Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1146/2024-T
Data da decisão: 2025-03-05  IVA  
Valor do pedido: € 259.445,10
Tema: IVA. Taxa reduzida. Sumos e néctares. Princípio da neutralidade
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Decisão Arbitral

 

 

           Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Fernando Marques Simões e Dr. António Pragal Colaço (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 02-01-2025, acordam no seguinte:

 

          

           1. Relatório

 

A..., S.A., sociedade anónima matriculada na conservatória do registo comercial sob o número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva..., com sede na Rua..., n.º..., ...-... ... (A...),

B..., S.A., sociedade anónima matriculada na conservatória do registo comercial sob o número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva ..., com sede na Rua..., nº..., ... ... ...(B...),

C..., S.A., sociedade anónima matriculada na conservatória do registo comercial sob o número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva..., com sede na Rua..., n.º .., ...-... ...(C...), e

D..., S.A., sociedade anónima matriculada na conservatória do registo comercial sob o número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva ..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-...  ... (D...),

doravante conjuntamente designadas por «Requerentes», apresentaram pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista anulação parcial dos actos de autoliquidação de IVA de Março de 2022 a Dezembro de 2023, na parte respeitante aos serviços de fornecimento de sumos naturais e néctares de frutos, prestados em regime eat in, relativamente à diferença entre o produto da taxa normal de 23% sobre os serviços de sumos e néctares de frutos prestados em regime eat in e o mesmo produto sobre esses serviços à taxa de 13% (€ 259.445,10).

As Requerentes pedem reembolso da quantia de € 259.445,10, acrescida de juros indemnizatórios.

Subsidiariamente, as Requerentes pedem que se efectue reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 22-10-2024.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 11-12-2024, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 02-01-2025.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 25-02-2025, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. As Requerentes pertencem ao mesmo grupo de sociedades no retalho alimentar e na restauração;
  2. A A... e a B... têm como CAE principal o 56290 – «Outras actividades de serviço de refeições», dedicando-se ainda ao comércio a retalho dos mais diversos produtos, com forte incursão no sector da restauração, numa perspetiva de comércio de bairro, em estabelecimentos especializados no mercado de cafetaria, padaria, pastelaria, confeitaria e easy food;
  3. A C... e a D... apresentam como CAE principal o 47111 «Supermercados e hipermercados», e no contexto destes estabelecimentos também exploram cafetarias, que comercializam produtos de cafeterias, incluindo bebidas para consumo no local;
  4. No âmbito destas atividades, todas as Requerentes prestaram serviços de sumos naturais e sumos e néctares de fruto na rede de cafetarias localizadas junto de lojas E... e F... (...), ou mesmo no interior destas (sob a marca ...), tanto para consumo no interior das lojas (regime eat in), como para consumo no exterior (delivery);
  5. O regime de eat in constitui a disponibilização de um local próprio, assim como mesas e cadeiras, para a ingestão de produtos de padaria, confeitaria e cafetaria, bem como refeições, sem serviço de mesa, ao passo que o delivery consiste no serviço de entrega de refeições e de produtos comprados através de apps, direto na casa do cliente, ou seja, para consumo fora das instalações das Requerentes;
  6. No âmbito das suas actividades anteriormente descritas, nos períodos Março de 2002 a Dezembro de 2023, as Requerentes liquidaram IVA à taxa normal (23%) sobre os serviços de sumos naturais e néctares de frutos, prestados em regime eat in, seguindo de perto as orientações genéricas emitidas pela AT através do Ofício-Circulado n.º 30181, de 06-06-2016, confirmada por informações vinculativas que lhe seguiram, tais como o PIV n.º 10730, por despacho proferido no dia 23-08-2016, ou o PIV n.º 13123, por despacho proferido no dia 22-02-2018; doutrina essa que versa sobre as verbas 1.8 e 3.1. da Lista II anexa ao Código do IVA (documentos n.ºs 2 a 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  7. As fichas técnicas dos sumos naturais e néctares de frutos comercializados pelas Requerentes constam do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  8. Tais serviços são adquiridos nas instalações das Requerentes diariamente por consumidores numa base em serviço a la carte (com escolha específica de cada elemento), ou em contexto de menu (consumidos juntamente com outros artigos, no menu de pequeno-almoço, lanche ou almoço), para consumo fora (delivery) ou dentro dos próprios estabelecimentos (eat in), e com identificação por tipo de consumo nas próprias faturas emitidas;
  9. Os preços dos serviços na modalidade de eat in é o mesmo dos serviços prestados na modalidade de delivery, independentemente da taxa de IVA aplicada e discriminada na fatura;
  10. Os consumidores dos serviços de eat-in são consumidores finais  (artigo 47.º da Resposta);
  11.  Nos períodos de Março de 2022 a Dezembro de 2023, o sumo de laranja natural espremido in loco, foi o serviço mais prestado;
  12. Nos períodos de tributação em causa, os serviços de sumos naturais e sumos e néctares de frutos estiveram sujeitos à taxa geral de 23% quando prestados em regime eat in, e à taxa reduzida de IVA de 6%, e isentos de imposto especial, quando vendidos para delivery:
  13. A fixação dos preços com IVA incluído é transversal a todos os produtos consumidos nos estabelecimentos, seja em menu, seja individualmente, e é efectuada em função de fatores puramente económicos, como sejam o efeito substituição/concorrência (i.e. se os consumidores optarão por outros operadores ou por outros produtos sucedâneos) e o efeito de elasticidade da procura (se o preço aumentar ou diminuir, pode ou não haver, respetivamente menos ou mais consumidores?);
  14. Para as Requerentes, o IVA reconduz-se a mais um custo (como a matéria-prima) a ter em conta na fixação dos preços, sendo a margem de lucro sempre condicionada por aqueles fatores;
  15. Em 29-04-2024, as Requerentes apresentaram reclamação graciosa das autoliquidações relativas aos períodos de Março de 2022 a Dezembro de 2023, nos termos que constam do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido;
  16. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 18-07-20924, proferido pelo Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  17. O despacho de indeferimento da reclamação graciosa manifesta concordância com uma informação, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

IV. PEDIDO E CAUSA DE PEDIR

 

9. Constitui objeto imediato da presente Reclamação Graciosa, a apreciação da legalidade dos atos tributários de autoliquidação de IVA correspondentes ao período de imposto compreendido entre março de 2022 e dezembro de 2023, na medida em que, por força da aplicação do entendimento constante das orientações genéricas da AT, em concreto, o Ofício-Circulado n.º 30.181, de 06 de junho de 2016 que versa sobre as verbas 1.8 e 3.1 da Lista II anexa ao CIVA, as Reclamantes liquidaram imposto à taxa normal de IVA de 23% sobre os sumos naturais e néctares de frutos vendidos nos espaços de cafetaria das suas superfícies comerciais para consumo "eat in", quando, segundo o seu entendimento, os mesmos deveriam ser tributados à taxa intermédia de 13% contemplada na mencionada verba 3.1.

10. Consequentemente, no que se refere aos períodos acima indicados, as Reclamantes liquidaram indevidamente IVA no montante global de € 259.445, 10, que corresponde à diferença entre a aplicação da taxa normal e a taxa intermédia de IVA.

11. Deste modo, através da presente Reclamação Graciosa, as Reclamantes vêm, peticionar a revisão e anulação parcial dos referidos atos de autoliquidação de IVA, pugnando pela restituição da importância acima mencionada, acrescida do pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios, que consideram serem devidos desde a data do pagamento de imposto em excesso até à sua restituição, em virtude de erro imputável aos serviços consubstanciado na interpretação constante do mencionado oficio circulado, reiterada em diversas informações vinculativas que versam sobre o mesmo tema.

 

V. ANÁLISE DA RECLAMAÇÃO

 

12. Atendendo à factualidade descrita e aos fundamentos de direito que sustentam o pedido de anulação, verificamos desde já que não assiste razão às Reclamantes quanto ao pedido formulado, conforme se demonstrará.

 

V.I. Erro na autoliquidação decorrente da interpretação constante do Ofício-circulado n.° 30181, de 6 de junho de 2016, no que se refere à verba 3.1 da Lista II, anexa ao CIVA

 

V.1.1.1- Factos e Enquadramento Jurídico-Tributário

 

13. A questão em análise nos presentes autos consubstancia-se num alegado erro de autoliquidação de IVA efetuada pelas sociedades Reclamantes, relativa aos períodos de março de 2022 a dezembro de 2023.

14. As Reclamantes são sociedades comerciais com sede em território nacional, que exercem, no caso da A... e da B..., a título principal a atividade de "outras atividades de serviço de refeições", a que corresponde o CAE 56290, e no caso da C... a atividade de "Comércio a Retalho em Supermercados e Hipermercados", CAE 47111.

15. No âmbito das suas atividades de restauração, em concreto, na venda de sumos naturais e néctares de frutos nos espaços de cafetaria das suas superfícies comerciais para consumo "eat in", as Reclamantes têm vindo a liquidar imposto à taxa de IVA de 23%, seguindo o entendimento constante das orientações genéricas da AT, em especial, o Ofício-circulado n.° 30181, de 6 de junho de 2016, que versa sobre as verbas 1.8 e 3.1 da Lista 11, anexa ao CIVA, doutrina essa confirmada por diversas informações vinculativas que cita.

16. Sucede que, segundo as Reclamantes, a interpretação preconizada pela Administração Fiscal no mencionado Ofício-Circulado quanto à verba 3.1 da Lista II, anexa ao CIVA, é manifestamente restritiva e ilegal, carecendo de fundamento legal e violando os princípios subjacentes à mecânica do IVA, entre os quais, o princípio da neutralidade.

17. Não se conformando, por entenderem que é ilegal a aplicação da restrição imposta pela AT, vieram as Reclamantes apresentar a presente Reclamação Graciosa pugnando pela anulação parcial das autoliquidações de IVA relativas aos períodos acima identificados, decorrente da existência, na sua perspetiva, de erro imputável à AT.

E em consequência, pugnam pela(o)

 

a) Anulação parcial das autoliquidações de IVA, que resultaram da aplicação da taxa normal de IVA de 23%, na venda de sumos naturais e néctares nos espaços de cafetaria das suas superfícies comerciais, taxa essa que foi determinada de acordo com as instruções administrativas emanadas pela AT (alegadamente ilegais), quando a taxa de IVA (no entender das Reclamantes) a aplicar deveria ser a intermédia (13 %), por aplicação da verba 3.1 da Lista II, anexa ao CIVA e, consequentemente, defendem ser devida a restituição às Reclamantes do valor do IVA (alegadamente) pago em excesso, no montante de€ 259.445, 10;

 

b) E bem assim, reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, por entenderem (no caso de deferimento da presente Reclamação Graciosa) estar em causa um erro imputável aos serviços consubstanciado no referido Ofício-circulado, e na reiteração em diversas informações vinculativas publicadas sobre a mesma matéria, calculados desde a data do pagamento em excesso do IVA a anular até à sua restituição.

(...)

 

V.1.1.3. - Apreciação

 

33. A pretensão controvertida na Reclamação Graciosa em apreço, consubstancia-se na anulação parcial das autoliquidações de IVA, referente aos períodos compreendidos entre março de 2022 e dezembro de 2023, invocando as Reclamantes a ocorrência de erro sobre os pressupostos de facto e de direito no que concerne à aplicação da taxa normal de IVA de 23%, aos sumos de frutas e néctares comercializados nas cafetarias das suas superfícies comerciais, por força de incorreta interpretação da verba 3.1 da Lista II anexa ao CIVA.

34. No que se refere à questão prévia da admissibilidade da cumulação de pedidos e da coligação de Reclamantes, cumpre tecer as seguintes considerações quanto ao por estas alegado.

35. Como referem as Reclamantes, os artigos 71.º e 72.º do CPPT, determinam que para ser admissível  a cumulação de pedidos e a coligação de Reclamantes, mostra-se necessária a verificação de uma tripla identidade, a que acresce a decisão fundamentada do órgão decisor no sentido de considerar não haver prejuízo para a celeridade do processo.

36. Com efeito, o propósito subjacente a ambas as figuras reside essencialmente na economia processual e na uniformidade da decisão a proferir, em manifestação do princípio da igualdade perante a lei previsto no artigo 266.° da CRP e 55.° da LGT.

37. Assim sendo, importa verificar se os pressupostos previstos nos citados artigos se encontram preenchidos.

38. Conforme ficou dito, a questão controvertida nos presentes autos, assenta na apreciação da  legalidade das autoliquidações de IVA em análise, e em consequência, aferir, tendo em consideração as regras e princípios de interpretação das normas tributária, a legalidade do entendimento constante de orientações genéricas da AT, em especial, o Ofício-Circulado n.º 30.181, de 06 de junho de 2016, que preconiza a aplicação da taxa normal de IVA (23%), ao fornecimento, entre outros, de sumos e

néctares de frutos, em conjunto com os correspondentes serviços de alimentação e bebidas, porquanto os mesmos se encontram abrangidos pela exclusão constante da parte final da verba 3.1 da Lista II Anexa ao CIVA.

39. Nesse sentido, muito embora estejamos perante atos tributários distintos, é manifesto que existe identidade de tributo (IVA), do órgão competente para a decisão (ver ponto 8. da presente informação), bem como, de fundamentos de facto e direito, uma vez que a questão jurídico-tributária sob apreciação é idêntica, determinando para a sua decisão a apreciação das mesmas normas do CIVA, sendo que estão aqui em causa operações tributáveis realizadas no âmbito do exercício da

mesma atividade levada a cabo por sociedades integradas no mesmo grupo societário.

40. Face ao exposto, conclui-se pela admissibilidade da cumulação de pedidos e da coligação de Reclamantes.

41. Prosseguindo, cumpre de seguida aferir sobre o preenchimento dos pressupostos processuais legalmente previstos no que se refere ao presente procedimento de Reclamação Graciosa, por forma a determinar a suscetibilidade do recurso ao mesmo como meio de lograr obter as pretensões formuladas em sede de petição.

42. Nesse sentido, importa a título prévio salvaguardar que não se afigura que exista no presente caso qualquer erro, e menos ainda se pode afirmar que o mesmo se reporta à autoliquidação (e ressalve-se, jamais poderá ser imputado aos serviços).

43. Acresce que, do exposto decorre que o que está em causa nos autos é o exercício do direito à regularização do imposto a favor dos sujeitos passivos, matéria que indubitavelmente está na sua disponibilidade.

44. O direito à dedução, assim como a sua regularização não se consubstancia num poder-dever imposto aos sujeitos passivos, mas numa faculdade, sendo exemplo disso, os diversos casos previstos no artigo 78.° do CIVA, onde se estabelece essa possibilidade no caso de se tratar de correção a favor dos contribuintes.

45. Trata-se de uma opção legitima dos sujeitos passivos, não podendo a AT substitui-se aos mesmos no seu exercício, a qual a ser exercida deverá respeitar os prazos legalmente previstos.

46. Cumpre salientar que, o IVA, ainda que indevidamente liquidado, seja por que motivo for (incluindo naturalmente a aplicação de taxa superior à devida), deverá sempre ser entregue por força do disposto no artigo 203.º da Diretiva IVA, transposto para o nosso ordenamento jurídico através da alínea c) do n.° 1 artigo 2.° do CIVA que qualifica como sujeito passivo de imposto "as pessoas singulares ou coletivas que, em fatura, mencionem indevidamente IVA", desde que a mesma reúna os requisitos previsto no n.° 5 do artigo 36.° do CIVA.

47. Para efeitos de IVA, do disposto resulta que a simples menção do IVA em tais documentos, determina que o respetivo emitente fique enquadrado nas regras de incidência subjetiva, impendendo sobre ele a obrigação de entregar ao Estado, o imposto liquidado, ainda que indevidamente, e seja qual for o motivo. Por esse facto, passa a ser considerado devedor de imposto, tendo que cumprir o disposto no n.º 2 do artigo 27.° do CIVA.

48. De facto, como refere Xavier de Basto "cada fatura com menção de imposto constitui ‘um cheque sobre o tesouro', pois atribui ao destinatário que seja sujeito passivo, o direito a deduzir o IVA nela contido."

49. Daqui decorre que a liquidação efetuada pelos prestadores de serviços na fatura e a declaração de IVA entregue junto da AT (a que alude o artigo 29.°, n.° 1, al. c) do CIVA), não sofrem de ilegalidade, o mesmo ocorrendo com a arrecadação de imposto operada pela AT.

50. Ao invés, a sua exigência é inerente à natureza e à lógica de funcionamento do próprio imposto.

51. Esta posição encontra acolhimento na decisão arbitral proferida pelo CAAD no âmbito do n.º 63/2015 que apela à jurisprudência do acórdão do TCA- Sul, de 04.07.2000, proferida no âmbito do processo n.º 1525/98, onde expressamente se refere que "em caso de imposto mencionado na fatura de montante superior ao devido, enquanto não for retificado, é o mesmo devido, cabendo à Administração Fiscal a sua liquidação adicional, no caso de o sujeito passivo o não fizer". (negrito nosso).

52. Na verdade, as faturas cujo imposto se encontra subjacente às autoliquidações contestadas incluem menção do IVA e não foram objeto de correção ou regularização, pelo que o mesmo é devido independentemente da taxa aplicada ser ou não a correta, como resulta dos normativos acima citados e foi confirmado pelo TJUE no acórdão de 31-01-2013, proferido no processo C-643/11, que se refere que «o imposto sobre o valor acrescentado mencionado numa fatura por uma pessoa é por ela devido, independentemente da existência efetiva de uma operação tributável».

53. No caso em apreço, não se está perante uma situação em que seja permitida a anulação das autoliquidações, como, aliás, decorre do teor expresso do n.º 3 do artigo 97.° do CIVA, que estabelece que "as liquidações só podem ser anuladas quando esteja provado que o imposto não foi incluído na fatura passada ao adquirente nos termos do artigo 37. º".

54. Sem prescindir, no mero pressuposto de estarmos perante a existência de um alegado erro (o que não se concebe como se irá demostrar adiante), importa realçar que o mesmo jamais se poderia reportar às mencionadas autoliquidações, mas sim a atos prévios às mesmas - as faturas emitidas pelos prestadores de serviços, onde se materializou a liquidação do imposto que as Reclamantes alegam ser ilegal.

55. Com efeito, as autoliquidações não estão erradas porquanto devem refletir as faturas emitidas e os respetivos registos contabilísticos efetuados pelo sujeito passivo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 29.°, n.° 5 do artigo 36.° e 44.° e 45.°, todos do CIVA.

56. O CIVA, ao contrário do que sucede com outros impostos autoliquidados, contem diversas normas referentes à regularização do imposto que têm de ser articuladas com aquelas que preveem garantias impugnatórias dos sujeitos passivos.

57. O IVA é um imposto plurifásico, cuja liquidação se processa em todas as fases de produção e distribuição, ou seja, fracionando-se por todos os operadores que participam nesse circuito.

Funcionando através do denominado método de crédito de imposto, indireto subtrativo, ou das faturas, o que significa que a qualquer um dos sujeitos passivos integrados na cadeia referida é conferido o direito à dedução do imposto suportado a montante.

58. Este princípio encontra-se consagrado no n.º 2 do artigo 1.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro (Diretiva IVA), e concretizado no seu artigo 73,°, transposto para o nosso ordenamento jurídico, através do artigo 16.º do CIVA, onde se determina no seu n.º 1 que "o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro." É sobre este valor que irá incidir o IVA, à taxa aplicável ao caso, no momento em que ocorrer o facto gerador e a respetiva exigibilidade.

59. No entanto, as operações subjacentes a esta cadeia, por vezes, sofrem vicissitudes que implicam que os sujeitos passivos procedam à regularização do imposto liquidado ou deduzido.

60. No caso de autoliquidação, a mesma é efetuada com base nos registos contabilísticos que tiveram como base os correspondentes documentos de suporte, em regra, uma fatura, concretizando-se com a entrega da declaração periódica.

61. Após o envio da mesma, qualquer alteração constitui uma regularização do imposto.

62. Tais correções podem incidir, designadamente, sobre o facto tributário, a fatura, o registo contabilístico ou a declaração periódica.

63. Trata-se de uma matéria objeto de regulamentação autónoma quer a nível da Diretiva IVA (artigo 90.°), quer a nível interno (artigo 78.° do CIVA), onde se definem os diversos tipos de erros e os procedimentos tendentes à sua regularização.

64. Sucede que, ao contrário do que que acontece com a regularização do imposto inicialmente deduzido, onde se prevê a nível comunitário um direito geral dos sujeitos passivos a essa regularização, de acordo com a disciplina a definir pelos diversos Estados Membros, no caso do imposto liquidado em excesso, a Diretiva IVA já não contempla um direito geral similar. O que se compreende, pois como referido, o imposto indevidamente liquidado é de entrega obrigatória.

65. Ora de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 78.º do CIVA, "As disposições dos artigos 36. º e seguintes devem ser observadas sempre que, emitida a fatura, o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto venham a sofrer retificação por qualquer motivo." (sublinhado e negrito nossos).

66. Em caso de por erro, inexatidão ou qualquer outro motivo, se aplicada e transcrita na fatura emitida uma taxa diversa da que seria aplicável deve a mesma ser corrigida através da emissão de documento retificativo, no caso concreto, uma nota de crédito pelo valor do imposto liquidado em excesso, fazendo constar da mesma os elementos a que se refere o n.° 6 do artigo 36.° do CIVA, dos quais se realça a referência à fatura a que respeitam e a menção dos elementos alterados, em particular a taxa de IVA aplicável.

67. Por outro lado, o sujeito passivo em causa deve ainda proceder à inscrição do valor regularizado no campo 40 do quadro 06 da declaração periódica respeitante ao período em que emitiu a nota de crédito, e na linha destinada a "outras regularizações (Ex: fusão)" do quadro 3, do Anexo relativo às regularizações do campo 40, desde que tenha na sua posse a prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto.

68. De facto, embora a referida regularização seja uma faculdade conferida aos sujeitos passivos, sempre que os mesmos optem por efetuá-la, é necessário o cumprimento do previsto no n.º 4 e 5 do mesmo artigo, os quais determinam que:

(...)

4- O adquirente do bem ou destinatário do serviço que seja um sujeito passivo do imposto, se tiver efectuado já o registo de uma operação relativamente à qual o seu fornecedor ou prestador de serviço procedeu a anulação, redução do seu valor tributável ou rectificação para menos do valor facturado, corrige, até ao fim do período de imposto seguinte ao da recepção do documento rectificativo, a dedução efectuada.

5 - Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução. (...)" (negrito nosso).

 

69. De notar que, o previsto no n.º 5 supratranscrito, tem como objetivo evitar que o sujeito passivo fornecedor regularize, a seu favor imposto inicialmente deduzido pelo seu cliente, sem que este (adquirente), proceda à correção do correspondente valor, a favor do Estado. Nesse sentido, veja-se o Acórdão do TJUE, de 18.06.2009, caso Stadeco, proferido no Proc. n.° C-566/07.

70. Ou seja, se o fornecedor optar por efetuar a retificação, esta tem de ser operada pelas duas partes intervenientes nas condições descritas e dentro dos prazos estabelecidos- cf. artigo 78.º, n.º 2, 3 e 4, do CIVA.

71. Por fim, de harmonia com o disposto no artigo 44.° e 45.° do CIVA, cabia ainda ao prestador de serviços fazer refletir a retificação da taxa de IVA aplicada na sua contabilidade.

72. Não se verificando tais requisitos, inexistirá fundamento legal para a anulação das autoliquidações em questão, por as mesmas estarem em conformidade com as normas legais aplicáveis.

73. A este respeito, Clotilde Celorico Palma in Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado (N.° 1 da Colecção)-6.ª Edição, p. 80 esclarece que "os sujeitos passivos deverão proceder à regularização do IVA" precisamente nos termos previstos nesta disposição legal sendo que, "caso não se cumpram os requisitos previstos no artigo 78.°, as rectificações são consideradas nulas, com os efeitos legais daí subjacentes"

74. E nem se diga que a tal obsta a circunstância de as operações em causa, face ao quadro legal defendido pelas Reclamantes, deverem ser sujeitas a tributação à taxa intermédia.

75. Na verdade, como já ressalvado, quando muito, esse facto determinava não a ilegalidade das autoliquidações, mas da liquidação efetuada no documento de suporte emitido, que segundo o sujeito passivo, menciona erradamente o IVA, cuja retificação se impunha, repondo, assim, a verdade fiscal.

76. A autoliquidação deve estar em conformidade com o IVA liquidado pelo sujeito passivo na sua faturação e respetiva contabilização, sob pena de ilegalidade.

77. Assim sendo, não padecem as autoliquidações objeto do presente procedimento de qualquer erro.

78. Tendo sido liquidado o imposto em causa, de acordo com o documento de suporte respetivo, terá sido entregue, precisamente, o imposto que era devido, e não em excesso.

79. De facto, sendo o imposto constante na fatura de montante superior ao devido, enquanto não for retificado, o mesmo é devido.

80. O procedimento de regularização visa não só permitir que o sujeito passivo recupere o valor do IVA  entregue indevidamente, como igualmente, faculta a regularização do imposto deduzido, uma vez, cumpridos os requisitos legalmente previsto.

81. Trata-se de uma questão que do ponto de vista jurídico não se apresenta como de particular dificuldade, limitando-se a uma interpretação do disposto no n.° 3, 4 e 5 do artigo 78.° do CIVA, os quais não se revelam de especial complexidade.

82. O direito à regularização não é absoluto, encontrando-se sujeito a determinados requisitos, nomeadamente, temporais, o que significa que tem de ser exercido nos prazos previstos na lei, os quais se impõem por força do princípio da segurança e certeza jurídicas.

83. Se assim não fosse, colocar-se-ia em causa o princípio basilar do sistema comum do IVA - princípio da neutralidade, e bem assim, da repercussão do IVA, porquanto verificar-se-ia um patente enriquecimento sem causa do sujeito passivo ao cobrar por determinados bens e serviços valores superiores aos que se encontra obrigado a entregar ao Estado a título de IVA, inflacionando, assim, o preço efetivo dos bens adquiridos ou serviços prestados.

84. Face ao exposto, o pedido de Reclamação Graciosa carece de base legal, não se mostrando como meio processual idóneo para fazer valer a pretensão da Reclamante, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos legalmente previstos para o efeito, não se vislumbrando que seja admissível a sua convolação noutro qualquer meio impugnatório.

85. Nesse sentido, veja-se as decisões proferidas pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, no âmbito dos processos n.º 1967/99 e 1525/98, de 04.04.2000, e bem assim, pelo Centro de arbitragem Administrativa (CAAD), entre outras no âmbito do processo n.º 63/2015-T, 607/2018-T, e o n.° 139/2020-T onde duas das aqui Reclamantes eram Requerentes, e mais recentemente, no processo n. 447/2023-T.

 

Sem prescindir,

 

86. E apenas no caso de se entender que a qualificação da operação precede a aplicação da taxa, cumpre em primeiro lugar aferir se ocorreu no caso concreto uma liquidação de IVA em excesso.

87. Sucede que, também quanto a esta questão, sempre se diria que não pode proceder a posição das Reclamantes.

88. Analisado o requerimento apresentado pelas Reclamantes, bem como os fundamentos invocados, verifica-se que o dissídio que se apresenta nestes autos assenta na interpretação do teor da verba 3.1 da lista II, anexa ao CIVA, na redação à data dos factos.

89. A Diretiva IVA, vem estabelecer que, a taxa normal de IVA a aplicar por todos os países da UE aos bens e serviços não pode ser inferior a 15 %. Os países da UE podem aplicar uma ou duas taxas reduzidas, não inferiores a 5 %, a bens ou serviços específicos enumerados no anexo III deste diploma legal. São, além disso, aplicáveis exceções a estas regras (taxas inferiores, taxas reduzidas sobre outros bens ou serviços, etc.) em determinadas condições.

90. Em consonância com a Diretiva, o n.º 1 do artigo 18.º do CIVA, com a redação em vigor à data dos factos, nas suas alíneas a), b) e c), fixava as taxas de imposto em 6% e 13%, quanto às importações, transmissões de bens e prestações de serviços referenciadas, respetivamente nas Listas I e II, anexas ao mesmo diploma legal, e em 23%, quantos às demais - sua alínea c), no caso de estramos perante operações localizadas em território de Portugal Continental, já que para os arquipélagos dos Açores e da Madeira, as taxas são, respetivamente, 4%, 9% e 18% e 5%, 12% e 22%, conforme decorre do n. 0 2 do mencionado normativo legal.

91. A este propósito, cumpre referir que a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que aprovou o Orçamento do Estado para 2016 (OE 2016), estabeleceu várias alterações ao CIVA, entre elas, procedeu à reformulação das listas de bens e serviços sujeitos à taxa reduzida e intermédia, anexas ao mesmo.

92. Assim, e no que ao presente procedimento importa, deve ter-se em consideração a introdução da verba 3.1 da Lista 11, anexa ao CIVA, relativa às prestações de serviços de alimentação e bebidas, a qual havia sido revogada pela Lei n.° 66-B/2011, de 30 de dezembro (LOE 2012), embora a atual redação contenha a exclusão que se encontra em discussão nos autos.

93. De acordo com a mesma, estão sujeitas à taxa intermédia de imposto, a que se refere a alínea b) do n.° 1 do artigo 18.° do CIVA, as:

(...)

3 - Prestações de serviços.

3. 1 - Prestações de serviços de alimentação e bebidas, com exclusão das bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias.

Quando o serviço incorpore elementos sujeitos a taxas distintas para o qual é fixado um preço único, o valor tributável deve ser repartido pelas várias taxas, tendo por base a relação proporcional entre o preço de cada elemento da operação e o preço total que seria aplicado de acordo com a tabela de preços ou proporcionalmente ao valor normal dos serviços que compõem a operação. Não sendo efetuada aquela repartição, é aplicável a taxa mais elevada à totalidade do serviço."

 

94. Em virtude das dúvidas que estas alterações suscitaram nos diversos setores de atividade relacionados com serviços de alimentação e bebidas, e tendo em vista a aplicação uniforme desta legislação fiscal por todos os operadores económicos, a AT emitiu o Ofício Circulado n.º 30181, de 06-06-2016.

95. Neste, a AT vem determinar que

"São tributados à taxa intermédia de IVA, por aplicação da verba 3. 1 da Lista II, os serviços de alimentação e bebidas, com exceção das bebidas ali expressamente referidas.

A verba aplica-se ao fornecimento de alimentação efetuado no âmbito de um serviço de restauração ou de catering, independentemente de se tratar de refeição principal ou não (entradas, aperitivos, sandes, sobremesas, gelados, etc.), para consumo nas instalações do prestador do serviço, no caso do serviço de restauração, ou para consumo no local onde o serviço é prestado, no caso do catering.

(...)

A taxa intermédia a que se refere a verba 3. 1 da Lista II é ainda aplicável ao fornecimento, incluindo no serviço de restauração ou de catering, de águas naturais ou produtos de cafetaria em geral (chá, café, café com leite, leite com chocolate ou chocolate quente, entre outros) e das demais bebidas que não sejam expressamente excluídas da verba.

Quando, em conjunto com os serviços de alimentação e bebidas abrangidos pela verba em questão, forem fornecidas bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias, aplica-se a estes últimos a taxa normal do imposto, por estarem excecionados da verba 3. 1 da Lista II.

Prevendo a verba 3.1 a possibilidade de serem aplicadas diferentes taxas de IVA às várias componentes do serviço, tal circunstância deve ser devidamente refletida na fatura, para um correto apuramento do imposto a entregar ao Estado."

96. Tendo em consideração o texto legal e os esclarecimentos prestado pela AT na citada orientação administrativa, e de forma a dilucidar a questão controvertida nos autos, importa a título prévio efetuar a distinção entre transmissão de bens e prestação de serviços.

97. Com efeito, é esta distinção a base para afastar as dúvidas levantadas pelas Reclamantes.

98. No que concerne à transmissão de bens, o seu conceito encontra-se definido no n.° 1 do artigo 3.° do CIVA, considerando-se, em geral, como tal a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, conceito este que segue de perto o que se encontra preconizado na Diretiva IVA.

99. Já quanto às prestações de serviços, o legislador optou pela sua definição de forma residual, com carácter amplo, considerando como tal no artigo 4.° do CIVA, as operações efetuadas a título oneroso que não constituam transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens. (ex vi artigo do n.° 24.° da Diretiva IVA)

100. Do teor desta norma, e da sua abrangência, facilmente se depreende que o IVA é, verdadeiramente, um imposto geral sobre o consumo, que recai, em princípio sobre todos os bens e serviços que sejam consumidos em Portugal, seja qual for a sua origem.

101. Posto isto, é manifesto que as operações com enquadramento na verba 3.1 da Lista 11, qualificam-se como prestações de serviços, em concreto, como prestação de serviços de alimentação e bebidas, enquadradas no direito europeu como serviços de restauração e de catering.

102. No que se refere a este tipo de serviços, a autorização para a aplicação de taxas reduzidas foi introduzida pela Diretiva 2009/47, do Conselho, de 5 de maio de 2009, que alterou a Diretiva IVA, tendo em consideração os potenciais efeitos positivos "em termos de criação de emprego e de luta contra a economia paralela", visando beneficiar e promover "serviços com grande intensidade do fator trabalho" e serviços de restauração e de catering (v. Considerando 2 da Diretiva 2009/47).

103. Em relação ao fornecimento de bebidas, alcoólicas e/ou não alcoólicas no âmbito dos serviços de restauração e de catering, o Considerando 3 da Diretiva salienta que pode justificar-se dar a essas bebidas um tratamento diferente do previsto no âmbito do fornecimento de produtos alimentares, razão pela qual contempla de forma explícita que os Estados-Membros tenham a opção de incluí-las

ou excluí-las ao decidirem aplicar uma taxa reduzida ao fornecimento dos serviços de restauração e catering a que se refere o Anexo III da Diretiva IVA.

104. Por sua vez, no que concerne ao conceito de serviços de restauração e de catering, o n.° 1 do artigo 6.° do Regulamento de Execução (EU) n.° 282/2011, de 15 de março, define-os como "os serviços que consistam no fornecimento de comida ou de bebidas, preparadas ou não, ou de ambas, destinadas ao consumo humano, acompanhado de serviços de apoio suficientes para permitir o consumo imediato das mesmas. O fornecimento de comida ou de bebidas, ou de ambas, constitui apenas uma componente de um conjunto em que os serviços são predominantes. Constituem serviços de catering os serviços prestados fora das instalações do prestador."

105. Acrescentando o n.º 2 do mesmo dispositivo legal, que se encontram excluídos do mencionado conceito, "o fornecimento de comida ou de bebidas, preparadas ou não, ou de ambas, incluindo ou não o transporte das mesmas, mas sem qualquer outro serviço de apoio."

106. "Assim, a prestação de serviços de restauração e de catering consubstancia um conceito autónomo e uniforme do direito da União Europeia, não podendo o legislador nacional, e menos ainda o intérprete e aplicador, conformá-lo distintamente. Esses serviços caracterizam se por constituírem um conjunto de elementos, dos quais o fornecimento de comida e/ou bebida é apenas uma componente acompanhada de serviços de apoio destinados a facilitar o consumo no local do fornecimento, num quadro adequado."

107. Daqui decorre que, nas prestações de serviços de alimentação e bebidas, o fornecimento dos correspondentes bens, traduz-se apenas numa das componentes de um conjunto com caracter unitário, em que os serviços prestados são predominantes, assumindo uma especial relevância.

108. Neste sentido, considera-se aplicável a verba em análise, quando a entrega dos produtos alimentares ou bebidas "(. . .) for acompanhada dos serviços de apoio relevantes, adequados a permitir o consumo imediato dos mesmos nas instalações do prestador. Caso aqueles serviços não estejam presentes, ou não sejam preponderantes, estar-se-á na presença de uma transmissão de bens e não de uma

prestação de serviços de alimentação e bebidas.

Efetivamente, para a qualificação da operação como prestação de serviços é necessário que os serviços associados à entrega dos bens assumam, na perspetiva de um consumidor médio, uma importância qualitativa tal que se distingam da simples entrega dos bens. "

109. Entre os serviços conexos com a prestação de serviços de alimentação e bebidas, próprios do setor da restauração, e que se considera terem carater preponderante, podem elencar-se os seguintes: disponibilização do espaço, serviço de mesas, existência de instalações sanitárias, entretenimento, fornecimento de mobiliário, talheres, e louça, entre outros.

110. Pelo que, face à factualidade descrita pelas Reclamantes, quanto à prestação deste tipo de serviços nos espaços de cafetaria das suas superfícies comerciais para consumo "eat in", aplicando os critérios acima referidos, facilmente se conclui que se consideram reunidos os pressupostos para a qualificação dessas operações como prestações de serviços de alimentação e bebidas, para efeito da aplicação da verba 3.1 da Lista II, anexa ao CIVA.

111. Nessa medida, as Reclamantes devem aplicar às mesmas a taxa intermédia de IVA, a menos que estejam em causa alguns dos produtos constantes da exclusão prevista na parte final do primeiro parágrafo, onde se incluem expressamente os sumos e néctares de frutos, sem que o legislador tenha estabelecido qualquer exceção para o caso de estarmos perante um sumo natural, 100% fruta, concentrado, etc.

112. Quanto a este ponto, dispõe o artigo 11.° da LGT, que na determinação do sentido das normas jurídicas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de hermenêutica jurídica, constantes do artigo 9.° do Código Civil.

113. Nesse sentido, deve atender-se aos diferentes elementos de interpretação da lei, como sejam, o elemento literal (o texto legal), o elemento histórico, (as circunstâncias envolventes do momento da produção legislativa) e no elemento racional (os motivos, fins ou interesses perseguidos pelo legislador).

114. Não obstante, é manifesto, que existe uma prevalência do elemento literal, como base e princípio de toda e qualquer interpretação.

115. O que significa que o interprete, não pode, por conseguinte, fazer tábua rasa da construção linguística utilizada, para com isso, obter um significado que não resulte daquele que consta do texto legal, contrariando o que expressamente afirma o legislador, como pretendem as Reclamantes no caso sub judice.

116. Nesse sentido, importa chamar à colação os ensinamentos do Ilustre Professor Baptista Machado que nos diz que: "O texto é o ponto de partida da interpretação. Como tal cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer "correspondência" ou ressonância nas palavras da lei. Mas cabe-lhe igualmente uma função positiva (...) se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma (...)"

117. Assim sendo, partindo do teor da verba em análise, resulta à evidência que o legislador pretendeu considerar abrangidas pela tributação à taxa intermédia, as prestações de serviços de alimentação e bebidas, apenas excluindo as "bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias", as quais seguindo a técnica legislativa usual quanto a esta matéria, devem considerar-se abrangidas pela taxa normal de IVA.

118. Isto significa que, independentemente do tipo de sumo em questão, o mesmo deve ser sujeito a tributação à taxa normal, desde que o seu fornecimento, venha acompanhado da disponibilização dos mencionados serviços de apoio ao seu consumo no local.

119.Com efeito, se o legislador pretendesse incluir apenas os sumos aditivados, com estabilizantes e adoçantes (ou edulcorantes) artificiais, isto é, os sumos com reduzida presença de fruta na sua composição, como referem as Reclamantes, tê-lo-ia referido expressamente.

120. O mesmo sucedendo no caso de pretender aplicar a taxa reduzida constante da verba 1.11, da Lista I, anexa ao CIVA.

121. Ora, como já referido, esta verba aplica-se à transmissão dos bens nela elencados.

122. Pelo contrário, no presente caso não restam dúvidas que estamos perante uma verdadeira prestação de serviços.

123. Esta é, como se explicitou, a base que se encontra subjacente à distinção de tributação efetuada.

124. Por outro lado, apelando ao elemento histórico de interpretação, e fazendo um paralelismo com a redação vigente até à entrada em vigor do Orçamento do Estado de 2012, verifica-se que o legislador teve a intenção manifesta de excluir desta verba o fornecimento de "bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou de outras substâncias", quando efetuados no âmbito de serviços de restauração, sujeitando-os, nessa medida, à taxa normal de IVA.

125. Todos os demais componentes do mencionado serviço, desde que não abrangidos pela exclusão, encontram-se sujeitos a tributação à taxa intermédia.

126.É esta a ratio subjacente ao normativo em causa, cujo objetivo foi o de, seguindo uma opção política, aplicar apenas a taxa intermédia aos alimentos vendidos em restaurantes, cafés, hotéis e similares.

127. O mesmo não sucedendo com as bebidas, com exceção do leite, iogurtes, café e água engarrafada que ficam sujeitos à taxa de 13%, quando consumidos nesses locais.

128.A intenção foi a de excluir expressamente os produtos referidos, sem distinguir, no que concerne aos sumos e néctar, e como já referido anteriormente, quaisquer uns dos seus subtipos.

129. O teor literal da mencionada exclusão mostra-se unívoco, e corresponde claramente ao entendimento constante do Ofício-circulado 30181, de 06.06.2016, que tão só veio esclarecer com maior precisão o âmbito da verba em causa, afastando as dúvidas suscitadas aquando da sua entrada em vigor.

130. Do texto legal, não resulta minimamente que tenha sido intenção do legislador considerar que os produtos elencados na sua parte final, deveriam ser tributados à taxa intermédia. Se assim fosse, não faria sentido a exclusão, pressupondo-se que estavam incluídos nos produtos objeto de prestação de serviços efetuada.

131. E menos ainda, que aos mesmos, deveria ser aplicada a taxa que lhe coubesse quando fossem objeto de transmissão a título individual, sem estarem integradas no âmbito da prestação de serviços de alimentação e bebidas, o que no caso dos sumos se conduziria à aplicação da taxa reduzida, de acordo com o disposto na verba 1.11 da Lista I, anexa ao CIVA.

132. O que decorre do alegado pelas Reclamantes é uma interpretação da lei, que nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, se mostra condenável dado corresponder ao que designam de "excesso dos subjetivistas" que prescindem por completo da letra da lei, para atender apenas neste caso, àquela que consideram ser a vontade do legislador, contrariando o disposto no n.º 2 do artigo 9.° do CC, se refere que "não pode, porém, ser considerado pelo interprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal(....)"

133. O intérprete deve presumir que o legislador soube consagrar na lei o seu pensamento e não pode retirar do elemento literal aquilo que lá não consta.

134. Se o intérprete não pode fazer uma interpretação contrária à letra da lei também não pode retirar da lei os termos que lá constam.

135. Quanto a este ponto não se vislumbra, assim, qualquer fundamento para o alegado pelas Reclamantes. A interpretação que as mesmas preconizam não corresponde minimamente não só à letra, como ao espírito do legislador.

136. Por último, acresce salientar que estamos perante situações de tributação à taxa intermédia, ou seja, bens que escapam ao regime geral de imposto, que é a tributação através da aplicação da taxa normal de IVA.

137. Nesse pressuposto, a delimitação dos casos sujeitos à sua aplicação deve ser objeto de uma interpretação estrita, seguindo aquele que tem sido o entendimento propugnado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE)

138. É esta, igualmente, a conclusão que se encontra subjacente ao disposto no n.º 4 do artigo 11.º da LGT, que proíbe a aplicação analógica à integração de lacunas resultantes das normas tributária, na medida, em que a aplicação de uma taxa inferir à normal, consubstancia um verdadeiro benefício fiscal, sujeito a reserva de lei.

139. Quanto à alegada violação do princípio da igualdade e da neutralidade, chama-se aqui à colação o que ficou dito no âmbito da decisão arbitral proferida no processo n.º 302/2020-T, onde de forma exemplar se deixou dito que:

"A interpretação da Requerente não se pode acompanhar por diversas razões, desde logo, dada a falta de suporte na letra da lei (elemento gramatical), indispensável em matéria de incidência fiscal e taxas.

Antes de mais, não se constata qualquer disparidade de tratamento de situações que sejam equivalentes ou comparáveis. De acordo com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o princípio da igualdade de tratamento exige que as situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que as situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a não ser que tal tratamento seja objetivamente justificado - v. acórdão de 7 de março de 2017, processo RPO, C-390/15, e jurisprudência aí citada (ponto 41).

A Requerente desconsidera a diferença fundamental entre os conceitos de transmissão de bens e prestações de serviços que qualificam diferentes realidades e que constituem conceitos autónomos de direito europeu objeto de tratamento em normas independentes. Uma prestação de serviços de bebidas fornecidas para consumo num estabelecimento de restauração não é uma situação comparável à venda de bebidas em take away, esta última enquadrada, para efeitos de IVA como uma transmissão de bens. No primeiro caso, como acima se referiu, existe uma componente predominante de serviço, no segundo, estamos perante uma simples transferência do produto, sem serviços de apoio associados e sem a manutenção e disponibilização de instalações para o seu consumo.

Tais operações não só apresentam características materiais distintas como têm enquadramento em diferentes categorias jurídico-tributárias - v. acórdãos do Tribunal de Justiça Faaborg-Gelting Linien, C-231/94, e CinemaxX, C-499/09 - pelo que se conclui que a aplicação de taxas distintas não viola o princípio da neutralidade e da igualdade de tratamento, atenta a falta de comparabilidade das operações.

(...)

No tocante aos produtos como o café, o chá e os batidos de fruta e cereais, que beneficiam da taxa intermédia como serviços de bebidas, dada a sua não exclusão da verba 3. 1 da Lista II, segundo a Requerente, estão em concorrência direta com os sumos naturais, pelo que estes últimos não deveriam ter uma tributação superior, quando objeto de uma prestação de serviço de bebidas. De novo, importa notar que não estamos perante operações (neste caso, de transmissão de bens) com as mesmas características. E que apesar de serem todos bebidas de cafetaria, são produtos com propriedades distintas (a título de exemplo, o café não é sucedâneo de um sumo de frutas), o que nos conduz à conclusão de que o parâmetro da neutralidade não impõe a igualdade de taxas que a Requerente reclama. Tal como o vinho e a cerveja, que são ambos bebidas alcoólicas, têm taxas diferentes.

Aliás, a seguir-se a posição da Requerente, as prestações de serviços de refeições e bebidas perderiam autonomia e teriam de seguir as taxas dos produtos que as compõem, pois sempre que se verificasse uma diferença de taxas entre a transmissão do produto e a prestação do serviço resultaria violado o princípio da neutralidade, solução que se afasta liminarmente.

A ponderação de motivos extrafiscais que, segundo a Requerente, militam no sentido do favorecimento da tributação dos sumos de frutas naturais, nomeadamente em relação aos benefícios para a saúde face a outras bebidas, inscreve-se no plano das opções de política legislativa e de considerações de lege ferenda, que não cabe à jurisdição apreciar, nem constitui critério válido de decisão, que, em matéria de incidência fiscal (taxas de imposto), é a lei vigente. (...)"

 

140. Nestes termos, conclui-se que a interpretação constante do Ofício circulado 30181, e das demais orientações administrativas referidas pelas Reclamantes, está de acordo com a legislação em vigor sobre a matéria, nomeadamente, com as normas de direito comunitário, não violando o princípio da neutralidade fiscal em matéria de IVA.

141. Quanto à alteração legislativa introduzida na verba em análise pela LOE 2024, repristina-se a declaração de voto de Guilherme W. d'Oliveira Martins, na decisão arbitral do processo n.º 192/2023-T, de 15 de abril de 202, invocada pelas Requerentes (esta contrariando toda aquela que foi a jurisprudência até então defendida pelo CAAD), onde de forma exemplar se refere que:

(...) Não obstante esta alteração, com vigência determinada para o ano de 2024, não entendemos que a mesma possa aplicar-se retroativamente para os anos anteriores, não só por não ter natureza interpretativa, como também por representar uma mudança clara de politica legislativa nestes produtos - o que, in totum, apenas vem confirmar o que vigorou entre 2016 e 2023 - a diferenciação de taxas de IVA nos sumos e néctares.

Ainda sobre o eventual conteúdo interpretativo da norma, refira-se aliás que são de natureza interpretativa as leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adotado.

Assim, para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários dois requisitos, a saber: (1) que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e, (2) que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Assim sendo, se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adotar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora. É na verdade o que sucede com esta alteração. Pelo exposto e como argumento adicional, esta nova norma proposta, em nosso entender, só vem reforçar, assim, o entendimento de que o legislador quis diferenciar a tributação dos mesmos produtos entre 2016 e 2023, o que nos levaria a concluir pela improcedência total do pedido." (negrito e sublinhado nossos).

142. Por fim, a título cautelar, no que concerne ao valor do pedido, cumpre salientar que, as Reclamantes limitam-se a invocar o valor Reclamado assente na diferença de montante resultante da aplicação das distintas taxas de IVA, sem que, contudo, façam prova do mesmo como lhes competia por força do princípio da repartição do ónus da prova previsto no artigo 74.° da LGT.

143. Demonstra-se, assim, não assistir razão às Reclamantes, devendo decidir-se pela improcedência da totalidade das pretensões formuladas na Reclamação Graciosa aqui em análise, porquanto não logrou provar, inequivocamente, a ilegalidade dos atos reclamados.

 

  1. A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o Ofício Circulado n.º 30.181, de 06-06-2016 ( [1] ), cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

4.2 VERBA 3.1 DA LISTA II

"3.1 - Prestações de serviços de alimentação e bebidas, com exclusão das bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias.

Quando o serviço incorpore elementos sujeitos a taxas distintas para o qual é fixado um preço único, o valor tributável deve ser repartido pelas várias taxas, tendo por base a relação proporcional entre o preço de cada elemento da operação e o preço total que seria aplicado de acordo com a tabela de preços ou proporcionalmente ao valor normal dos serviços que compõem a operação. Não sendo efetuada aquela repartição, é aplicável a taxa mais elevada à totalidade do serviço".

São tributados à taxa intermédia de IVA, por aplicação da verba 3.1 da Lista II, os serviços de alimentação e de bebidas, com exceção das bebidas ali expressamente referidas.

A verba aplica-se ao fornecimento de alimentação efetuado no âmbito de um serviço de restauração ou de catering, independentemente de se tratar de refeição principal ou não (entradas, aperitivos, sandes, sobremesas, gelados, etc.), para consumo nas instalações do prestador do serviço, no caso do serviço de restauração, ou para consumo no local onde o serviço é prestado, no caso do catering.

 

Fornecimento de bebidas no âmbito do serviço de restauração ou de catering

A taxa intermédia a que se refere a verba 3.1 da Lista II é ainda aplicável ao fornecimento, incluído no serviço de restauração ou de catering, de águas naturais ou produtos de cafetaria em geral (chá, café, café com leite, leite com chocolate ou chocolate quente, entre outros) e das demais bebidas que não sejam expressamente excluídas da verba.

Quando, em conjunto com os serviços de alimentação e bebidas abrangidos pela verba em questão, forem fornecidas bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias, aplica-se a estes últimos a taxa normal do imposto, por estarem excecionados da verba 3.1 da Lista II.

Prevendo a verba 3.1 a possibilidade de serem aplicadas diferentes taxas de IVA às várias componentes do serviço, tal circunstância deve ser devidamente refletida na fatura, para um correto apuramento do imposto a entregar ao Estado.”

 

  1. Em 21-10-2024, as Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da matéria de facto

 

2.2.1. Factos não provados

 

2.2.1.1. Não se provou que a diferença entre o valor do IVA liquidado pelas Requerentes nas declarações periódicas de Março de 2022 a Dezembro de 2023, aplicando a taxa de 23% aos serviços de sumos naturais e néctares de frutos prestados em regime eat in, e o valor que seria liquidado aos mesmos serviços se fosse aplicada a taxa de 13% seja o de € 259.445,10, nem que essas diferenças sejam as indicadas no documento n.º 8 para cada uma das Requerentes: C... (€ 92.170,61). A... (€ 96.740,97), B... (€ 34.738,66) € D... (€ 35.764,92).

Na verdade, as Requerentes não apresentam qualquer prova de que os valores indicados na tabela que consta do documento n.º 8 correspondam à realidade e a Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou esses valores, nem na decisão da reclamação graciosa (ponto 142) nem no presente processo (artigos 117.º a 120.º do pedido de pronúncia arbitral).

 

2.2.1.2. Não se provou que todo o valor do IVA liquidado pelas Requerentes relativamente ao fornecimento de serviços eat-in tenha sido repercutido nos consumidores desses serviços.

As Requerentes cobravam preços únicos, IVA incluído,  pelos serviços eat-in e delivery relativos aos mesmos produtos, apesar de incorporarem nos preços valores de IVA diferentes.

              Como entendeu o TJUE, no acórdão de 14-01-1997, processo C-192/95, «a existência de uma eventual obrigação legal de incorporar o imposto no preço de custo não permite presumir que o imposto tenha sido repercutido na totalidade, mesmo no caso de a violação dessa obrigação implicar uma penalidade».

 

 

 

              2.2.1.3. Não se provou que o eventual reembolso do valor do IVA liquidado em excesso  gere uma situação de enriquecimento sem causa das Requerentes.

«As normas do direito comunitário relativas à repetição do indevido devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que negue, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar, o reembolso de um imposto incompatível com o direito comunitário pelo mero facto de este ter sido repercutido em terceiros, sem exigir a prova da medida do enriquecimento sem causa que o reembolso desse imposto causaria ao sujeito passivo. (acórdão do TJUE de 02-10-2003, processo C-147/01)

Como se refere neste acórdão,

99.     Por outro lado, ainda que o imposto tenha sido completamente integrado no preço praticado, o sujeito passivo pode sofrer prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas (v. acórdãos Comateb e o., n.° 29, e Michaïlidis, n.° 35, já referidos).

 

100.  Noutros casos, o imposto cobrado em violação do direito comunitário pode provocar outro tipo de prejuízos ao operador, limitando o benefício que lhe poderia advir do aumento dos preços, se esse aumento fosse efectuado independentemente de qualquer imposto.

 

101. Por conseguinte, só é possível demonstrar a existência e a medida do enriquecimento sem causa que o reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito comunitário causa a um sujeito passivo após uma análise económica que tenha em conta todas as circunstâncias pertinentes.

 

              Neste caso, não foi produzida prova, através da análise económica exigida pelo TJUE, de que o eventual reembolso do imposto liquidado a mais gere uma situação de enriquecimento das Requerentes.

 

2.2.2. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo, para além de afirmações das Requerentes que não são questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

3. Matéria de direito

 

As Requerentes liquidaram IVA à taxa de 23% relativamente ao fornecimento de sumos e néctares de frutos, em regime eat in (consumo no interior das lojas).

No presente processo, as Requerentes defendem a ilegalidade da aplicação daquela taxa, por entenderem que deve ser aplicada a taxa de 13%.

As Requerentes aplicaram a taxa de 23% seguindo orientações genéricas emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em especial, o Ofício-Circulado n.º 30.181, de 06 de Junho de 2016, que preconiza a aplicação da taxa normal de IVA (23%), ao fornecimento de sumos e néctares de frutos, em conjunto com os correspondentes serviços de alimentação e bebidas, por os mesmos se encontram abrangidos pela exclusão constante da parte final da verba 3.1 da Lista II Anexa ao CIVA.

 

3.1. Posições das Partes

 

3.1.1. Decisão da reclamação graciosa

 

As Requerentes apresentaram uma reclamação graciosa que foi indeferida pelas seguintes razões, em suma:

– não houve regularização, nos termos do artigo 78.º do CIVA, das facturas em que foi liquidado IVA à taxa de 23%, relativamente ao fornecimento de sumos e néctares de frutos, em regime eat in, pelo que o IVA liquidado é devido, independentemente da taxa aplicada ser ou não a correta; as autoliquidações não estão erradas porquanto devem refletir as faturas emitidas e os respetivos registos contabilísticos efetuados pelo sujeito passivo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 29.°, n.° 5 do artigo 36.° e 44.° e 45.°, todos do CIVA;

– a liquidação efetuada pelos prestadores de serviços na fatura e a declaração de IVA entregue junto da AT (a que alude o artigo 29.°, n.° 1, al. c) do CIVA), não sofrem de ilegalidade, o mesmo ocorrendo com a arrecadação de imposto operada pela AT, porque as  faturas cujo imposto se encontra subjacente às autoliquidações contestadas incluem menção do IVA e não foram objeto de correção ou regularização;

– face à factualidade descrita pelas Reclamantes, quanto à prestação deste tipo de serviços nos espaços de cafetaria das suas superfícies comerciais para consumo "eat in", aplicando os critérios acima referidos, facilmente se conclui que se consideram reunidos os pressupostos para a qualificação dessas operações como prestações de serviços de alimentação e bebidas, para efeito da aplicação da verba 3.1 da Lista II, anexa ao CIVA;

– as Requerentes devem aplicar às mesmas a taxa intermédia de IVA, a menos que estejam em causa alguns dos produtos constantes da exclusão prevista na parte final do primeiro parágrafo, onde se incluem expressamente os sumos e néctares de frutos, sem que o legislador tenha estabelecido qualquer exceção para o caso de estarmos perante um sumo natural, 100% fruta, concentrado, etc.; o legislador teve a intenção manifesta de excluir desta verba o fornecimento de "bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou de outras substâncias";

– este regime não viola o em princípio da neutralidade;

– a alteração introduzida pela Lei n.º 82/2023, de 29 de Dezembro, não é interpretativa;

no que concerne ao valor do pedido, cumpre salientar que, as Reclamantes limitam-se a invocar o valor Reclamado assente na diferença de montante resultante da aplicação das distintas taxas de IVA, sem que, contudo, façam prova do mesmo como lhes competia por força do princípio da repartição do ónus da prova previsto no artigo 74.° da LGT.

– não é permitida a anulação das autoliquidações, como decorre do teor expresso do n.º 3 do artigo 97.° do CIVA, que estabelece que "as liquidações só podem ser anuladas quando esteja provado que o imposto não foi incluído na fatura passada ao adquirente nos termos do artigo 37. º";

– o regime dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º do CIVA tem como objetivo evitar que o sujeito passivo fornecedor regularize, a seu favor imposto inicialmente deduzido pelo seu cliente, sem que este (adquirente), proceda à correção do correspondente valor, a favor do Estado;

– se o fornecedor optar por efetuar a retificação, esta tem de ser operada pelas duas partes intervenientes nas condições descritas e dentro dos prazos estabelecidos- cf. artigo 78.º, n.º 2, 3 e 4, do CIVA;

 

 

3.1.2. Posição das Requerentes

 

              No presente processo, as Requerentes defendem o seguinte, em suma:

– a própria Diretiva, que introduz a possibilidade de aplicação à restauração e catering da taxa intermédia, clarifica que essa possibilidade tem como balizas axiológicas e normativas razões sociais ou de saúde;

– a AT elaborou e divulgou as orientações genéricas e as informações vinculativas em que afirmou que quaisquer serviços de sumos, naturais ou não, estariam sujeitos à taxa normal de imposto, por exclusão da redação normativa da verba 3.1 vigente à data dos factos;

– está em causa saber qual deverá ser a taxa de IVA aplicável aos serviços de sumos naturais e sumos e néctares de frutos prestados em regime eat in: ou a taxa intermédia ou a normal;

–  o princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA opõe-se a que mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA, de modo que os referidos produtos ou prestações devem ser submetidos a uma taxa uniforme;

– a interpretação estrita não é equivalente a interpretação restrita ou restritiva que retiraria efeito útil a uma derrogação ao princípio geral;

– o correcto funcionamento do mercado interno, a não proliferação de manifestações distorcivas das práticas concorrenciais (internas e cross-border) e a necessidade de salvaguardar o impacto no consumo associado a determinadas prestações de serviços ou transmissões de bens, determinam a existência de taxas reduzidas em matéria de IVA;

– o que releva para a determinação das taxas reduzidas de IVA, incluindo a taxa intermédia – e em linha com a jurisprudência europeia – é o carácter objetivo das situações em que se permite a aplicação daquelas taxas, sendo que, uma vez se concluindo que se trata de bens ou serviços similares e que estão em concorrência entre si, não é admissível que sejam tratados de forma discriminatória;

– aos serviços de sumos naturais e sumos e néctares de frutos prestados dentro dos vários estabelecimentos comerciais das Requerentes, nos períodos em causa, tem de ser aplicável a taxa intermédia, e jamais a normal, dado que não podem fazer parte do elenco de exclusões da verba 3.1 da Lista II que compreende as «bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias»;

– ao excluir «sumos e néctares» da previsão normativa, o legislador não se reportava aos sumos naturais e sumos e néctares de frutos, e, por não estarem expressamente excluídos, será de lhes aplicar a taxa intermédia, à semelhança do que sucede com outros serviços de bebidas de cafetaria, tendo em conta a comparabilidade entre tais bebidas;

– o legislador, ao agrupar «refrigerantes, sumos e néctares», só poderia estar a pensar nos sumos aditivados, com estabilizantes e adoçantes ou edulcorantes artificiais, com diminuta presença de fruta na sua composição e que não gozam da mesma proteção fiscal que os «sumos de frutos e de algas ou de produtos hortícolas e bebidas de cereais, amêndoa, caju e avelã sem teor alcoólico»;

–  a omissão de uma alusão a (sumos) «naturais» e a «frutos» na verba 3.1 da Lista II, quando há uma verba específica que explicitamente o faz e quando essa menção é decisiva para diferenciar positivamente esses serviços de sumos (como seja dos outros sumos), é totalmente propositada e está em sintonia com a isenção que se prevê nos artigos 87-A a 87º- F do CIEC:

– a alteração introduzida pela Lei n.º 82/2023, de 29 de Dezembro, na verba 3.1 da Lista II anexa ao CIVA evidencia uma das seguintes hipóteses: ou o legislador pretendeu esclarecer que a redação em vigor à data dos factos não tinha a intenção de abranger os sumos naturais e néctares de fruta no âmbito da exclusão, por não se encontrarem, pelas razões atrás enunciadas, ao mesmo nível das bebidas alcoólicas e refrigerantes; ou, consciente de que a inclusão dos sumos e néctares de frutos na redação vigente à data dos factos violava o princípio da neutralidade fiscal, quando comparados com outros serviços de bebidas, sentiu a necessidade de harmonizar o quadro legal;

– até à LOE2024, a AT conformava-se com a discriminação positiva do fornecimento de certas bebidas (porque de bebidas se trata, antes de serem produtos de cafetaria) – tais como águas naturais ou «chá, café, café com leite, leite com chocolate ou chocolate quente», e ainda as bebidas de cereais e os batidos de fruta –, alguns dos quais menos protegidos pelo próprio legislador noutro lugar do CIVA, em detrimento do fornecimento dos sumos naturais que, sendo disponibilizados nos mesmos termos, veem negada, sem mais, a taxa intermédia de imposto;

–são  serviços em concorrência direta com os serviços de sumos naturais, como é o caso dos serviços de leites achocolatados, batidos de leite, ou dos chás e tisanas frios; sendo que, nos primeiros e nos segundos (dependendo da composição/matéria láctea), estamos perante bens para os quais a lei prevê expressamente a taxa reduzida quando adquiridos à margem de um «serviço», e que, por não serem formalmente excluídos da verba 3.1 da Lista II anexa ao CIVA estarão sujeitos à taxa intermédia; no caso dos terceiros (o mais gritante), trata-se de produtos que nem sequer beneficiam de taxa reduzida quando não integrados num serviço – ou seja, que o legislador julga não merecer a proteção fiscal consubstanciada na taxa reduzida – e, que, para a AT, se converteriam em produtos (face ao seu concorrente mais direto, o sumo natural  que, quando servidos em eat in, beneficiariam da taxa intermédia!

– o princípio da neutralidade fiscal deve ser interpretado no sentido de que uma diferença de tratamento em termos de IVA de duas prestações de serviços idênticas ou semelhantes do ponto de vista do consumidor e que satisfazem as mesmas necessidades deste basta para demonstrar uma violação deste princípio;

– o «consumidor médio» para satisfazer as suas necessidades alimentares básicas pode, no seu processo de decisão, optar por um daqueles «produtos de cafetaria em geral» em detrimento de um sumo ou um néctar de frutos – i.e. é perfeitamente comum um consumidor optar por um batido ou por uma tisana em detrimento de um sumo ou um néctar – e não se vislumbra nenhuma razão objetiva para que estes serviços, em tudo semelhantes e que concorrem entre si, sejam tratados de maneira distinta em sede de IVA. A única razão objetiva que se vislumbra é a proteção da saúde e essa milita precisamente no sentido contrário;

– ao privilegiar um desses [serviços] em detrimento do outro, o intérprete – ademais, sem suporte legal evidente para o efeito – estaria a influenciar a opção do consumidor por razões fiscais, distorcendo a livre concorrência e induzindo comportamentos, o que deve ser evitado;

– uma interpretação que admita este desnível de taxas mais não é do que uma flagrante distorção da concorrência que favorece os operadores económicos da indústria do café, do chá, de bebidas de cereais e de lacticínios, sem qualquer razão ponderosa e objetiva para que tal aconteça, prejudicando o setor da fruticultura e indústria dos sumos e néctares de frutas e produtos hortícolas – o que, para além de trair a própria hierarquia de produtos alimentares favorecidos em  termos de IVA que o legislador estabeleceu, é incompreensível a qualquer luz;

– os serviços de sumos prestados pelas Requerentes, em regime eat in, têm de encarar a mesma taxa intermédia aplicável aos serviços de café, chá, batido de fruta ou de bebidas de cereais, no contexto de restauração, sob pena de violar os princípios europeus e constitucionais da neutralidade, da igualdade e da proporcionalidade;

– a taxa sobre os serviços de sumos de fruta espremida in loco não pode superar a taxa sobre os serviços de fruta servida em polpa;

– os serviços de sumos naturais e néctares e frutos não podem ser discriminados negativamente tal como demonstrado anteriormente, não sendo necessário qualquer reenvio desta questão para o TJUE – como defendem as Requerentes – ou, quando muito, há uma dúvida razoável de que essa diferenciação possa acontecer, tendo o TJUE de ser chamado a intervir para harmonizar a interpretação nesta matéria;

– o artigo 78.º do CIVA exige a regularização de faturas apenas para casos de erros materiais, e não a erros de subsunção normativa ou de «enquadramento jurídico»;

– se a lei prevê a obrigação de a Autoridade Tributária e Aduaneira informar os contribuintes sobre os seus deveres tributários, não pode penalizar os cidadãos cumpridores com a perda de um direito constitucionalmente reconhecido pelo facto de actuarem em sintonia com o informado, nem é concebível à face do princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da CRP) que os cidadãos tenham de praticar actos que a Administração entende ilegais, sujeitando-se às consequências negativas que daí decorrem, para assegurarem os direitos constitucionais;

– a emissão de notas de crédito e de novas facturas (com os campos do valor tributável e imposto devido correctos face à nova taxa aplicável), nos termos dos artigos 29.º, n.º 1 e 7, 36.º, 44.º, 45.º e 78.º do Código do IVA», que a Autoridade Tributária e Aduaneira refere na sua Resposta, aplicam-se nessas situações em que o sujeito passivo tem a iniciativa da correcção, mas não nos casos em que o juízo sobre a existência de uma situação irregular é reconhecida por via administrativa ou jurisdicional, situações em que a constatação da ilegalidade tem como corolário a reconstituição da situação tributária substantiva que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado [artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT];

– o reembolso do imposto seria sempre devido numa interpretação conforme ao princípio da neutralidade;

– no caso concreto, não existe o risco de perda de receita fiscal, dado que os clientes são consumidores finais e os serviços de bebidas em causa estão excluídos do mecanismo da dedução pelo artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do Código do IVA;

– trata-se de consumo de massas, extremamente concorrencial, com milhares de consumidores finais, que não pedem NIF nas faturas, em que o preço praticado pelo serviço de restauração prestado é, desde sempre, um preço final, com IVA incluído e indedutível, à luz da alínea d) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA;

– não existe a possibilidade de recuperar o IVA impugnado junto dos adquirentes dos serviços em causa;

– o preço estabelecido pelo sujeito passivo junto dos seus clientes finais pelos serviços que lhes presta ou pelos bens que lhes transmite é, sempre, um preço final, naturalmente com IVA incluído» e «qualquer imposto apurado, quer se mostre ou não devido, acha-se contido e incorporado nesse preço e corre por conta e risco do sujeito passivo e não dos respectivos consumidores;

– o artigo 97.º, n.º 3, do CIVA, que se justifica para obstar a que ocorra um enriquecimento sem causa do sujeito passivo que não suportou o IVA, deve ser interpretada [estritamente], em consonância com os limites da sua ratio legis, como aplicando-se apenas aos casos em que se demonstrar que, recebendo o IVA incluído em facturas, o sujeito passivo obtém um enriquecimento injustificado;

–  princípio geral é o do reembolso dos impostos incompatíveis com o direito europeu; uma das exceções a esse princípio opera quando as autoridades nacionais provarem que o imposto a reembolsar havia sido suportado por outrem e que tal reembolso conduziria, para o sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa deste, pelo que há que interpretá-la de forma restritiva, atendendo nomeadamente ao facto de que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo;

– os EM não podem negar o direito ao reembolso desse imposto cobrado em violação da lei com base numa exigência de prova que, na prática, torne impossível ou excessivamente difícil evidenciar que não houve repercussão económica do imposto a terceiros. Ou com base numa presunção juris et de jure de repercussão e, consequentemente, de enriquecimento sem causa do sujeito passivo.

 

 

3.1.3. Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende na sua Resposta a posição assumida na decisão reclamação graciosa, dizendo ainda o seguinte, em suma:

– não existe erro nas autoliquidações, pois estão em conformidade com as facturas, só podendo haver ilegalidade das liquidações efetuadas pelas próprias Requerentes nas faturas que emitiram, em cumprimento do disposto no artigo 37.º, n.º 1, do CIVA, liquidações essas cujas correções se impunham às próprias Requerentes, que não o fizeram só podendo haver erros destas;

– não houve uma alegada redução da margem de lucro invocada, ou seja, que, supostamente, as Requerentes absorveram totalmente o impacto económico da aplicação da taxa normal aos sumos no âmbito da sua atividade de venda e prestação de serviços de alimentação e bebidas, pois a repercussão do imposto não é uma opção do sujeito passivo;

– o imposto entregue pelas Requerentes não foi por si suportado, mas repercutido aos seus clientes e, sendo incluído nas facturas as liquidações não podem ser anuladas;

– não se provando que as Requerentes tenham ressarcido os seus clientes, restituir-lhes o montante de imposto que liquidaram e receberam dos seus clientes (consumidores finais, neste caso), traduzir-se-ia num enriquecimento sem causa, que a lei nacional e o direito comunitário não consente;

– o imposto não constitui um gasto dos sujeitos passivos e as Requerentes não apresentam notas de crédito que demonstrem a devolução do montante que alegadamente liquidaram em excesso;

– estando em causa sumos fornecidos aos clientes das Requerentes no âmbito de operações que se qualificam como prestação de serviços, os mesmos não têm enquadramento na verba 3.1 da Lista II, porquanto aí se excecionam os “sumos” sejam eles naturais ou não;

– quando o legislador não distingue, não cabe ao intérprete distinguir e, assim sendo, carece de base legal a tese defendida pelas Requerentes de que os “sumos naturais” e  “néctares de fruta” não estão excecionados naquela verba e, como tal, devem ser tributados à taxa intermédia;

– numa operação eat-in, há necessariamente serviços de apoio associados, com a necessária manutenção e disponibilização de instalações para o consumo do produto vendido – ou seja, quem adquire não quer simplesmente levar o produto consigo, quer ter um espaço disponível para se sentar e pousar o seu produto para ali o poder consumir, o que implica mais do que a simples entrega do produto adquirido ao consumidor e a referida necessidade de manutenção e disponibilização de um determinado tipo de espaço;

– os valores do IVA alegadamente liquidado em excesso não são demonstrados nos presentes autos, carecendo de averiguação e validação por parte dos Serviços de Inspeção Tributária competentes, análise que ficou prejudicada por força da decisão vertida na decisão da reclamação graciosa.

 

    

3.2. Questões do IVA devido por ser incluído em facturas, da necessidade ou não de regularização das facturas e da criação de uma situação de enriquecimento sem causa

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, na decisão da reclamação graciosa, que a procedência das pretensões das Requerentes dependia de rectificação das facturas, nos termos do artigo 78.º do CIVA, porque o IVA incluído nas facturas é devido e, sem regularização, as liquidações estão de acordo com as facturas, não enfermando de qualquer ilegalidade.

O artigo 78.º do CIVA prevê a regularização de «facturas inexactas».

O artigo 97.º, n.º 3, do CIVA estabelece que «as liquidações só podem ser anuladas quando esteja provado que o imposto não foi incluído na fatura passada ao adquirente nos termos do artigo 37.º».

              Destas normas, a Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que, não tendo havido regularização, nos termos do artigo 78.º do CIVA, das facturas em que foi liquidado IVA à taxa de 23%, relativamente ao fornecimento de sumos naturais e néctares de frutos em regime eat in, que o IVA liquidado é devido, independentemente da taxa aplicada ser ou não a correcta, pelo que as liquidações e as declarações de IVA não sofrem de ilegalidade.

              O artigo 97.º, n.º 3, do CIVA está em sintonia com o preceituado no artigo 203.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, em que se estabelece que «o IVA é devido por todas as pessoas que mencionem esse imposto numa fatura».

              No entanto, esta norma foi já interpretada restritivamente pelo TJUE no acórdão de 08-12-2022, processo n.º C-378/21 P GmbH, sendo limitada a sua aplicação às situações em que que haja o risco de perda de receitas fiscais, sendo de afastar a sua aplicação quando os beneficiários dos serviços forem exclusivamente consumidores finais que não beneficiam do direito à dedução do IVA pago a montante:

 

20 Por outro lado, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o artigo 203.º da Diretiva IVA visa eliminar o risco de perda de receitas fiscais que possa resultar do direito à dedução previsto nesta diretiva [Acórdãos de 8 de maio de 2019, EN.SA., C-712/17, EU:C:2019:374, n.º 32, e de 18 de março de 2021, P (Cartões de combustível)), C-48/20, EU:C:2021:215, n.º 27].

 

21 Como refere a advogada-geral no n.º 26 das suas conclusões, o artigo 203.º da Diretiva IVA é, por conseguinte, aplicável quando o IVA foi faturado indevidamente e há um risco de perda de receitas fiscais pelo facto de o destinatário da fatura em questão poder invocar o seu direito à dedução desse IVA.

 

24 No caso, como recordado no n.º 18 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio excluiu a existência desse risco de perda de receitas fiscais pelo facto de a clientela da recorrente no processo principal ser, durante o exercício fiscal em causa, exclusivamente constituída por consumidores finais que não tinham o direito à dedução do IVA pago a montante. Não se pode deixar de observar, portanto, que o artigo 203.º da Diretiva IVA não é aplicável a essa situação.

 

25 Atendendo a todas estas considerações, há que responder à primeira questão que o artigo 203.º da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que um sujeito passivo, que prestou um serviço e que mencionou na sua fatura um montante de IVA calculado com base numa taxa errada, não é devedor, por força desta disposição, da parte do IVA faturado erradamente se não houver um risco de perda de receitas fiscais pelo facto de os beneficiários desse serviço serem exclusivamente consumidores finais que não beneficiam do direito à dedução do IVA pago a montante. (negrito nosso).

 

              É precisamente uma situação deste tipo que ocorre no caso em apreço, em que não existe o risco de perda de receitas fiscais, por os clientes a quem as Requerentes prestaram os serviços em regime de eat-in serem consumidores finais, que não gozam de direito a dedução, que é mesmo genericamente excluído quanto a sujeitos passivos, pelo artigo 21.º, n.º 1, alínea d), do CIVA relativamente a «alimentação»  (fora das situações excepcionais previstas no n.º 2 do mesmo artigo, o que não é sequer aventado na decisão da reclamação graciosa que se tenham verificado, nem são de ocorrência provável quanto a consumos eat in).

Aliás, as Partes estão de acordo quanto à qualidade de «consumidores finais» dos clientes da Requerente que consumiram serviços de eat-in (artigos 7.º, 127.º e 129.º do pedido de pronúncia arbitral e 47.º da Resposta).

E, embora a Autoridade Tributária e Aduaneira alegue, na sua Resposta, que assiste aos consumidores finais a possibilidade de dedução à colecta de IRS por exigência de factura, nos termos do artigo 87.º-F do CIRS, não são as receitas de IRS que se pretendem proteger com aquele artigo 203.º da Directiva n.º 2006/112/CE, mas, como se refere naquele acórdão do TJUE, as que podem resultar «do direito à dedução do IVA pago a montante».

              Assim, as Requerentes, que prestaram serviços e mencionaram IVA nas facturas, não são devedoras da parte do IVA que eventualmente tiver sido calculado com base numa taxa indevida, por erro de direito.

              Sendo assim, não é necessária a regularização de facturas prevista no artigo 78.º, pois ela justifica-se apenas pela necessidade de evitar que haja dedução pelo adquirente do IVA pago ou anulada a dedução que tiver sido efectuada.

Por isso, como bem entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 07-04-2021, processo n.º 02315/14.1BELRS, nos casos em que ocorrer um erro de enquadramento ou erro de direito, ou seja, uma situação em que, por errónea interpretação e aplicação do direito foi liquidado indevidamente imposto, essa liquidação, ainda que indevida, constituiu o sujeito passivo na obrigação de entregar o IVA ao Estado. «No entanto, inexistindo no caso o risco de ser exercido o direito à dedução com base na factura em que esse imposto foi indevidamente mencionado, nada obsta – e, pelo contrário, o princípio da neutralidade impõe – que seja facultada ao sujeito passivo a possibilidade de promover a regularização do imposto (no caso, de reaver o que liquidou indevidamente e entregou ao Estado), nos termos do disposto no art. 98.º do CIVA».    

              Por outro lado, como se referiu ao indicar os factos não provados, à face das exigências probatórias formuladas pelo TJUE, não se pode considerar demonstrado que o reembolso pelas Requerentes do IVA que tiver sido liquidado em excesso provoque um enriquecimento sem causa daquelas.

Na verdade, resulta da matéria de facto fixada, as Requerentes cobravam o mesmo preço final, IVA incluído, pelo fornecimento de produtos em regime de eat-in (consumo dentro dos estabelecimentos) e de delivery (consumo fora dos estabelecimentos) aplicando no cálculo do preço taxas diferentes.

Em situações deste tipo, cuja facturação é permitidas pelo n.º 2 do artigo 37.º do CIVA, como bem defendem FRANCISCO GERALDES SIMÕES e JOÃO G. GIL FIGUEIRA ( [2] ) os agentes económicos tenderão a praticar o preço máximo acrescido do imposto que a maior parte da sua clientela aceite pagar, sendo o preço final com o imposto incluído o que lhes permita optimizar os seus rendimentos. "O preço estabelecido pelo sujeito passivo junto dos seus clientes finais pelos serviços que lhes presta ou pelos bens que lhes transmite é, sempre, um preço final, naturalmente com IVA incluído" e "qualquer imposto apurado, quer se mostre ou não devido, acha-se contido e incorporado nesse preço e corre por conta e risco do sujeito passivo e não dos respectivos consumidores". «Se liquidar imposto superior ao devido, o sujeito passivo verá a sua margem reduzir-se ou a sua clientela desvanecer-se. se liquidar imposto inferior ao devido, o sujeito passivo terá de suportar a parcela adicional, sem que a possa exigir do seu cliente". "O IVA indevidamente incluído no preço será sempre "suportado" pelo sujeito passivo, seja mediante redução da sua margem, seja mediante redução das suas vendas».

Estas considerações estão na linha do acórdão do TJUE de 14-01-1997, processo C-192/95, que afasta a presunção de repercussão da totalidade do imposto incluído no preço, e do acórdão de 02-10-2003, processo C-147/01, que esclarece que «só é possível demonstrar a existência e a medida do enriquecimento sem causa que o reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito comunitário causa a um sujeito passivo após uma análise económica que tenha em conta todas as circunstâncias pertinentes.»

Isto é, como dizem as Requerentes, nos casos dos autos, em termos económicos, «o IVA é mais um custo (como a matéria-prima) a ter em conta na fixação dos preços, sendo a margem de lucro sempre condicionada por aqueles fatores».

Na mesma linha, o TJUE entendeu, no acórdão do TJUE de 21-02-2000, proferido no processo n.º C-441/98, que "embora o direito comunitário não se oponha a que um Estado-Membro recuse o reembolso de taxas cobradas em violação das suas disposições desde que se prove que esse reembolso provocará um enriquecimento sem causa, exclui a aplicação de toda e qualquer presunção ou regra de prova destinada a fazer recair no operador em causa o ónus de provar que os encargos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e destinada a impedir a apresentação de elementos de prova para contestar uma alegada repercussão".

              Assim, é de concluir que o artigo 97.º, n.º 3, do CIVA, é incompatível com o direito comunitário, se interpretado como consagrando uma presunção de enriquecimento sem causa derivada do mero facto de o imposto ter sido formalmente repercutido nos adquirentes de bens ou serviços e impondo ao sujeito passivo a prova de que o imposto não foi repercutido a terceiros.

Por outro lado, pelo que se referiu, na situação em apreço não era necessária regularização de facturas nos termos do artigo 78.º do CIVA, nem o IVA se considera devido pelo mero facto de ter sido incluído em facturas.

 

 

3.3. Questão da taxa de IVA aplicável

 

Antes de mais, importa esclarecer que o tratamento fiscal dado aos sumos e néctares de frutos na verba 1.11 da Lista I anexa ao CIVA no âmbito da transmissão de bens não tem de ser idêntico ao que que é dado a nível da prestação de serviços que incluam os mesmos bens, pois são actividades económicas diferentes, para efeitos de IVA.

A disponibilização de um local próprio, mesas e cadeiras, para a ingestão de produtos de padaria, confeitaria e cafetaria, bem como refeições, mesmo sem serviço de mesa, que as Requerentes referem no artigo 13.º do pedido de pronúncia arbitral, implica também, à face das regras da experiência, a prestação dos serviços necessários para tal disponibilização (como serviços de limpeza, arrumação, manutenção, iluminação, lavagem e recolha de copos e fornecimento de guardanapos).

Por isso, está-se perante prestação de serviços de fornecimento de sumos e néctares e não uma mera entrega de bens deste tipo. 

Como se diz na decisão arbitral proferida no processo n.º 192/2023-T, citada pelas Requerentes, «uma prestação de serviços de bebidas fornecidas para consumo num estabelecimento de restauração não é uma situação comparável à venda de bebidas em take away, esta última enquadrada, para efeitos de IVA, como uma transmissão de bens. No primeiro caso, como acima se referiu, existe uma componente predominante de serviço, no segundo, estamos perante uma simples transferência do produto, sem serviços de apoio associados e sem a manutenção e disponibilização de instalações para o seu consumo». «Tais operações não só apresentam características materiais distintas como têm enquadramento em diferentes categorias jurídico-tributárias – v. acórdãos do Tribunal de Justiça Faaborg-Gelting Linien, C-231/94, e CinemaxX, C-499/09 –, pelo que se conclui que a não aplicação da taxa reduzida de IVA não viola o princípio da neutralidade e da igualdade de tratamento, atenta a falta de comparabilidade das operações».

Por isso, é à face da Lista II e não da Lista I que é necessário apreciar a questão colocada.

A verba 3.1. da Lista II anexa ao CIVA estabelece o seguinte, na redacção vigente em 2022 e 2023:

 

3.1 - Prestações de serviços de alimentação e bebidas, com exclusão das bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias.

      Quando o serviço incorpore elementos sujeitos a taxas distintas para o qual é fixado um preço único, o valor tributável deve ser repartido pelas várias taxas, tendo por base a relação proporcional entre o preço de cada elemento da operação e o preço total que seria aplicado de acordo com a tabela de preços ou proporcionalmente ao valor normal dos serviços que compõem a operação. Não sendo efetuada aquela repartição, é aplicável a taxa mais elevada à totalidade do serviço.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que os sumos naturais e néctares de frutos comercializados pelas Requerentes estão sujeitos à taxa normal de IVA, porque, em suma, a verba 3.1. da Lista II anexa ao CIVA exclui os sumos de qualquer tipo, independentemente da forma como são obtidos/produzidos, pelo que deve ser-lhes aplicada a taxa normal.

A verba 3.1. da Lista II anexa ao CIVA inclui na lista de prestações de serviços sujeitas a taxa intermédia as «prestações de serviços de alimentação e bebidas, com exclusão das bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias».

As taxas reduzidas consubstanciam benefícios (artigo 2.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais), pelo que as normas que as prevêem devem ser objecto de interpretação estrita, sendo os benefícios aplicados apenas a quem adopta os comportamentos que legislativamente são considerados merecedores de tratamento beneficiado em matéria de tributação, o que se confirma pela proibição de aplicação analógica das normas sobre benefícios fiscais, por força do preceituado no artigo 10.º do EBF.

Esta proibição e a interpretação estrita justificam-se por se tratar de normas de natureza excepcional, , como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos de 28-11-2012, processo 0529/12 e  de 22-02-2017, processo n.º 01245/16, onde se lê que:

 

 "Com efeito os benefícios fiscais, entre os quais a isenção de tributação, são, por natureza, de carácter excecional, pois encerram uma derrogação aos princípios gerais que presidem à tributação, visto que, de certo modo, derrogam os princípios da capacidade contributiva, da generalidade e da igualdade da tributação e apenas encontram justificação na tutela de interesses públicos constitucionalmente relevantes, superiores aos da própria tributação, sejam de carácter político, económico, social ou cultural (Manual de Direito Fiscal, 11ª edição com adenda, 2000, páginas 323/326, Nuno de Sá Gomes ...) As normas de benefícios fiscais merecem assim tratamento autónomo porque são normas anti-sistemáticas por definição, estando em tensão permanente com o princípio da capacidade contributiva, que derrogam como padrão na repartição do imposto (Vide Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, pag. 312.). E é essa circunstância que legitima que se sustente quanto a elas um princípio de interpretação estrita ou declarativa (strict interpretation), fundado precisamente na sua natureza excepcional ou anti-sistemática". 

 

 O TJUE também tem decidido que as normas derrogatórias, como são as relativas a isenções e benefícios fiscais, devem ser objecto de interpretação estrita (acórdãos 14-06-2007, processo C-434/05, n.º 16; de 05-03-2015, processo C-553/13, n.º 39; de 07-02-2022, processo n.º C-460/21, n.º 26; de 08-10-2020, processo C-235/19, n.º29; de 12-03-2015, processo C-594/13, n.º 17, ), sem prejuízo da aplicação da regras gerais de interpretação e princípios jurídicos, designadamente em situações em que a redacção das normas seja imprecisa. ( [3] ).

Assim, as normas sobre benefícios fiscais devem ser interpretadas em termos estritos, o que se é certo que não afasta a necessidade de interpretação, designadamente teleológica, não viabiliza a exigência de requisitos restritivos do campo de aplicação do benefício fiscal para que não há qualquer suporte textual.

A esta luz,  à face da  redacção da verba 3.1 vigente em 2022 e 2023, afigura-se claro que todas as prestações de serviços de bebidas que sejam sumos e néctares, de quaisquer tipos, eram excluídos da aplicação da taxa intermédia, por estar expressamente excluída a aplicação da taxa intermédia, o que tem como corolário que a essas prestações de serviços se aplicava a taxa normal, que é a que se aplica quando não está prevista uma taxa reduzida, como decorre do artigo 18.º, n.º 1, do CIVA.

Esta conclusão é reforçada pelas várias tentativas legislativas de extensão do âmbito da aplicação da taxa reduzida que se detectam nas autorizações legislativas que constam do artigo 207.º do Orçamento do Estado para 2017 (Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro),  no artigo 241.º do Orçamento do Estado para 2018 (Lei n.º 114/2017, de 27 de Dezembro), e no artigo 272.º do Orçamento do Estado para 2019 (Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro) e 342.º do Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.º 2/2020, de 31 de Março), que não vieram a ser utilizadas, o que revela uma reponderação legislativa reiterada da possibilidade de exclusão dos sumos e néctares de frutos o âmbito da taxa reduzida, já que era necessariamente conhecido, desde 2016, o entendimento adoptado pela Administração Tributária no Ofício Circulado n.º 30181, de 06-06-2016.

Aliás, a exclusão dos sumos e néctares do âmbito da taxa reduzida era entendimento corrente, antes da Lei 82/2023, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2024), como se vê pelo Relatório da UTAU da Assembleia da República Relatório n.º 27/2020, sobre o impacto económico-orçamental da Proposta de Alteração n.º 6C à Proposta do Orçamento do Estado para 2021, que analisa uma Proposta de Lei do PCP que “pretende eliminar as exclusões inscritas na atual redação da Verba 3.1 da Lista II anexa ao Código do IVA, designadamente as referentes as bebidas alcoólicas, refrigerantes, sumos, néctares e águas gaseificadas ou adicionadas de gás carbónico ou outras substâncias. Na situação atual, estas bebidas são tributadas à taxa normal” (página 1) ( [4] ) e se confirma pelo relatório do Orçamento do Estado para 2024, em que se refere que «um alargamento da taxa intermédia de IVA de 13% a um conjunto de bebidas na prestação de serviços de restauração, nomeadamente sumos, néctares e águas gaseificada» (página 129).

Neste contexto, afigura-se inequívoco que, até ao  Orçamento do Estado para 2024, houve uma persistente intenção legislativa de manter a exclusão dos sumos e néctares do âmbito da taxa reduzida.

De resto, a incompreensão manifestada pelas Requerentes sobre a exclusão dos sumos naturais e dos néctares de frutos da verba 3.1 da Lista II anexa ao CIVA, fica atenuada se tiverem em mente as consideráveis implicações negativas para as receitas públicas decorrentes da extensão do âmbito de aplicação da referida verba 3.1., expressas no relatório da UTAU que se referiu.

A esta luz, a extensão operada com a Lei n.º 82/2023, de 29 de Dezembro, é uma mudança de opção legislativa, efectuada quando foi entendido existirem condições orçamentais para a concretizar, e não o reconhecimento de que ela deveria existir anteriormente.

Assim, tendo os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD de decidir de acordo com o direito constituído (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), o afastamento da sua aplicação só pode ter lugar se essa norma for inválida, designadamente por incompatibilidade com norma ou princípio de direito da União Europeia, como aventam as Requerentes.

 

3.3.1. Questão da compatibilidade da verba 3.1. da Lista II anexa ao CIVA com o Direito da União Europeia

 

O Direito da União Europeia prevalece sobre o Direito Interno, com decorre do n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa.

A Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, estabelece no seu artigo 96.º a regra de «os Estados-Membros aplicam uma taxa normal de IVA fixada por cada Estado-Membro numa percentagem do valor tributável que é idêntica para a entrega de bens e para a prestação de serviços» e no seu artigo 97.º determina que ela não pode ser inferior a 15%.

No entanto, o artigo 98.º daquela Directiva n.º 2006/112/CE estabelece que «os Estados-Membros podem aplicar uma ou duas taxas reduzidas (...) apenas às entregas de bens e às prestações de serviços das categorias constantes do Anexo III», taxas essas que, nos termos do seu artigo 99.º«são fixadas numa percentagem do valor tributável que não pode ser inferior a 5 %.».

O Anexo III, para que remete o artigo 98.º da Directiva n.º 2006/112/CE, inclui, no seu ponto 12-A, os «serviços de restauração e de catering, sendo possível excluir o fornecimento de bebidas (alcoólicas e/ou não alcoólicas)».

 O aditamento deste ponto 12-A foi efectuado pela Diretiva 2009/47/CE, do Conselho, de 05-05-2009, que alterou a Directiva n.º 2006/112/CE, e foi decidido na sequência da

«Comunicação sobre outras taxas de IVA além das taxas de IVA uniformes, que a Comissão apresentou ao Parlamento Europeu e ao Conselho em 2007, (em que), concluiu que a aplicação de taxas de IVA reduzidas aos serviços fornecidos a nível local não prejudicava o bom funcionamento do mercado interno e podia, em determinadas condições, vir a ter efeitos positivos em termos de criação de emprego e de luta contra a economia paralela» (Considerando 2).

 

Nos Considerandos 3 e 4 desta Directiva 2009/47/CE refere-se ainda o seguinte:

 

(3) Considerando que, no tocante ao fornecimento de bebidas alcoólicas e/ou não alcoólicas no âmbito dos serviços de restauração e de catering, pode justificar-se dar a essas bebidas um tratamento diferente do previsto no âmbito do fornecimento de produtos alimentares, é conveniente prever explicitamente que os Estados-Membros podem incluir ou excluir o fornecimento de bebidas alcoólicas e/ou não alcoólicas ao aplicar uma taxa reduzida ao fornecimento dos serviços de restauração e catering a que se refere o anexo III da Directiva 2006/112/CE.

(4) Por conseguinte, a Directiva 2006/112/CE deverá ser alterada de modo a permitir a aplicação de taxas reduzidas ou uma isenção, respectivamente, num número limitado de situações específicas, por razões sociais ou de saúde, e de modo a clarificar e adaptar ao progresso técnico a referência aos livros no seu anexo III.

 

Decorre destas normas e destes Considerandos que:

– é compatível com o Direito da União a fixação de taxas reduzidas superiores a 5% para «situações específicas», entre as quais se incluem os serviços de restauração (artigos 98.º, 99.º e ponto 12-A do Anexo III);

– foi deixado ao critério do legislador nacional definir as situações em que devem ser aplicadas taxas reduzidas, inclusivamente quanto ao fornecimento de bebidas, quer alcoólicas quer não alcoólicas;

– a aplicação dessas taxas reduzidas «não prejudicava o bom funcionamento do mercado interno», pelo que está subjacente àquele ponto 12-A o entendimento legislativo de que a aplicação de taxas reduzidas que o legislador nacional venha a fixar ou não para quaisquer serviços de restauração, dentro dos parâmetros permitidos, não se considera ter potencialidade para afectar relevantemente o princípio da livre concorrência (pois não afecta o bom funcionamento do mercado interno europeu);

– a eventual desigualdade que derive da aplicação dessas taxas a apenas alguns serviços de restauração, tem justificação em «determinadas condições», que cabe ao legislador nacional apreciar, em que essas taxas reduzidas possam «vir a ter efeitos positivos em termos de criação de emprego e de luta contra a economia paralela»;

– sendo uma faculdade reconhecida ao legislador nacional pelo Direito da União, aquele pode utilizá-la apenas quanto a alguns serviços de restauração, designadamente, podendo ter tendo em mente, além das finalidades extrafiscais referidas, a omnipresente preocupação de não afectar desmesuradamente as receitas fiscais que está necessariamente associada a qualquer opção legislativa de redução de taxas de impostos.

 

Assim, em princípio, o legislador nacional podia, sem violar o Direito da União, fixar taxas reduzidas para serviços de restauração, mantendo a taxa normal para os serviços de fornecimento de bebidas, quer alcoólicas quer não alcoólicas.

No entanto, o TJUE tem entendido que princípio da neutralidade «se opõe a que mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, que se encontram, portanto, em concorrência umas com as outras, sejam tratadas de modo diferente do ponto de vista do IVA (acórdão de 06-05-2010, processo n.º C-94/09, n.º 40), e que «a introdução e a manutenção de taxas reduzidas de IVA inferiores à taxa normal fixada no artigo 12.o, n.º 3, alínea a), da Sexta Directiva só são admissíveis se não violarem o princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA, o qual se opõe a que mercadorias ou prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA» (acórdãos de 11 de Outubro de 2001, processo C-267/99, n.º 36, de 3 de Maio de 2001, processo C-481/98, n.ºs 21 e 22; de 23-10-2003, processo C-109/02, n.ºs 19 e 20; de 23 de Outubro de 2003, processo, n.º 20; e de 3 de Abril de 2008, processo C-442/05, n.º 42).

Assim,  importa apreciar se a exclusão dos sumos e néctares do âmbito da aplicação da taxa reduzida cria um risco de distorção da concorrência, em relação a prestações de serviços semelhantes, que seja incompatível com o princípio da neutralidade.

O recente entendimento do TJUE, em matéria de avaliação da violação do princípio da neutralidade fiscal quando estão em causa taxas de IVA, é o de que «no que diz respeito à apreciação da semelhança dos bens ou das prestações de serviços em causa, que cabe sem dúvida ao juiz nacional, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que há que ter principalmente em conta o ponto de vista do consumidor médio. Os bens ou prestações de serviços são semelhantes quando apresentam propriedades análogas e satisfazem as mesmas necessidades do consumidor, em função de um critério de comparabilidade na utilização, e quando as diferenças existentes não influenciem consideravelmente a decisão do consumidor médio de recorrer a um ou a outro dos referidos bens ou prestações de serviços» (Acórdãos de 9 de novembro de 2017, AZ, processo C-499/16, n.º 31 e de 5 de Outubro de 2023, processo C-146/22, n.º 47).

Nesta decisão de 5 de Outubro de 2023, o TJUE densifica os critérios relevantes para aferição da semelhança entre bens e serviços que permitem afirmar a existência de uma situação de concorrência, relevante para efeitos de aplicação de taxas reduzidas, nos seguintes termos:

 

49 Nesta perspetiva, o órgão jurisdicional de reenvio deverá ter em conta, primeiro, no que respeita às propriedades das bebidas em causa no processo principal, que estas apresentam semelhanças, nomeadamente o facto de serem preparadas a partir do mesmo ingrediente principal, concretamente o leite, e, segundo as conclusões da Autoridade Tributária, de apresentarem uma consistência líquida e um aspeto exterior semelhantes.

 50 Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio também deverá verificar, neste âmbito, se as bebidas em causa no processo principal podem diferir sensivelmente quanto ao seu sabor, consistência e cheiro, em especial porque, como o Governo Polaco indica nas suas observações escritas, o consumidor, no que respeita às bebidas lácteas quentes sujeitas à taxa reduzida de IVA de 8 %, pode encomendar ingredientes adicionais suscetíveis de influenciar estes elementos de modo significativo. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio deverá tomar em consideração o facto de que as bebidas em causa no processo principal apresentam uma diferença térmica que pode afetar sensivelmente as respetivas propriedades, como o sabor e o cheiro.

 51 Segundo, resulta da decisão de reenvio e da formulação da primeira questão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio declarou que os dois tipos de bebidas lácteas em causa no processo principal visam satisfazer uma mesma necessidade de consumo de bebidas não alcoólicas açucaradas.

 52 Terceiro, quanto à questão de saber se as diferenças entre as bebidas lácteas em causa no processo principal podem influenciar decisivamente a escolha do consumidor médio de adquirir uma ou outra dessas bebidas, recorde-se que, a este respeito, há que tomar em consideração as diferenças que dizem respeito às propriedades dos bens ou das prestações de serviços em causa e à respetiva utilização, as quais são, assim, inerentes a esses bens ou a essas prestações de serviços, bem como as diferenças respeitantes ao contexto em que as entregas de bens ou as prestações de serviços são efetuadas (v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2021, Phantasialand, C-406/20, EU:C:2021:720, n.° 41 e jurisprudência referida) 

53 Neste âmbito, há que salientar que as bebidas comercializadas por YD, pelo facto de serem preparadas especificamente a pedido do cliente e entregues quentes, se destinam a ser consumidas imediatamente, quando tal não é necessariamente o caso das bebidas lácteas comercializadas nos estabelecimentos comerciais, sendo que, aliás, o consumidor não tem nenhuma influência na sua composição. Ora, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, afigura-se que esta diferença pode ter uma influência determinante na escolha do consumidor de adquirir uma ou outra destas bebidas, na medida em que essa escolha não é feita nas mesmas condições nem com o mesmo objetivo, e ainda menos se o consumidor puder alterar a composição das primeiras bebidas encomendando ingredientes adicionais.

 54 É nomeadamente à luz dos elementos expostos nos n.ºs 49 a 52, supra, que o órgão jurisdicional de reenvio deverá determinar, primeiro, se as bebidas lácteas em causa no processo principal apresentam propriedades análogas, segundo, se satisfazem as mesmas necessidades do consumidor e, terceiro, se as diferenças entre tais bebidas lácteas exercem uma influência determinante na escolha do consumidor médio de adquirir uma ou outra das referidas bebidas. Importa sublinhar, a este respeito, que basta, nomeadamente, que o terceiro critério não esteja preenchido para que se considere que os bens ou as prestações de serviços em causa não são semelhantes e para que a sua sujeição a taxas reduzidas de IVA diferentes não viole, por conseguinte, o princípio da neutralidade fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2014, K, C-219/13, EU:C:2014:2207, n.° 31).

55 Tendo em conta os fundamentos precedentes, há que responder às questões prejudiciais submetidas que o artigo 98.° da Diretiva IVA, lido em conjugação com o anexo III, pontos 1 e 12-A, da mesma, o artigo 6.° do Regulamento de Execução n.° 282/2011 e o princípio da neutralidade fiscal, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que os géneros alimentícios compostos pelo mesmo ingrediente principal e que respondam à mesma necessidade de um consumidor médio estejam sujeitos a duas taxas reduzidas de IVA diferentes, consoante sejam vendidos a retalho num estabelecimento comercial ou preparados e fornecidos quentes a um cliente, a pedido deste, para consumo imediato, desde que esses géneros alimentícios não apresentem propriedades análogas não obstante o ingrediente principal que têm em comum, ou que as diferenças existentes entre os referidos géneros alimentícios, incluindo os serviços de apoio que acompanham o respetivo fornecimento, influenciem consideravelmente a decisão do consumidor médio de adquirir um ou outro dos referidos produtos.

 

Esta jurisprudência, específica sobre as semelhanças entre bebidas para efeitos de aplicação do princípio da neutralidade no âmbito da fixação de taxas reduzidas de IVA, é extremamente exigente quanto aos requisitos de semelhança necessários para os serviços de fornecimento de bebidas se poderem considerar em situação de concorrência, sendo claro que, à face deste entendimento do TJUE, ao contrário do que se poderia interpretar de decisões anteriores,  não basta que as prestações de serviços de fornecimento de bebidas satisfaçam as mesmas necessidades dos consumidores para se estar perante uma situação em que a distinção de taxas reduzidas viole o princípio da neutralidade.

Na verdade, à face desta jurisprudência, para as prestações serem consideradas análogas é necessário que não haja entre os produtos fornecidos diferenças de sabor, consistência e cheiro (primeiro requisito, indicado nos n.ºs 50 e 54), pelo que  não se verifica o requisito da existência de propriedades análogas quanto a sabor, consistência e cheiro (primeiro requisito, indicado nos n.ºs 50 e 54) entre sumos naturais e néctares de frutos e as outras bebidas referidas, designadamente fornecimento de águas naturais ou produtos de cafetaria em geral, designadamente chá e tisanas frias, café, café com leite, leite com chocolate ou chocolate quente, bebidas de cereais, batidos de fruta e leite. 

Por outro lado, à face das regras da experiência comum, que os árbitros devem aplicar na apreciação dos factos [artigo 16.º, alínea e), do RJAT], as diferenças de sabor, consistência e cheiro entre os sumos naturais e néctares de frutos e as outras bebidas referidas têm potencialidade para exercerem uma influência determinante na escolha do consumidor médio entre adquirir uma daquelas ou uma destas outras referidas bebidas, o que afasta a semelhança à face do referido nos n.ºs 52, 53 e 53 do acórdão citado.

Assim, tendo em mente que, como se refere no n.º 54 basta que «as diferenças entre tais bebidas lácteas exercem uma influência determinante na escolha do consumidor médio de adquirir uma ou outra das referidas bebidas», para que «não esteja preenchido para que se considere que os bens ou as prestações de serviços em causa não são semelhantes e para que a sua sujeição a taxas reduzidas de IVA diferentes não viole, por conseguinte, o princípio da neutralidade fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2014, K, C-219/13, EU:C:2014:2207, n.° 31)», tem de se concluir que não estão preenchidos os requisitos exigidos pelo TJUE para poder afirmar a existência de uma situação de concorrência relevante para este efeito de aplicação de taxas reduzidas de IVA.

Pelo exposto, é de concluir que o princípio da neutralidade não se opõe a que seja dado um tratamento diferente, a nível da taxa de IVA à prestação de serviços de sumos naturais e néctares de frutos e à prestação de serviços de fornecimentos das outras bebidas não excluídas da verba 3.1 da Lista II anexa ao CIVA.

              Nos termos do n.º 4 do artigo 8.º da CRP, «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial previsto nos artigos 19.º,  n.º 3, alínea b) do TUE e 267.º do TFUE, a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).

              Havendo jurisprudência do TJUE não inteiramente coincidente, deverá optar-se por aplicar a mais recente e específica para situações comparabilidade de fornecimento de bebidas, que corresponde à visão actualizada e presumivelmente mais aperfeiçoada de solução da questão.

              Assim, é de concluir que a exclusão dos serviços de fornecimento de sumos naturais e néctares de frutos do âmbito da verba 3.1 da Lista II anexa ao CIVA, não é incompatível com o princípio da neutralidade, pelo que não há obstáculo à aplicação dessa exclusão, que decorre dos termos desta norma.

 

3.3.2. Questão do reenvio prejudicial para o TJUE

 

As Requerentes aventam a possibilidade de efectuar reenvio prejudicial para o TJUE.

              No artigo 19.º, n.º 3, alínea b) e no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia prevê-se o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), que é obrigatório quando uma questão sobre a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno.

No entanto, não é necessário o reenvio quando a questão suscitada não é pertinente ou a disposição do direito da União em causa foi já objecto de interpretação por parte do Tribunal de Justiça ou a correta interpretação do direito da União se impõe com tal evidência que não dá lugar a nenhuma dúvida razoável (Acórdãos de 06-10-1982, Caso Cilfit, Processo 283/81, de 6 de outubro de 2021, C-561/19, n.° 33, e de 22-12-2022, processo n.º C-83/21  n.º 80).

No caso em apreço, a jurisprudência do TJUE citada, designadamente o acórdão de 05-10-2023, processo n.º C-146/22, permite dar uma resposta segura à questão da semelhança de prestações necessária para a existência de uma situação de concorrência entre serviços de fornecimento de bebidas, já que enuncia detalhadamente os critérios a ter em conta.

Por outro lado, a decisão sobre se as diferenças entre os tipos de bebidas têm potencialidade para exercer uma influência determinante na escolha do consumidor médio de adquirir uma ou outra delas, envolve a apreciação de matéria de facto, pelo que é da competência exclusiva dos Tribunais Nacionais, como é jurisprudência uniforme do TJUE (acórdãos de 18 de julho de 2007, Lucchini, C-119/05, n.º 43, e de 26 de maio de 2011, Stichting Natuur en Milieu e o., C-165/09 a C-167/09, n.º 47; de 26 de abril de 2017, Farkas, C-564/15, n.° 37; de  24-03-2022, processo n.º C-245/20, n.º 21).

Por isso, não é permitido o reenvio prejudicial sobre a aplicação à situação de facto dos critérios enunciados pelo TJUE no acórdão de 5 de Outubro de 2023, processo C-146/22.

Termos em que se indefere o pedido de reenvio prejudicial.

 

4. Pedidos de reembolso e juros indemnizatórios

 

Pelo que se expôs, o pedido de pronúncia arbitral tem de ser julgado improcedente quanto ao pedido de anulação parcial das autoliquidações de IVA.

Consequentemente, improcedem também os pedidos de reembolso e juros indemnizatórios que dependem dessa anulação.

 

 5. Decisão        

 

              De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de anulação parcial das autoliquidações de IVA, bem como quanto aos pedidos de devolução de quantias pagas e juros indemnizatórios;
  2. Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira desses pedidos;
  3. Indeferir o pedido de reenvio prejudicial;

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 259.445,10, indicado pelas Requerentes e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.896,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo das Requerentes.

 

Lisboa, 05-03-2025

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

(Fernando Marques Simões)

 

(António Pragal Colaço)

 

 

 



[2] Em "A Repercussão do IVA indevido e o Empobrecimento sem Causa", publicado em Cadernos IVA 2014, páginas 149 e seguintes.

( [3] ) Essencialmente neste sentido, CLOTILDE CELORICO PALMA, Enquadramento das operações financeiras em Imposto sobre o Valor Acrescentado, in Colecção Cadernos IDEFF, n.º 13, [Coimbra], Almedina, 2011, páginas 60-63.