalmente e a que foi contabilizada, a qual deve ser deduzida no Quadro 07 da declaração modelo 22 de IRC – tema que, adianta a Requerente, será o cerne dos pedidos de RAT apresentados em 2016 e que gerou a divergência com a AT que ora se apresenta a este Tribunal.
  10. Ora, conforme referido, na sequência da adoção da IFRIC 12, as empresas concessionárias do Grupo procederam ao desreconhecimento das amortizações acumuladas do investimento não realizado por via dos resultados transitados (e posterior reconhecimento de uma provisão), que à luz dos entendimentos preconizados pela AT, configura uma variação patrimonial positiva com relevância fiscal.
  11. A tributação da referida variação patrimonial foi inicialmente diferida, nas declarações de rendimentos Modelo 22 de 2010 e de 2011, pelo prazo de cinco anos, conforme previsto no regime transitório constante do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13/7, e posteriormente substituídas na sequência do aditamento do artigo 5.º-A pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (aprova o Orçamento do Estado para o ano de 2013), onde se determinou que os impactos do desreconhecimento das amortizações do investimento contratual não realizado (não aceites para efeitos fiscais ao abrigo da IFRIC 12), deveriam concorrer para a formação do lucro tributável pelo período remanescente do contrato de concessão em vigor no final de cada exercício.
  12. Adicionalmente, na sequência da decisão do Grupo C... de manter a amortização contabilística do ativo intangível, pelo método de depleção, que difere da amortização fiscal que resulta do DR 25/2009, calculada linearmente com base no número de anos que restam do contrato de concessão, são apuradas anualmente diferenças temporárias que determinam o reconhecimento de impostos diferidos na esfera das concessionárias.
  13. Assim, (i) para além das amortizações do investimento não realizado, que continuam a ser reconhecidas (pelo método de depleção) em cada período até ao termo da concessão, e que não são aceites para efeitos fiscais nesses períodos por não terem enquadramento no artigo 39.º do Código do IRC, as empresas do Grupo acrescem ainda fiscalmente (ii) a diferença positiva entre as amortizações calculadas pelo método de depleção e as que resultam do prazo da concessão, relativamente aos investimentos realizados.
  14. Note-se, no entanto, que em face dos entendimentos vertidos nos Ofícios acima mencionados, em resposta aos PIV’s apresentados pelo Grupo, a partir do ano da concretização do investimento e até ao fim do contrato de concessão, as amortizações que nos anos anteriores não foram aceites fiscalmente, podem ser deduzidas até ao limite da diferença entre a quota máxima aceite fiscalmente e a que foi contabilizada.
  15. Assim, nos períodos em que as amortizações que resultam do prazo da concessão (fiscais) se verificam superiores às contabilizadas (pelo método de depleção), as concessionárias procedem à dedução da respetiva diferença no Quadro 07 da declaração modelo 22 de IRC, e revertem o ativo por imposto diferido correspondente na contabilidade.

 

Enquadramento do pedido da Requerente

  1. A Requerente apresentou pedidos de RAT referente aos períodos de 2011 e 2012 em 31 de março de 2016 e ao período de 2013 em 6 de junho de 2016.
  2. Na origem dos pedidos, esteve a dedução, para efeitos de IRC, nos períodos de tributação de 2012 e 2013, de amortizações contabilizadas (e acrescidas fiscalmente) em períodos de tributação anteriores, no que se refere ao período de 2012, no montante de Euro 2.106.719,38 (valor que corrigiu para Euro 793.433,00 em sede DAP) e relativamente ao período de tributação de 2013, no montante de Euro 78.790,54 (valor que corrigiu para Euro 612.498,00 em sede de DAP), como melhor se comentará adiante.
  3. O pedido apresentado pela Requerente, mais tarde, reformulado em sede de DAP, teve na sua génese, os fundamentos que a seguir se apresentam.
  4. Ao abrigo do normativo contabilístico adotado supletivamente, em 1 de janeiro de 2010, (IFRIC 12), a B... contabilizou ajustamentos de transição que deram origem ao reconhecimento de:
    1. uma variação patrimonial positiva de Euro 20.029.778,64 referente à anulação do acréscimo de gastos no montante das amortizações do investimento não realizado (que haviam sido contabilizadas no âmbito da DC n.º 4) até 31/12/2009, que foi e vem sendo reconhecida fiscalmente (no campo 703 do quadro 07 da DM22) pelo prazo remanescente da concessão; e
    2. uma variação patrimonial negativa de Euro 20.029.778,64 relativa ao registo de uma provisão (de igual montante) referente a essas mesmas amortizações do investimento não realizado até 31/12/2009, que não relevou fiscalmente.
  5. Assim, o montante de Euro 953.798,98 (1/21 de Euro 20.029.778,64), foi incluído no campo 703 do quadro 07 da DM22 referente aos exercícios de 2010, 2011, 2012 e 2013, que, por sua vez, totaliza Euro 2.434.619,65, na medida em que aquele campo 703 contém também o ajustamento correspondente a 1/5 da diferença apurada entre os subsídios reconhecidos contabilisticamente e a reconhecer fiscalmente referentes ao investimento realizado, de Euro 1.480.820,67.
  6. Ainda nessa data, em 1 de janeiro de 2010, a B... apurou as amortizações acumuladas do investimento da concessão já realizado até 31/12/2009, no montante de Euro 17.375.643,81, que reclassificou como amortizações acumuladas do ativo intangível, anulando as anteriormente registadas com base no DR 25/2009, sem impactos fiscais.
  7. Relativamente aos períodos de tributação de 2012 e 2013 a B...  contabilizou, na conta SNC 64, como gastos de amortização do ativo intangível (investimento realizado e investimento não realizado), os montantes de Euro 10.681.136,17 e Euro 12.768.045,60, tendo desconsiderado para efeitos fiscais (no campo 719 da DM22 de 2011) as amortizações do investimento não realizado nos montantes de Euro 2.477.391,63 e Euro 2.222.059,00, respetivamente.
  8. Consequentemente, as amortizações contabilizadas referentes ao investimento realizado ascenderam a Euro 8.203.744,54 (Euro 10.681.136,17 - Euro 2.477.391,63) e Euro 10.545.968,60 (Euro 12.768.045,60 - Euro 2.222.059,00). Note-se, no entanto, que em sede de DAP, a Requerente clarificou e demonstrou que o montante de amortizações contabilísticas do investimento realizado dos períodos de 2012 e 2013 ascendeu apenas a Euro 8.124.639,96 e Euro 9.993.421,14, respetivamente, na medida em que o valor contabilizado continha acertos de amortizações de períodos anteriores.
  9. As referidas amortizações do investimento realizado, no montante de Euro 8.124.639,96 e Euro 9.993.421,14, foram relevantes para efeitos fiscais nos períodos de 2012 e 2013, uma vez que as amortizações fiscais (isto é, as calculadas linearmente pelo período remanescente da concessão), se verificaram inferiores às contabilizadas nesse período.
  10. Em face do exposto, e tendo por base os entendimentos preconizados pela AT em resposta aos PIV’s apresentados pelo Grupo, entende a Requerente que poderá “recuperar” fiscalmente, nos períodos de 2012 e 2013:
    1. As amortizações contabilizadas e “tributadas” (i.e., acrescidas), no ano de 2010 (ajustamento de transição), relativamente aos bens de investimento já realizado até 31/12/2009, até ao montante da diferença positiva apurada entre amortizações praticadas em 2012 e 2013 com referência a estes bens, e o respetivo montante máximo admitido fiscalmente (nos termos do DR 25/2009);
    2. As amortizações contabilizadas e “tributadas”, no ano de 2010, relativamente aos bens de investimento que passaram a investimento realizado nos períodos de 2010 e 2011 até ao montante da diferença positiva apurada entre amortizações praticadas em 2012 e 2013 com referência a estes bens, e o respetivo montante máximo admitido fiscalmente (nos termos do DR 25/2009);
    3. As amortizações contabilizadas e “tributadas”, nos anos de 2010 e 2011, relativamente aos bens de investimento que passaram a investimento realizado no período de 2012 até ao montante da diferença positiva apurada entre amortizações praticadas em 2012 e 2013 com referência a estes bens, e o respetivo montante máximo admitido fiscalmente (nos termos do DR 25/2009);
    4. As amortizações contabilizadas e “tributadas”, nos anos de 2010, 2011 e 2012, relativamente aos bens de investimento que passaram a investimento realizado no período de 2013 até ao montante da diferença positiva apurada entre amortizações praticadas em 2013 com referência a estes bens, e o respetivo montante máximo admitido fiscalmente (nos termos do DR 25/2009).
  11. Note-se que, as amortizações contabilizadas e “tributadas”, em 2010, relativamente aos bens de investimento realizados até 31-12-2011, correspondem às amortizações acumuladas apuradas e registadas desde o início da concessão por referência a esses bens e que, aquando da respetiva aquisição/realização, foram (ou deviam ter sido) reclassificadas da conta SNC 27 (amortizações do investimento não realizado) para a conta SNC 448 (amortizações acumuladas do investimento realizado). Tais montantes, conforme demonstrado pela Requerente em sede de DAP, incluem-se:
  12. No ajustamento fiscal de Euro 20.029.778,64, incluído no campo 703 do quadro 07 da DM22 referente aos exercícios de 2010 e 2011, a título de amortizações do investimento não realizado a 31/12/2009; e
  13. No ajustamento fiscal de Euro 3.117.946, inscrito no campo 719 da DM22 referente ao período de 2010, correspondente às amortizações do investimento não realizado contabilizadas no período de 2010.
  14. Assim, em face do exposto e dos cálculos, discriminados bem a bem, apresentados pela Requerente, nos elementos oportunamente disponibilizados (nomeadamente, no Documento n.º 7 anexo ao DAP apresentado pela ora Requerente), entende a Requerente ter direito a deduzir no período de 2012, o montante de Euro 793.433,00 e no período de 2013, o montante de Euro 612.498,00 respeitante a amortizações contabilizadas e “tributadas” em períodos anteriores por referência aos bens do investimento realizado até 31-12-2012 e 31-12-2013, respetivamente.
  15. Na sequência do pedido de RAT apresentado, a Requerente foi notificada em 8 de junho de 2016, pelo Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de..., de uma ação de inspeção referente ao período de 2012, com o objetivo de consulta, recolha e cruzamento de elementos.
  16. Neste contexto, cumpre salientar que no âmbito do estrito dever de colaboração, a Requerente procurou disponibilizar todos os elementos e clarificações solicitados no âmbito do referido procedimento, tendo sido, inclusive, trocadas várias correspondências com o inspetor incumbido pelo processo.
  17. No dia 17 de outubro de 2016, foi notificada à Requerente a nota de diligência que encerrou o ato de inspeção, nos termos do artigo 61.º do RCIPTA, e que se junta em anexo sob o Documento n.º 11.    
  18. A 7 de novembro de 2020, a Requerente foi notificada dos Projetos da decisão de indeferimento dos pedidos de RAT relativos aos exercícios de 2012 e 2013 (Documento n.º 12), alegando a AT que não resultava demonstrado e comprovado, por um lado, qual o montante da “amortização” contabilizada com referência aos bens que constituíam investimento realizado em 31 de dezembro de 2012 e, bem assim, em 31 de dezembro de 2013, que foi tributado nos anos económicos de 2010, 2011, 2012 e 2013 e, por outro lado, a bondade das taxas de amortização consideradas pela Requerente como fiscalmente aceites (tendo por base o disposto nos artigos 12.º e 16.º do DR n.º 25/2009), de modo a determinar qual o valor da amortização passível de recuperação fiscal nos anos económicos de 2012 e 2013.
  19. Em face dos argumentados invocados pela AT para a proposta de indeferimento do pedido, a Requerente exerceu os competentes DAP, em 14 de dezembro de 2020, por referência ao período de 2012, e em 17 de dezembro de 2020, por referência ao período de 2013, através do qual procurou responder a todas as questões suscitadas pela AT, assim como enviar toda a documentação necessária, no sentido de demonstrar e suportar os seus pedidos anteriormente veiculados, reformulando o pedido anteriormente apresentado.
  20. Note-se que, a reformulação do pedido inicialmente apresentado, decorreu, essencialmente, do facto da Requerente ter percebido que o movimento de reclassificação das amortizações acumuladas referentes ao investimento realizado até 31/12/2009 (da conta SNC 27 para a conta SNC 448), que apurou no montante de Euro  9.226.649,74, não foi efetuado, em 2010, com efeitos a essa data, o que determinou que as variações patrimoniais apuradas na transição do normativo contabilístico referentes ao investimento não realizado (“futuro”) tivessem ficado sobreavaliadas nesse montante, como melhor explicado no DAP apresentado pela Requerente.
  21. Por outro lado, como explicado pela Requerente nos pontos 52.º e 53.º do DAP apresentado pela Requerente, foi também efetuado o recálculo (extra-contabilístico) das amortizações fiscais do período de 2011, na medida em que se verificou haver uma desconformidade nos procedimentos adotados relativamente às fichas de imobilizado incorporadas e reclassificadas em 2010.
  22. Sem prejuízo, de forma a sanear todas as questões suscitadas pela AT no Projeto de Decisão de indeferimento dos pedidos de RAT em análise, e bem assim, comprovar o valor da dedução fiscal apurada, a Requerente juntou em sede de DAP, entre outros documentos, os seguintes:
    1. Cópia do Relatório & Contas do exercício de 2010 da B...;
    2. Cópia dos documentos justificativos da contabilização das amortizações calculadas pelo método da depleção a 31/12/2009 pela B...;
    3. Cópia do Estatuto de Viabilidade Económica e Financeira (“EVEF”) referente ao total do investimento previsto na Concessão da B...;
    4. Um ficheiro em formato eletrónico contendo:
    5. “Impactos contabilísticos” onde vêm descritos os movimentos contabilísticos associados à concessão;
    6. “Impactos fiscais” onde vêm indicados os valores referentes às amortizações contabilísticas e fiscais do investimento realizado e do investimento não realizado, os respetivos subsídios governamentais e os respetivos valores de ativos e passivos por impostos diferidos, com referência aos períodos de 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013;
    7. “Mapa de amortizações” onde vêm indicados os valores referentes às amortizações calculadas pelo método de depleção (caudal) e também de acordo com o previsto no DR 25/2009, respeitantes aos bens de investimento realizado, com referência aos períodos de 2009, 2010 ,2011, 2012 e 2013;
    8. “Recuperação de amortizações” onde vem apresentado em quadro o valor da amortização que a Requerente entende ser de recuperar no período em análise;
    9. “Notas” contendo notas explicativas dos acertos que a Requerente indica ter efetuado no apuramento das amortizações acumuladas respeitantes aos investimentos realizados e não realizados;
    10. “Balancetes” referentes aos períodos de 2009 a 2013.
  23. A 20 de março de 2021, a Requerente foi notificada das decisões finais da AT (Documento n.º 13), mantendo-se as propostas de indeferimento dos pedidos de RAT, alegando a AT não ser possível identificar nos elementos contabilísticos disponibilizados, designadamente no balancete e nos extratos de conta, o reflexo do apresentado nos mapas extra-contabilísticos, e, por conseguinte, concluir pela bondade dos valores apresentados.
  24. Note-se, adicionalmente, que não foi suscitado qualquer esclarecimento adicional no que se refere ao procedimento adotado pela Empresa relativamente aos ajustamentos fiscais realizados com referência às amortizações dos investimentos da concessão, nem no que concerne à pretensão da Requerente na recuperação de amortizações tributadas em períodos de tributação anteriores.
  25. Não se conformando com a decisão proferida pela AT, a Requerente apresentou no dia 13 de abril de 2021, RH (cuja cópia se junta como Documento n.º 14) no sentido de permitir à AT ultrapassar as questões suscitadas no âmbito da apreciação dos elementos contabilísticos fornecidos aquando do exercício do competente DAP.
  26. Nos passados dias 15 e 18 de dezembro de 2023, e, apesar de todos os esclarecimentos prestados pela Requerente, a AT decidiu no sentido do indeferimento dos RH, objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral.
  27. Mas, desta vez, invocando, principalmente, argumentos de natureza técnico-fiscal para o indeferimento, concluindo que, no caso sub judice, não é aplicável o artigo 20.º do DR 25/2009, pois não estamos perante “amortizações que não sejam consideradas como gastos fiscais no período de tributação em que foram contabilizadas, por excederem as importâncias máximas admitidas”, como expressamente prevê o artigo 20.º do DR 25/2009 invocado pela Requerente.
  28. Neste sentido, refere na página 9 da Decisão final de indeferimento do RH de 2013, e, bem assim, na página 8 da Decisão final de indeferimento do RH de 2012 (vide Documento n.º 1), o seguinte: “… constatamos que a questão em apreço nos presentes autos prende-se tão somente com a resposta à seguinte questão: Ao valor da variação patrimonial positiva, no montante de € 20.029.778,64, apurada pela Recorrente em resultado do desreconhecimento do valor dos custos acumulados que vinham sendo contabilizados e fiscalmente relevantes até 31-12-2009 relativos ao investimento contratual estimado (não realizado), efetuado por imposição da adoção retrospetiva da IFRIC 12 e abandono da DC4/91, variação patrimonial positiva que vem sendo tributada  diferidamente, desde 2010, pelo prazo remanescente da concessão (21 anos), (…) e que alegadamente estaria sobrevalorizada no montante de € 9.226.650, é aplicável o artigo 20.º do DR 25/2009?” (sublinhado da Requerente)
  29. Vem, ainda alegar que a alteração do valor inicialmente pedido (v.g. página 8 da decisão de indeferimento do RH relativo ao período de tributação de 2013 – vide Documento n.º 1), em sede de DAP exercido sobre o Projeto de decisão, em 17 de dezembro de 2020, constitui um alargamento do pedido inicial, concluindo pela ausência de enquadramento legal para apreciação desse alargamento, por se encontrarem ultrapassados os prazos legais.
  30. E, por fim, que a Requerente não foi capaz de comprovar os valores apresentados nos cálculos, refletindo tais cálculos, agora divergências face aos elementos oficiais por si divulgados (nomeadamente, a IES).
  31. Ora, em face da argumentação agora aduzida pela AT, não pode a Requerente concordar com a decisão final, na medida em que logrou juntar todos esclarecimentos e documentação necessários à apreciação do pedido, e bem assim, clarificar o tratamento fiscal adotado, que por sua vez, tem respaldo nos entendimentos emitidos pela própria AT em resposta aos vários PIV’s apresentados pelo Grupo.
  32. Motivo pelo qual não se pode conformar a Requerente com o teor e a conclusão gizada pela AT, pelo que apresenta de seguida a sua fundamentação técnico-fiscal por forma a ver reposta a legalidade da sua situação jurídico-tributária.

 

II.2.     Posição da Requerida

Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

DEFESA POR EXCEÇÃO DA INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL PARA DETERMINAR A CORREÇÃO AO LUCRO TRIBUTÁVEL DOS EXERCÍCIOS DE 2012 E 2013, BEM COMO PARA CONDENAR A REQUERIDA AO REEMBOLSO DO IRC ALEGADAMENTE PAGO EM EXCESSO, ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS, COM BASE NOS MONTANTES CONCRETOS APURADOS PELA REQUERENTE

 

  1. O presente PPA tem por objeto (i) imediato a decisão de indeferimento dos Recursos Hierárquicos apresentados contra as decisões de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa e (ii) mediato os atos tributários de autoliquidação do IRC, referentes aos períodos de tributação de 2012 e 2013.
  2. Em concreto, está em causa (cf. §.15.º do PPA) o pedido de recuperação de alegadas amortizações tributadas em 2010, solicitando a Requerente:

- a recuperação do montante de € 2.106.719,38 no período de 2012, sendo de notar desde já que o pedido foi reduzido para €793.433,00 no âmbito do exercício de direito de audição prévia sobre o projeto de decisão;

- a recuperação do montante de € 78.790,54 no período de 2013, sendo de notar que este valor foi ampliado para €612.498,00, no âmbito do exercício de direito de audição prévia sobre o projeto de decisão.

  1. A desagregação daqueles montantes consta nos §.147.º e 148.º do PPA e, alegadamente, corresponde à diferença registada entre as amortizações fiscais e as contabilísticas (acrescidas no campo 703 do Q07 da DM22 e no campo 719 do Q07 da DM22);
  2. Consequentemente, a Requerente pretende a consideração fiscal de uma dedução adicional naqueles montantes para efeitos de apuramento do resultado tributável referente aos períodos de tributação de 2012 e 2013, com os demais efeitos legais, com fundamento na aplicação do disposto no art.º 20.° do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro.
  3. Contudo, a AT não validou os valores que suportam a alegada quantificação em excesso da matéria tributável.
  4. Com efeito, conforme consta expressamente da Informação da DSIRC que sustenta a decisão do RH n.º ...2021...:

« Antes demais e relativamente ao facto de a Recorrente ter alterado o valor inicialmente pedido de €78.790,54 aquando da entrega da petição inicial de Revisão Oficiosa ocorrida em 06 de junho de 2016, para o montante de € 612.498,00 peticionado em 17 de dezembro de 2020 no âmbito do exercício de direito de audição prévia sobre o projeto de decisão, salientamos que, face ao prazo máximo previsto no artigo 78.º da LGT para efeitos da realização de uma eventual revisão oficiosa da autoliquidação de IRC de 2013 efetuada mediante a entrega em 20 de maio de 2014 da declaração periódica de rendimentos modelo 22, e constituindo este novo pedido da Recorrente formulado em 17 de dezembro de 2020, um inequívoco alargamento do pedido inicial, concluímos pela inexistência de enquadramento legal para análise desse alargamento por se encontrarem ultrapassados todos os prazos previstos naquela norma, restando-nos avaliar o valor pedido inicialmente» (negrito nosso).

  1. Nestes termos, ainda que os pedidos formulados pela Requerente nas alíneas b), c) e d) do ponto IV do Pedido pudessem eventualmente decorrer da execução de julgados que viesse a ser efetuada em caso de a decisão arbitral ser de procedência - o que se concede a título meramente académico – tais pedidos não podem ser conhecidos no presente processo, porquanto extravasam a competência do presente Tribunal.
  2. Assim, e em conclusão:
    1. O Tribunal arbitral é competente para se pronunciar e decidir sobre o pedido formulado na alínea a) do petitório;
    2. Contudo, quanto aos segmentos restantes – alíneas b), c) e d) -, verifica-se a incompetência material do Tribunal para a apreciação daqueles pedidos da Requerente,
    3. o que consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto às pretensões em causa, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Sem conceder,

  1. Caso o Tribunal arbitral decida apreciar o pedido arbitral e julgá-lo procedente deverá determinar a restituição dos montantes que vierem a ser apurados em sede de execução de sentença, porquanto não dispõe de elementos que lhe permitam condenar a Requerida nas quantias peticionadas.

 

DEFESA POR IMPUGNAÇÃO

  1. A questão controvertida na presente ação arbitral é a de saber se ao valor da variação patrimonial positiva, no montante de €20.029.778,64, apurada pela Recorrente em resultado do desreconhecimento do valor dos custos acumulados que vinham sendo contabilizados e fiscalmente relevantes até 31-12-2009 relativos ao investimento contratual estimado (não realizado), efetuado por imposição da adoção retrospetiva da IFRIC 12 e abandono da DC n.º 4/9, variação patrimonial positiva que vem sendo tributada diferidamente, desde 2010, pelo prazo remanescente da concessão ( 21 anos)14 nos termos do disposto no artigo 5.°-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, aditado pela Lei n,° 66-B/2012, de 31 de Dezembro, e que alegadamente estaria sobrevalorizada no montante de € 9.226.650,00, é aplicável o disposto no art.º 20.º do DR 25/200915.
  2. A Requerente contesta as decisões de indeferimento dos Recursos Hierárquicos, reiterando os argumentos já aduzidos e considerados totalmente improcedentes em sede de procedimentos administrativos.
  3. Resta, pois, para evitar repetições inúteis, dar por integralmente reproduzidas as bem elaboradas Informações que fundamentam as decisões de indeferimento proferidas pelos serviços da AT e salientar os aspetos mais relevantes para a boa decisão da causa.

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

Foram suscitadas exceções de que cumpre conhecer, o que se fará adiante.

O processo não enferma de nulidades.

 

 

  1. Fundamentação

IV.1.    Matéria de facto

 

Factos dados como provados

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

  1. Na sequência do pedido de RAT apresentado, a Requerente foi notificada em 8 de junho de 2016, pelo Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de..., de uma ação de inspeção referente ao período de 2012, com o objetivo de consulta, recolha e cruzamento de elementos.
  2. No dia 17 de outubro de 2016, foi notificada à Requerente a nota de diligência que encerrou o ato de inspeção, nos termos do artigo 61.º do RCIPTA, e que se junta em anexo sob o Documento n.º 11.    
  3. A 7 de novembro de 2020, a Requerente foi notificada dos Projetos da decisão de indeferimento dos pedidos de RAT relativos aos exercícios de 2012 e 2013 (Documento n.º 12), alegando a AT que não resultava demonstrado e comprovado, por um lado, qual o montante da “amortização” contabilizada com referência aos bens que constituíam investimento realizado em 31 de dezembro de 2012 e, bem assim, em 31 de dezembro de 2013, que foi tributado nos anos económicos de 2010, 2011, 2012 e 2013 e, por outro lado, a bondade das taxas de amortização consideradas pela Requerente como fiscalmente aceites (tendo por base o disposto nos artigos 12.º e 16.º do DR n.º 25/2009), de modo a determinar qual o valor da amortização passível de recuperação fiscal nos anos económicos de 2012 e 2013.
  4. Em face dos argumentados invocados pela AT para a proposta de indeferimento do pedido, a Requerente exerceu os competentes DAP, em 14 de dezembro de 2020, por referência ao período de 2012, e em 17 de dezembro de 2020, por referência ao período de 2013, através do qual procurou responder a todas as questões suscitadas pela AT, assim como enviar toda a documentação necessária, no sentido de demonstrar e suportar os seus pedidos anteriormente veiculados, reformulando o pedido anteriormente apresentado.
  5. Note-se que, a reformulação do pedido inicialmente apresentado, decorreu, essencialmente, do facto da Requerente ter percebido que o movimento de reclassificação das amortizações acumuladas referentes ao investimento realizado até 31/12/2009 (da conta SNC 27 para a conta SNC 448), que apurou no montante de Euro  9.226.649,74, não foi efetuado, em 2010, com efeitos a essa data, o que determinou que as variações patrimoniais apuradas na transição do normativo contabilístico referentes ao investimento não realizado (“futuro”) tivessem ficado sobreavaliadas nesse montante, como melhor explicado no DAP apresentado pela Requerente.
  6. Por outro lado, como explicado pela Requerente nos pontos 52.º e 53.º do DAP apresentado pela Requerente, foi também efetuado o recálculo (extra-contabilístico) das amortizações fiscais do período de 2011, na medida em que se verificou haver uma desconformidade nos procedimentos adotados relativamente às fichas de imobilizado incorporadas e reclassificadas em 2010;
  7. A 20 de março de 2021, a Requerente foi notificada das decisões finais da AT (Documento n.º 13), mantendo-se as propostas de indeferimento dos pedidos de RAT, alegando a AT não ser possível identificar nos elementos contabilísticos disponibilizados, designadamente no balancete e nos extratos de conta, o reflexo do apresentado nos mapas extra-contabilísticos, e, por conseguinte, concluir pela bondade dos valores apresentados.
  8. Note-se, adicionalmente, que não foi suscitado qualquer esclarecimento adicional no que se refere ao procedimento adotado pela Empresa relativamente aos ajustamentos fiscais realizados com referência às amortizações dos investimentos da concessão, nem no que concerne à pretensão da Requerente na recuperação de amortizações tributadas em períodos de tributação anteriores.
  9. Não se conformando com a decisão proferida pela AT, a Requerente apresentou no dia 13 de abril de 2021, RH (cuja cópia se junta como Documento n.º 14) no sentido de permitir à AT ultrapassar as questões suscitadas no âmbito da apreciação dos elementos contabilísticos fornecidos aquando do exercício do competente DAP.
  10. Nos dias 15 e 18 de dezembro de 2023, e, apesar de todos os esclarecimentos prestados pela Requerente, a AT decidiu no sentido do indeferimento dos RH, objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

Factos dados como não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais, bem como nos documentos juntos aos autos, quer pela Requerente (com o pedido), quer pela Requerida (no processo administrativo) e em factos não questionados pelas partes.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo autor, nos termos do n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, de acordo com o n.º 2 do artigo 123.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[2], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

IV.2.    Matéria de Direito

IV.2.A. Quanto à exceção de incompetência

Em concreto, está em causa (cf. §.15.º do PPA) o pedido de recuperação de alegadas amortizações tributadas em 2010, solicitando a Requerente:

- a recuperação do montante de € 2.106.719,38 no período de 2012, sendo de notar desde já que o pedido foi reduzido para €793.433,00 no âmbito do exercício de direito de audição prévia sobre o projeto de decisão;

- a recuperação do montante de € 78.790,54 no período de 2013, sendo de notar que este valor foi ampliado para €612.498,00, no âmbito do exercício de direito de audição prévia sobre o projeto de decisão.

A desagregação daqueles montantes consta nos §.147.º e 148.º do PPA e, alegadamente, corresponde à diferença registada entre as amortizações fiscais e as contabilísticas (acrescidas no campo 703 do Q07 da DM22 e no campo 719 do Q07 da DM22);

Consequentemente, a Requerente pretende a consideração fiscal de uma dedução adicional naqueles montantes para efeitos de apuramento do resultado tributável referente aos períodos de tributação de 2012 e 2013, com os demais efeitos legais, com fundamento na aplicação do disposto no art.º 20.° do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro.

Contudo, a AT não validou os valores que suportam a alegada quantificação em excesso da matéria tributável.

Assim, no entender da Requerida, ainda que os pedidos formulados pela Requerente nas alíneas b), c) e d) do ponto IV do Pedido pudessem eventualmente decorrer da execução de julgados que viesse a ser efetuada em caso de a decisão arbitral ser de procedência - o que se concede a título meramente académico – tais pedidos não podem ser conhecidos no presente processo, porquanto extravasam a competência do presente Tribunal.

 

Ora, afigura-se claro que, nesta situação, o Tribunal não dispõe de elementos que lhe permitam condenar a Requerida na quantia peticionada. Tal como configurada pela Requerente, a determinação da quantia a reembolsar não é evidente, antes pressupõe o conhecimento global da evolução da situação da Requerente, a eventual análise de nova documentação e realização de eventuais correções, no sentido de se apurar a repercussão da eventual anulação das autoliquidações no apuramento do lucro tributável nos exercícios seguintes, tanto mais que a própria Requerente admitiu, nos pedidos subsidiários que formulou perante a AT, que parte dos montantes dos financiamentos por ela contraídos podiam ser imputados à aquisição de participações sociais.

Por conseguinte, na ótica do Tribunal, a AT opõe-se que a obrigação de reembolso seja concretizada do específico modo peticionado pela Requerente, por implicar, no caso, o reconhecimento de um direito ou uma condenação da Requerida a certos comportamentos.

A ser deste modo, nada impede que se reconheça razão à AT, uma vez que a definição dos atos em que se deve concretizar a execução de julgados arbitrais compete-lhe, em primeira linha (artigo 24.º do RJAT), facto que este Tribunal não vai pronunciar-se no presente momento.

Por outro lado, o acabado de expor não é, contrário ao que a Requerente peticiona. Com efeito, a orientação sufragada, além de resultar das características do contencioso de anulação e da repartição ínsita no mesmo dos poderes entre os Tribunais e a Administração, não põe em causa o poder de anulação do Tribunal e consequente condenação em reembolso a determinar em sede de execução de sentença, como mais adiante será analisado, pelo que o Tribunal é competente e a exceção improcede.

 

IV.2.B. Quanto à questão decidenda

Estão em causa nos presentes autos os gastos dedutíveis em IRC da Requerente em virtude da alteração do normativo contabilístico aplicável às atividades concessionadas, em 1 de janeiro de 2010, foi decidido pelo Grupo C... que o reconhecimento e amortização dos investimentos previstos no âmbito das concessões, não iriam acompanhar os respetivos impactos fiscais, gerando-se assim ajustamentos fiscais na esfera das entidades concessionárias do Grupo, sendo que:

  1. A origem dos referidos ajustamentos fiscais prende-se, essencialmente, com o período de reconhecimento das amortizações dos investimentos previstos no âmbito da concessão, apresentando, por isso, natureza temporária, e dando origem ao reconhecimento de impostos diferidos na esfera das entidades concessionárias. 
  2. No âmbito de uma revisão interna aos procedimentos adotados, desenvolvida no contexto do processo de reorganização oportunamente referido veio a Requerente a aperceber-se que o apuramento do lucro tributável referente aos exercícios de 2011, 2012 e 2013 na B... foi efetuado sem contemplar a dedução fiscal correspondente à recuperação de amortizações tributadas (acrescidas) no período de tributação de 2010 tendo por base o exposto no Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro (“DR 25/2009”), a vigorar nessa data, e que de acordo com os cálculos por si efetuados no que se refere ao período de 2012, ascendeu a  Euro 2.106.719,38 (valor que corrigiu para Euro 793.433,00 em sede de Direito de Audição Prévia (“DAP”) e relativamente ao período de tributação de 2013, ascenderia a Euro 78.790,54 (valor que corrigiu para Euro 612.498,00 em sede de DAP).

 

Em concreto, está em causa (cf. §.15.º do PPA) o pedido de recuperação de alegadas amortizações tributadas em 2010, solicitando a Requerente:

- a recuperação do montante de € 2.106.719,38 no período de 2012, sendo de notar desde já que o pedido foi reduzido para €793.433,00 no âmbito do exercício de direito de audição prévia sobre o projeto de decisão;

- a recuperação do montante de € 78.790,54 no período de 2013, sendo de notar que este valor foi ampliado para €612.498,00, no âmbito do exercício de direito de audição prévia sobre o projeto de decisão.

A desagregação daqueles montantes consta nos §.147.º e 148.º do PPA e, alegadamente, corresponde à diferença registada entre as amortizações fiscais e as contabilísticas (acrescidas no campo 703 do Q07 da DM22 e no campo 719 do Q07 da DM22).

Consequentemente, a Requerente pretende a consideração fiscal de uma dedução adicional naqueles montantes para efeitos de apuramento do resultado tributável referente aos períodos de tributação de 2012 e 2013, com os demais efeitos legais, com fundamento na aplicação do disposto no art.º 20.° do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro.

Contudo, a AT não validou os valores que suportam a alegada quantificação em excesso da matéria tributável.

Ora, ainda que assim não se considerasse, recorde-se que o sujeito passivo tem a seu favor o normativo previsto no art. 100º do CPPT, nos termos do qual sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado, pelo que também à luz deste normativo a Decisão em crise de indeferimento da Reclamação Graciosa padece de ilegalidade e deverá ser anulada. Ou, dito de outro modo, não era possível concluir, para lá de qualquer dúvida razoável, que não é possível efectuar o pedido de recuperação de alegadas amortizações tributadas em 2010, aqui impugnada.

 

Senão vejamos.

 

Refira-se a este propósito as seguintes evidências do lado da Requerente:

  1. o Grupo C... decidiu que, contabilisticamente, as concessionárias manteriam os procedimentos que vinham a adotar relativamente ao método de amortização do ativo intangível, isto é:
    1. A amortização do investimento futuro (não realizado), utilizando o método de depleção (tal como vinha sendo seguido até 2009); e
    2. A manutenção da amortização do investimento já realizado pelo método de depleção (ao invés da opção pela adoção para efeitos contabilísticos da amortização decorrente do prazo da concessão).
  2. Assim, em face da alteração da política contabilística, decorrente da aplicação retrospetiva da IFRIC 12, as concessionárias do Grupo procederam, com efeitos a 01 de janeiro de 2010, ao apuramento:
    1. das amortizações acumuladas do investimento da concessão já realizado até 31/12/2009, que reclassificaram como amortizações acumuladas do ativo intangível, anulando as anteriormente registadas com base no DR 25/2009; e,
    2. das amortizações acumuladas do investimento não realizado registadas até 31/12/2009, que reclassificaram a título de provisão nas subcontas SNC 2722.
  3. As referidas reclassificações foram efetuadas por via de resultados transitados, originando variações patrimoniais e ajustamentos de transição, que em virtude do procedimento contabilístico adotado, apenas tiveram impacto fiscal, como mais adiante se explicará.
  4. No que se refere aos procedimentos internos de contabilização do investimento, esclarece-se, que a regularização das amortizações acumuladas dos investimentos realizados em cada ano,  o qual geraria o movimento contabilístico a débito nas contas SNC 27 por contrapartida a crédito das contas SNC 448, era calculado pelas empresas concessionárias fora do sistema SAP e era indicado manualmente no sistema, o que – antecipa, desde já, a Requerente –, inelutavelmente, encerra em si, por definição, um maior risco de se virem a verificar lapsos.
  5. Com efeito, em face das várias dúvidas suscitadas quanto à aplicação do novo normativo contabilístico e, bem assim, dos respetivos impactos fiscais, pelas empresas concessionárias na sequência da revogação da DC n.º 4, não foi possível assegurar, em tempo útil, a adequação dos sistemas contabilísticos e de imobilizado das empresas concessionárias (e da Requerente) para o cálculo das amortizações, e apuramento dos respetivos impactos fiscais, nos termos que anteriormente se mencionaram.
  6. Houve sim, um esforço inenarrável por parte da Requerente (e das restantes empresas do Grupo), no ano da adoção do novo normativo contabilístico, e seguintes, no sentido de assegurar, através do cálculo manual, o apuramento dos respetivos impactos contabilísticos e fiscais que eram necessários reportar, quer para efeitos contabilísticos, quer para efeitos fiscais, e que, em face da complexidade e do volume de informação que era preciso tratar, deu origem a algumas correções de amortizações em períodos seguintes, nomeadamente, em 2011, 2012 e 2013.

 

Por seu lado, na visão da Requerida:

  1. Na sequência do pedido de RAT apresentado, a Requerente foi notificada em 8 de junho de 2016, pelo Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de..., de uma ação de inspeção referente ao período de 2012, com o objetivo de consulta, recolha e cruzamento de elementos.
  2. No dia 17 de outubro de 2016, foi notificada à Requerente a nota de diligência que encerrou o ato de inspeção, nos termos do artigo 61.º do RCIPTA, e que se junta em anexo sob o Documento n.º 11.    
  3. A 7 de novembro de 2020, a Requerente foi notificada dos Projetos da decisão de indeferimento dos pedidos de RAT relativos aos exercícios de 2012 e 2013 (Documento n.º 12), alegando a AT que não resultava demonstrado e comprovado, por um lado, qual o montante da “amortização” contabilizada com referência aos bens que constituíam investimento realizado em 31 de dezembro de 2012 e, bem assim, em 31 de dezembro de 2013, que foi tributado nos anos económicos de 2010, 2011, 2012 e 2013 e, por outro lado, a bondade das taxas de amortização consideradas pela Requerente como fiscalmente aceites (tendo por base o disposto nos artigos 12.º e 16.º do DR n.º 25/2009), de modo a determinar qual o valor da amortização passível de recuperação fiscal nos anos económicos de 2012 e 2013.
  4. Em face dos argumentados invocados pela AT para a proposta de indeferimento do pedido, a Requerente exerceu os competentes DAP, em 14 de dezembro de 2020, por referência ao período de 2012, e em 17 de dezembro de 2020, por referência ao período de 2013, através do qual procurou responder a todas as questões suscitadas pela AT, assim como enviar toda a documentação necessária, no sentido de demonstrar e suportar os seus pedidos anteriormente veiculados, reformulando o pedido anteriormente apresentado.
  5. Note-se que, a reformulação do pedido inicialmente apresentado, decorreu, essencialmente, do facto da Requerente ter percebido que o movimento de reclassificação das amortizações acumuladas referentes ao investimento realizado até 31/12/2009 (da conta SNC 27 para a conta SNC 448), que apurou no montante de Euro  9.226.649,74, não foi efetuado, em 2010, com efeitos a essa data, o que determinou que as variações patrimoniais apuradas na transição do normativo contabilístico referentes ao investimento não realizado (“futuro”) tivessem ficado sobreavaliadas nesse montante, como melhor explicado no DAP apresentado pela Requerente.
  6. Por outro lado, como explicado pela Requerente nos pontos 52.º e 53.º do DAP apresentado pela Requerente, foi também efetuado o recálculo (extra-contabilístico) das amortizações fiscais do período de 2011, na medida em que se verificou haver uma desconformidade nos procedimentos adotados relativamente às fichas de imobilizado incorporadas e reclassificadas em 2010;
  7. A 20 de março de 2021, a Requerente foi notificada das decisões finais da AT (Documento n.º 13), mantendo-se as propostas de indeferimento dos pedidos de RAT, alegando a AT não ser possível identificar nos elementos contabilísticos disponibilizados, designadamente no balancete e nos extratos de conta, o reflexo do apresentado nos mapas extra-contabilísticos, e, por conseguinte, concluir pela bondade dos valores apresentados.
  8. Note-se, adicionalmente, que não foi suscitado qualquer esclarecimento adicional no que se refere ao procedimento adotado pela Empresa relativamente aos ajustamentos fiscais realizados com referência às amortizações dos investimentos da concessão, nem no que concerne à pretensão da Requerente na recuperação de amortizações tributadas em períodos de tributação anteriores.
  9. Não se conformando com a decisão proferida pela AT, a Requerente apresentou no dia 13 de abril de 2021, RH (cuja cópia se junta como Documento n.º 14) no sentido de permitir à AT ultrapassar as questões suscitadas no âmbito da apreciação dos elementos contabilísticos fornecidos aquando do exercício do competente DAP.
  10. Nos passados dias 15 e 18 de dezembro de 2023, e, apesar de todos os esclarecimentos prestados pela Requerente, a AT decidiu no sentido do indeferimento dos RH, objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral.
  11. Mas, desta vez, invocando, principalmente, argumentos de natureza técnico-fiscal para o indeferimento, concluindo que, no caso sub judice, não é aplicável o artigo 20.º do DR 25/2009, pois não estamos perante “amortizações que não sejam consideradas como gastos fiscais no período de tributação em que foram contabilizadas, por excederem as importâncias máximas admitidas”, como expressamente prevê o artigo 20.º do DR 25/2009 invocado pela Requerente.
  12. Neste sentido, refere na página 9 da Decisão final de indeferimento do RH de 2013, e, bem assim, na página 8 da Decisão final de indeferimento do RH de 2012 (vide Documento n.º 1), o seguinte: “… constatamos que a questão em apreço nos presentes autos prende-se tão somente com a resposta à seguinte questão: Ao valor da variação patrimonial positiva, no montante de € 20.029.778,64, apurada pela Recorrente em resultado do desreconhecimento do valor dos custos acumulados que vinham sendo contabilizados e fiscalmente relevantes até 31-12-2009 relativos ao investimento contratual estimado (não realizado), efetuado por imposição da adoção retrospetiva da IFRIC 12 e abandono da DC4/91, variação patrimonial positiva que vem sendo tributada  diferidamente, desde 2010, pelo prazo remanescente da concessão (21 anos), (…) e que alegadamente estaria sobrevalorizada no montante de € 9.226.650, é aplicável o artigo 20.º do DR 25/2009?” (sublinhado da Requerente)
  13. Vem, ainda alegar que a alteração do valor inicialmente pedido (v.g. página 8 da decisão de indeferimento do RH relativo ao período de tributação de 2013 – vide Documento n.º 1), em sede de DAP exercido sobre o Projeto de decisão, em 17 de dezembro de 2020, constitui um alargamento do pedido inicial, concluindo pela ausência de enquadramento legal para apreciação desse alargamento, por se encontrarem ultrapassados os prazos legais.
  14. E, por fim, que a Requerente não foi capaz de comprovar os valores apresentados nos cálculos, refletindo tais cálculos, agora divergências face aos elementos oficiais por si divulgados (nomeadamente, a IES).

 

Assim, e tendo o Requrerente aprsentado todos os esclarecimentos solicitado, permanecem a seguinte dúvida: se é aplicável o artigo 20.º do DR 25/2009, e consequentemente estarmos perante “amortizações que não sejam consideradas como gastos fiscais no período de tributação em que foram contabilizadas, por excederem as importâncias máximas admitidas”, como expressamente prevê o artigo 20.º do DR 25/2009.

Ora, a questão controvertida na presente ação arbitral é a de saber se ao valor da variação patrimonial positiva, no montante de €20.029.778,64, apurada pela Recorrente em resultado do desreconhecimento do valor dos custos acumulados que vinham sendo contabilizados e fiscalmente relevantes até 31-12-2009 relativos ao investimento contratual estimado (não realizado), efetuado por imposição da adoção retrospetiva da IFRIC 12 e abandono da DC n.º 4/9, variação patrimonial positiva que vem sendo tributada diferidamente, desde 2010, pelo prazo remanescente da concessão ( 21 anos)14 nos termos do disposto no artigo 5.°-A do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, aditado pela Lei n,° 66-B/2012, de 31 de Dezembro, e que alegadamente estaria sobrevalorizada no montante de € 9.226.650,00, é aplicável o disposto no art.º 20.º do DR 25/200915.

 

Ora, essa dúvida tem de ser processualmente valorada a favor da Requerente, em face da regra do ónus da prova do artigo 74.º, n.º 1, da LGT.

As regras do ónus da prova previstas no artigo 74.º da LGT (que transpõem para o procedimento tributário as regras do ónus da prova previstas no artigo 342.º do Código Civil) devem ser conjugadas com as regras do artigo 75.º da LGT, que no seu n.º 1 determina: “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”.

Nos termos do artigo 75.º n.º 2 alínea (a) e alínea (b) da LGT, a presunção de verdade não se verifica quando “a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo; b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações;”.

Pelo exposto, conclui-se que a liquidação impugnada enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, como defende a Requerente.

Este vício justifica a anulação da liquidação, por forma do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, incluindo as exceções invocadas pela Requerida. 

 

 

A Requerente pede ainda a condenação da AT no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

Nos termos do artigo 24.º, n.º 5 do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, implicando o pagamento de juros indemnizatórios nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

Acrescente-se que no caso em apreço, o pedido de RAT foi apresentado pela Requerente no dia 31 de março de 2016, tendo, assim, decorrido mais de um ano após esta data, de acordo com o prazo estabelecido na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, sendo, por isso, devidos juros indemnizatórios por parte da AT.

 

Julgando-se procedente o pedido principal, procede o pedido de juros indemnizatórios.

 

 

 

  1. DECISÃO

Em face de tudo o exposto, decide este Tribunal Arbitral Coletivo julgar totalmente procdente o pedido de pronúncia arbitral, com as legais consequências.

 

 

 

 

 

  1. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €  236.518,12, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 15 de março de 2025

 

Os Árbitros,

 

 

Guilherme W. d’Oliveira Martins
(Árbitro Presidente)

 

Filomena Oliveira

(Árbitro Adjunto)

 

                                                                           

                                                                  Jorge Carita                  

                                                             (Árbitro Adjunto)

 



[1] International Financial Reporting Interpretations Committee

[2] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.