Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 971/2024-T
Data da decisão: 2025-03-06  IRS  
Valor do pedido: € 24.201,73
Tema: Artigo 13.º n.º 1 e 2 do RJAT; art. 139.º do CIRC; 44.º n.º 2 do CIRS
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SUMÁRIO:

 

  1. A Autoridade Tributária pode corrigir uma liquidação impugnada em sentido favorável ao contribuinte ao abrigo do disposto no artigo 13.º n.º 1º do RJAT.
  2. Comunicada a nova liquidação, no prazo legalmente previsto no processo arbitral, o Requerente tem dez dias para se pronunciar, sob pena de, não o fazendo, o processo prosseguir com a apreciação do ato corrigido – artigo 13.º n.º 2 do RJAT.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

          O árbitro Vasco António Branco Guimarães árbitro singular designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 25-10-2024, decide o seguinte:

         

  1. Relatório

 

A..., NIF..., residente na ..., ..., ..., em Luanda, Angola (de ora em diante Requerente), vem, ao abrigo do estabelecido no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e ao abrigo do disposto no artigo 99.º e seguintes do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT), requerer a constituição de tribunal arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, artigo 15.º e seguintes do RJAT, para PRONÚNCIA ARBITRAL sobre a legalidade dos atos praticados pelo Serviço de Finanças de Lisboa-3, referentes à liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e respetivos juros compensatórios, respeitante ao exercício de 2019 (liquidação n.º 2023..., de 2023-12-16), no valor de EUR 24.201,73 com base nas razões de facto e de direito apresentadas e, em consequência, ser anulados os atos de liquidação de IRS e juros compensatórios em crise, por padecerem de vício de violação da lei, condenando-se a Requerida em juros indemnizatórios e nas custa do processo arbitral.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 19-08-2024.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 07-10-2024 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 25-10-2024.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em 28-11-2024 em que, depois de praticar correção voluntária ao abrigo do artigo 13.º, n.º 1 do RJAT, já inserido na Resposta, analisou todo o processo e concluiu, caso não fosse aceite a nova liquidação corretiva proposta, pela improcedência do pedido por violação do mecanismo previsto no n.º 7 do artigo 139º do IRC que é condição necessária para a aceitação de um valor de alienação inferior ao valor patrimonial atribuído a um imóvel.

Por despacho de 14-01-2025, foi decidido não realizar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e dispensar as Alegações das Partes.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados:

 Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:

  1. O Requerente, A..., NIF..., é residente na ..., ..., ..., em Luanda, Angola e adquiriu em 2003 um imóvel que alienou em 2018 da sua titularidade e registo , designadamente a fração autónoma designada pela letra “B” situado na Rua ..., n.º ... e...,  ...,  ..., correspondente ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..., inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ..., freguesia de ..., com o valor patrimonial tributário de 197.620,50€.
  2. O bem imóvel em questão foi adquirido, em 20-07-2003, pelo Requerente pelo preço de 100.000,00€ (cem mil euros).
  3. A alienação onerosa teve lugar por Escritura de Compra e Venda e Assunção de Dívida outorgada perante Notário, no dia 25-10-2019, pelo preço declarado de 60.767,00€ (sessenta mil setecentos e sessenta e sete euros), pago mediante a assunção de dívidas do Requerente pelo Adquirente, de igual montante;
  4. O valor matricial inscrito do imóvel acima referido era, há data da alienação de EUR 197.620,50.
  5. O Requerente não utilizou no prazo legal, o mecanismo previsto no n.º 7 do artigo 139.º do CIRC para demonstrar que o valor declarado na escritura de venda acima referida era o preço real.
  6. O Requerente reclamou graciosamente e impugnou nos prazos legais.
  7. A Requerida fez ao abrigo do artigo 13.º do RJAT uma liquidação corretiva em que utiliza os valores atualizados do imóvel sendo de EUR100.000,00 como valor de aquisição e EUR197.620,50 o valor mínimo de venda (realização) por aplicação do n.º 1 do artigo 12.º do CIMT e n.º 2 do artigo 44.º do Código do IRS.

 

  1. Factos não provados.

 

Não têm relevância para a prova outros factos constantes do processo por corresponderem a erros do contribuinte Requerente ou da Requerida, entretanto corrigidos pela liquidação corretiva promovida pela AT ao abrigo do artigo 13.º n.º 1 do RJAT comunicada ao processo e invocada na Resposta como exceção.

 

  1. Fundamentação da fixação da matéria de facto:

 

Os factos provados baseiam-se nos articulados e documentos juntos pela Requerente e Requerida.

O tribunal tem o dever de selecionar os factos relevantes para a boa decisão da causa não tendo a obrigação de os relevar todos, nomeadamente quando configuram erros declarativos das Partes sem adesão à realidade.

Não se retiram outros factos relevantes dos articulados por serem citações de textos legais, acórdãos ou posições de parte sem conteúdo fáctico ou com argumentação fáctica não provada.

 

  1. Matéria de direito

 

As questões de mérito que são objeto deste processo são:

 

  1. Saber se a Requerida pode rever oficiosamente as liquidações em IRS do Requerente do ano de 2019.
  2. Relevar o efeito da não pronúncia do Requerente feita pela AT ao abrigo do n.º 2 do artigo 13.º do RJAT.
  3. Saber se a Requerida pode aceitar os valores declarados nas escrituras abaixo do valor patrimonial do imóvel alienado face aos elementos constantes das escrituras notariais sem cumprimento do disposto no n.º 7 do artigo 139.º do CIRC.

 

3.1. Posições das Partes

 

O Requerente defende em resumo:

 

  1. Das operações de compra e venda do imóvel efetuadas teve uma menos-valia provada por documento notarial.

 

A Requerida defende:

 

b.       Reanalisou e corrigiu a liquidação de acordo com o disposto nas normas aplicáveis nomeadamente o artigo 13.º n.º 1 do RJAT;

c. Não pode aplicar ao valor de venda (realização) do imóvel em 2019 o valor declarado na escritura porque a norma exige que seja aplicado o maior dos valores do confronto entre o valor patrimonial e o declarado na escritura: artigo 44.º n.º 2 do CIRS e 12.º n.º 2 do CIMT.

 

  1. Saneamento do processo:

 

O objeto inicial da impugnação em análise é a apreciação da legalidade da liquidação adicional corretiva com a referência liquidação n.º 2023..., de 2023-12-16, no valor de EUR 24.201,73.

O processo de impugnação contenciosa tem como objeto aferir se os pressupostos de facto e de Direito foram respeitados e a liquidação não enforma de um qualquer vício que determine a sua anulação por erro.

A Requerida cumpriu os deveres impostos por lei inerentes às situações de aquisição e venda de imóveis constantes do CIMT tendo corrigido a liquidação nos termos em que tal é possível com os valores que a lei exige aplicar sem o recurso ao disposto no artigo 139.º do CIRC que, como resulta provado, não foi exercido pelo Requerente do PPA.   

A Autoridade Tributária após verificação, inspeção ou auditoria pode proceder à correção das declarações fiscais emitidas e liquidadas e pagas pelos Sujeitos Passivos que se presumem corretas e verdadeiras – artigo 75.º da LGT.

Para proceder à correção dos valores de transmissão abaixo dos valores inscritos na matriz necessita de participar no procedimento de verificação e prova previsto no artigo 139.º do CIRC por ser a forma encontrada pelo legislador de evitar práticas abusivas.

No caso, não resultou provado pelo Requerente que fossem reais os valores de alienação constantes da escritura de venda do imóvel, o que só poderia ser feito através do processo específico, previsto e regulado no artigo 139.º do CIRC.

Ao corrigir a liquidação ao abrigo do artigo 13.º n.º 1 do RJAT e tendo procedido à comunicação exigida pelo n.º 2 do artigo 13.º do RJAT, sem que o Requerente se tivesse pronunciado, o processo prossegue em relação à nova liquidação apresentada no processo.

 

  1. Apreciação da questão.

 

Dos factos provados e da apreciação feita resulta que, a correção feita pela Requerida à liquidação dissidente no prazo legal e reproduzida na Resposta, ao abrigo do artigo 13.º n.º 1 e 2 do RJAT é a que expressa com rigor a aplicação das normas aplicáveis ao caso em apreço na ausência do processo previsto no artigo 139.º do CIRC pelo que deverá ser aquela que deverá subsistir na ordem jurídica.

 

O Requerente pediu juros indemnizatórios, mas a liquidação correta foi a efetuada pela Requerida ao abrigo do artigo 13.º n.º 1 do RJAT, devidamente comunicado ao processo ao abrigo do n.º 2 do mesmo artigo, não tendo havido pronúncia por parte do Requerente à notificação efetuada.

 

Resulta dos autos que o Requerente não pagou a dívida tributária pelo que não lhe são devidos juros indemnizatórios.

 

Dispõe o artigo 43.º da LGT que:

 

 Artigo 43.º n.º 1:

 

1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

A atribuição dos juros resulta diretamente da norma e do princípio constantes do artigo 100.º da LGT que dispõe:

 

1 - A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.

2 - No procedimento tributário, a reconstituição da situação através da reposição da legalidade deve ser executada no prazo de 60 dias.

 

  1. III – Questões prejudicadas

 

Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil (art. 608º do CPC, ex vi art. 29º, 1, c) e e) do RJAT).

 

 

5.       Decisão.

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente a exceção de correção voluntária da liquidação promovida pela Requerida ao abrigo do artigo 13.º n.º 1 do RJAT, reconhecendo em consequência como anulada pela Requerida a liquidação impugnada acima identificada n.º 2023..., de 2023-12-16, no valor de EUR 24.201,73, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira e julgando a instância extinta por inutilidade superveniente da lide – artigo 277.º alínea c) do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 29.º do RJAT.

 

A Requerida não está obrigada ao pagamento de juros indemnizatórios por ausência de pagamento da dívida tributária.

 

Fixo o valor do processo em EUR 24.201,73 (vinte e quatro mil, duzentos e um Euro e setenta e três cêntimos).

 

Custas: A liquidação corretiva efetuada voluntariamente pela Requerida beneficia o Requerente de forma relevante. Nestes termos entende-se que as custas do processo deverão ser repartidas em partes iguais pelo Requerente e Requerida.

Custas repartidas a 50% por cada interveniente nos termos do artigo 97.º -A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, sendo o montante global fixado em EUR 1530,00.

 

 

Registe e Notifique.

 

 

Lisboa, 06 de março de 2025

 

 

 

O Árbitro

 

 

 

(Vasco Branco Guimarães)