Sumário:
O Tribunal Arbitral é incompetente para julgar um processo cujo objeto é uma liquidação oficiosa de IRS emitida a um sujeito passivo com residência na Região Autónoma da Madeira, em virtude da falta de vinculação do Governo Regional da Madeira e da Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa.
DECISÃO ARBITRAL
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Relatório
A..., titular do número de identificação fiscal (“NIF”) ... e residente na ..., n.º ..., ...-... Funchal (“Requerente”), notificado da liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 2021 e correspondentes juros compensatórios, apresentou, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”), pedido de pronúncia arbitral sobre a ilegalidade das referidas liquidações e o decretamento da sua anulação.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).
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Constituição do Tribunal Arbitral
O pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”).
Pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD foi comunicada a constituição do presente tribunal arbitral coletivo em 09-09-2024, nos termos da alínea c) do número 1, do artigo 11.º do RJAT.
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História Processual
No pedido de pronúncia arbitral o Requerente pede a anulação da liquidação adicional de IRS do ano de 2021, com todas as legais consequências.
Como fundamento da sua pretensão, o Requerente alega, em suma, a preterição de formalidades legais no procedimento inspetivo, por errónea qualificação e quantificação dos factos tributários, bem como por dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário por erro nos pressupostos de facto e de direito, bem como por omissão de fundamentação e violação do princípio da capacidade contributiva. Considera o Requerente que a liquidação em crise resultou de um procedimento inspetivo que assumiu equivocamente a natureza interna, porquanto a Requerida dirigiu-se ao domicílio do Requerente e solicitou o processo de documentação fiscal relativa a esse ano e, com efeito, entende o Requerente que a Requerida preteriu a notificação prévia prevista no artigo 49.º, n.º 1, do RCPITA. Ademais, a Requerente invoca que a Requerida não logrou provar, nos termos do artigo 52.º, n.º 1, do Código do IRS, a divergência entre o valor declarado e o valor real das participações sociais alienadas. Por fim, alega a falta de fundamentação do ato tributário, bem como a violação do princípio da capacidade contributiva.
Foi proferido despacho arbitral, tendo em vista a notificação do dirigente máximo do serviço da administração tributária para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.
A Requerida apresentou a sua resposta, tendo aí alegado, por exceção, que o IRS, constitui receita fiscal da Região Autónoma da Madeira, conforme decorre da norma do artigo 112.º, n.º 1 alínea a), da Lei n.º 130/99, de 1999-08-21, (“Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira”). Por seu turno, salienta a atribuição da receita fiscal do IRS à Região Autónoma da Madeira (“RAM”), relativa às pessoas singulares que sejam consideradas fiscalmente residentes em cada região, independentemente do local em que exerçam a respetiva atividade, de acordo com o preceito estipulado no artigo 25.º, alínea a), da Lei das Finanças das Regiões Autónomas (“LFRA”) e da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2013-09-02, (“LO”). Conclui a Requerida pela incompetência do presente Tribunal Arbitral para apreciar o presente pedido em virtude da vinculação e correspondente competência dos tribunais arbitrais vincular apenas a AT, único serviço do Ministério das Finanças vinculado, já que o Ministério das Finanças integra a AT, mas não integra a Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira (“AT-RAM”). Por outro lado, defende a Requerida, por exceção, que o procedimento inspetivo não enferma de qualquer vício formal que afete a liquidação em crise.
Concluiu a Requerida dever proceder a exceção invocada e a Requerida ser absolvida da instância e, na hipótese de assim não vir a ser entendido, ser a presente ação julgada improcedente, por não provada, e ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 2021 e correspondentes juros compensatórios.
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Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
A alegada incompetência do Tribunal Arbitral irá ser decidida após a fixação da matéria de facto dada como provada e não provada.
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Matéria de facto
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Matéria de Facto Provada
Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
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O Requerente tem a sua residência fiscal na RAM;
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Em 13-07-2021, o Requerente alienou participações sociais na sociedade B... Lda. (“B...”), sociedade com o NIF...;
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Em 15-07-2021, o Requerente alienou participações sociais na sociedade C..., Lda. (“C...”), sociedade com o NIF ...;
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O Requerente entregou a sua declaração modelo 3 de IRS, para o ano de 2021, acompanhada do respetivo anexo G, onde declarou no quadro 9 a venda das participações sociais nas sociedades B... e C... ocorridas em 2021;
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Em 26-01-2024, o sujeito passivo foi notificado para apresentar os documentos comprovativos da aquisição e venda das aludidas participações sociais;
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O Requerente respondeu juntando documentos comprovativos dos valores declarados na sua declaração modelo 3 de IRS, para o ano de 2021;
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O Requerida não aceitou os valores declarados pelo Requerente procedendo à respetiva correção dos aludidos valores e à emissão da liquidação adicional de IRS impugnada.
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Matéria de Facto Não Provada
Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.
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Motivação da Decisão da Matéria de Facto
Conforme resulta da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT, ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes.
Desta forma, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos anteriormente elencados.
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Das exceções
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD está prevista no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que enuncia os critérios de competência material estabelecendo o seguinte:
«1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;
c) (Revogada)»
Por outro lado, o artigo 4.º n.º 1 do RJAT estabelece que «A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.»
Os artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março, estabelecem o seguinte:
«Artigo 1.º Vinculação ao CAAD
Pela presente portaria vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no CAAD - Centro de Arbitragem Administrativa os seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública:
a) A Direcção-Geral dos Impostos (DGCI);
b) A Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC).
Artigo 2.º Objecto da vinculação
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;
e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.»
O Decreto-Lei nº. 118/2011, de 15 de dezembro aprovou a estrutura orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira, que resulta da fusão da Direcção-Geral dos Impostos (“DGCI”), da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (“DGAIEC”) e da Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros (“DGITA”).
Por força do artigo 12.º n.º 2 do referido diploma, as referências feitas à DGCI e DGAIEC no artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 consideram-se feitas à Autoridade Tributária e Aduaneira.
O Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira determina no seu artigo 107.º que: «1 - A Região Autónoma da Madeira exerce poder tributário próprio, nos termos deste Estatuto e da lei.
2 - A Região tem ainda o poder de adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais nos termos da lei.
3 - A Região dispõe, nos termos do Estatuto e da lei, das receitas fiscais nela cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efectiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhe sejam atribuídas e afecta-as às suas despesas.
4 - O sistema fiscal regional será estruturado por forma a assegurar a correcção das desigualdades derivadas da insularidade, a justa repartição da riqueza e dos rendimentos e a concretização de uma política de desenvolvimento económico e de justiça social.»
Nos termos do artigo 108.º alínea b) do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira acima, «Constituem receitas da Região: (…) Todos os impostos, taxas, multas, coimas e adicionais cobrados ou gerados no seu território, incluindo o imposto do selo, os direitos aduaneiros e demais imposições cobradas pela alfândega, nomeadamente impostos e diferenciais de preços sobre a gasolina e outros derivados do petróleo. (…)»
Acrescentando o artigo 112.º n.º 1 al. a) do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira que: «São receitas fiscais da Região, nos termos da lei, as relativas ou que resultem, nomeadamente, dos seguintes impostos: a) Do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares;».
E o disposto no artigo 25.º n.º 1 alínea a) da LFRA, aprovada pela LO que determina que: «Constitui receita de cada região autónoma o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS):
a) Devido por pessoas singulares consideradas fiscalmente residentes em cada região, independentemente do local em que exerçam a respetiva atividade;»
O artigo 140.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira disciplina as competências administrativas regionais nos seguintes termos: «1. As competências administrativas regionais, em matéria a exercer pelo Governo e administração regional, compreendem:
a) A capacidade fiscal de a Região Autónoma da Madeira ser sujeito activo dos impostos nela cobrados, quer de âmbito regional quer de âmbito nacional, nos termos do número seguinte;
b) O direito à entrega, pelo Estado, das receitas fiscais que devam pertencer-lhe;
c) A tutela dos serviços de administração fiscal no arquipélago.
2 - A capacidade de a Região Autónoma da Madeira ser sujeito activo dos impostos nela cobrados compreende:
a) O poder de o Governo Regional criar os serviços fiscais competentes para o lançamento, liquidação e cobrança dos impostos de que é sujeito activo;
b) O poder de regulamentar as matérias a que se refere a alínea anterior, sem prejuízo das garantias dos contribuintes, de âmbito nacional;
c) O poder de a Região recorrer aos serviços fiscais do Estado nos termos definidos na lei ou pela respectiva tutela. (…)»
O que é complementado pelo disposto no artigo 56.º n.º 1 da LFRA, aprovada pela LO, que determina que «Os órgãos regionais têm competências tributárias de natureza normativa e administrativa, a exercer nos termos dos números seguintes.» e pelo artigo 61.º n.º 1 alínea a) e n.º 2 alínea a) do mesmo diploma que estabelece que «As competências administrativas regionais, em matéria fiscal, a exercer pelos Governos e administrações regionais respetivas, compreendem: a) A capacidade fiscal de as regiões autónomas serem sujeitos ativos dos impostos nelas cobrados, quer de âmbito regional, quer de âmbito nacional, nos termos do número seguinte;» e «A capacidade de as regiões autónomas serem sujeitos ativos dos impostos nelas cobrados compreende: a) O poder de os Governos Regionais criarem os serviços fiscais competentes para o lançamento, liquidação e cobrança dos impostos de âmbito regional;»
Acrescente-se que o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 18/2005 de 18 de janeiro, determinou a transferência para a Região Autónoma da Madeira das «(…) atribuições e competências fiscais que no âmbito da Direcção de Finanças da Região Autónoma da Madeira e de todos os serviços dela dependentes vinham sendo exercidas no território da Região pelo Governo da República, (…)» passando a competir ao «(…) ao Governo Regional da Região Autónoma da Madeira exercer a plenitude das competências previstas na Constituição e na lei em relação às receitas fiscais próprias, praticando todos os actos necessários à sua administração e gestão.(…)». O mesmo diploma extinguiu a Direção de Finanças da Região Autónoma da Madeira e os serviços locais dela dependentes, prevendo a criação por decreto regulamentar regional de «(…) um organismo com vista à prossecução na Região Autónoma da Madeira das atribuições e competências cometidas à Direcção de Finanças da Região Autónoma da Madeira, extinta (…)».
O Decreto Regulamentar Regional n.º 29-A/2005/M, de 31-08-2005, viria a aprovar a orgânica da Direção Regional dos Assuntos Fiscais (“DRAF”) da Região Autónoma da Madeira, e o Decreto Regulamentar Regional n.º 14/2015/M, de 19-08-2015, reestruturou a DRAF que passou a designar-se AT-RAM.
Na redação atualmente em vigor do artigo 1.º do diploma, acima referido, determina-se que: «A Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira, abreviadamente designada por AT-RAM, é o serviço da administração direta da Região Autónoma da Madeira, integrado na Vice-Presidência do Governo, referida no presente diploma por VP, a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar Regional n.º 7/2018/M, de 14 de maio.»
Concretizando o artigo 2.º, n.º 1 e 2, do referido diploma que: «A AT-RAM é um serviço executivo da VP que tem por missão assegurar e administrar os impostos sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o consumo, sobre o património e de outros tributos legalmente previstos, bem como executar as políticas e as orientações fiscais definidas pelo Governo Regional da Madeira, em matéria tributária a exercer no âmbito da Região Autónoma da Madeira, de acordo com os artigos 140.º e 141.º da Lei n.º 130/99, de 1 de agosto, nomeadamente a liquidação e a cobrança dos impostos que constituem receita da Região», tendo para o efeito «(…) para além de uma unidade orgânica central, de unidades orgânicas desconcentradas de âmbito local, designadas por serviços de finanças.»
E no artigo 3.º, n.º 3, alínea a), do mesmo diploma prevê-se que «Incumbe em especial à AT-RAM e relativamente às receitas fiscais próprias da Região Autónoma da Madeira: a) Assegurar a liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento, sobre o património e sobre o consumo e demais tributos que lhe incumbe administrar, bem como arrecadar e cobrar outras receitas da Região ou de pessoas coletivas de direito público; […]»
Face ao enquadramento jurídico-fiscal aplicável na RAM e exposto supra, é mister concluir no sentido que o IRS constitui receita própria da Região Autónoma e a sua administração está atribuída à AT-RAM.
Por outro lado, resulta, ainda, das normas supra que a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD abrange atos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT «que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida», ou seja, atos cuja administração esteja cometida à AT.
Como ensinam Sérgio Vasques / Carla Castelo Trindade, in O âmbito material da arbitragem tributária, in Cadernos de Justiça Tributária n.º 00, Abril/Junho 2013, pág. 26 e 27, «…os impostos cobrados na Região Autónoma da Madeira estão fora do âmbito material da arbitragem porquanto a Portaria de Vinculação impõe como limite os impostos geridos pela Autoridade Tributária e Aduaneira. (…) A Região Autónoma da Madeira não tem consagradas num único diploma as suas medidas de adaptação do sistema fiscal nacional, sendo esta adaptação concretizada através de vários diplomas avulsos. Em boa verdade, no tocante à Madeira foi levado a cabo um processo de regionalização da administração fiscal através do DL n.º 18/2005, de 18/1, e dos Decretos Regulamentares Regionais n.os 1/A/2001/M, de 13/3, 29-A/2005/M, de 31/8, 5/2007/M, de 23/7, 27/2008/M, de 3/7, 8/2011/M, de 14/11, 4/2012/M, de 9/4, e 2/2013/M, de 1/2. Assim, tendo em consideração que o art. 1.º do DL n.º 18/2005, de 18/1, consagra a transferência para a Região Autónoma da Madeira das atribuições e competências fiscais que no âmbito da Direcção de Finanças da Região Autónoma da Madeira e de todos os serviços dela dependentes vinham sendo exercidas no território da Região pelo Governo da República, os impostos cobrados na Região Autónoma da Madeira estão fora do âmbito material da arbitragem porquanto a Portaria de Vinculação impõe como limite os impostos geridos pela Autoridade Tributária e Aduaneira»
Assim sendo, em virtude da falta de vinculação do Governo Regional da Madeira e da AT-RAM à jurisdição do CAAD, não poderá este Tribunal Arbitral julgar-se competente para julgar um processo cujo objeto é uma liquidação oficiosa de IRS emitida a sujeito passivo fiscalmente residente na RAM, porquanto o único serviço do Ministério das Finanças vinculado, seria a AT, mas não a AT-RAM entidade não vinculada pela Portaria de vinculação.
Procede, assim, a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido, a qual consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da Requerida da instância quanto às pretensões em causa, de acordo com o previsto no n.º 2 e 4 do artigo 89.º do CPTA e n.º 2 do artigo 576.º e alínea a) do artigo 577.º do CPC aplicáveis ex vi alínea c) e e) do artigo 29.º do RJAT.
Em consequência declara-se o presente Tribunal Arbitral materialmente incompetente para conhecer do mérito da causa.
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Questões de conhecimento prejudicado
Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, «as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)».
Em face da procedência da exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido, fica prejudicado o conhecimento do mérito da causa.
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Decisão
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide o presente Tribunal Arbitral:
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Julgar procedente a invocada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para decidir sobre a liquidação de IRS impugnada, mantendo-se esta liquidação na ordem jurídica;
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Absolver a Requerida da instância;
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Condenar o Requerente no pagamento das custas arbitrais.
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Valor do processo
Fixa-se ao processo o valor de € 45.772,76, em conformidade com o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
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Custas arbitrais
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante de custas arbitrais em € 2.142,00, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo do Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 7 de março de 2025
O Tribunal Arbitral,
Sérgio Santos Pereira