Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 341/2024-T
Data da decisão: 2025-03-24  IRC  
Valor do pedido: € 300.703,44
Tema: IRC – Derrama Estadual – Derrama Regional
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SUMÁRIO:

I – O elemento de conexão para determinar a aplicação das regras nacionais e regionais sobre a derrama é a residência. Sendo inadmissível a cumulação de pagamentos de duas derramas (a nacional e a regional) sobre o lucro gerado a partir de actividades no território de qualquer das Regiões Autónomas, tem de prevalecer a normação nacional.

 

II – Daí não resulta qualquer desigualdade, tal como ela não resulta da aplicação das taxas de IRS a residentes no continente que repartam a sua vida com as Regiões Autónomas (ou vice-versa). 

 

III – Face ao disposto no n.º 4 do artigo 112.º da Constituição (“Os decretos legislativos têm âmbito regional (…)”), qualquer pretensão de transferir para o território do continente – onde estavam sediadas as empresas Recorrentes, e onde o lucro tributável é apurado – efeitos decorrentes de legislação regional seria inconstitucional.

 

IV – Estando em causa empresas nacionais e territórios nacionais, as disposições do Tratado em matéria de estabelecimento e de prestação de serviços não têm aplicação (Acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 1979 no processo 115/78, Knoors).

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Professor Doutor Victor Calvete (presidente), Professora Doutora Sónia Martins Reis e Dra. Sofia Quental, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo, decidem no seguinte:

  • RELATÓRIO
  1. A..., S.A. e B..., S.A., sociedades comerciais anónimas com sede em ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, e Rua ..., n.ºs ... e ..., ...-... ..., Oeiras, titulares dos números únicos de identificação de pessoa colectiva e de matrícula na Conservatória de Registo Comercial (“NIPC”) ... e ... (separada e respectivamente “1.ª Requerente” e “2.ª Requerente” ou, conjuntamente, “Requerentes”), na qualidade de sociedades incorporantes da C..., S.A., sociedade comercial anónima com sede na segunda morada, titular do NIPC..., à data, sociedade dominante do GRUPO D... (“C...”), e a 2.ª Requerente, à data, sociedade dominada daquele GRUPO, vêm, ao abrigo do disposto nos artigos 95.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e d), da Lei Geral Tributária (“LGT”), 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 137.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“CIRC”), e 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, abreviadamente identificada por “Autoridade Requerida”, “Autoridade Tributária” ou simplesmente por “AT”), com vista à apreciação da legalidade das autoliquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) plasmadas nas declarações periódicas de rendimentos Modelo 22 de IRC (“declarações Modelo 22”) n.ºs ... e ..., referentes ao exercício de 2020, das quais resultou o montante total a pagar de € 3.428.259,03, e nas declarações Modelo 22 n.ºs ... e ..., referentes ao exercício de 2021, das quais resultou o montante total a pagar de € 310.730,41, e, bem assim, da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa apresentada no âmbito do procedimento identificado em epígrafe, com a consequente anulação dos actos tributários sub judice com todas as suas consequências legais, designadamente o reembolso do montante indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal.
  2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, feito em 11 de Março de 2024, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 13 de Março de 2024, tendo ambas as partes sido notificadas no mesmo dia.
  3. O Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a respectiva aceitação no prazo aplicável.
  4. As partes foram devidamente notificadas dessa designação no dia 06 de Maio de 2024, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
  5. O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 24 de Maio de 2024 para apreciar e decidir o objecto do presente litígio, em conformidade com o estipulado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.
  6. As Requerentes sustentaram, em síntese, o seu pedido da seguinte forma:
  1. A C... e a 2.ª Requerente eram sociedades comerciais anónimas que exerciam, a título principal, a actividade de construção e exploração de estabelecimentos destinados à comercialização de materiais, produtos e ferramentas de bricolage.
  2. Estas prosseguiam a sua actividade comercial através de instalações físicas (estabelecimentos estáveis) localizadas por todo o território nacional, quer continental, quer na Região Autónoma dos Açores (RAA) e na Região Autónoma da Madeira (RAM).
  3. Em 2020 e 2021, a C... era a sociedade dominante do GRUPO D..., o qual era tributado de acordo com o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (“RETGS”) previsto nos artigos 69.º e seguintes do CIRC.~
  4. Nos exercícios de 2020 e 2021, para além da C... (enquanto sociedade dominante) e da 2.ª Requerente (enquanto sociedade dominada), o GRUPO D... era ainda constituído pela seguinte sociedade dominada: a 1.ª Requerente.
  5. Os actos de autoliquidação de IRC objecto dos presentes autos resultam do preenchimento e submissão das declarações Modelo 22 do grupo referentes aos exercícios de 2020 e 2021, onde foi autoliquidada derrama estadual prevista no artigo 87.º-A do CIRC, correspondente ao somatório dos montantes de derrama estadual apurados nas declarações Modelo 22 individuais de cada uma das sociedades do grupo.
  6. As Requerentes entendem que não deve ser aplicada derrama estadual ao lucro tributável gerado nas Regiões Autónomas, devendo este ser sujeito às taxas de derrama regionais previstas no Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto e no Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro.
  7. Alegam que por terem sede no território continental não conseguiram preencher as declarações Modelo 22 em conformidade, não tendo logrado nelas repartir o seu lucro tributável por jurisdição e assim reflectir o lucro tributável do exercício gerado nas Regiões Autónomas.
  8. Entendem as Requerentes que o regime da derrama estadual previsto no artigo 87.º-A do CIRC – enferma de inconstitucionalidade material, invocando os seguintes fundamentos:
  • Na errónea aplicação do artigo 87.º-A do CIRC, em dissonância com os artigos 4.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto, 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, e 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro;
  • Na violação da autonomia legislativa e financeira das Regiões Autónomas prevista nos artigos 227.º, n.º 1, alíneas i) e j), da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e, bem assim, dos Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores;
  • Na violação do artigo 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, enquanto lei de valor reforçado, nos termos do artigo 112.º, n.º 3, da CRP;
  • Na preterição do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP;
  • Na preterição da liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”).
  1. Em consequência, as Requerentes requerem a anulação dos actos de autoliquidação de IRC na parte referente à derrama estadual que reflecte o lucro tributável gerado nas Regiões Autónomas, com o consequente reembolso dos valores indevidamente pagos, acrescido de juros indemnizatórios.
  1. Por despacho de 03 de Junho de 2024, foi a Autoridade Requerida devidamente notificada para apresentar resposta ao pedido de pronúncia arbitral.
  2. Em 08 de Julho de 2024, a Autoridade Requerida apresentou a sua resposta, e juntou o processo administrativo aos autos, invocando, em síntese, o seguinte:
  1. Os actos de autoliquidação de IRC relativos à derrama estadual dos anos de 2020 e 2021 foram emitidos de acordo com a lei e reflectem uma correcta aplicação do artigo 87.º-A do Código do IRC, pelo que não padecem de qualquer ilegalidade.
  2. No que diz respeito à incidência da Derrama Regional na RAM, refere que o n.º 1 e n.º 2 do artigo 4.º do DLR n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto, na redacção dada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho), dispõe que esta apenas se aplica aos sujeitos passivos residentes na RAM, bem como aos não residentes com estabelecimento estável na RAM, que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.
  3. Do mesmo modo, n.º 1 do artigo 2.º do DLR n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro, estabelece que a Derrama Regional na RAA incide unicamente sobre os sujeitos passivos residentes na RAA, bem como aos não residentes com estabelecimento estável na RAA, que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.
  4. Considera que as Requerentes não são sociedades residentes nas regiões autónomas nem são sociedades não residentes com estabelecimento estável em qualquer das regiões autónomas, pelo que, não se lhes aplica a derrama regional.
  5. Refere ainda, relativamente aos sujeitos passivos tributados no âmbito do RETGS, que, por imposição legal, a totalidade dos rendimentos das sociedades pertencente ao grupo, “está sujeita ao regime geral de tributação em IRC, à taxa normal mais elevada", conforme estabelece a alínea a) do n.º 3 do artigo 69.º do CIRC.
  6. E que, nos termos do n.º 3 do artigo 87.º-A do Código do IRC, quando seja aplicável o RETGS, as taxas previstas no n.º 1 do artigo.º 87.º a do código do IRC, incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante, que é o que sucede no caso concerto.
  1. Por despacho arbitral, de 04 de Outubro de 2024, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e determinada a notificação das partes para produzirem alegações escritas.
  2. Ambas as partes apresentaram alegações reiterando as posições constantes dos articulados precedentes.
  3. Em 21 de Novembro de 2024, por atraso na concertação da versão final da decisão, foi o prazo fixado no artigo 21.º do RJAT prorrogado, nos termos do seu n.º 2.
  4. Em 21 de Janeiro de 2025, por motivo de doença da Senhora Relatora indigitada, tal prazo voltou a ser prorrogado, nos mesmos termos.

 

 

  • SANEADOR
  1. O Tribunal Arbitral Colectivo foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido que foi tempestivamente apresentado, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
  2. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de Março.
  3. Não se verificam nulidades nem outras excepções ou questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que cumpre decidir.

 

 

  • matéria de facto
    1. Factos provados

Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A C... e a 2.ª Requerente eram sociedades comerciais anónimas que exerciam, a título principal, a actividade de construção e exploração de estabelecimentos destinados à comercialização de materiais, produtos e ferramentas de bricolage (cfr. Artigo 9.º do pedido de pronúncia arbitral e não contraditado pela Requerida).
  2. A C... e a 2.ª Requerente prosseguiam a sua actividade comercial através de instalações físicas (estabelecimentos estáveis) localizadas por todo o território nacional (quer continental, quer insular) (cfr. Artigo 10.º do pedido de pronúncia arbitral e não contraditado pela Requerida).
  3. Em 2020 e 2021, a C... era a sociedade dominante do GRUPO D..., o qual era tributado de acordo com o Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (“RETGS”) previsto nos artigos 69.º e seguintes do CIRC (cfr. Artigo 11.º do pedido de pronúncia arbitral e não contraditado pela Requerida).
  4. Nos exercícios de 2020 e 2021, o GRUPO D... era constituído pela C... (enquanto sociedade dominante) e pelas Requerentes (enquanto sociedades dominadas) (cfr. Artigo 12.º do pedido de pronúncia arbitral e não contraditado pela Requerida).
  5. Em 2022, na sequência de operação de cisão-fusão-dissolução, a C... foi incorporada nas Requerentes, as quais assumiram todos os direitos e obrigações de que era titular aquela sociedade (cfr. documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
  6. Os actos de autoliquidação de IRC objecto dos presentes autos resultam do preenchimento e submissão das declarações Modelo 22 do GRUPO D... e da 2.ª Requerente referentes aos exercícios de 2020 e 2021(cfr. documentos n.ºs 1 a 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).
  7. Nos exercícios em causa, a C... , enquanto sociedade dominante, procedeu à entrega das declarações Modelo 22 do GRUPO D...– às quais foram atribuídos os n.ºs ... e...–, tendo declarado, no campo 373 do quadro 10 de cada uma daquelas declarações, respectivamente, os montantes de 4.085.024,59 EUR e de 4.703.032,66 EUR, a título de derrama estadual (cfr. documentos n.ºs 1 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).
  8. O montante de derrama estadual reflectido nas declarações Modelo 22 do GRUPO D... corresponde ao somatório dos montantes de derrama estadual apurados nas declarações Modelo 22 individuais da 2.ª Requerente e demais sociedades dominadas (cfr. documentos n.ºs 1 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).
  9. Nos exercícios de 2020 e 2021, a 2.ª Requerente apurou os seguintes montantes de derrama estadual:

 

Sociedade

Montante de derrama

estadual apurado

Identificação da declaração

Modelo 22 individual

Exercício

 

2.ª Requerente

 

3.452.376,63 EUR

 

 

2020

 

2.ª Requerente

 

4.248.850,03 EUR

 

 

2021

 

(cfr. documentos n.ºs 2 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

  1. A 15 de Julho de 2023, as Requerentes apresentaram reclamação graciosa, em sede da qual peticionaram a anulação (parcial) daqueles actos tributários, na parte referente à derrama estadual (cfr. documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
  2. A 23 de Outubro de 2023, a 1.ª Requerente foi notificada do projecto de indeferimento da reclamação graciosa (cfr. documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
  3. A 11 de Dezembro de 2023, a 1.ª Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa, tendo a Autoridade Tributária convertido em definitivo o entendimento anteriormente projectado (cfr. documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
  4. Em 11 de Março de 2024, as Requerentes apresentaram o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

  1. Factos não provados

Com relevo para a decisão da causa, inexistem factos que não se tenham considerado provados.

  1. Fundamentação da matéria de facto

A matéria de facto fixada por este Tribunal Arbitral Colectivo assenta nas posições assumidas pelas Partes e na prova documental apresentada e produzida nos autos, nos documentos juntos aos autos e não impugnados por nenhuma das Partes e nos factos admitidos por acordo das Partes, sendo de observar que dos articulados apresentados não emerge discordância das Partes relativamente à matéria de facto, cingindo-se a divergência à matéria de direito.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelos Requerentes e considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito [cf. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cf. artigos 13.º do CPPT, artigo 99.º da LGT, 90.º do CPTA e artigos 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC).

Encontrando-se fixada a matéria de facto dada como provada, de seguida importa determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões a decidir.

 

  • DO DIREITO
  1. Delimitação do objecto

Atentas as posições das partes, as questões a decidir são as seguintes:

  1. errónea aplicação do artigo 87.º-A do CIRC, em dissonância com os artigos 4.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto, 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, e 2.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro;
  2. violação da autonomia legislativa e financeira das Regiões Autónomas prevista nos artigos 227.º, n.º 1, alíneas i) e j), da Constituição da República Portuguesa (CRP) e dos Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores;
  3. violação do artigo 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, nos termos do artigo 112.º, n.º 3 da CRP;
  4. preterição do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP; e,
  5. violação da liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

  1. Do mérito da causa

IV-B1) Da invocada ilegalidade fundada na errónea aplicação do artigo 87.º-A do CIRC e na violação da autonomia legislativa e financeira das Regiões Autónomas e do artigo 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas

Questão idêntica a que é assim colocada à apreciação deste Tribunal já foi objecto de desenvolvida análise e resolução no âmbito deste CAAD no processo n.º 38/2023-T, em termos que inteiramente se subscrevem.

A Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra um conjunto de direitos e poderes às Regiões Autónomas, sem prejuízo da sua concretização em sede de Estatuto. Neste sentido veja-se o art.º 227.º da CRP, no que aqui interessa:

“Artigo 227.º

(Poderes das regiões autónomas)

1. As regiões autónomas são pessoas colectivas territoriais e têm os seguintes poderes, a definir nos respectivos estatutos: (...)

i) Exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, bem como adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei quadro da Assembleia da República;

j) Dispor, nos termos dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efectiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhes sejam atribuídas e afectá-las às suas despesas; (...)

p) Aprovar o plano de desenvolvimento económico e social, o orçamento regional e as contas da região e participar na elaboração dos planos nacionais;

r) Participar na definição e execução das políticas fiscal, monetária, financeira e cambial, de modo a assegurar o controlo regional dos meios de pagamento em circulação e o financiamento dos investimentos necessários ao seu desenvolvimento económico-social; (…)

Os direitos das Regiões Autónomas incluem o poder de dispor livremente das receitas fiscais cobradas nas respectivas regiões, de acordo com os Estatutos e com a Lei das Finanças das Regiões Autónomas.

O artigo 26.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas (LFRA, aprovada pela Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro, alterada pela Lei n.º 82-B/2014 de 31 de Dezembro, estabelece o seguinte:

“Artigo 26.º

Imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas

1 - Constitui receita de cada região autónoma o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC):

a) Devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável numa única região;

b) Devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede ou direção efetiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição, nos termos referidos no número seguinte;

c) Retido, a título definitivo, pelos rendimentos gerados em cada circunscrição, relativamente às pessoas coletivas ou equiparadas que não tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional.

2 - Relativamente ao imposto referido na alínea b) do número anterior, as receitas de cada circunscrição são determinadas pela proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada região autónoma e o volume anual total de negócios do exercício.

3 - Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por volume anual de negócios o valor das transmissões de bens e prestações de serviços, com exclusão do imposto sobre o valor acrescentado (IVA).”

O direito constitucional das Regiões Autónomas de dispor das receitas fiscais inclui a afectação ao seu orçamento da receita de IRC (i) devido por pessoas colectivas com sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável na respectiva região; ii) devido por pessoas colectivas com sede ou direcção efectiva em território português, com sucursais ou representações em várias circunscrições, sendo a receita determinada pela proporção do volume de negócios em cada região; iii) retido, a título definitivo, pelos rendimentos gerados na região por entidades sem sede, direcção efectiva ou estabelecimento em Portugal.

O critério relevante para determinar a afectação da receita tributária é o local onde o sujeito passivo de imposto tem a sua sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável.

A Derrama Estadual encontra-se consagrada no artigo 87-A do CIRC que, na redacção vigente em 2020 e 2021, estabelecia o seguinte:

Artigo 87.º-A

Derrama estadual

1 - Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte:

 

2- O quantitativo da parte do lucro tributável que exceda (euro) 1 500 000:

a) Quando superior a (euro) 7 500 000 e até (euro) 35 000 000, é dividido em duas partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual ao lucro tributável que exceda (euro) 7 500 000, à qual se aplica a taxa de 5 %;

b) Quando superior a (euro) 35 000 000, é dividido em três partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 3 %; outra, igual a (euro) 27 500 000, à qual se aplica a taxa de 5 %, e outra igual ao lucro tributável que exceda (euro) 35 000 000, à qual se aplica a taxa de 9 %.

3 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o n.º 1 incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.

4 - Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º.

A propósito da Derrama Estadual, remete este Tribunal para a já referida decisão arbitral proferida no processo n.º 38/2023-T, que refere que “63. A Derrama Estadual constitui um imposto acessório relativamente ao IRC, com a natureza de “adicionamento” e não de adicional. No sentido de o ancorar adequado se mostra trazer aqui à colação os ensinamentos de Nuno Sá Gomes, in “Manuel de Direito Fiscal”, Volume I, 12.ª Edição, Editora Rei dos Livros, 2003, pp. 135-136, ao dizer a dado passo o seguinte: “Os impostos “principais” gozam de autonomia, existem por si, não dependem da existência de qualquer relação tributária anterior. Diversamente, os “acessórios” acrescem aos impostos principais, de cuja existência prévia dependem. Os impostos acessórios ou são calculados sobre a coleta do imposto principal (os “adicionais”) ou então calculam-se sobre a matéria coletável (“adicionamento”). Já os impostos dependentes têm lugar, ainda que não seja devida, em concreto, a prestação tributária principal, de cujo objeto dependem.” Segundo José Casalta Nabais, in “Direito Fiscal”, 7.ª Edição, 2014, Almedina, Pág. 81, a Derrama Estadual é caracterizada como um imposto acessório ao IRC, mais precisamente, como um adicionamento, pelo facto de incidir sobre o lucro tributável, e não sobre a matéria coletável, apurado na declaração de rendimentos através da aplicação de taxas progressivas, isto é, consoante o valor de lucro tributável apurado, a taxa aumenta em função do lucro. E ainda a decisão arbitral tirada no Processo n.º 784/2019-T, de 30 de Abril de 2021, (…) onde se refere: “No plano estritamente jurídico, a derrama estadual caracteriza-se como um imposto acessório relativamente ao IRC, e que, não obstante ser definido pela lei como adicional, reveste a modalidade de adicionamento, na medida em que incide sobre a matéria coletável do imposto principal e não sobre a sua coleta”.

64. Em tese, a derrama de IRC (não distinguindo por ora se Estadual ou Regional) liquidada como adicionamento ou adicional (incidindo, respetivamente, sobre a matéria coletável ou sobre a coleta de outros impostos) constitui receita da circunscrição a que tenham sido afetados os impostos principais sobre que incidiram, sendo proporcionalmente afetados a cada circunscrição e podendo de acordo com o diploma que os criar, ser afetados exclusivamente a uma ou mais circunscrições se a situação excecional que os legitima ocorrer ou se verificar apenas nessa ou nessas circunscrições. A lei admite excecionalmente que possam ser afetados de forma diferente da que resulta da territorialidade do facto gerador de imposto, quer na sua existência (impostos apenas vigorando numa determinada circunscrição) quer na afetação da receita resultante.”

A Derrama Estadual é assim um imposto acessório ao IRC, com natureza de "adicionamento" e não de "adicional", incidindo sobre o lucro tributável apurado por sujeitos passivos com sede ou direcção efectiva em território português e por não residentes com estabelecimento estável em território português.

As já referidas disposições relativas ao poder tributário das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, previstas na Constituição da República Portuguesa (CRP) e na Lei das Finanças das Regiões Autónomas (LFRA), confirmam de forma clara que as Regiões Autónomas têm um poder tributário próprio e o direito a receber determinadas receitas transferidas pelo Estado.

Além disso, as Regiões Autónomas têm também o poder de adaptar o sistema fiscal nacional à realidade regional previsto no artigo 20.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (Lei n.º 39/80, de 5 de Agosto) que refere: “A Região (…) pode adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos da lei quadro da Assembleia da República” e no artigo 107.º do Estatuto Politico-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (Lei n.º 13/91, de 5 de Junho e alterado pelas Leis n.ºs 130/99 de 21 de Agosto e 12/2000, de 21 de Junho), que refere: “A Região tem ainda o poder de adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais nos termos da lei.”

Neste contexto, foram criadas as derramas regionais, inicialmente introduzidas na Região Autónoma da Madeira com o Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto, e na Região Autónoma dos Açores através do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro, adaptando o modelo da Derrama estadual à realidade da região.

No entanto importa referir que as Regiões Autónomas têm o poder de adaptação do sistema fiscal nacional às suas especificidades regionais, mas tal competência não permite que estas alterem os elementos essenciais do imposto, como a incidência subjectiva e objectiva definida pelo artigo 87.º-A do CIRC.

A este propósito convoca-se o decidido na decisão arbitral emitida no processo n.º 38/2023-T:

“102. A Derrama Estadual prevista no artigo 87.º-A do Código do IRC, sendo um imposto acessório não deixa de ser verdadeiramente um imposto, incidindo sobre uma parte do lucro tributável apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, foi criada por lei, em obediência ao princípio da legalidade consagrado no artigo 103.º da CRP e no artigo 8.º da Lei Geral Tributária (LGT).

103. Devendo notar-se que o elemento de conexão que fixa a verificação dos pressupostos de incidência subjetiva da Derrama Nacional é o da residência em território português, ou seja, estão sujeitos a Derrama Nacional os sujeitos passivos residentes em território português e os não residentes com estabelecimento estável em território português.

104. O poder tributário das Regiões Autónomas está neste particular restringido à criação de impostos relacionados com um interesse específico das Regiões Autónomas e à adaptação do sistema fiscal nacional. Claro está que estamos aqui nos antípodas e, portanto, apartados da criação de impostos relacionados com um interesse específico de qualquer uma das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores.

105. Sobrando a possibilidade das Regiões Autónomas poderem adaptar a Derrama Nacional em Derrama Regional, não caindo no âmbito de tal possibilidade a de introduzirem alterações ou de fazerem adaptações aos impostos gerais como o que está agora previsto no art.º 87.º-A do CIRC, nos seus elementos essenciais, como seja, aqui, o da incidência subjectiva. Nem sequer no âmbito do poder de adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais, as regiões podiam transmutar o elemento de conexão consubstanciado da residência dos sujeitos passivos em território nacional ou dos estabelecimentos estáveis de não residentes igualmente em território nacional.

106. E tal adaptação, no que tange à Região Autónoma dos Açores, foi levada à prática pelo Decreto legislativo regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro, que criou a Derrama Regional a vigorar nos Açores e aprovou o respetivo regime jurídico. A adaptação referida consubstanciou-se, no essencial, numa redução de 20 % nas taxas da Derrama Regional face às atualmente aplicadas em sede da Derrama Estadual, sendo que o Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro, praticamente replica, no âmbito regional, o disposto no art.º 87.º-A do CIRC.

107. No que respeita à incidência pessoal, a Derrama Regional prevista no art.º 2º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro, incide sobre uma parte do lucro tributável apurado por sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores que exerçam a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável na região Autónoma dos Açores.

108. Assim sendo, o elemento de conexão que fixa a verificação dos pressupostos de incidência subjectiva da Derrama Regional continua a ser o da residência (na Região Autónoma dos Açores), ou seja, estão sujeitos a Derrama Regional os sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores e os não residentes com estabelecimento estável na Região.

109. Mantendo-se o elemento de conexão residência, só muda, na adaptação da letra do art.º 87.º-A do CIRC (constante do art.º 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro) o local da residência: i) na derrama Estadual, o território Nacional; ii) na derrama Regional, o território da Região Autónoma dos Açores.

110. O regime jurídico da Derrama Regional aplicável na Região Autónoma da Madeira, aprovada pelos artigos 3.º a 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto, na redação republicada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho, alterada pelos Decretos Legislativos Regionais n.ºs 2/2018/M, de 9 de Janeiro, 26/2018/M, de 31 de Dezembro, e 18/2020/M, de 31 de Dezembro.

111. E tal adaptação, no que tange à Região Autónoma da Madeira, foi levada à prática pelo Decreto legislativo regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto, que criou a Derrama Regional a vigorar na Madeira e aprovou o respectivo regime jurídico. A adaptação referida consubstanciou-se, no essencial, na aplicação de uma taxa de 2,5% ao lucro tributável superior a 2.000.000,00 € sujeito e não isento de IRC apurado pelos sujeitos passivos enquadrados no n.º 1 do art.º 20.º da Lei Orgânica 1/2010, de 29 de Março, sendo que tal Decreto Legislativo Regional, praticamente replica, no âmbito regional, o disposto no art.º 87.º-A do CIRC e demais artigos que regulamentam a Derrama Estadual no CIRC.

112. O n.º 1 do art.º 20.º da Lei Orgânica 1/2010, de 29 de Março, dispõe: “1 - Constitui receita de cada Região Autónoma o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas: a) Devido por pessoas colectivas ou equiparadas que tenham sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável numa única Região; b) Devido por pessoas colectivas ou equiparadas que tenham sede ou direcção efectiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição, nos termos referidos no n.º 2 do presente artigo; c) Retido, a título definitivo, pelos rendimentos gerados em cada circunscrição, relativamente às pessoas colectivas ou equiparadas que não tenham sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável em território nacional.” A derrama Regional remete hoje para o n.º 1 do art.º 26.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro que no essencial se reporta aos sujeitos passivos abrangidos por aquela derrama nos mesmo termos em que o fazia o n.º 1 do art.º 20.º da Lei Orgânica 1/2010, de 29 de Março.

113. O Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho, alterado pelos Decretos Legislativos Regionais n.ºs 2/2018/M, de 9 de Janeiro, 26/2018/M, de 31 de Dezembro, e o Decreto Legislativo Regional n.º18/2020/M, de 31 de Dezembro e ainda o Decreto Legislativo Regional n.º 14/2022/M, de 27 de Julho, e o Decreto Legislativo Regional n.º 26/2022/M de 29 de Dezembro, alteraram (e/ou renovaram a sua vigência), sucessivamente, o regime da Derrama Regional aplicável na Região Autónoma da Madeira. A lei actualmente em vigor dispõe como segue: “1 - Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos enquadrados no n.º 1 do artigo 26.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte:

 

2 - O quantitativo da parte do lucro tributável que exceda (euro) 1 500 000: a) Quando superior a (euro) 7 500 000 e até (euro) 35 000 000, é dividido em duas partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 2,1 %; outra, igual ao lucro tributável que exceda (euro) 7500 000, à qual se aplica a taxa de 3,5 %; b) Quando superior a (euro) 35 000 000, é dividido em três partes: uma, igual a (euro) 6 000 000, à qual se aplica a taxa de 2,1 %; outra, igual a (euro) 27 500 000, à qual se aplica a taxa de 3,5 %, e outra igual ao lucro tributável que exceda (euro) 35 000 000, à qual se aplica a taxa de 6,3 %. 3 - Quando seja aplicável o regime especial de tributável dos grupos de sociedades, a taxa a que se refere o número anterior incide sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante. 4 - Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do CIRC.”

114. Isto dito e também no que diz respeito à Região Autónoma da Madeira, o elemento de conexão que fixa a verificação dos pressupostos de incidência subjectiva da Derrama Regional continua a ser o da residência (na Região Autónoma da Madeira), ou seja, estão sujeitos a Derrama Regional os sujeitos passivos residentes na Região Autónoma da Madeira e os não residentes com estabelecimento estável na Região.

115. Mantendo-se o elemento de conexão residência, só muda, na adaptação da letra do art.º 87.º-A do CIRC (constante do Decreto legislativo regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto e alterações subsequentes) o local da residência: i) na derrama Estadual, o território Nacional; ii) na derrama Regional, o território da Região Autónoma da Madeira.

116. Ora, in casu, a Requerente tem efetivamente sede no território continental de Portugal, tendo, tão-só, em laboração nos territórios das Regiões Autónomas diversos estabelecimentos comerciais que ali realizam parte do seu objcto societário.

117. Ainda assim, o que é incontornável é que não estamos perante sujeito passivo que reúna os requisitos de ordem subjetiva por forma a que lhe sejam aplicáveis os normativos (acima explicitados) que regulam as Derramas Regionais da RAA e da RAM.

118. É bem certo que a alínea b) do número 1 do artigo 20.º da LFRA dispõe no sentido de que constitui receita da Região Autónoma dos Açores e da Região Autónoma da Madeira, o IRC devido “por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede ou direcção efectiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição”. É também incontornável que o n.º 2 da referida disposição legal estatui no sentido de que “as receitas de cada circunscrição são determinadas pela proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada Região Autónoma e o volume anual total de negócios do exercício”.

119. No sentido de dar cumprimento à imputação das correspondentes receitas em conformidade com o disposto no art.º 20.º da LFRA, os sujeitos passivos de IRC que obtenham rendimentos imputáveis às Regiões Autónomas, independentemente de haver lugar, ou não, à aplicação das taxas regionais, são obrigados a preencher o Anexo C (Regiões Autónomas) à Declaração Modelo 22 de IRC do período de tributação em causa.

120. O Anexo C é obrigatoriamente apresentado: i) Por qualquer pessoa coletiva ou equiparada, com sede, estabelecimento estável ou direção efetiva em território português, que possua sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou qualquer forma de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição. Entende-se por circunscrição, o território do continente ou de uma região autónoma, consoante o caso; ii) Pelos sujeitos passivos não residentes com estabelecimentos estáveis em mais de uma circunscrição; iii) Pelos sujeitos passivos que tenham rendimentos imputáveis à Região Autónoma dos Açores, e/ou rendimentos imputáveis à Região Autónoma da Madeira.

121. Com o preenchimento do referido Anexo C à declaração Modelo 22 é efetuada a operacionalização do previsto no artigo 20.º da LFRA, uma vez que os sujeitos passivos indicam no Anexo C à Declaração Modelo 22 de IRC, a matéria coletável correspondente a valores globais e a coleta correspondente às instalações situadas no Continente e nas RAM e RAA, obtendo a Autoridade Tributária, desta forma, os elementos necessários para o correcto cálculo do imposto a transferir para as respetivas Regiões Autónomas.

122. A Requerente parece defender que a Derrama Estadual deveria ser determinada por referência ao lucro tributável imputável a cada uma das circunscrições, de forma semelhante ao apuramento efetuado no Anexo C da declaração Modelo 22 de IRC. E se assim fosse, o lucro tributável imputado às instalações situadas na Região Autónoma dos Açores e na Região Autónoma da Madeira não excederia o limite de 1.5000.000,00 € donde, ficaria, por essa razão, excluído da sujeição a Derrama Estadual.

123. Claro está que o Tribunal Arbitral Coletivo refuta tal inusitada hermenêutica.

124. A interpretação defendida pela Requerente não é compaginável com as regras de incidência objetiva e subjetiva da Derrama Estadual versus Derrama Regional que estão num plano diferente do modo de apuramento das receitas atribuídas às Regiões Autónomas em conformidade com o disposto no art.º 20.º da LFRA e onde se diz que constitui receita de cada Região Autónoma, o IRC devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede ou direção efetiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição. Estas receitas são determinadas por proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada Região Autónoma e o volume anual total de negócios do exercício; entendendo-se por volume anual de negócios o valor das transmissões de bens e prestações de serviços, com exclusão do IVA.

125. Claro está que estamos em dois planos completamente diferentes: i) o da incidência subjectiva da derrama Estadual versus da derrama Regional, relevando, para o efeito, o elemento de conexão residência, ficando o respetivo sujeito passivo sujeito a uma ou a outra em função da localização da sua sede, ou seja, se localizada em território continental português fica sujeito a Derrama Estadual; se localizada em território de qualquer uma das regiões Autónomas, fica sujeito a Derrama Regional; ii) o do apuramento das receitas fiscais atribuídas às Regiões Autónomas em conformidade com o disposto no art.º 20.º da LFRA”.

126. O artigo 87º-A do Código do IRC define quem são os sujeitos passivos (a incidência subjetiva), incidência objetiva, a matéria coletável, a taxa do imposto e o facto gerador que determina o nascimento da referida obrigação de imposto.

127. Tendo a Requerente (e as restantes sociedades que integram o Grupo B...) declarado, no exercício de 2019, um lucro tributável que claramente excede os 1.500.000,00 € e sendo elas sujeitos passivos com sede no território continental de Portugal, o correspondente Lucro Tributável encontrava-se sujeito a Derrama Estadual na parte que excedesse os aludidos 1.500.000,00 € por aplicação do disposto no artigo 87.º-A do Código do IRC, não podendo ser subtraída a parte dos lucros obtidos nos estabelecimentos da Requerente (e das restantes sociedades que integram o Grupo B...) situados nas Regiões Autónomas, simplesmente por inverificação dos pressupostos de incidência subjetiva que estão plasmados nos normativos acima explicitados e que regulamentam as Derramas Regionais, ou seja, tão-só, porquanto a Requerente e as restantes sociedades que integram o Grupo B... não são sujeitos passivos com sede em nenhuma das aludidas Regiões Autónomas.

128. Nessa conformidade, entende o Tribunal Arbitral Coletivo que a ilegalidade fundada na errónea aplicação do art.º 87.º-A do CIRC e na violação da autonomia legislativa e financeira das regiões Autónomas não pode ser assacada à liquidação sindicada.”

Importa realçar que o elemento determinante da incidência, tanto da Derrama Estadual como da Derrama Regional, é a residência.

A Derrama Estadual incide sobre o lucro tributável apurado por sujeitos passivos com sede ou direcção efectiva em território continental ou por não residentes com estabelecimento estável em território nacional.

A Derrama Regional incide sobre o lucro tributável apurado por sujeitos passivos com sede ou direcção efectiva na respectiva Região Autónoma ou por não residentes com estabelecimento estável na Região Autónoma.

Existe, portanto, um único elemento de conexão — a residência — que determina a sujeição a uma ou outra derrama, dependendo da localização da sede ou da direcção efectiva da sociedade.

O sistema jurídico-tributário nacional não admite uma sobreposição ou duplicação de elementos de conexão em matéria de derrama. Se a sede ou direcção efectiva da sociedade se localizar no território continental, o sujeito passivo fica sujeito à Derrama Estadual. Se a sede ou direcção efectiva se localizar numa Região Autónoma, o sujeito passivo fica sujeito à Derrama Regional.

Consequentemente, a competência fiscal das Regiões Autónomas não permite que estas modifiquem o critério de incidência subjectiva ou objectiva da Derrama Estadual, sob pena de violação do princípio da coerência do sistema fiscal nacional.

Aliás, na medida em que tal competência, exercida necessariamente através de decretos legislativos regionais, pretendesse fazê-lo, violaria o disposto no n.º 4 do artigo 112.º da Constituição: 

"Os decretos legislativos têm âmbito regional e versam sobre matérias enunciadas no estatuto político-administrativo da respectiva região autónoma que não estejam reservadas aos órgãos de soberania, sem prejuízo do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 227.º".  

Assim, qualquer pretensão de transferir para o território do continente – onde estavam sediadas as empresas Recorrentes, e onde o lucro tributável é apurado – efeitos decorrentes de legislação regional seria, evidentemente, inconstitucional. 

Isto significa que, embora as Regiões Autónomas tenham o direito de receber a parte que lhes cabe da receita da Derrama Estadual — exactamente como acontecia antes de criarem as suas próprias derramas —, não lhes é permitido criar, na prática, isenções de tributação ou alterar os pressupostos de incidência da Derrama Estadual, uma vez que estes são definidos ao nível da legislação nacional.

O direito das Regiões Autónomas à receita proveniente da Derrama Estadual decorre da repartição constitucional e legal das receitas fiscais, não podendo ser usado como fundamento para alterar a natureza do imposto ou os critérios que determinam a sua incidência.

Admitir que as Regiões Autónomas pudessem excluir determinados sujeitos passivos da Derrama Estadual, com fundamento em critérios de incidência fiscal diferentes dos definidos na lei nacional, equivaleria a permitir a criação de isenções adicionais, o que ultrapassaria os limites constitucionais e legais da autonomia regional.

O direito das Regiões Autónomas de receberem a parte da receita da Derrama Estadual que lhes cabe é salvaguardado através de um mecanismo específico de repartição previsto na Lei das Finanças das Regiões Autónomas (LFRA).

No sentido de garantir o cumprimento da imputação das receitas, o artigo 20.º da LFRA estabelece que os sujeitos passivos de IRC que obtenham rendimentos imputáveis às Regiões Autónomas, independentemente de haver ou não lugar à aplicação das taxas regionais, são obrigados a preencher o Anexo C (Regiões Autónomas) à Declaração Modelo 22 de IRC.

O preenchimento do Anexo C permite que os sujeitos passivos indiquem a matéria colectável correspondente a valores globais e a colecta correspondente às instalações situadas no Continente e nas Regiões Autónomas, permitindo à Autoridade Tributária apurar correctamente o montante da receita a transferir para as Regiões Autónomas.

Desta forma, é assegurado que as Regiões Autónomas recebem a parte da receita da Derrama Estadual que lhes é devida, sem que seja necessário ou admissível alterar o critério de incidência do imposto, que continua a depender exclusivamente do elemento de conexão — a residência.

A Derrama Estadual incide sobre o lucro tributável apurado a nível nacional, sendo atribuída à receita do Estado. A Derrama Regional, prevista na legislação regional, incide sobre o lucro tributável apurado nas Regiões Autónomas, sendo atribuída às receitas regionais.

Pelo exposto, improcede a invocação da ilegalidade fundada na errónea aplicação do artigo 87.º-A do CIRC bem como a invocada violação da autonomia legislativa e financeira das Regiões Autónomas.

 

IV-B2) Da alegada ilegalidade das liquidações sindicadas por preterição do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP

As Requerentes sustentam que o artigo 87.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), ao resultar num tratamento fiscal diferenciado de sociedades com sede ou estabelecimento estável em território continental e insular.

Relativamente à ilegalidade que agora importa analisar, o Tribunal adere igualmente à decisão já citada, proferida no processo n.º 38/2023-T, no âmbito do CAAD, cuja análise e resolução se subscrevem integralmente.

De acordo com José Casalta Nabais (Direito Fiscal, 7.ª Edição, 2014, Almedina, pág. 155), o princípio da igualdade tributária pode ser visto como “igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical).”

O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 695/2013, de 10 de Outubro, reforça este entendimento, esclarecendo que o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através da generalidade da lei de imposto (quando se aplica a todos os contribuintes sem excepção) e da uniformidade da lei de imposto (quando situações idênticas devem ser tratadas de forma igual e situações diferentes devem ter um tratamento distinto, na medida dessa diferença). Para garantir esta uniformidade, o legislador deve definir o objecto de tributação e a matéria colectável com base em critérios económicos que reflictam a capacidade contributiva dos sujeitos passivos.

Alegam as Requerentes que a aplicação da Derrama Estadual com base na localização da sede ou estabelecimento estável leva a um tratamento desigual entre sociedades que recebam rendimentos de fonte insular e aquelas que apenas operem em território continental.

Argumentam que duas sociedades residentes em Portugal que obtenham rendimentos de fonte insular são sujeitas a regimes fiscais distintos (Derrama Estadual versus Derrama Regional), o que, no seu entender, constitui uma violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP.

No entanto, não é esse o entendimento deste Tribunal.

As Requerentes auferem rendimentos tanto de fonte insular como decorrentes da sua actividade societária no território continental. E considerando que o elemento de conexão relevante para a incidência da Derrama Estadual, e também da Derrama Regional, é a localização da sede do titular do lucro tributável, conforme estabelecido no n.º 1 do artigo 87.º-A do CIRC, é indiferente a origem territorial do rendimento.

A este propósito convoca-se o decidido na decisão arbitral emitida no processo n.º 38/2023-T:

136. Perspetivando-se agora uma sociedade que tenha sede no território insular e que, por isso, fica sujeita a Derrama Regional por via da adaptação do disposto no art.º 87.º-A do CIRC, admite-se que lucro tributável gerado nas regiões autónomas possam ser tributado em Derrama de modo diferenciado, mas isso ocorre com fundamento no direito comunitário (tal como infra se explicitará) e ainda em tudo quanto acima se expôs e que legitima os poderes de adaptação que a CRP e a Lei conferem às regiões Autónomas.

137. Bem ao invés do que sustenta a Requerente, o Tribunal Arbitral Coletivo entende que o elemento de conexão residência é perfeitamente legitimo para fixar a incidência subjetiva da derrama e, nessa conformidade, consubstancia motivo justificativo idóneo para fazer tributar partes do lucro tributável recebidos em território insular e sujeitos a Derrama Estadual de forma mais agravada quando comparada com a obtenção de lucros tributáveis por sujeitos passivos sedeados nas Regiões Autónomas, sejam eles obtidos somente nas Ilhas ou também no território do continente.

A Derrama Estadual é um imposto autónomo em relação ao IRC, sendo a residência o elemento de conexão escolhido pelo legislador para determinar a incidência subjetiva desse imposto, independentemente da origem do lucro tributável, pelo que improcede a invocada ilegalidade das liquidações sindicadas por preterição do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP.

Acrescente-se, aliás, que também as taxas de IRS – que dependem da residência, mesmo que o sujeito ou agregado familiar em causa reparta a sua vida entre o Continente e (uma d)as Regiões Autónomas – dependem estritamente desse mesmo elemento de conexão e diferem nas três circunscriçõessem que alguma vez se aventasse uma questão de desigualdade entre os residentes delas.

 

IV.B3) Da invocada ilegalidade das liquidações sindicadas por preterição da liberdade de estabelecimento prevista no art.º 49.º do TFUE

Relativamente à alegada ilegalidade das liquidações sindicadas por restrição à liberdade de estabelecimento consagrada no artigo 49.º do TFUE, o Tribunal Arbitral Colectivo adere integralmente à decisão já proferida no processo n.º 38/2023-T, no âmbito deste CAAD, na qual essa questão foi amplamente analisada e resolvida, e que concluiu desta forma:

159. (…) não consegue o Tribunal Arbitral Coletivo vislumbrar a aventada restrição da liberdade de estabelecimento, na medida em que entende que a decisão de localização para o exercício das respetivas atividades societárias de uma sociedade residente noutro Estado-Membro da U.E. na Região Autónoma da Madeira ou na Região Autónoma dos Açores, só a poderia beneficiar atenta a menor carga fiscal que sobre ela incorria, mas, ainda que assim não fosse, dados outros custos de contexto que sobrelevassem a aludida vantagem da redução de taxa, sempre se poderá dizer que tal ente societário sempre poderia localizar as suas atividades num outro local do território continental, ou seja, o regime instituído, jamais poderia vir em prejuízo da referida sociedade quando em comparação com os restantes contribuintes sujeitos à Derrama Estadual (igualmente submetidos à mesma derrama em função dos lucros tributáveis obtidos, não havendo tratamento diferenciado com os residentes em Portugal continental), não se confirmando assim a efetivação da restrição, bem ao invés do que sustenta a Requerente.

160. Ademais, o fundamento para a redução das taxas da Derrama Regional por via da adaptação acima sobejamente tratada, radica no quadro normativo comunitário acima explicitado e na ratio que permite a sua reiterada vigência, i.e., a liberdade de estabelecimento que está ancorada na vigência de um mercado comum comunitário não pode deixar de ceder às razões que justificam e legitimam o quadro normativo que está a conformar os auxílios de Estado que são conferidos às regiões ultraperiféricas como a RAM e a RAA.

161. Não obstante e ainda que se pudesse vislumbrar aqui uma restrição à liberdade de estabelecimento, sempre teria se de concluir que as razões que levaram o legislador a introduzir a Derrama Estadual no sistema fiscal não se revelam excessivas, desproporcionais ou desrazoáveis para alcançar os fins prosseguidos de consolidação orçamental acima explicitados.

162. Concluindo o Tribunal Arbitral Coletivo no sentido de que o interesse público prosseguido com a Derrama Estadual versus a Derrama Regional se revela mais valioso do que um hipotético constrangimento ou restrição das escolhas dos operadores económicos, nomeadamente, da referida pela Requerente liberdade de estabelecimento, falecendo, assim, o argumentário por aquela esgrimido no PPA.”

A tributação diferenciada nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, nomeadamente através das taxas de Derrama Regional, resulta de um quadro normativo comunitário legítimo, previsto no artigo 107.º, n.º 3, alíneas a) e c), do TFUE.

Este artigo permite à Comissão Europeia autorizar medidas de auxílio de Estado com finalidade regional para promover o desenvolvimento económico de regiões desfavorecidas, reconhecendo as especificidades das regiões ultraperiféricas, como o grande afastamento, a insularidade, a pequena superfície, o relevo e o clima difíceis, e a dependência económica de alguns produtos.

O regime de Derrama Regional aplicável nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores está alinhado com o quadro legal europeu e é compatível com as orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais com finalidade regional.

A decisão de localização de uma sociedade numa região autónoma, beneficiando de um regime fiscal mais favorável devido à redução das taxas de tributação, não configura, por si só, uma violação da liberdade de estabelecimento, uma vez que o regime instituído aplica-se de forma coerente e não cria uma situação de desvantagem para sociedades residentes em território continental.

A fixação de uma taxa de Derrama Estadual sobre os lucros tributáveis obtidos em território continental ou insular, com base no critério da residência, é uma opção legislativa legítima e justificada pelo interesse público de consolidação orçamental.

Diga-se, por fim, que a própria ideia de que a diferenciação, ou não, de taxas de um adicionamento a um imposto incidente sobre empresas nacionais (uma vez que as Requerentes o são) consoante as regiões diferenciadas e ultra-periféricas de um mesmo país pode ser reconduzida a uma eventual limitação da liberdade de estabelecimento consagrada no artigo 43.º do TFUE, não se afigura minimamente consistente.

Por um lado, porque não se percebe porque é que haveria tal restrição, se qualquer empresa tem a mesmíssima liberdade de escolher a sua sede em qualquer das circunscrições. Por outro lado, porque tal disposição do Tratado prevê claramente que o que está em causa são “restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro.”, e no caso tal alteralidade estadual está arredada. Finalmente, porque o Tribunal de Justiça já constatou o óbvio: “as disposições do Tratado em matéria de estabelecimento e de prestação de serviços não podem ser aplicadas a situações puramente internas de um Estado-membro” (n.º 24 do Acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 1979 no processo 115/78, Knoors contra Staatssecretaris van Economische Zaken, ECLI:EU:C:1979:31).

 

IV.B4) Questões de conhecimento prejudicado: Juros indemnizatórios

Julgando-se totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, fica prejudicada, por inútil, a apreciação da questão do pagamento dos juros indemnizatórios.

 

 

  • DECISÃO

Em face do exposto, o Tribunal Arbitral Colectivo julga totalmente improcedente o pedido de pronuncia arbitral, e, em consequência:

  1. Julgar improcedente a anulação dos actos tributários sub judice;
  2. Julgar improcedente o pedido de reembolso das quantias pagas;
  3. Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios
  4. Condenar as Requerentes no pagamento das custas do presente processo.

 

  • VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor da acção em €300.703,44 (trezentos mil setecentos e três euros e quarenta e quatro cêntimos), nos termos do disposto no artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

  • CUSTAS

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em €5.508,00, cujo pagamento fica a cargo das Requerentes.

 

Notifique-se.

                                                                                                  

Lisboa, 24 de Março de 2024

 

O Tribunal Arbitral Colectivo,

 

 

 

Prof. Doutor Victor Calvete

(Árbitro Presidente)

 

 

 

Prof.ª Doutora Sónia Martins Reis

(Árbitro Vogal)

 

 

 

 

 Sofia Quental
(Árbitro Vogal e relatora)