SUMÁRIO:
I - É comummente aceite que quando os lucros distribuídos ou adiantamento por conta de lucros são devidamente escriturados, estamos perante um rendimento sujeito a impostos sobre o rendimento das pessoas singulares. Porém, o mesmo não acontece quanto uma parte do património das sociedades é afetado ou onerado, por contrapartida da transferência duma parte deste, de modo permanente e definitivo, para a esfera jurídica de um associado ou titular, sem que às mesmas operações lhes sejam dados os qualificativos de "lucros distribuídos" ou “adiantamentos por conta dos lucros”.
II – Tal exclusão de tributação não se verifica, contudo, quando os montantes, que deviam ter sido reconhecidos como proveitos das sociedades, acabam por não ser registados nas contabilidades destas e vão acrescer ao património individual dos respetivos associados ou titulares e, ainda, quando o registo, apesar de efetuado na contabilidade da sociedade, não foi relevado numa conta de proveitos, mas sim numa qualquer conta de passivo que confira ao associado ou titular o direito de, como qualquer normal credor, vir a exercer a respetiva exigibilidade.
III – No caso em análise, é manifesto ter havido deslocação de valores da esfera patrimonial da sociedade para os sócios, nos termos assinalados no RIT, onde se faz correta subsunção dos factos ao direito aplicável.
ACÓRDÃO ARBITRAL
Os árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins (Presidente), Ricardo Gomes Pedro e A. Sérgio de Matos (vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
1RELATÓRIO
1. A... Unipessoal, Lda, contribuinte nº..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... ..., e melhor identificada no pedido de constituição de Tribunal Arbitral que antecede, veio, em conformidade com o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante sob o acrónimo “RJAT”, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20.01, com as alterações decorrentes da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, apresentar PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA, ao abrigo do disposto da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, com vista à declaração da ilegalidade das liquidações n.º 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., que junta e dá por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais e ainda a verificação das ilegalidades cometidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira no decurso do procedimento de inspecção, cuja vinculação se encontra cometida à Autoridade Tributária e Aduaneira em conformidade com a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, em 22.07.2024, e automaticamente notificado à Requerida.
A requerente peticionou, nos termos do disposto no artigo 268º da Lei 82/2023 de 29 de Dezembro (lei do orçamento de estado), a desistência da instância no âmbito processo que correu termos sob o numero 825/21.3BEPNF no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, visando a apresentação do presente pedido de pronuncia arbitral e solicitando a emissão da competente certidão que visa instruir este pedido.
Tal decisão foi proferida em 13 de abril de 2024 foi emitida decisão que julga extinta a instância e a final, foi ordenada a emissão da certidão judicial electrónica nos termos previstos no artigo 268º n.º 3 da Lei 82/2023 de 29 de dezembro.
E por força do respetivo transito em julgado, veio a certidão, que se anexa, a ser emitida em 27 de Junho de 2024 (doc 1, em anexo).
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os três árbitros do tribunal arbitral coletivo, no dia 09.09.2024.
4. As partes foram devidamente notificadas dessa nomeação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do art. 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos art.s 6.º e 7.º do Código Deontológico e, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 27.09.2024.
5.A AT, tendo para o efeito sido devidamente notificada, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, apresentou a sua resposta, em 28.10.2024, onde por impugnação, sustentou a improcedência, respetivamente, da instância e do pedido, por não provado, e a absolvição da Requerida.
6. Foi realizada audiência de inquirição de testemunhas no dia 27.01.2025, tendo na sequência as partes apresentado alegações.
1.1Dos factos alegados pela Requerente
7. A requerente peticionou, nos termos do disposto no artigo 268º da Lei 82/2023 de 29 de Dezembro (lei do orçamento de estado), a desistência da instância no âmbito processo que correu termos sob o numero 825/21.3BEPNF no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, visando a apresentação do presente pedido de pronuncia arbitral e solicitando a emissão da competente certidão que visa instruir este pedido.
8. Tal decisão foi proferida em 13 de abril de 2024 foi emitida decisão que julga extinta a instância e a final, foi ordenada a emissão da certidão judicial electrónica nos termos previstos no artigo 268º n.º 3 da Lei 82/2023 de 29 de dezembro.
E por força do respetivo transito em julgado, veio a certidão, que se anexa, a ser emitida em 27 de Junho de 2024 (doc 1, em anexo).
9. Tendo a requerente sido notificada do envio da certidão emitida pelo TAF de Penafiel, em 30 de junho de 2024, apresentado nesta data o presente pedido de pronuncia arbitral é rigorosamente TEMPESTIVO.
10. Sendo juridicamente afectado pela decisão de indeferimento do recurso Hierárquico na génese do mesmo, pois os efeitos da liquidação subjacente projectam-se no seu património, tem a Impugnante interesse pessoal, directo e legítimo na presente Impugnação Judicial, assistindo-lhe por tal facto, LEGITIMIDADE para a respectiva interposição.
11. Por outro lado, o contribuinte continua a sustentar que as liquidações adicionais objecto de Impugnação enfermam de vício de lei, não se encontrando a decisão de indeferimento, devidamente sustentada e fundamentada, agindo a Autoridade Tributária (AT) com ILEGALIDADE.
1.2Argumentos das partes
12. O Requerente sustenta a ilegalidade das liquidações acima mencionadas com os argumentos de facto e de direito que a seguir se sintetizam:
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O relatório de Inspeção Tributária que origina a liquidação propõe a realização de correções técnicas á matéria tributável em sede de IRS - RF relativa aos anos de 2015, 2016, 2017 e 2019.
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O procedimento inspetivo que lhe deu origem nas ordens de serviço OI2018..., OI2018..., OI 2018..., OI2018... e OI2019..., relativamente aos exercícios de 2014, 2015, 2016 e 2017 e com uma alteração posterior de âmbito parcial relativa ao período de fevereiro de 2019, em sede de IRS – RF.
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Antes de mais, cumpre dizer que a decisão relativa ao recurso hierárquico em nada responde às questões/argumentação avançada pelo SP, respondendo com grande ligeireza e sem qualquer tipo de fundamentação efectiva à argumentação apresentada, sendo certo que insiste na apreciação dos factos sempre muito centrada na perspetiva da inspeção Tributária realizada à empresa B... e não a concretos indícios, devidamente fundamentados, na atuação da Impugnante, como seria seu dever.
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Foi ainda entendimento da AT no relatório subjacente às liquidações reclamadas que os empréstimos ao sócio C..., realizados entre os anos de 2014 e 2019, devidamente discriminados no relatório e para o qual se remete por razões de economia processual, constituem não verdadeiros empréstimos, mas sim distribuição de lucros/adiantamentos por conta de lucros ao sócio.
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O que teria como consequência a obrigatoriedade de ser efetuada a retenção na fonte do imposto (IRS) correspondente.
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Contudo, todos estes empréstimos ao sócio encontram-se devidamente documentados por declarações de dívida e acordos de pagamento já juntos aos autos, pelo que, não deveria suscitar qualquer dúvida a natureza de empréstimo das quantias entregues ao sócio.
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Note-se que eram documentos já existentes na contabilidade da empresa e não documentos arranjados posteriormente.
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Em razão dos contratos subscritos, o sócio assumiu o dever de proceder à restituição dos montantes nas datas convencionadas.
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Ora, numa atitude verdadeiramente surreal, vem o relatório pôr em causa estes contratos, alegando vícios de forma dos mesmos.
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Invocando, designadamente a nulidade dos mesmos por ausência de escritura pública e consequente violação do art.º 1143º do Código Civil, argumentação que é mantida agora em sede de recurso hierárquico.
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Ora, esquece a AT que a eventual nulidade destes contratos deverá ser invocada pelas partes interessadas e não por terceiros (como aqui é o caso da AT).
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Ou que, no limite, a verificação da nulidade dos contratos, por vício de forma, terá as consequências do disposto no art.º 220 e 289 n.º 1 do Código Civil, sendo que este último prevê que: Artigo 289.º “1. Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.”.
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Ou seja, além de ter que ser verificada a nulidade do contrato por vício de forma (que não cabe à AT) ,a verificação da mesma implica que as partes restituam tudo o que foi prestado (caso seja possível).
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Ou seja, os efeitos da nulidade de forma alguma se podem confundir com os da simulação, como parece indiciar a posição assumida em todo este processo e agora mantida em sede de recurso hierárquico.
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Assim, ainda que se verifique a nulidade dos contratos de mútuo, o máximo que pode ser exigido é a reposição da situação anterior, ou seja, a restituição do dinheiro mutuado.
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Pelo que, no máximo, admitindo que a AT teria legitimidade para questionar a forma do referido negócio, deveria neste caso ser intimado o sócio para proceder à restituição do montante mutuado.
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O que nunca aconteceu.
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Restituição essa cujos termos poderiam e deveriam passar por um acordo entre as partes e não por uma decisão unilateral e ilegal da AT.
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Numa matéria para a qual não possui qualquer legitimidade.
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Existe, no caso concreto, uma clara violação do princípio da prevalência da substância sobre a forma, por parte da AT, já que, vinculando-se à forma do contrato, esquece por completo a substância do mesmo.
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Em todo o caso, e pese embora a ilegalidade da decisão tomada no relatório subjacente às liquidações, para que não se suscitem dúvidas, o sócio procedeu à restituição integral da quantia mutuada, conforme já documentou no processo administrativo, cuja junção aos presentes autos deve ser ordenada.
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Estando a quantia mutuada integralmente nas contas da sociedade.
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Apesar da posição absurda constante do relatório e apesar de não se concordar minimamente com a tal entendimento, ao proceder à restituição integral da quantia mutuada, deixa de subsistir qualquer fundamento para o entendimento da AT e consequente correção à matéria tributável e, mais ainda, para a obrigação de retenção na fonte de qualquer montante, que nunca foi devido.
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Pelo que, face à inexistência de qualquer adiantamento por conta de lucros, não há lugar a qualquer tipo de retenção na fonte em sede de IRS.
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E, consequentemente, não há lugar às liquidações agora impugnadas, pelo que deve ser ordenada a sua anulação/revogação.
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Um outro argumento agora utilizado em sede de decisão do recurso hierárquico, para o seu indeferimento, é a referência a uma cláusula no contrato de arrendamento do armazém, celebrado entre o SP e sócio, onde consta a existência de uma caução prestada pela A... .
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E com a conclusão por parte da AT de que, com esta cláusula estava afastada a intenção de amortização do empréstimo.
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Ora, dado que o sócio já pagou à sociedade a totalidade do dinheiro, esta teoria cai, de imediato, por terra.
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Em todo o caso, não se percebe como é que uma caução, prestada pela arrendatária/SP, seria a demonstração de que não havia intenção de amortização do empréstimo.
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Dado que, o devedor é precisamente o senhorio.
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Que no limite poderia amortizar o crédito com o valor das rendas.
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Com a vantagem acrescida para a AT já que desta forma ainda cobrava o imposto sobre o valor dessas mesmas rendas.
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Em todo o caso, e como se disse, esta questão deixa de se colocar uma vez que o sócio já amortizou a totalidade do empréstimo.
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Em face do que supra se expõe, não restam dúvidas acerca da inexistência de elementos válidos que sustentem a versão da AT e que está subjacente ao Relatório de Inspeção Tributária que suporta as liquidações de IRS - RF em crise nestes autos e objeto da presente impugnação.
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Cremos, em suma, que existe ilegalidade da atuação da AT por violação do artigo 74º n.º 1 e 75º da LGT.
13. A AT defende a manutenção do ato impugnado com base nos fundamentos sinteticamente elencados:
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O pedido e respetivos fundamentos de facto e de direito em apreço, nos presentes autos, foi objeto de Contestação no Processo de Impugnação que antecedeu o presente PPA e, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal.
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Desta forma, porque se mantém atual e articulada, remete-se na presente Resposta, para a Contestação antes apresentada e, a fls. 23 e ss. do Ficheiro junto como PAT, que se dá como integralmente reproduzida, para todos os efeitos legais, como parte da presente Resposta, escusando-nos, ao abrigo do princípio da economia processual a repetir o ali já feito constar.
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A informação do Serviço de Finanças de ... (art.111.º, nº 2, al. b) do CPPT), ínsita no processo administrativo-tributário (PAT) elaborado nos termos do art. 111º do CPPT, que se anexa (a fls. 157 e ss. do ficheiro do PAT);
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O Relatório de Inspeção Tributária – OI2018..., OI2018..., OI2018..., OI2018... e OI2019... (a fls. 42 e ss do ficheiro do PAT);
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A informação dos Serviços elaborada em sede do procedimento de Reclamação Graciosa nº ...2020... (cfr., em especial, informações e despachos de 113 e ss. do ficheiro do PAT) e;
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A informação dos Serviços elaborada em sede do procedimento de Recurso Hierárquico nº ...2020... (cfr., em especial, informações e despachos de fls 136 e ss. do ficheiro do PAT).
1.3. Saneamento
14. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos n.º 1 do artigo 10.º do RJAT e as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade processual e mostram-se devidamente representadas.
15. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º do RJAT), e é materialmente competente (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), de acordo com os fundamentos infra.
16. O processo não padece de nulidades podendo prosseguir-se para a decisão sobre o mérito da causa.
2FUNDAMENTAÇÃO
2.1Factos dados como provados
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O relatório de Inspeção Tributária que origina a liquidação propõe a realização de correções técnicas à matéria tributável em sede de IRS - RF relativa aos anos de 2015, 2016, 2017 e 2019.
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O procedimento inspetivo que lhe deu origem nas ordens de serviço OI2018..., OI2018..., OI2018..., OI2018... e OI2019..., relativamente aos exercícios de 2014, 2015, 2016 e 2017 e com uma alteração posterior de âmbito parcial relativa ao período de fevereiro de 2019, em sede de IRS – RF.
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A informação do Serviço de Finanças de ... (art. 111.º, nº 2, al. b) do CPPT), ínsita no processo administrativo-tributário (PAT) elaborado nos termos do art. 111º do CPPT, que se anexa (a fls. 157 e ss. do ficheiro do PAT);
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O Relatório de Inspeção Tributária – OI2018..., OI2018..., OI2018..., OI2018... e OI2019... (a fls. 42 e ss do ficheiro do PAT);
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A informação dos Serviços elaborada em sede do procedimento de Reclamação Graciosa nº ...2020... (cfr., em especial, informações e despachos de 113 e ss. do ficheiro do PAT) e;
-
A informação dos Serviços elaborada em sede do procedimento de Recurso Hierárquico nº ...2020... (cfr., em especial, informações e despachos de fls 136 e ss. do ficheiro do PAT).
2.2Factos não provados
18. Com relevo para a decisão do caso em juízo, não existem factos dados como não provados.
2.3Motivação
19. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada (cf. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
20. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões objeto do litígio (v. 596.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
2.4Questão decidenda
21. Está em causa no presente processo a discussão do entendimento da AT no relatório subjacente às liquidações reclamadas que os empréstimos ao sócio C..., realizados entre os anos de 2014 e 2019, devidamente discriminados no relatório e para o qual se remete por razões de economia processual, constituem não verdadeiros empréstimos, mas sim distribuição de lucros/adiantamentos por conta de lucros ao sócio. O que teria como consequência a obrigatoriedade de ser efetuada a retenção na fonte do imposto (IRS) correspondente.
22. Assim, a questão que desde logo se suscita é a que se prende com a qualificação dos valores em causa como rendimentos de capitais, para efeitos de IRS.
23. Assim, salienta-se que a norma geral de incidência desta categoria de rendimentos – Categoria E – consta do artigo 5.º do respetivo Código, cujo n.º 1 dispõe que:
“Artigo 5.º - Rendimentos da categoria E –
1 – Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.
24. Segundo o n.º 2 do mesmo artigo:
“2 – Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente: [...]
h) Os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º”
25. Estes rendimentos são sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, à taxa de 28% [cfr. CIRS, art. 71.º, n.º 1, al. a)], operando esta no momento da colocação dos rendimentos à disposição dos respetivos titulares [cfr. CIRS, art. 7.º, n.º 3, alínea a)], deve ser efetuada pela entidade devedora deste tipo de rendimentos [cfr. CIRC, art. 101.º, n.º 2, al. a)].
26. Face ao quadro legal acima sumariado e revertendo à concreta a situação em análise, suscita-se, desde logo, a questão de saber se a norma de incidência contida na alínea h) do n.º 2, do Código do IRS, exige que, do ponto de vista contabilístico, a realidade ali prevista seja escriturada como “adiantamento por conta de lucros” ou se aquela se mostra preenchida sempre que existam indícios concretos de que a retirada de valores por parte dos sócios traduz tal realidade.
No caso em concreto, ficou provada na audiência que a Requerente encontrou uma solução de recurso a contratos de empréstimo, por sugestão de um “advogado amigo”, o que é de censurar por este Tribunal, sem prejuízo de eventuais outras consequências jurídicas que possam advir desta opção e que não compete a este Coletivo tomar posição ou decisão jurídica.
27. Invoque-se aliás que tem esta questão sido abordada pela jurisprudência dos Tribunais Superiores. Como se afirma no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 07-07-2016, proferido no processo n.º 00446/11BEBRG “(...) a norma do artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS não exige a escrituração formal dessa realidade como pressuposto de incidência, mesmo porque "deixar ao critério do sujeito passivo a "classificação" como adiantamento por conta de lucros, de realidades da vida corrente das sociedades comerciais, que constituem verdadeiros desvios de fundos em proveito dos sócios, seria frustrar o interesse público do Estado na arrecadação de impostos e no combate à fraude e evasão fiscais e permitir que ficassem por tributar verdadeiros incrementos patrimoniais dos sócios”.
28. É comummente aceite que quando os lucros distribuídos ou adiantamento por conta de lucros são devidamente escriturados, estamos perante um rendimento sujeito a impostos sobre o rendimento das pessoas singulares. Porém, o mesmo não acontece quanto uma parte do património das sociedades é afetado ou onerado, por contrapartida da transferência duma parte deste, de modo permanente e definitivo, para a esfera jurídica de um associado ou titular, sem que às mesmas operações lhes sejam dados os qualificativos de "lucros distribuídos" ou “adiantamentos por conta dos lucros”.
Tal exclusão de tributação não se verifica, contudo, quando os montantes, que deviam ter sido reconhecidos como proveitos das sociedades, acabam por não ser registados nas contabilidades destas e vão acrescer ao património individual dos respetivos associados ou titulares e, ainda, quando o registo, apesar de efetuado na contabilidade da sociedade, não foi relevado numa conta de proveitos, mas sim numa qualquer conta de passivo que confira ao associado ou titular o direito de, como qualquer normal credor, vir a exercer a respetiva exigibilidade.
29. No caso em análise, é manifesto ter havido deslocação de valores da esfera patrimonial da sociedade para os sócios, nos termos assinalados no RIT, onde se faz correta subsunção dos factos ao direito aplicável.
Conforme decorre do texto da norma do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), o facto tributário é a colocação à disposição dos associados de lucros ou adiantamentos por conta de lucros.
Assim, a mera saída de dinheiro da sociedade ou a falta de entrega à sociedade de quantias que lhe deviam ser entregues sem a prática de qualquer ato pela sociedade, que permita concluir que não houve transferência para os sócios do poder de disporem desses meios pecuniários, configura colocação à disposição dos associados para efeitos da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS.
30. Aderindo, sem reservas, ao entendimento acima explanado, e revertendo à situação em análise, constata-se, dos elementos factuais trazidos ao processo e dados como provados, que a retirada de valores do património da sociedade para a esfera do sócio C..., realizados entre os anos de 2014 e 2019, devidamente discriminados no relatório e para o qual se remete por razões de economia processual, constituem não verdadeiros empréstimos, mas sim distribuição de lucros/adiantamentos por conta de lucros ao sócio.
31. Como bem se assinala no RIT, é com a referida deliberação, e consequente lançamento contabilístico, que a sociedade decidiu transferir as importâncias em causa para a disponibilidade dos sócios. Nos termos da legislação aplicável, é esse o facto e o momento em que se configura a obrigação de retenção na fonte por parte da entidade devedora do rendimento, pelo que o presente pedido deve improceder na sua totalidade.
3DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
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Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado;
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Condenar a Requerente no pagamento das custas deste processo atento o decaimento.
4VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 116.108,01, nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do CPC e do 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, interpretados em conformidade com o artigo 10.º, n.º 2, alínea e), do RJAT.
5CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, a cargo da Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.
Notifique-se.
Lisboa, 22 de março de 2025
Os Árbitros
Guilherme W. d'Oliveira Martins
(Presidente)
Ricardo Gomes Pedro
(Vogal)
A. Sérgio de Matos
(Vogal)