DECISÃO ARBITRAL
A árbitra, Alexandra Gonçalves Marques, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar Tribunal Arbitral, em formação singular, constituído em 20 de Dezembro de 2024, decide o seguinte:
I. Relatório: das partes e do objecto do processo
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Os Requerentes, A..., NIF ... e B..., NIF..., residentes na Rua ... n.º ..., ...-... Cascais, vieram requerer a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante, RJAT), e deduzir pedido de pronúncia arbitral, nos termos que constam da petição inicial apresentada, para apreciar a legalidade do ato de liquidação de IRS n.º 2023 ..., do ano de 2022, no valor total de 31.011,33 Euros, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra ele deduzida, requerendo ainda o reembolso do imposto pago e a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.
Fundamentam o seu pedido do seguinte modo:
Os Requerentes residem em Portugal, tendo o estatuto de “Residente Não Habitual”, desde 2019.
Na declaração de IRS referente ao ano de 2022, os Requerentes declararam (declaração Modelo 3 – quadro 9.2. - do anexo J) rendimentos provenientes da “alienação de partes de capital que tenham por base 50% do valor em imóveis situados no outro Estado”, que identificaram com o código G06, como valor de realização o montante de 113.079,75 €, tendo optado pelo não englobamento.
Na Demonstração da Liquidação de IRS de 2022, a AT considerou o rendimento declarado como sujeito a tributação, à taxa de 28%, o rendimento declarado, do qual resultou o apuramento do imposto a pagar no valor de 31.011,33 €.
No entanto, no entender dos Requerentes, os rendimentos em causa não deveriam ter sido tributados, por estarem abrangidos pelo método da isenção, aplicável (por opção) aos sujeitos passivos detentores do estatuto de “residente não habitual”, nos termos do artigo 81.º, n.º 5 alínea b) do Código do IRS.
Os Requerentes apresentaram reclamação graciosa, a qual foi indeferida.
Concluem requerendo que se julgue procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, que se anule a decisão de indeferimento da reclamação graciosa. Mais requerem a anulação da demonstração de liquidação de IRS n.º 2023 ..., do ano de 2022, com a consequente restituição do imposto indevidamente suportado no montante de 31.011,33 €, bem como a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios e das custas processuais.
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É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”).
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A AT veio apresentar requerimento a informar os autos que, por despacho da Subdirectora‑geral, com data de 19 de Janeiro de 2025, foi revogado o acto impugnado, juntando para o efeito, o mencionado despacho, acompanhado da “Informação” que propôs a sua revogação.
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Da “Informação”, à qual o despacho de revogação adere, consta o seguinte (cf. pontos 17 a 21):
“17. Desta forma, afigura-se-nos estarem reunidas as condições para que a requerente possa beneficiar do método da isenção.
18. Nestes termos, propõe-se a revogação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e a anulação da liquidação contestada.
ii. Dos juros indemnizatórios
19. Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
20. No caso em apreço, foi apurado um montante de IRS superior ao devido, em virtude de um erro imputável à AT.
21. Por este motivo, deve concluir-se que a requerente tem direito ao recebimento de juros indemnizatórios.”.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 10 de Outubro de 2024.
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Em 11 de Outubro de 2024, o pedido foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e, nesse mesmo dia, automaticamente, notificado à AT.
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Em 2 de Dezembro de 2024, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitra, que comunicou a aceitação no prazo aplicável.
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As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, na mesma data, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e e), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
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O Tribunal Arbitral ficou, assim, constituído em 20 de Dezembro de 2024, tendo sido proferido despacho arbitral, com data de 23 de Dezembro de 2024, em cumprimento do disposto no artigo 17.º do RJAT, a notificar a AT para, querendo, apresentar resposta.
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Em 23 de Janeiro de 2025, a AT apresentou requerimento a informar os autos da revogação do acto.
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Em 03 de Fevereiro de 2025, os Requerentes foram notificados para informarem se pretendiam prosseguir com o pedido de pronúncia arbitral, tendo em conta o despacho de revogação do acto de liquidação de IRS n.º 2023..., referente ao ano de 2022.
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Em 11 de Fevereiro de 2025, os Requerentes vieram aos autos informar que:
“tendo sido notificada da revogação por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, da revogação do ato contestado, nomeadamente, o ato de liquidação de IRS n.º 2023 ..., com referência ao Processo n.º 702/2021-T[1], vem pelo presente comunicar que não mantém interesse no prosseguimento do pedido, nos termos previstos no artigo 13.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”.
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
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O processo não enferma de nulidades.
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Da Inutilidade Superveniente da Lide
Considerando que:
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Em 10 de Outubro de 2024, os Requerentes apresentaram pedido de pronúncia arbitral, nos termos que constam da petição inicial apresentada, para apreciar a legalidade do ato de liquidação de IRS n.º 2023..., do ano de 2022, no valor total de 31.011,33 €, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida, requerendo ainda o reembolso do imposto pago e a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios (cf. pedido de constituição de tribunal arbitral).
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Notificada para apresentar Resposta, a AT veio apresentar requerimento, no qual informa os autos que o acto impugnado foi revogado, por despacho da Subdirectora-geral, com data de 19 de Janeiro de 2025 (cfr. documento que acompanhou a resposta da Requerida).
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Da “Informação”, à qual o despacho de revogação adere, consta o seguinte (cf. pontos 17 a 21):
“17. Desta forma, afigura-se-nos estarem reunidas as condições para que a requerente possa beneficiar do método da isenção.
18. Nestes termos, propõe-se a revogação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e a anulação da liquidação contestada.
ii. Dos juros indemnizatórios
19. Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
20. No caso em apreço, foi apurado um montante de IRS superior ao devido, em virtude de um erro imputável à AT.
21. Por este motivo, deve concluir-se que a requerente tem direito ao recebimento de juros
indemnizatórios.”.
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Os Requerentes vieram declarar não ter interesse no prosseguimento do pedido (cf. requerimento de 11 de Fevereiro de 2025).
Cabe concluir, por um lado, que não é juridicamente possível anular o acto impugnado que, por outra via (administrativa) já não existe na ordem jurídica, pois foi anulado administrativamente por despacho proferido pela Subdirectora-Geral, com data de 19 de Janeiro de 2025. Como tal, o juízo acerca da sua ilegalidade que viesse a ser proferido, com a consequente anulação do mesmo, não produziria qualquer efeito útil. Pelo que, não resta outra alternativa senão julgar a presente instância extinta por impossibilidade superveniente da lide.
Por outro lado, constata-se que o resultado pretendido pelos Requerentes com o pedido formulado já foi concretizado, na pendência da lide. Donde, cumpre concluir que a presente instância é supervenientemente, inútil, em termos que conduzem, igualmente, à extinção da lide.
A este respeito pronunciou-se já́ o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 30 de Julho de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 0875/14, no qual referiu que:
“A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277.º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.
Em face do exposto, entende este Tribunal que se verifica a inutilidade superveniente da lide quanto à apreciação da legalidade e consequente anulação do acto tributário impugnado pelos Requerentes, de tal forma que se julga extinta a instância nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º, alínea e), do Código do Processo Civil (doravante “CPC”), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Da responsabilidade por custas
Uma vez que a revogação do acto sindicado nos presentes autos foi efetuada na pendência dos presentes autos, cabe concluir que, quer a impossibilidade, quer a inutilidade da lide, são imputáveis à Requerida, por força do disposto no artigo 536.º, n.º 3 e 4 do CPC, pelo que lhe cabe a responsabilidade pelo pagamento do valor integral das custas.
II. Decisão
Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:
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Julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e) do CPC, aplicável, ex vi, artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
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Condenar a Requerida nas custas do processo, nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, conjugado com o artigo 536.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
III. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em 31.011,33 € (trinta e um mil, onze euros e trinta e três cêntimos), nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
IV. Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 1.836,00 (mil, oitocentos e trinta e seis euros), a pagar pela Requerida, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 28 de Fevereiro de 2025.
A Árbitra,
(Alexandra Gonçalves Marques)
[1] Trata-se de um lapso de escrita, devendo entender-se que os requerentes se referiam ao Processo 1110/2024-T do CAAD.