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SUMÁRIO
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Quando uma empresa realiza um investimento com o objetivo de aumentar a sua capacidade de produção, toda a estrutura da empresa tem de acompanhar esse aumento, designadamente, as instalações fabris e os equipamentos informáticos e software que assistem à produção. É do conjunto desses elementos, vistos como um sistema na sua interdependência e interligação estrutural e funcional, que resulta o aumento de produção.
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Constitui uma “aplicação relevante” para efeitos do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), o investimento em obras nas instalações fabris do sujeito passivo destinadas a adaptar as mesmas a novas máquinas e equipamentos industriais e a um novo processo de produção, e relacionadas com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente, não sendo tal investimento excluído nos termos do artigo 22.º, n.º 2, alínea a), subalínea ii), do Código Fiscal ao Investimento (CFI).
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Nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI, constitui uma “aplicação relevante” para efeitos do RFAI, a aquisição de um software de gestão industrial com relação direta e imediata com a modernização e automação do processo produtivo do sujeito passivo, e integrada num projeto de investimento com o objetivo de criar um novo estabelecimento, aumentar a capacidade de um estabelecimento já existente, diversificar a produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou alterar fundamentalmente do processo de produção global de um estabelecimento existente.
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O requisito de atribuição do benefício fiscal RFAI a que se refere a alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI não pressupõe a criação líquida de postos de trabalho, ou a criação de postos de trabalho por contratos sem termo, mas apenas e tão só a criação de postos de trabalho e a sua manutenção pelo período legalmente previsto. Todavia, a mera conversão de contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo não representa uma “criação de postos de trabalho” para efeitos da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI.
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O artigo 32.º do CFI não prevê os prazos dentro dos quais deverá ser constituída a reserva legal relativa ao benefício fiscal da Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos (DLRR) porque os prazos, procedimentos e condições para a constituição da reserva são os previstos nos artigos 65.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais e no Código do IRC, no que respeita à apresentação da IES do exercício. Contudo, é nos documentos contabilísticos referentes ao ano em que são apurados os lucros retidos para reinvestimento que deve ser reconhecida a reserva especial prevista no artigo 32.º do CFI, ainda que tais documentos contabilísticos sejam aprovados no ano seguinte. Em caso de incumprimento, é aplicável o disposto no artigo 34.º, alínea c), do CFI.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (Presidente), Dra. Sara Barros e Dr. Marcolino Pisão Pedreiro (Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
RELATÓRIO
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A..., LDA, com o número de identificação de pessoa coletiva ... e com sede na Rua ..., Zona ..., ...-... ... (“a Requerente”), tendo sido notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2024..., referente ao exercício de 2019, da qual resultou imposto a pagar no montante de € 81.667,00, e da liquidação adicional de IRC n.º 2024..., referente ao exercício de 2020, da qual resultou imposto a pagar no montante de € 10.221,35, veio, em 25-06-2024, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de tribunal arbitral tributário e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“AT” ou “Requerida”), com vista à declaração de ilegalidade e anulação dos referidos atos de liquidação.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, em 27-06-2024, e automaticamente notificado à Requerida.
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Não tendo a Requerente designado árbitro nos termos do RJAT, foram as partes devidamente notificadas da nomeação dos árbitros ora signatários, não tendo manifestado vontade de a recusar.
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O Tribunal Arbitral ficou constituído em 02-09-2024.
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A AT apresentou a sua resposta em 07-10-2024, defendendo-se por impugnação, e juntou o processo administrativo.
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Tendo a AT Requerida se oposto à realização das declarações de parte por via CISCO WEBEX MEETINGS na reunião do artigo 18.º do RJAT que teve lugar em 27-11-2024, as declarações de parte foram realizadas na reunião do artigo 18.º do RJAT que teve lugar em 13-01-2025, tendo sido as partes notificadas, nesta data, para apresentarem alegações finais escritas (simultâneas) no prazo de 10 dias.
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As partes apresentaram alegações finais em 23-01-2025 (Requerida) e 26-01-2025 (Requerente).
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Em 27-01-2025, a Requerida veio peticionar que as alegações apresentadas pela Requerente fossem desentranhadas e tidas por não escritas, por extemporâneas.
SANEAMENTO
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O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente (cf. artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).
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O PPA é tempestivo porquanto foi apresentado no prazo de 90 dias previsto no n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se devidamente representadas.
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Não foram identificadas nulidades. As partes não invocaram exceções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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Considerando que a Requerente apresentou as suas alegações fora do prazo estipulado para o efeito pelo Tribunal Arbitral, as mesmas são extemporâneas e devem ser desentranhadas dos autos.
QUESTÕES DECIDENDAS
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Em sede arbitral, a Requerente impugna a liquidação adicional de IRC n.º 2024..., referente ao exercício de 2019, com o montante de € 81.667,00, e a liquidação adicional de IRC n.º 2024..., referente ao exercício de 2020, com o montante de € 10.221,35. Ambas as liquidações foram emitidas na sequência de procedimentos inspetivos no âmbitos dos quais a AT procedeu a correções relativamente aos benefícios fiscais do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”) e da Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos (“DLRR”).
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Considerando a posição das partes, expressas nos respetivos articulados, são várias as questões a que importa dar resposta, a saber:
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Apurar se se devem manter as correções efetuadas pela AT relativamente ao benefício fiscal RFAI deduzido pela Requerente no exercício de 2019;
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Apurar se se devem manter as correções efetuadas pela AT relativamente ao benefício fiscal RFAI deduzido pela Requerente no exercício de 2020;
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Apurar se se devem manter as correções efetuadas pela AT relativamente à dedução do benefício fiscal DLRR em 2017.
MATÉRIA DE FACTO
Factos provados
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Com base nos documentos trazidos aos autos pelas partes e nas declarações de parte produzidas na audiência de 13-01-2025, são dados como provados os seguintes factos relevantes para a decisão do caso sub judice:
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A Requerente é uma sociedade de direito português constituída em 1980, dedicando-se ao fabrico de calçado e exercendo a sua atividade no Concelho de ... (cf. Relatório de Inspeção Tributária relativo ao exercício de 2019 (ordem de serviço OI2023...), “RIT 2019”, junto ao processo administrativo, e Relatório de Inspeção Tributária relativo ao exercício de 2020 (ordem de serviço OI2023...), “RIT 2020”, junto ao PPA como Anexo II - facto não controvertido).
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Entre 2017 e 2021, a Requerente implementou um projeto de investimento centrado na modernização e otimização do seu processo produtivo (através da incorporação de novas tecnologias e uma maior automação do processo produtivo), concretizado na aquisição de maquinaria e equipamento industrial tecnologicamente mais avançado, descrito no respetivo dossier fiscal como inserido na tipologia RFAI de “aumento da capacidade de um estabelecimento já existente”, e dividido em duas fases: a primeira entre 01-01-2017 e 31-12-2019, e a segunda entre 01-01-2019 e 31-12-2021 (cf. RIT 2019, alegado no artigo 102.º da resposta ao PPA, e declarações de parte).
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Dada a dimensão das novas máquinas e equipamentos industriais, foi necessário realizar obras nas instalações fabris da Requerente, em 2018, 2019 e 2020, com o objetivo de criar uma nova área de conceção e desenvolvimento e de adaptar o layout da fábrica, o que implicou, designadamente, demolir paredes e transformar quatro divisões em duas divisões (cf. RIT 2019 e depoimento de parte).
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Na Ata da Assembleia Geral da Requerente relativa à distribuição de resultados do ano de 2017 não se encontra destinada qualquer verba à reserva especial DLRR (cf. RIT 2019 - facto não controvertido).
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No Balanço do ano de 2017 da Requerente não consta a reserva especial referida no artigo 32.º do CFI (cf. RIT 2019 e artigo 59.º do PPA - facto não controvertido).
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Na Declaração Modelo 22 de IRC do ano de 2017, a Requerente deduziu à coleta o montante de € 36.468,74, relativo ao benefício fiscal DLRR, que corresponde a um montante de lucros retidos para reinvestir no valor de € 364.687,40 (cf. RIT 2019 - facto não controvertido).
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Em 2019, a Requerente adquiriu um software de gestão industrial necessário para operar as novas máquinas e equipamentos industriais adquiridos para modernizar e otimizar do seu processo produtivo (cf. RIT 2019 e depoimento de parte).
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Em 2020, a Requerente converteu vários contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo, não tendo contratado novos trabalhadores ou aumentado o número de postos de trabalho (cf. RIT 2020).
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Na Declaração de Rendimentos Modelo 22 referente ao período de tributação de 2019, a Requerente deduziu à coleta o montante de € 64.348,96 a título de RFAI (RFAI 2018: € 13.384,53; RFAI 2019: 50.964,43) e € 15.000,00 a título de DLRR (cf. RIT 2019 - facto não controvertido).
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Na Declaração de Rendimentos Modelo 22 referente ao período de tributação de 2020, a Requerente deduziu à coleta o montante de € 9.276,89 a título de RFAI (cf. RIT 2020 - facto não controvertido).
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A Requerente foi alvo de dois procedimentos de inspeção tributária (credenciados pelas Ordens de Serviço n.ºs OI2023... e OI2023...), respeitantes aos anos de 2019 e 2020, tendo a Requerente exercido o seu direito de audição prévia relativamente aos Projetos de Relatório de Inspeção Tributária que lhe foram notificados para o efeito (cf. RITs 2019 e 2020 - facto não controvertido).
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Notificada para prestar esclarecimentos com referência às deduções RFAI efetuadas no exercício de 2019 (por email de 10-10-2023), a Requerente identificou os postos de trabalho criados em 2018 (3 novos trabalhadores), 2019 (1 novo trabalhador) e 2020 (9 novos trabalhadores), e esclareceu o objetivo da aquisição dos materiais de construção e os serviços relacionados (cf. Anexos 3 e 4 do RIT 2019).
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Em sede de direito de audição no âmbito da inspeção tributária, a Requerente apresentou uma adenda à ata de aprovação de contas e aplicação dos resultados de 2017 (adenda à ata n.º 50), com data de 31-03-2018, que documenta a deliberação de aplicação de resultados na constituição de uma reserva especial DLRR (cf. RIT 2019 - facto não controvertido).
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Em 31-03-2020, a Requerente procedeu ao reconhecimento contabilístico da reserva especial DLRR 2017, no montante de € 364.687,40 (cf. Anexo 4 ao PPA e artigo 70.º do PPA - facto não controvertido).
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No RIT 2019, a AT concluiu que, dos investimentos realizados em 2018 e considerados pela Requerente como elegíveis para efeitos do RFAI (€ 369.364,94), e que deram origem a uma dotação total de € 92.341,24, da qual a Requerente deduziu € 13.384,53 à coleta de 2019, (i) é dedutível à coleta o valor de € 8.391,99, correspondente ao investimento na aquisição de maquinaria e equipamento industrial, (ii) não é dedutível à coleta o valor € 4.992,54 (€ 19.970,15 x 25%), correspondente ao investimento na requalificação da cobertura do pavilhão industrial, por o mesmo não ter contribuído para o aumento da capacidade produtiva, e por se encontrar excluído do âmbito do RFAI por força da subalínea ii) da alínea a) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI (cf. RIT 2019).
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No RIT 2019, a AT concluiu que os investimentos realizados em 2019 incluíram (a) um conjunto de ativos com potencial para concretizar uma das finalidades de um investimento inicial (no caso, de extensão da capacidade de produção), constituído e relacionado com a aquisição de equipamentos associados a todas as fases de fabricação de calçado, sendo o investimento de € 131.021,50 elegível para o RFAI (a que corresponde uma dedução de € 32.755,38), (b) obras de construção, reparação e beneficiação, com o valor de € 52.011,22 (a que corresponde uma dedução de € 13.002,80), cujo custo não é elegível para efeitos do RFAI por a Requerente não ter demonstrado que as ditas obras estiveram diretamente relacionadas com um investimento inicial para aumentar a capacidade de produção (e não a mera manutenção e reparação exigida por edificação pré-existente), e por estarem em causa obras de reparação de edifícios (e não obras em instalações fabris), e (c) a aquisição do um sistema de gestão de serviços, com o valor de € 20.825,00 (a que corresponde uma dedução de € 5.206,25), cujo custo não é elegível para efeitos do RFAI por se tratar de uma aquisição de software massificado no mercado tecnológico (e não uma aquisição de propriedade intelectual), um investimento corrente e frequente, não relacionado com a expansão da capacidade de produção, que se encontra expressamente excluído pela alínea b) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI (cf. RIT 2019).
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No RIT 2019, a AT considerou não estarem verificados os requisitos de dedutibilidade do benefício fiscal DLRR em 2017, por a Requerente não ter constituído a reserva especial exigida pelo artigo 32.º do CFI no Balanço de 2017, e concluiu que, por força do artigo 34.º, alínea c), do CFI, a Requerente encontra-se obrigada a proceder à devolução do imposto em 2019 (€ 36.468,74), acrescido de juros compensatórios (à taxa anual de 4%) majorados em 15 pontos percentuais (€ 13.877,10) (cf. RIT 2019).
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No RIT 2020, a AT concluiu que os investimentos realizados pela Requerente em 2020, no montante de € 37.107,55 (relativamente aos quais a Requerente deduziu à coleta o valor de € 9.276,89), não são elegíveis para efeitos do RFAI, designadamente: (a) um conjunto de investimentos avulsos e não justificado como sendo integrados em qualquer projeto de investimento inicial (no montante de € 22.745,00, a que corresponde uma dedução RFAI de € 5.686,25), uma vez que não proporcionam o aumento da capacidade de um estabelecimento existente e não criam por si só postos de trabalho, e (b) investimento em obras de construção, remodelação e beneficiação (no montante de € 14.362,55, a que corresponde uma dedução RFAI de € 3.590,64), porquanto não foi possível identificar uma relação direta com a ampliação da infraestrutura produtiva, e por se tratarem de edifícios fabris (e não de instalações fabris) (cf. RIT 2020).
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No RIT 2020, a AT considerou ainda que os investimentos referidos na alínea anterior não são elegíveis para efeitos do RFAI por a conversão de (nove) contratos de trabalho com termo em contratos de trabalho sem termo (verificada em 2020) não constituir uma criação de postos de trabalho para efeitos da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, mas uma mera alteração da tipologia dos contratos em causa, e por se ter mantido, em 2020, o número de funcionários em relação a 2019 (cf. RIT 2020).
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A Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2024..., referente ao exercício de 2019, da qual resultou imposto a pagar no montante de € 81.667,00, e da liquidação adicional de IRC n.º 2024..., referente ao exercício de 2020, da qual resultou imposto a pagar no montante de € 10.221,35 (cf. liquidações juntas aos autos pela Requerente - facto não controvertido).
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Em 25-06-2024, a Requerente apresentou o PPA que deu origem aos presentes autos.
Factos não provados
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Com relevo para a decisão do caso, não existem factos dados como não provados.
Fundamentação da matéria de facto
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O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. Porém, o Tribunal Arbitral não tem um dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e no n.º 1 do artigo 596.º, bem como no n.º 3 do artigo 607.º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
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Na audiência que teve lugar no dia 13-01-2025, foi ouvido o Sr. B..., na qualidade de sócio-gerente da Requerente. No seu depoimento de parte, o Sr. B... descreveu o projeto de investimento em apreço e indicou que o respetivo objetivo foi modernizar o processo produtivo da Requerente através da aquisição de equipamentos e máquinas industriais para todos os setores da empresa, torná-lo mais célere e flexível, e permitir a produção de novos produtos, com maior qualidade, a incorporação de novas tecnologias e uma maior automação do processo produtivo. Esta modernização terá exigido a aquisição de um software de gestão industrial adequado à operação das novas máquinas e equipamentos. Explicou também que, dada a dimensão das novas máquinas, foi necessário realizar obras nas instalações fabris da Requerente e adaptar o layout da fábrica, o que implicou transformar quatro divisões em duas divisões. Referiu ainda que, em 2018, 2019 e 2020, foram contratados cerca de 20 trabalhadores, inicialmente, através de contratos de trabalho a termo, que foram posteriormente convertidos em contratos definitivos (passados 6 meses – 1 ano). Por fim, notou que os investimentos em causa resultaram num efetivo aumento da capacidade produtiva da Requerente e do respetivo volume de negócios no período de 2021-2024. O Tribunal Arbitral considerou este depoimento sincero, não encontrando motivo fundado para questionar a veracidade do mesmo.
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Quanto à matéria de facto dada como provada, o Tribunal Arbitral formou a sua íntima e prudente convicção através do exame de todos os elementos probatórios carreados aos autos.
MATÉRIA DE DIREITO
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Devem manter-se as correções efetuadas pela AT relativamente ao benefício fiscal RFAI deduzido pela Requerente no exercício de 2019?
Legislação relevante
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O Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”), criado pela Lei n.º 10/2009, de 10 de março, que vigorou, com algumas alterações, entre 2009 e 2013, bem como o mesmo regime incluído no Código Fiscal do Investimento (“CFI”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, constitui um regime de auxílio com finalidade regional aprovado nos termos do Regulamento (CE) n.º 800/2008, da Comissão, de 6 de agosto (2007-2013), e do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho (2014-2020) (“RGIC”), respetivamente.
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O n.º 49 do artigo 2.º do RGIC, define, no âmbito dos auxílios com finalidade regional, o conceito de “investimento inicial” nos seguintes termos:
“Um investimento em ativos corpóreos e incorpóreos relacionado com: 1. criação de um novo estabelecimento, 2. aumento da capacidade de um estabelecimento existente, 3. diversificação da produção de um estabelecimento, para produtos não produzidos anteriormente no estabelecimento ou 4. mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente”.
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Nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, consideram-se “investimentos iniciais” os investimentos relacionados com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.
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O n.º 1 do artigo 23.º do CFI estabelece, entre o mais, que nas regiões elegíveis do Centro é concedida uma dedução à coleta de IRC das seguintes importâncias das aplicações relevantes: (i) 25% das aplicações relevantes, relativamente ao investimento realizado até ao montante de € 15.000.000; (ii) 10% das aplicações relevantes, relativamente à parte do investimento realizado que exceda o montante de € 15.000.000.
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Quanto ao que constituem “aplicações relevantes” para efeitos do RFAI, e ao requisito da criação de postos de trabalho, dispõe o artigo 22.º do CFI, na parte relevante para os autos:
“2 - Para efeitos do disposto no presente regime, consideram-se aplicações relevantes os investimentos nos seguintes ativos, desde que afetos à exploração da empresa:
a) Ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, com exceção de:
(...)
ii) Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris ou afetos a atividades turísticas, de produção de audiovisual ou administrativas;
b) Ativos intangíveis, constituídos por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, «know-how» ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente.
4 - Podem beneficiar dos incentivos fiscais previstos no presente capítulo os sujeitos passivos de IRC que preencham cumulativamente as seguintes condições:
(...)
f) Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c)”
Investimento em obras nas instalações fabris da Requerente em 2018 e 2019
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Relativamente ao exercício de 2019, está em discussão as deduções à coleta do IRC correspondentes a obras realizadas nas instalações fabris da Requerente em 2018 e 2019 (RFAI que transitou de 2018: € 4.992,54, e RFAI 2019: € 13.002,80).
Posição das partes
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No PPA, defende a Requerente que, ao adquirir diversas máquinas e equipamentos industriais no âmbito de um projeto de investimento, teve de adaptar as suas instalações industriais, sendo o investimento em obras elegível nos termos da subalínea ii) da alínea a) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI. Segundo a Requerente, o regime do RFAI não exige que o investimento resulte diretamente no aumento da capacidade operacional, mas apenas que seja suscetível de permitir, em abstrato, o aumento do volume de produção de um dos bens produzidos pela empresa.
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Na resposta ao PPA, a AT citou a legislação nacional e europeia relevante para distinguir (a) investimentos de substituição, enquanto investimentos correntes, imprescindíveis para manter a operacionalidade da unidade produtiva, mas que não integram o conceito de “investimento inicial” para efeitos do RFAI, e (b) investimentos de expansão (que criam ou aumentam capacidade de produção), e investimentos de inovação / modernização (que concretizam uma alteração fundamental do processo de produção global, em resultado de uma inovação), que integram o conceito de investimento inicial para efeitos do RFAI.
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In casu, a AT remete para o RIT 2019 e defende que as obras realizadas nas instalações fabris da Requerente em 2018 e 2019 não podem ser consideradas aplicações relevantes nos termos do n.º 2 do artigo 22.º do CFI, por estar em causa um investimento de substituição, ou seja, um investimento cujo principal objetivo é a reposição da capacidade produtiva que se vai desgastando pelo uso e/ou pela passagem do tempo. Defende a AT que o investimento realizado no ano 2019 esteve associado à reconstrução da unidade fabril, com o objetivo de inovar as instalações, mas que a Requerente não logrou provar de que forma esse investimento permitiu aumentar a capacidade de produção da empresa. Entende a AT que o aumento das edificações da empresa, por si só, não permite o aumento da sua capacidade de produzir, sendo tal objetivo apenas conseguido se for acompanhado da aquisição de novas máquinas e equipamentos para o setor produtivo, tal como do necessário aumento dos postos trabalho que permitam operar os novos equipamentos. Conclui que tal exigência não foi alcançada e nem sequer foi o objetivo do investimento realizado.
Apreciação do Tribunal
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Nos termos da subalínea ii) da alínea a) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI, a construção, reparação e ampliação de edifícios encontra-se excluída do âmbito do RFAI, salvo se forem instalações fabris ou afetas a atividades turísticas, de produção de audiovisual ou administrativas. Interessa, assim, apurar se o investimento que a Requerente efetuou em obras nas suas instalações fabris em 2018 e 2019 constituem “aplicações relevantes” excluídas para efeitos do RFAI nos termos deste preceito.
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A este propósito, interessa observar que constitui uma “aplicação relevante” para efeitos do RFAI, o investimento em obras nas instalações fabris do sujeito passivo destinadas a adaptar as mesmas a novas máquinas e equipamentos, e a um novo processo de produção, e relacionadas com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente, não sendo tal investimento excluído nos termos do artigo 22.º, n.º 2, alínea a), subalínea ii), do CFI (cf. Decisão Arbitral de 12-02-2025, processo n.º 821/2023-T).
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Tal como resulta da matéria assente, entre 2017 e 2021, a Requerente implementou um projeto de investimento centrado na modernização e otimização do seu processo produtivo, concretizado na aquisição de maquinaria e equipamento industrial tecnologicamente mais avançado, com o objetivo de aumentar da capacidade de um estabelecimento já existente, tendo a AT, designadamente, aceite como “aplicações relevantes” para efeitos do RFAI a aquisição de equipamento e máquinas industriais nos anos de 2018 e 2019.
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Contudo, a AT não aceitou como elegível para efeitos do RFAI o investimento na requalificação da cobertura do pavilhão industrial, realizado em 2018 (que deu origem a uma dedução no exercício de 2019 no valor de € 4.992,54), e em obras de construção, reparação e beneficiação, realizado em 2019 (que deu origem a uma dedução no exercício de 2019 no valor de € 13.002,80), por entender que o investimento ou não contribuiu para o aumento da capacidade produtiva, ou não se referiu a instalações fabris.
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Ora, como também resulta da matéria assente, as obras realizadas nas instalações fabris da Requerente, em 2018 e 2019, tiveram como objetivo criar uma nova área de conceção e desenvolvimento e adaptar o layout da fábrica a novas máquinas e equipamentos. Assim, temos que o investimento em causa deve ser considerado como “aplicações relevantes” para efeitos do benefício do RFAI, porquanto consubstancia um investimento em instalações fabris ligadas de forma imediata ao processo produtivo, e relacionado com o objetivo de “aumentar da capacidade de um estabelecimento já existente”. A subalínea ii) da alínea a) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI não exclui este investimento do âmbito do RFAI.
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Pelo exposto, as correções efetuadas pela AT com referência às obras realizadas nas instalações fabris da Requerente em 2018 e 2019, nos montantes de € 4.992,54 e € 13.002,80, respetivamente, enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, vício este que justifica a anulação das mesmas.
Investimento na aquisição de um software de gestão industrial em 2019
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Está em causa um investimento com o valor de € 20.825,00 (a que corresponde uma dedução RFAI de € 5.206,25).
Posição das partes
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Relativamente à aquisição do software com a descrição “VO – Sistema de Gestão de Serviço”, defende a Requerente, no PPA, que o n.º 2 do artigo 22.º do CFI contem uma enumeração meramente exemplificativa, nada permitindo concluir que o dito software não deva ser considerado como despesa com transferência de tecnologia para o efeito previsto naquela disposição.
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Na resposta ao PPA, a AT não se pronunciou especificamente quanto a este investimento.
Apreciação do Tribunal
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Interessa, agora, apurar se o investimento, com o valor de € 20.825,00 (a que corresponde uma dedução de € 5.206,25), relativo à aquisição de software de gestão industrial necessário para operar as máquinas e equipamentos industriais adquiridos pela Requerente para modernizar e otimizar do seu processo produtivo, é elegível para efeitos do RFAI.
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De notar que o n.º 2 do artigo 22.º do CFI considera como “aplicações relevantes” no âmbito do RFAI, os ativos intangíveis “constituídos por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, «know-how» ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente”.
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Ora, tratando-se de uma enumeração meramente exemplificativa, nada permite concluir que o software de gestão industrial adquirido pela Requerente não deva ser considerado como despesa com transferência de tecnologia para o efeito previsto naquela disposição, e, em todo o caso, os serviços inspetivos não efetuam uma qualquer análise circunstanciada do sistema operacional em causa que possa afastar fundadamente essa qualificação.
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Ao contrário do que defende a AT, no RIT 2019, o n.º 2 do artigo 22.º do CFI não distingue entre aquisições de software massificado no mercado tecnológico e aquisições de propriedade intelectual. Esta interpretação restritiva (subjacente a esta correção) afigura-se desprovida de suporte gramatical, atento o facto de a hipótese normativa referir de forma expressa as “licenças” e “know-how” ou conhecimentos técnicos não protegidos por patentes (cf. Decisão Arbitral proferida no processo n.º 427/2020-T).
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Quando uma empresa realiza um investimento com o objetivo de aumentar a sua capacidade de produção, toda a estrutura da empresa tem de acompanhar esse aumento, designadamente, as instalações fabris e os equipamentos informáticos e software que assistem à produção. É do conjunto desses elementos, vistos como um sistema na sua interdependência e interligação estrutural e funcional, que resulta o aumento de produção.
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Não restam, assim, dúvidas de que a aquisição do um software de gestão industrial com relação direta e imediata com a modernização e automação do processo produtivo do sujeito passivo, e integrada num projeto de investimento com o objetivo de aumentar da capacidade de um estabelecimento existente, constitui uma “aplicação relevante” para efeitos do RFAI, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI.
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Pelo exposto, a correção efetuada pela AT com referência à aquisição de um software de gestão industrial em 2019, no montante de € 5.206,25, enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, vício este que justifica a anulação da mesma.
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Devem manter-se as correções efetuadas pela AT relativamente ao benefício fiscal RFAI deduzido pela Requerente no exercício de 2020?
Criação de postos de trabalho (alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI)
Posição das partes
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Relativamente à criação de postos de trabalho no ano de 2020, defende a Requerente, no PPA, que a AT não considerou todos os elementos de prova necessários e úteis à descoberta da verdade material no decorrer do procedimento inspetivo relativo ao exercício de 2020, em cumprimento da sua obrigação de prossecução do interesse público a que a AT se encontra vinculada, nos termos dos artigos 266.º, n.º 1, da CRP e 55.º da LGT. Diz ainda a Requerente que a AT, ao ter agido de forma diferente nos procedimentos inspetivos relativos a 2019 e 2020, acabou por incorrer em violação do princípio da imparcialidade fixado no artigo 55.º da LGT. Entende, assim, a Requerente que a desconsideração da criação de postos de trabalho é ilegal por violação do princípio da verdade material e da imparcialidade.
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Na resposta ao PPA, a AT relembra que, nos termos das disposições conjugadas das alíneas c) e f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, podem beneficiar do RFAI os sujeitos passivos de IRC que efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, regra geral, 3 anos para as micro ou PME, e 5 anos para as grandes empresas. Assim, conclui a AT que, para efeitos de aplicabilidade do RFAI, haverá obrigatoriamente de haver uma criação líquida de postos trabalho ou criação de emprego no estabelecimento, que constitui, simultaneamente, objetivo e consequência da criação de novos postos de trabalho em razão do investimento.
Apreciação do Tribunal
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Temos que, no decorrer dos procedimentos inspetivos relativos aos anos de 2019 e 2020, a AT não infringiu nem o dever de descoberta da verdade material nem o princípio da imparcialidade. Da análise dos documentos juntos ao processo administrativo resulta claro e evidente que a AT analisou os contratos de trabalho dos colaboradores da Requerente, solicitando esclarecimentos à Requerente relativamente aos mesmos e pronunciando-se, nos relatórios finais de inspeção, sobre o alegado pela Requerente em sede de direito de audição em relação aos projetos de relatório de inspeção. Acresce que a Requerente, no PPA, não esclarece concretamente que diligências adicionais deveria a AT ter realizado relativamente à verificação do requisito previsto na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI.
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Quanto ao princípio da imparcialidade, o mesmo não exige que a AT realize exatamente as mesmas diligências em dois procedimentos inspetivos, sendo também certo que a AT se encontra dispensada de efetuar diligências inúteis neste âmbito. Assim, por exemplo, o facto de a AT ter realizado uma visita às instalações da Requerente no procedimento inspetivo relativo a 2019 e de não ter realizado uma visita às instalações da Requerente no procedimento inspetivo relativo a 2020 não é relevante nem para efeitos do dever de descoberta material nem do dever de imparcialidade.
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Quanto à verificação do requisito da criação de postos de trabalho previsto na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, interessa notar que nem a letra nem a ratio legis deste preceito autorizam a interpretação da expressão aí utilizada de criação de postos de trabalho com o sentido de criação líquida de emprego (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08-11-2023, processo n.º 0411/16.0BEPNF).
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Tal como resulta da jurisprudência arbitral, a “criação de postos de trabalho” pressuposta pelo benefício fiscal RFAI refere-se à criação de postos de trabalho, e à sua manutenção, causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, a empresa ter verificado, ou não, um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço. Ou seja: o que está em causa é que o investimento realizado por determinada empresa será elegível para usufruir do benefício fiscal em questão se, e na medida em que, dele resulte, de forma causalmente adequada, a criação de, pelo menos, um posto de trabalho, e a sua manutenção (cf. Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 488/2019-T, 546/2020-T, 500/2021-T, 508/2021-T, 544/2022-T, 483/2022-T, 299/2024-T, 307/2019-T, 860/2024-T).
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Resulta também da jurisprudência arbitral que, para efeitos da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, o termos “criação de postos de trabalho” abrange tanto contratos a termo como contratos sem termo (cf. Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 307/2019-T, 229/2022-T e 860/2024-T). De facto, não há neste regime do RFAI qualquer fundamento para concluir que só se pretendeu a criação de emprego duradouro, pois não se formula qualquer exigência, para atribuição do benefício, de que os postos de trabalho criados sejam ocupados por trabalhadores contratados por tempo indeterminado.
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Todavia, a mera conversão de contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo não representa uma “criação de postos de trabalho” para efeitos da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI.
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Assim sendo, temos que a AT andou bem quando, no RIT 2020, considerou que os investimentos efetuados nesse ano não são elegíveis para efeitos do RFAI (a) por a conversão de contratos de trabalho com termo em contratos de trabalho sem termo (verificada em 2020) não constituir uma “criação de postos de trabalho” para efeitos da alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, mas uma mera alteração na tipologia dos contratos em causa, e (b) por se ter mantido, em 2020, o número de colaboradores em relação a 2019.
Questões de conhecimento prejudicado
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Dado não se verificar o requisito previsto na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI no ano de 2020, fica prejudicada a apreciação da legalidade das correções efetuadas pela AT com referência ao benefício fiscal RFAI deduzido pela Requerente nesse exercício (designadamente a dedução à coleta, no montante global de € 9.276,89, referente aos investimentos em maquinaria e equipamento industrial, e em obras de ampliação e remodelação das instalações industriais, realizados em 2020).
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A esta luz, julga-se improcedente o PPA na parte relativa às correções à dotação de RFAI referentes ao exercício de 2020, no montante global de € 9.276,89, por não se encontrar verificado nesse ano o requisito da criação de postos de trabalho previsto na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI.
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Devem manter-se as correções efetuadas pela AT relativamente à dedução do benefício fiscal DLRR em 2017?
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No ano de 2017, a Requerente deduziu à sua coleta de IRC o montante de € 36.468,74, relativo ao benefício fiscal DLRR correspondente a lucros retidos (em 2017) no montante de € 364.687,40. Ao abrigo do artigo 34.º, alínea c), do CFI (relativo ao incumprimento da obrigação de constituição de reserva especial), a AT procedeu à correção do lucro tributável da Requerente do exercício de 2019, no montante de € 36.468,74 (devolução do imposto), e de € 13.877,10 (juros compensatórios).
Legislação relevante
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O benefício fiscal DLRR encontra-se regulamentado pelos artigos 27.º a 34.º do CFI. No artigo 32.º do CFI, sob a epígrafe “Reserva especial por lucros retidos e reinvestidos”, pode ler-se o seguinte:
“1 - Os sujeitos passivos que beneficiem da DLRR devem proceder à constituição, no balanço, de reserva especial correspondente ao montante dos lucros retidos e reinvestidos.
2 - A reserva especial a que se refere o número anterior não pode ser utilizada para distribuição aos sócios antes do fim do quinto exercício posterior ao da sua constituição, sem prejuízo dos demais requisitos legais exigíveis”.
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No artigo 34.º, alínea c), do CFI, sob a epígrafe “Incumprimento” (na redação vigente em 2017), pode ler-se o seguinte:
“Sem prejuízo do disposto no Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 15 de junho:
(...)
c) A não constituição da reserva especial nos termos do n.º 1 do artigo 32.º, implica a devolução do montante de imposto que deixou de ser liquidado, ao qual é adicionado o montante de imposto a pagar relativo ao segundo período de tributação seguinte, acrescido dos correspondentes juros compensatórios majorados em 15 pontos percentuais”.
Posição das partes
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Relativamente à dedução do benefício DLRR 2017, defende a Requerente, no PPA, que (i) a legislação em vigor em 2017 não se pronunciava quanto ao momento de constituição da reserva especial, (ii) a Requerente apresentou uma adenda à ata de aprovação de contas e aplicação dos resultados de 2017 (adenda à ata n.º 50), que documenta a deliberação de aplicação de resultados na constituição de uma reserva especial de investimento DLRR, e (iii) a constituição desta reserva foi efetuada através de um movimento contabilístico efetuado em março de 2020.
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A AT, na resposta ao PPA, argumenta que a dedução à coleta do IRC no período de 2017, no âmbito do DLRR, não foi acompanhada da constituição de uma reserva especial, facto que consubstancia uma das situações de incumprimento elencadas no artigo 34.º do CFI. Assim, entende a AT que, por força do artigo 34.º, alínea c), do CFI, tendo a Requerente declarado a dedução do imposto em 2017 (sem constituir a referida reserva especial nesse ano), a Requerente encontra-se legalmente obrigada a proceder à devolução do imposto em 2019 (€ 36.468,74), acrescido de juros compensatórios (à taxa anual de 4%) majorados em 15 pontos percentuais (€ 13.877,10).
Apreciação do Tribunal
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Quanto a esta questão, temos que assiste razão à AT.
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Tal como referido na Decisão Arbitral de 16-10-2019, processo n.º 145/2019-T: “Os sujeitos passivos que beneficiem da DLRR:
(i) devem constituir, no balanço, uma reserva especial correspondente ao montante dos lucros retidos e reinvestidos;
(ii) não podem utilizar aquela reserva especial para distribuição aos sócios antes do fim do quinto exercício posterior ao da sua constituição, sem prejuízo dos demais requisitos legais exigíveis;
(iii) devem justificar a dedução em apreço por documento a integrar o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.º do Código do IRC, que identifique discriminadamente o montante dos lucros retidos e reinvestidos, as aplicações relevantes objeto de reinvestimento, o respetivo montante e outros elementos considerados relevantes;
(iv) devem evidenciar na respetiva contabilidade o imposto que deixe de ser pago em resultado da dedução em apreço, mediante menção do valor correspondente no anexo às demonstrações financeiras relativas ao exercício em que se efetua a dedução.
O momento em que se efetiva o benefício decorrente da DLRR é quando se determina a constituição da sobredita reserva especial, isto é, a dedução à coleta efetua-se no exercício em que são apurados os lucros que se decide reter e reinvestir. O reinvestimento é, pois, uma obrigação que se assume e que é comprovada nos dois períodos de tributação seguintes. As aplicações relevantes em que seja concretizado o reinvestimento dos lucros retidos devem ser detidas e contabilizadas de acordo com as regras que determinaram a sua elegibilidade, por um período mínimo de cinco anos”.
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Tal como resulta da matéria assente, a Requerente deduziu à coleta do IRC do ano de 2017 o montante de € 36.468,74, relativo a DLRR (correspondente a lucros retidos para reinvestimento no valor de € 364.687,40), sem ter procedido à constituição da reserva especial exigida pelo artigo 32.º do CFI nos documentos contabilísticos referentes a 2017 (tendo-o feito apenas no Balanço do ano de 2020).
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Não restam dúvidas de que dedução à coleta deve efetuar-se no exercício em que são apurados os lucros que se decide reter e reinvestir (in casu, 2017). O artigo 32.º do CFI não prevê os prazos dentro dos quais deverá ser constituída a reserva legal porque os prazos, procedimentos e condições para constituição da reserva são os previstos nos artigos 65.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais e no Código do IRC, no que respeita à apresentação da IES do exercício. Todavia, é nos documentos contabilísticos referentes ao ano em que são apurados os lucros retidos (no caso, 2017) que deve ser reconhecida a reserva especial prevista no artigo 32.º do CFI, ainda que tais documentos contabilísticos sejam aprovados no ano seguinte (no caso, 2018). Ora, no caso em apreço, a Requerente apenas reconheceu a referida reserva especial no Balanço de 2020.
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Note-se a este propósito que a adenda (com data de 31-03-2018) à ata n.º 50 de aprovação de contas e aplicação dos resultados de 2017 não foi incluída no Livro de Atas, nem foi executada com referência aos lucros de 2017 (porquanto do Balanço do ano de 2017 não consta a reserva especial referida no artigo 32.º do CFI).
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Conclui-se, assim, que, ao não ter reconhecido a reserva especial prevista no artigo 32.º do CFI no Balanço de 2017 (i.e. na contabilidade referente ao ano em que foram apurados os lucros retidos para reinvestimento), a Requerente perdeu o direito a deduzir à coleta de 2017 o benefício fiscal DLRR, no montante de € 36.468,74, e que a AT andou bem em determinar a devolução do imposto em 2019 (€ 36.468,74), acrescido de juros compensatórios (à taxa anual de 4%) majorados em 15 pontos percentuais (€ 13.877,10), nos termos do artigo 34.º, alínea c), do CFI.
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Pelo exposto, improcede, nesta parte, o PPA, devendo ser mantidas as correções relativas a devolução do imposto em 2019 (€ 36.468,74) e aos juros compensatórios (€ 13.877,10), refletidas na liquidação de IRC de 2019 ora impugnada.
DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral, julgar o pedido de pronúncia arbitral parcialmente procedente, e determinar o seguinte:
1) Relativamente às correções à dotação de RFAI referentes ao exercício de 2019,
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Anular as correções efetuadas com referência às obras realizadas nas instalações fabris da Requerente em 2018 e 2019, nos montantes de € 4.992,54 e € 13.002,80, visto que as obras em apreço consubstanciam um investimento em instalações fabris ligado de forma imediata ao processo produtivo, e relacionado com o objetivo de “aumentar da capacidade de um estabelecimento já existente”;
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Anular a correção, no montante de € 5.206,25, efetuada com referência à aquisição de um software de gestão industrial em 2019, por esta aquisição constituir uma “aplicação relevante” para efeitos do RFAI, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI.
2) Relativamente às correções à dotação de RFAI referentes ao exercício de 2020, manter a totalidade das correções efetuadas, no montante global de € 9.276,89, por não se encontrar verificado nesse ano o requisito da criação de postos de trabalho previsto na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI.
3) Relativamente às correções relativas ao benefício fiscal DLRR 2017 (refletidas na liquidação de imposto referente ao ano de 2019), manter as correções efetuadas pela AT, nos montantes de € 36.468,74 (devolução do imposto) e € 13.877,10 (juros compensatórios), nos termos do artigo 34.º, alínea c), do CFI.
4) Anular parcialmente a liquidação de IRC n.º 2024..., referente ao exercício de 2019 e, na mesma proporção, os respetivos juros compensatórios;
5) Manter a liquidação de IRC n.º 2024..., referente ao exercício de 2020.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 91.888,35, nos termos do artigo 306.º, n.º 1, do CPC e do 97.º-A, n.º 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.754,00, ficando € 1.982,88 (€ 2.754,00 x 72%) a cargo da Requerente, e € 771,12 (€ 2.754,00 x 28%) a cargo da Requerida, em razão do decaimento.
Para efeitos de repartição das custas, considerando que a Requerente impugnou correções no valor total de € 82.824,32, e que o Tribunal Arbitral declarou ilegais e anulou correções no valor de € 23.201,59, interessa notar que o PPA é procedente em 28% e improcedente em 72%.
Notifique-se.
CAAD, 13 de março de 2025
O Tribunal Arbitral,
Rita Correia da Cunha
Sara Barros
Marcolino Pisão Pedreiro
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