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SUMÁRIO:
As normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da retroatividade da lei fiscal.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro (Presidente), Prof. Doutor Gustavo Gramaxo Rozeira e Dr. Amândio Silva (Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 18 de junho de 2024, acordam no seguinte:
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Relatório
A..., S.A. (doravante abreviadamente designada por “Requerente”), titular do número de identificação de pessoa coletiva ..., com sede social na Rua ..., n.ºs ... a ..., ...-..., ..., solicitou a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), com a apresentação de pedido de pronúncia arbitral que tem por objeto a decisão de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa com o número de processo ...2023..., proferida pelo Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”) da Autoridade Tributária e Aduaneira que foi instaurado contra o ato de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (“ASSB”), referente ao ano 2020, emitido subsequentemente à entrega da Declaração Modelo 57 (tal como regulamentado pela Portaria n.º 191/2020, de 10 de agosto), que deu origem ao Documento de liquidação n.º ... .
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUNAEIRA (AT)
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Do pedido
O Requerente formula o seu pedido:
“Nestes termos, e nos melhores de Direito, face aos fundamentos expostos supra, requer-se que V. Ex.as se dignem:
(i) Dar como provado o presente pedido arbitral e, consequentemente, anular o indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente, em virtude de tal decisão se fundar na violação dos normativos mencionados supra, nomeadamente, atenta a inconstitucionalidade do ASSB, por violação do princípio da não retroatividade (previsto no artigo 103.º da CRP), por violação do princípio da igualdade (previsto no artigo 13.º da CRP), nas suas diversas vertentes, como seja, enquanto proibição de arbítrio, proibição de criação de impostos não genéricos e desproporcionais (princípio da proporcionalidade) e proibição da violação do princípio da capacidade contributiva, bem como, a violação do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 105.º da CRP (princípio de discriminação orçamental);
(ii) Em consequência, anular o ato de autoliquidação do ASSB pago pelo Requerente relativo ao ano 2020, no valor global de € 63.024,62 (sessenta e três mil, vinte e quatro euros e sessenta e dois cêntimos);
(iii) Ordenar o reembolso do imposto indevidamente pago no montante global de € 63.024,62 (sessenta e três mil, vinte e quatro euros e sessenta e dois cêntimos); (iv) Ordenar o pagamento dos juros indemnizatórios que se mostrem devidos nos termos do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT
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Tramitação processual
O pedido de constituição do tribunal arbitral entregue no dia 05-04-2024 foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.
O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram notificadas dessa designação em 27-05-2024, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 18-06-2024, e em 19-06-2024 a Requerida foi notificada para apresentar Resposta no prazo de 30 dias.
Em 09-09-2024, a Requerida apresentou a Resposta e juntou o Processo Administrativo, relativos a outro processo.
Por requerimento de 16-09-2024 a Requerida apresentou um requerimento com o seguinte teor:
“A DIRECTORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, notificada do despacho da Presidente do Colectivo de Árbitros, datado de 11-09-2024, vem respeitosamente expor e requerer o seguinte: 1. A 09-09-2024, terminus do prazo, a Requerida submeteu na plataforma CAAD a Resposta ao processo 491/2024 – T CAAD; 2. Contudo, ao invés de submeter os ficheiros correspondentes a esse processo, e por mero lapso, submeteu os ficheiros do processo 454/2024 – T CAAD; 3. O processo 454/2024 – T CAAD havia sido contestado a 06-06-2024, não obstante o terminus do prazo apenas ocorrer a 09-09-2024; 4. Aliás, tal como o termo do prazo nos presentes autos; 5. Lapso facilmente explicável, porquanto estamos perante temáticas iguais nos dois processos e, em ambos, o termo do prazo para entrega da resposta ocorrer no mesmo dia 09-09-2024; 6. Aliás, a resposta do 454/2024 – T CAAD até foi submetida antes do termo final do seu prazo, a 06-09-2024; (cf. Doc. 1 e Doc. 2 que ora se juntam e aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais) 7. Mais, o ficheiro de Resposta do processo 491/2024 – T CAAD (presentes autos) está elaborado, gravado e inalterado desde dia 09-09-2024 (último dia do prazo), às 16:46:25 (cf. Doc. 3 e Doc. 4 que ora se juntam e aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais) 8. Em 11-09-2024 foi prolatado o despacho da Exma. Presidente do Colectivo, o qual determinou; “1. Determina-se o desentranhamento dos autos da Resposta e do Processo Administrativo apresentados pela Requerida em 09-09-2024, por serem referentes a outro Processo. 2. Mais se determina que a Requerida no prazo de 5 dias junte aos autos o Processo Administrativo. 3. Convida-se a Requerente para no prazo de 5 dias indicar os factos (ou temas da prova) sobre que pretende a inquirição das
s arroladas, na sequência do que o Tribunal decidirá sobre a utilidade ou dispensa desse meio de prova. 9. Assim, ao abrigo dos princípios do contraditório e da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção de uma composição justa do litígio, requer-se seja relevado o lapso acima descrito e admitida a resposta da Requerida e, bem assim, do respectivo processo administrativo instrutor. 10. Subsidiariamente, caso assim não se entenda, a Autoridade Tributária e Aduaneira declara não prescindir das alegações com vista ao cabal cumprimento do seu direito do contraditório. JUNTA: Resposta, Processo Administrativo instrutor e 4 (quatro) documentos”.
Em 17-09-2024 o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte despacho:
“Considerando o Requerimento da AT apresentado no dia 16-09-2024 notifique-se a Requerente, para no prazo de 5 dias, se pronunciar sobre a admissão do documento da Resposta em substituição do doc. enviado no dia 09-09-2024.”
Por requerimento de 24-09-2024 o Requerente apresentou requerimento com o seguinte teor: “vem informar que se afigura desnecessária a produção de prova testemunhal, atenta a ausência de controvérsia relativamente à matéria de facto em discussão nos presentes autos.
No que concerne ao documento junto em sede de resposta, pela Requerida, a Requerente reserva-se no direito de exercer o respetivo contraditório, em sede de alegações escritas”.
O Requerente apresentou requerimento em 26-09-2024 com o seguinte teor:
“(...) notificado do Despacho Arbitral datado de 17 de setembro de 2024, vem informar que atenta a apresentação extemporânea da resposta por parte da Requerida, deve a mesma ser desentranhada dos presentes autos. Sem prejuízo do exposto, a Requerente nada tem a opor à apresentação de alegações por parte da Requerida para que a mesma possa exercer o respetivo direito de contraditório.”
Por despacho de 30-09-2024, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2, todos do RJAT.
A 23-10-2024 o Requerente apresentou as suas alegações escritas e e o seu direito ao contraditório sobre a exceção invocada.
Em 24-10-2024 a Requerida apresentou as suas alegações finais.
Por requerimento de 20-12-2024 a Requerida veio juntar a decisão arbitral proferida no Processo n.º 493/2024-T.
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Admissão da Resposta
Há que decidir sobre a apresentação da Resposta pela Requerida.
Considerando as razões expostas no requerimento da Requerida de 16-09-2024, entende este Tribunal Arbitral que apesar de a Requerida ter junto a Resposta e o PA relativo a outro processo no prazo da apresentação da Resposta, e em 16-09-2024 ter junto a Resposta relativa a este processo, e porque o Requerido nas suas Alegações respondeu à exceção invocada na Resposta, que se tratou de um erro desculpável, pelo que se admite a Resposta.
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Admissão da decisão arbitral junta por requerimento da AT de 20-12-2024
Atendendo a que se trata de uma decisão arbitral disponível no site web do CAAD, e como tal acessível a todos, admite-se a sua junção.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
O Tribunal Arbitral considera provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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O Requerente é uma instituição de crédito residente em Portugal, do tipo previsto na alínea a) do artigo 3.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, cujo objeto social consiste no exercício da atividade bancária;
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Em 14-12-2020, o Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB de 2020, através da entrega da declaração Modelo 57 dando origem ao Documento de liquidação n.º ... (cfr. Documento n.º 2 reproduzido), tendo o valor aí apurado de € 63.024,62 (sessenta e três mil, vinte e quatro euros e sessenta e dois cêntimos).
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O Requerente em 15-12-2024 pagou o imposto autoliquidado; (cfr. Documento n.º 3 junto com o PPA).
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O Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa no passado dia 28 de novembro de 2023, contra o ato de autoliquidação de ASSB, referente ao ano 2020, identificado sob o n.º... .
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O referido pedido de revisão oficiosa foi indeferido por decisão da UGC, de 29-12-2023 notificado por a 09-01-2024; (cfr. doc. 1 junto com o PPA).
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Na fundamentação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa é mencionado, alem do mais, o seguinte:
2.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos relevantes para a decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados. Não tem de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, conforme previsto no artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e no artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Os factos considerados provados resultaram da análise da prova documental apresentada pelo Requerente, a qual foi avaliada pelo Tribunal Arbitral de acordo com o princípio da livre apreciação dos factos, tendo em conta a ausência de contestação especificada pelas partes. Este procedimento está conforme o artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e o artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
3. Matéria de direito
O objeto do presente processo é um ato de autoliquidação de ASSB relativo ao ano de 2020.
No entanto, a Requerida suscita as seguintes exceções:
b) Da inidoneidade do meio processual e da consequente incompetência do centro de arbitragem
Afirma a Requerida que: “Como referido na parte introdutória do presente articulado, por via da dedução de ppa, vem a Requerente reagir contra o Despacho de indeferimento Liminar do Pedido de Revisão Oficiosa (“PRO”) que, sob o n.º ...2023... . 6. Salvo melhor opinião em contrário, quer o pedido de pronúncia arbitral, quer consequentemente o Tribunal Arbitral são, respetivamente, inidóneos e incompetentes quanto à pretensa ilegalidade da decisão de indeferimento liminar do PRO, conforme se passará a demonstrar de seguida. 7. Contrariamente ao alegado pela Requerente, a Requerida concluiu não estarem preenchidos os requisitos de que dependia a apreciação de mérito do PRO, designadamente o facto de a AT ser incompetente para analisar os vícios que a Requerente assacou à liquidação de ASSBA
Ao decidir como decidiu, a Requerida não apreciou o mérito da controvertida autoliquidação. 9. Na realidade, a Requerida limitou-se a aferir dos pressupostos do PRO (condição prévia para a subsequente análise do mérito do pedido), tendo concluído que o requisito da competência não se encontrava preenchido.
Consequentemente, o indeferimento liminar do PRO constitui um ato administrativo em matéria tributária (porquanto tal decisão não apreciou ou discutiu a legalidade de um ato de liquidação), e não um ato tributário. Nessa medida, somente a Ação Administrativa constitui o meio processual adequado para impugnar a decisão de rejeição liminar sub judice, conforme decorre do artigo 97.º/1-p) do CPPT.
E não o Pedido de Pronúncia Arbitral, pois que este constitui um dos meios de reação destinados a apreciar atos tributários (artigo 2.º/1 do RJAT).”
Apreciação
Este entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira tem sido sistematicamente e uniformemente rejeitado pelo Supremo Tribunal Administrativo.
De mencionar o decidido no Acórdão do STA de 06-03-2024, proferido no Processo n.º 0946/18.0BELRA:
“O ordenamento jurídico português garante a todos os interessados o direito de impugnar ou recorrer dos actos lesivos dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, direito que, todavia, como é pacifico, deve ser exercido sob a forma processual e no tempo que legalmente estejam reconhecidos para esse efeito, devendo o Tribunal proceder à convolação dos autos para a forma processual correcta, inexistindo a tanto qualquer obstáculo, designadamente no que se refere à tempestividade da sua apresentação, conforme resulta dos artigos 20.º e 268.º da CRP e 95.°, n.º 1 e 97.º, n.º 2 e 3 da LGT.
3.2.6. No que respeita à forma como deve ser aferida a idoneidade do meio processual, há muito que este Supremo Tribunal explicita que deve ser aferida pelo pedido concretamente formulado. E que só existe erro na forma do processo se o meio processual utilizado for inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, e que, se perante o pedido formulado, subsistirem dúvidas ao intérprete e aplicador do direito, deve socorrer-se da real pretensão do autor, ou seja, recorrer à causa de pedir invocada para total compreensão da real vontade, do fim que a parte pretende alcançar com a instauração da concreta acção em presença, assim se alcançando uma justiça efectiva e não meramente formal (vide, entre outros, neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 28-5-2014, proferido no processo n.º 1086/13 e de 13-1-2021, proferido no processo n.º 129/18.9BEAVR, bem como os demais aí citados).
3.2.7. Sobre a questão concretamente suscitada nestes autos, isto é, sobre a questão de saber qual o meio processual adequado para sindicar as liquidações nas situações em que a Impugnação Judicial foi precedida de recurso a meios graciosos no âmbito dos quais o mérito dos actos de liquidação não chegou a ser apreciado, também este Supremo Tribunal vem há muito julgando de forma reiterada e uniforme que a Impugnação Judicial é o meio próprio de reacção processual desde que no seu âmbito seja pedida a apreciação quer da legalidade da decisão administrativa quer da liquidação, independentemente de a decisão administrativa que constitui o objecto imediato da Impugnação Judicial versar sobre questão meramente formal (designadamente o acto administrativo de indeferimento ter por fundamento a ilegitimidade ou intempestividade da Reclamação Graciosa) quer o indeferimento se funde no mérito ou não acolhimento dos vícios de mérito imputados à liquidação [neste sentido, vide, entre outros, os nossos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 18-11-2021 (proferido no processo n.º 698/13.4BEALM), de 13-10-2021 (proferido no processo n.º 129/18.9BEAVR) e de 2-2-2022 (proferido no processo n.º 848/14.9BEAVR), todos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt].
3.2.8. Em suma, e como se sumariou nos arestos a que vimos fazendo referência, a Impugnação Judicial é o meio processual adequado quando se pretende discutir a legalidade da liquidação, ainda que seja interposta na sequência do indeferimento do meio gracioso e independentemente do fundamento formal ou de mérito, desde que na Impugnação Judicial essa ampla pretensão seja requerida, ou seja, desde que tal pedido seja formulado ao Tribunal.
3.2.9. Foi, precisamente, o que sucedeu no caso concreto, uma vez que os Recorrentes na petição inicial peticionaram simultânea e expressamente que fossem anuladas as decisões de indeferimento das reclamações graciosas que tiveram por objecto as liquidações e a anulação destas liquidações, sendo, pois, neste circunstancialismo, indiscutível a propriedade do meio processual – Impugnação Judicial – de que os Recorrentes lançaram mão.”
O entendimento do Supremo Tribunal Administrativo é claro: sempre que seja pedida a anulação de uma liquidação (ou atos equiparados, como a autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta), o meio adequado é sempre o processo de impugnação judicial. Isso se aplica independentemente de a decisão administrativa de indeferimento, que é o objeto imediato, se basear apenas em razões formais.
Esta jurisprudência reiterada e uniforme em matéria processual deve ser acatada por um tribunal que atua numa primeira instância.
Considerando que o processo arbitral tributário constitui um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial (artigo 124.º, n.º 2, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, que autorizou o Governo a aprovar o RJAT), os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD possuem todas as competências atribuídas aos tribunais tributários no processo de impugnação judicial para atos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT. Nos presentes autos, é impugnado um ato de autoliquidação, e o Requerente pede a sua anulação. O meio processual adequado para a impugnação nos tribunais tributários é o processo de impugnação judicial, sendo igualmente apropriado o recurso ao processo arbitral.
Pelo exposto, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar a legalidade do ato impugnado, motivo pelo qual a exceção não procede.
b) Da inimpugnabilidade da autoliquidação de ASSB
Refere a Requerida que: “estão excluídas da jurisdição do CAAD as pretensões relativas à ilegalidade de autoliquidações que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa [artigo 2.º/1-a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de março].. No ppa, a Requerente defende que este Tribunal Arbitral sempre teria competência para apreciar a legalidade do ato de (auto)liquidação, porquanto esta havia sido precedida de um Pedido de Revisão Oficiosa.
Nesse sentido, socorre-se da doutrina que equipara o PRO ao procedimento de Reclamação Graciosa, para efeitos de verificação do cumprimento do ónus de reclamação necessária previsto no artigo 131.º do CPPT.
Sucede que tal doutrina pressupõe que no PRO a AT se tenha pronunciado quanto à legalidade da autoliquidação, o que não se verificou neste processo porque o PRO foi liminarmente indeferido com fundamento em incompetência.
No caso presente caso, em que o pedido de revisão oficiosa foi liminarmente indeferido, não tendo o CAAD competência para analisar da legalidade dos fundamentos invocados pela AT na decisão de indeferimento liminar. Neste caso, tal como no exemplo da reclamação graciosa intempestiva, não se tem por verificado o ónus de reclamação necessária, o que torna o ato de autoliquidação inimpugnável, retirando-o outrossim do âmbito de competências do Tribunal Arbitral, por via do artigo 2.º/1-a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de março. 34. De resto, não é despiciendo notar que o PRO em apreço foi apresentado muito depois do prazo de dois anos previsto para a reclamação administrativa.
Ou seja, à data da apresentação do PRO já, há muito, se encontravam consolidadas na ordem jurídica as autoliquidações em apreço, não mais sendo passível a sua discussão na presente instância, sob pena de fraude à lei, pois ‘tempus regit actum’.
Sendo certo que a Requerente respaldou o pedido de revisão oficiosa no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, ou seja, socorreu-se do prazo excecional de 3 anos aí previsto para revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, a verdade é que, como é evidente, não estaria em causa uma situação de “injustiça grave ou notória”, tal como entendida pela jurisprudência, nem certamente o pedido visava uma “revisão da matéria tributável” quando o que se pretendia era a anulação do ato com fundamento na inconstitucionalidade do imposto.
Apreciando
A Requerida, ao referir-se novamente à competência, também aborda a inimpugnabilidade do ato.
Conforme mencionado, e em sintonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD são competentes para apreciar pedidos de anulação de liquidação precedidos de impugnação administrativa rejeitada por razões formais.
Dado que este Tribunal é competente para apreciar esta ação arbitral, é também o tribunal competente para “conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa”, conforme preceitua o artigo 91.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT).
Por concordarmos, aderimos ao decidido no Processo n.º 842/2024-T, que transcrevemos com a devida vénia:
“Sendo este Tribunal competente para a apreciar esta acção arbitral, é também este o tribunal competente para «conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa», como resulta do preceituado no artigo 91.º, n.º 1, do CPC, subsidiariamente aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e), do RJAT.
No que concerne especificamente à inimpugnabilidade, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende, como fundamento no artigo 78.º da LGT, que decorre da intempestividade do pedido de revisão oficiosa, por não ter sido apresentado no prazo da reclamação graciosa, não existir erro imputável aos serviços e a revisão com fundamento em injustiça grave e notória não ser aplicável a actos que não, são de fixação da matéria tributável.
O artigo 78.º da LGT estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 78.º
Revisão dos actos tributários
1. A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2. Revogado.
3. A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte
O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 15-12-2023, relativamente a um acto de autoliquidação efectuado em 15-12-2020, pelo que é manifesto que o pedido não foi apresentado no prazo de reclamação administrativa referido na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, pois o prazo é de dois anos a contar da apresentação da declaração (artigo 131.º, n.º 1, do CPPT).
Por outro lado, embora o pedido tenha sido apresentado dentro do prazo previsto no n.º 4 deste artigo 78.º, o pedido não tem por objecto a «revisão da matéria tributável», como aí se prevê.
Por isso, a tempestividade do pedido de revisão oficiosa só pode resultar da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º, que prevê o prazo de quadro anos, para revisão com fundamento em erro imputável aos serviços.
Os erros de actos de autoliquidação, são, em princípio, imputáveis ao próprio contribuinte, que faz a autoliquidação, mas deverá entender-se que são «imputáveis aos serviços» os erros em que o contribuinte incorreu seguindo instruções da Administração Tributária, o que está em sintonia com o que se prevê, para efeitos de responsabilidade por juros indemnizatórios, no n.º 2 do artigo 43.º da LGT.
É isso o que sucede no caso em apreço.
Na verdade, na sequência da publicação da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, que, no seu artigo 18.º e Anexo VI, criou o Adicional de solidariedade sobre o setor bancário, foi publicada pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais a Portaria n.º 191/2020, de 10 de Agosto, em que, além de se aprovar um modelo de declaração, se fornecem várias instruções relativas aos deveres que recaem sobre os sujeitos passivos no seu preenchimento e, inclusivamente, se esclarece, nas «Observações gerais», quem são as entidades que devem apresentar a declaração, entre as quais se indicam as «instituições de crédito com sede principal e efetiva a administração situada em território português», qualificação esta em que se enquadra a Requerente.
O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais integra a «administração tributária», quando exerce competências administrativas no domínio tributário, como decorre do artigo 1.º, n.º s 2 e 3, da LGT e, ao emitir uma portaria, actua no exercício de competências administrativas.
Na verdade, «uma portaria é um regulamento governamental (art. 138.º/3/al. c) Código de Procedimento Administrativo - CPA), normas jurídicas gerais e abstractas emitidas pelo Governo no exercício de poderes jurídico-administrativos que visam a produção de efeitos jurídicos externos (art. 135.° CPA)» .
A Portaria referida, consubstancia exercício do poder regulamentar, que se insere nas competências de natureza administrativa do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
Por isso, está-se perante um acto de natureza administrativa, emitido pela administração tributária, em que se dão orientações aos contribuintes, sobre a forma de cumprimento dos seus deveres legais, que cabe o conceito de orientação genérica para efeitos de imputabilidade dos seus erros aos «serviços», para efeitos da parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
Para além disso, como há muito vem entendendo uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, havendo erro na liquidação «é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços» (acórdão de 12-12-2001, processo n.º 026.233, cuja jurisprudência é reafirmada nos acórdãos de 06-02-2002, processo n.º 026.690; de 13-03-2002, processo n.º 026765; de 17-04-2002, processo n.º 023719; de 08-05-2002, processo n.º 0115/02; e 22-05-2002, processo n.º 0457/02; de 05-06-2002, processo n.º 0392/02; de 11-05-2005, processo n.º 0319/05; de 29-06-2005, processo n.º 9321/05; de 17-05-2006, processo n.º 016/06; e 26-04-2007, processo n.º 039/07; de 21-01-2009, processo n.º 771/08; de 22-03-2011, processo n.º 01009/10; de 14-03-2012, processo n.º 01007/11; de 05-11-2014, processo n.º 01474/12; de 09-11-2022, processo n.º 087/22.5BEAVR; de 12-04-2023, processo n.º 03428/15.8BEBRG).
Era por o erro na autoliquidação, quando não é imputável a uma deficiente actuação do contribuinte, ser imputável a Administração Tributária que no n.º 2 do artigo 78.º da LGT se estabelecia uma ficção de que qualquer erro de que enfermassem autoliquidações era imputável aos serviços.
A razão que justificava esta ficção era a de que a imposição aos contribuintes da prática de actos de autoliquidação constitui atribuição do exercício de funções tributárias para que aqueles não estão ou não têm de estar vocacionados nem preparados e, por isso, era razoável e proporcionado admitir com maior amplitude a correcção de erros que eventualmente praticassem e os prejudicassem.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21-01-2015, processo n.º 0843/14, «tratando-se de verdadeira liquidação tributária para todos os efeitos, na medida em que o cidadão é utilizado em funções que lhe não são próprias, mas próprias de um funcionário da Administração Tributária, nos casos em que, ao mencionar os factos ou na subsunção dos mesmos ao direito, incorre em erro, esse erro não pode deixar de considerar-se como erro da própria Administração Tributária».
Como é óbvio, esta razão que justifica a especial protecção contra erros praticados pelo contribuinte a quem é imposta por lei a tarefa de liquidação de impostos não deixou de valer com as alterações introduzidas na LGT pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que revogou aquele n.º 2 do artigo 78.º, pois a situação do contribuinte que, depois dessa revogação, se vê obrigado a assumir funções tributárias para que não tem especial preparação é precisamente a mesma que existia antes.
Por isso, a razão da revogação daquela norma do n.º 2 do artigo 78.º, em que se considerava sempre imputável aos serviços qualquer erro da autoliquidação, será a eliminação do exagero de protecção do contribuinte que nela estava ínsito, ao considerar como imputáveis aos serviços todos os erros que o contribuinte tivesse praticado, mesmo que a actuação do contribuinte merecesse censura a título de negligência (ou mesmo de dolo, se bem que pouco provável em situação em que o erro se reconduz a prejuízo para o contribuinte).
Foi, decerto, o exagero de protecção do contribuinte negligente que o n.º 2 do artigo 78.º consubstanciava que terá justificado a sua revogação e não uma intenção legislativa de afastar a imputabilidade aos serviços relativamente a todos os erros praticados nas autoliquidações.
Assim, desde logo, será imputável aos serviços o erro do contribuinte em autoliquidação quando actuou em sintonia com orientações da Administração Tributária, gerais ou não, pois serão casos em que haverá nexo de causalidade entre a actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira e o comportamento do contribuinte.
Mas, a ponderação adequada e sensata das exigências que se podem fazer aos contribuintes, à luz dos princípios constitucionais da legalidade, proporcionalidade e da justiça, impostos à actuação da Administração Tributária pelo n.º 2 do artigo 266.º da CRP, justificará que não seja necessário, para existir o dever de revogação de actos ilegais que decorre do princípio da legalidade, que exista nexo de causalidade entre uma actuação da Administração Tributária e o erro que afecte a autoliquidação, impondo-se esse dever quando o erro na autoliquidação não decorra de um comportamento negligente do contribuinte, à semelhança do que está previsto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT quanto a erros na fixação da matéria tributável, e em sintonia com o que há muito vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, relativamente a esse mesmo conceito de «erro imputável aos serviços» utilizado no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, quanto à responsabilidade por juros indemnizatórios.
Pelo exposto, o Requerente estava em tempo para pedir a revisão oficiosa, a autoliquidação é impugnável, o processo arbitral é meio adequado para apreciar a sua legalidade e este Tribunal Arbitral tem competência a apreciar o pedido e anulação
Pelo exposto improcede a exceção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
4. Saneamento
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.
As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral é tempestivo.
O Tribunal Arbitral é competente.
4. Thema decidendum
Nos presentes autos está em causa o regime jurídico do adicional de solidariedade sobre o sector bancário (ASSB), criado pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/ 2020, de 29 de Julho, que altera a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.º 2/2020, de 31 de Março) e cujo regime jurídico consta do Anexo VI a essa Lei.
O Requerente fundamenta o seu pedido alegando a violação de leis de valor reforçado e normas constitucionais, com base na matéria de facto e no direito aplicável, bem como na configuração do pedido e da causa de pedir.
De acordo com o artigo 124.º do CPPT, ao se estabelecer uma ordem de conhecimento dos vícios, se um vício que assegure a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes for julgado procedente, não é necessário analisar os demais vícios. Se fosse necessário apreciar todos os vícios imputados ao ato impugnado, a ordem de conhecimento seria indiferente.
De harmonia com o disposto no mencionado artigo 124.º, n.º 2, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT, a ordem de apreciação dos vícios deve ser a que, segundo o prudente critério do julgador, confira maior estabilidade e eficácia à tutela dos interesses ofendidos.
Nos termos do disposto no artigo 204.º da CRP, “nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.
No âmbito da atividade jurisdicional, os tribunais têm o dever de examinar se as normas relevantes para a decisão da questão submetida à sua apreciação estão, ou não, em conformidade com as normas e princípios constitucionais. Em outras palavras, “a questão ou questões constitucionais que se colocam na decisão do caso a resolver pelos tribunais devem ser por eles conhecidas e respondidas.” A obrigação de não aplicar normas inconstitucionais vale para todos os tribunais, incluindo os tribunais arbitrais. (cfr. J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, 4.ª Edição, Revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pág. 517-521)
Segundo os mesmos autores e obra citada, a fiscalização concreta caracteriza-se por ser um controlo difuso, incidental e oficioso, na medida em que “o tribunal pode -e deve- conhecer ex offício da inconstitucionalidade, independentemente de impugnação das partes” (cfr. ob cit., pág. 940).
Considerando o disposto no artigo 204.º da CRP e a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, a omissão de pronúncia quanto às questões de inconstitucionalidade suscitadas conduz à nulidade da sentença. Assim, o Tribunal Arbitral dará início pela análise das inconstitucionalidades invocadas. A discussão sobre a qualificação jurídico-tributária do ASSB e dos vícios aqui em análise já foi objeto de exame por vários tribunais a funcionar no CAAD.
Porque concordamos, acompanhamos de perto as decisões proferidas no Processo n.º 845/2024, e no processo n.º 598/2022-T, tendo esta sido recentemente confirmada pelo Tribunal Constitucional, conforme se verá adiante
4.1. Regime jurídico do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário
O Adicional Sobre o Setor Bancário (ASSB) foi instituído pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 29 de julho, que procedeu à alteração da Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.º 2/2020, de 31 de março).
Esta Lei entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, nos termos do seu artigo 26.º.
Nos termos do artigo 1.º e 2 do ASSSB, “O adicional de solidariedade sobre o setor bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores”.
Os artigos 3.º e 4.º do ASSB estabelecem a incidência objetiva e a quantificação do tributo. O artigo 3.º define que o ASSB incide sobre o passivo aprovado pelos sujeitos passivos e sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço. Já o artigo 4.º detalha a quantificação do tributo, especificando as percentagens aplicáveis: 0,02% sobre os passivos e 0,00005% sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço:
Artigo 3.º
Incidência objetiva
O adicional de solidariedade sobre o setor bancário incide sobre:
a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central constituídos por caixas de crédito agrícola mútuo pertencentes ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo, ao abrigo do artigo 72.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de janeiro;
b) O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos.
Artigo 4.º
Quantificação da base de incidência
1 - Para efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, entende-se por passivo o conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros, com exceção dos seguintes:
a) Elementos que, segundo as normas de contabilidade aplicáveis, sejam reconhecidos como capitais próprios;
b) Passivos associados ao reconhecimento de responsabilidades por planos de benefício definido;
c) Os depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo relevam apenas na medida do montante efetivamente coberto por esses Fundos;
d) Passivos resultantes da reavaliação de instrumentos financeiros derivados;
e) Receitas com rendimento diferido, sem consideração das referentes a operações passivas; e
f) Passivos por ativos não desreconhecidos em operações de titularização.
2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, observam-se as regras seguintes:
a) O valor dos fundos próprios, incluindo os fundos próprios de nível 1 e os fundos próprios de nível 2, compreende os elementos positivos que contam para o seu cálculo de acordo com o disposto na parte II do Regulamento (UE) 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.º 648/2012, tendo em consideração as disposições transitórias previstas na parte X do mesmo Regulamento que, simultaneamente, se enquadrem no conceito de passivo tal como definido no número anterior;
b) Os depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis relevam apenas na medida do montante efetivamente coberto por esses Fundos.
3 - Para efeitos do disposto na alínea b) do artigo anterior, entende-se por instrumento financeiro derivado o que seja qualificado como tal pelas normas de contabilidade aplicáveis, com exceção dos instrumentos financeiros derivados de cobertura ou cujas posições em risco se compensem mutuamente.
4 - A base de incidência apurada nos termos do artigo 3.º e dos números anteriores é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte.
No artigo 21.º da mesma Lei inclui-se uma “disposição transitória” nestes termos:
Artigo 21.º
Disposição transitória
1 - Em 2020 e 2021, a liquidação e o pagamento do adicional de solidariedade sobre o setor bancário previsto no regime que consta do anexo VI à presente lei efetua-se de acordo com as seguintes regras:
a) A base de incidência apurada nos termos dos artigos 3.º e 4.º do regime é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020, e nas contas relativas ao segundo semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2021, publicadas em cumprimento da obrigação estabelecida no Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro, que atualiza o enquadramento normativo do Banco de Portugal sobre os elementos de prestação de contas;
b) A liquidação é efetuada pelo próprio sujeito passivo, através de declaração de modelo oficial aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, que deve ser enviada até ao dia 15 de dezembro de 2020 e 2021, respetivamente;
c) O adicional de solidariedade sobre o setor bancário deve ser pago até ao último dia do prazo estabelecido na alínea anterior, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 40.º da lei geral tributária, aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro.
2 - Na ausência da publicação das contas relativas ao primeiro e segundo semestres de 2020, conforme referido na alínea a) do número anterior, a base de incidência é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020, e nas contas relativas ao segundo semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2021, a comunicar pelo sujeito passivo à Autoridade Tributária e Aduaneira até ao dia 15 de dezembro de 2020 e 2021, respetivamente.
3 - Na falta de liquidação do adicional nos termos da alínea b) do n.º 1, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.
4 - Não sendo efetuado o pagamento do adicional até ao termo do prazo indicado na alínea c) do n.º 1, começam a correr imediatamente juros de mora e a cobrança da dívida é promovida pela administração fiscal, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
O artigo 4.º do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020 refere-se à quantificação da base de incidência, definindo, no seu n.º 1, como passivo o “conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros”, com as exceções constantes das diversas alíneas desse número, e como instrumento financeiro derivado o que seja qualificado como tal pelas normas de contabilidade aplicáveis, com exceção dos instrumentos financeiros derivados de cobertura ou cujas posições em risco se compensem mutuamente (artigo 4.º, n.ºs 1, 2 e 3). O n.º 4 desse artigo 4.º esclarece ainda que a base de incidência apurada nos termos do artigo 3.º e dos números anteriores é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte.
Os artigos 5.º, 6.º. 7.º e 8.º referem-se, respetivamente, às taxas aplicáveis à base de incidência e aos procedimentos de liquidação e cobrança, e o artigo 9.º, sob a epígrafe “Consignação da Receita”, declara que a receita do adicional de solidariedade sobre o setor bancário constitui receita geral do Estado, sendo integralmente consignado ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.
De mencionar que o ASSB foi criado com o objetivo de reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, prevendo uma integral consignação da receita respetiva ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.
O legislador pretendeu que fosse uma forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores (artigo 1.º, n.º 2).
Os sujeitos passivos deste tributo são as instituições de crédito cuja sede principal e efetiva da administração se encontra em território português, as filiais em Portugal de instituições de crédito cuja sede principal e efetiva da administração se encontra fora do território português, e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português. À semelhança da Contribuição sobre o Setor Bancário (CSB), estabelecida desde 2011 e que aparenta ser o tributo principal, o ASSB tem como âmbito de incidência objetiva o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos e o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos, com as especificações constantes do artigo 3.º.
O valor deste novo “adicional de solidariedade” corresponde à aplicação de uma percentagem de 0,02% sobre os valores dos passivos das instituições bancárias abrangidas, acrescido de uma percentagem de 0,00005% sobre o valor nacional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço dessas mesmas entidades. O valor deste “adicional de solidariedade” é apurado anualmente através de autoliquidação pelos sujeitos passivos, devendo a declaração do modelo oficial ser enviada à Administração Tributária até ao último dia do mês de junho, com o pagamento sendo efetuado no mesmo prazo.
De mencionar também que a Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 33/XIV, que originou a Lei n.º 27-A/2020, em consonância com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020, de 6 de junho de 2020, limita-se a assinalar que “é igualmente criado um adicional de solidariedade sobre o setor bancário, cuja receita é adstrita a contribuir para suportar os custos da resposta pública à atual crise, através da sua consignação ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.”
4.2. Qualificação jurídica do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário
O artigo 3.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) determina que “os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas”.
Desde logo, descarta-se a possibilidade de o ASSB ser classificado como uma taxa, uma vez que não se verificam os pressupostos estabelecidos no artigo 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT), os quais permitiriam caracterizar o tributo com um caráter bilateral, dado que “os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património” (n.º 1), e as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares” (n.º 2).
No que se refere às contribuições especiais, o n.º 3 desse artigo apenas especifica que “as contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade são consideradas impostos”.
Além dos tipos de tributos tradicionais (impostos e taxas), o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), constitucionalizou, como categoria de tributos autónoma, as contribuições financeiras a favor das entidades públicas.
Nos termos do artigo 3.º da LGT, “os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património», «as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares» e «as contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade são consideradas impostos”.
Esta constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Lei Fundamental, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos.
A doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade pública a um certo conjunto ou categoria de pessoas. Como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, “a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas” (Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, pág. 1095).
São de tributos de natureza bilateral ancorados numa lógica grupal ou de equivalência de grupo, em oposição ao que sucede com a figura das taxas, que se alicerçam num princípio de equivalência estrita ou individual, e que, nessa medida, são uma categoria de tributo cujo fato gerador se constitui em função de um nexo bilateral derivado para o qual influem os sujeitos passivos do grupo a que pertencem (cfr. Filipe de Vasconcelos Fernandes, O (Imposto) Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, pág. 86-87 e nota 132).
Conforme mencionado anteriormente, o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário (ASSB) visa reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social. Esta medida serve como compensação pela isenção do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras. A receita proveniente desta medida constitui uma receita geral do Estado, que é integralmente consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.
A decisão arbitral proferida no processo 598/2022-T menciona que: “ao contrário do que sucede com a Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), que foi consensualmente caracterizada como uma contribuição financeira (cfr., por último o acórdão do STA de 25 de janeiro de 2023, Processo n.º 01622/20, e a jurisprudência nele citada), não pode ser atribuída essa mesma natureza ao ASSB, na medida em que não existe conexão entre os objetivos que presidem à sua criação e uma qualquer responsabilidade acrescida do setor bancário, como também não há uma relação específica de proximidade entre o grupo de sujeitos passivos e ónus de custear o serviço público de segurança social, nem subsiste qualquer benefício para o grupo por efeito da carga fiscal com que é diferenciadamente onerado. E, nesses termos, não se verificam os requisitos típicos de homogeneidade, responsabilidade e utilidade de grupo que possam justificar a caracterização do ASSB como contribuição financeira”.
Além disso, não há uma relação específica de proximidade entre o grupo de sujeitos passivos e o ónus de custear o serviço público de segurança social, nem subsiste qualquer benefício para o grupo por efeito da carga fiscal com que é diferenciadamente onerado.
Nesses termos, não se verificam os requisitos típicos de homogeneidade, responsabilidade e utilidade de grupo que possam justificar a caracterização do ASSB como contribuição financeira (idem, págs. 91-96) e a decisão arbitral proferida no Processo n.º 842/2024-T).
Neste sentido, pronunciou-se o Tribunal Constitucional no Acórdão de 27-02-2024, proferido no Processo n.º 149/2024:
“À luz dos fundamentos agora transcritos, sublinhe-se que, nos termos do artigo 1.º, n.º 2, do regime constante do Anexo VI à Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, o ASSB “[…] tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores”. Prevê o artigo 9.º do mesmo regime que a receita do ASSB “[…] constitui receita geral do Estado, sendo integralmente [consignada] ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social”.
A mera consideração destas duas normas basta para concluir que o ASSB não tem – e não tem manifestamente – as características de uma contribuição financeira (qualificação que, de resto, a recorrente AT também não lhe atribui).
Não obstante as evidentes afinidades com a CSB, designadamente quanto às respetivas regras de incidência objetiva e subjetiva, o ASSB não comunga das finalidades da primeira.
Efetivamente, não é possível fazer assentar uma presunção de prestação administrativa provocada ou aproveitada pela recorrente (ou pelo grupo homogéneo de contribuintes em que esta se integra) que o ASSB se destinasse a compensar em torno de uma finalidade como “[…] reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores”.
O estabelecimento da necessária conexão entre uma realidade e outra não é possível, desde logo, porque não há uma relação de contornos suficientemente definidos entre o regime do IVA no setor financeiro e o sistema de financiamento da Segurança Social.
Ainda que essa conexão pudesse ser estabelecida – e não se vê como –, seria impossível presumir uma qualquer prestação administrativa (ainda que presumida) que suportasse a bilateralidade do tributo.
Assim é, em primeiro lugar, porque muitas das operações financeiras não sujeitas a IVA são sujeitas a Imposto do Selo, existindo, inclusivamente, uma regra de incidência alternativa no artigo 1.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo. Assim, o “benefício” da isenção em sede de IVA não corresponde linearmente a uma isenção de tributação.
Em segundo lugar, e independentemente da incidência de Imposto do Selo, a “isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras” dificilmente pode ser vista como um benefício para as entidades do setor financeiro, uma vez que, na generalidade das hipóteses contempladas, se trata de uma isenção incompleta, que, como tal, não confere direito à dedução (“[…] no caso das isenções incompletas (que limitam o direito à dedução), a despesa fiscal apenas se traduz no valor acrescentado da última operação da cadeia de valor, por contraposição às isenções completas (que conferem o direito à dedução), em que a despesa contempla todo o valor acrescentado gerado ao longo da respetiva cadeia” – cfr. o relatório do Grupo de Trabalho para o Estudo dos Benefícios Fiscais, Os Benefícios Fiscais em Portugal, 2019, disponível em https://www.portugal.gov.pt/, p. 51). Como refere Raquel Machado Lopes Moreira da Costa, Tributação indireta dos serviços e operações financeiras – a Reforma da Diretiva do IVA, disponível em https://www.isg.pt/, p. 1:
“[…]
Atualmente assiste-se, a nível europeu, a uma grande necessidade de definição do regime de tributação indireta dos serviços financeiros, o qual tem sido objeto de diversas e sucessivas propostas de alteração, sem que se tenha alcançado uma versão verdadeiramente satisfatória para todos os interessados.
A nível nacional, estes serviços sofrem de um “síndrome multilateral” – são objeto de Imposto sobre o Valor Acrescentado, sendo no entanto, em grande parte, deste isentos. Esta isenção, sendo incompleta, não possibilita a dedução do IVA pago a montante. Assim, verifica-se o pagamento de imposto oculto que, acrescido ao Imposto do Selo a que é sujeito pela não tributação em sede de IVA, se revela um custo. Dado o caráter complementar que o primeiro tem face ao segundo, gera um aumento significativo dos custos para o operador económico e naturalmente do preço do serviço para o consumidor.
[…]”.
Acresce que o regime fiscal das operações financeiras é complexo e cobre um conjunto heterogéneo de atos dificilmente reconduzíveis a características comuns que permitam o reconhecimento da tal prestação presumida.
Por fim, a modelação de isenções de operações financeiras não está na total disponibilidade do legislador nacional (cfr., designadamente, os artigos 135.º e ss. da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006 relativa ao sistema comum do Imposto sobre o Valor Acrescentado).
Não pode falar-se, enfim, de bilateralidade genérica ou difusa – a bilateralidade é simplesmente inexistente, por falta absoluta de elementos objetivos de conexão que a sustentem.
Em sentido aproximado, também Filipe de Vasconcelos Fernandes, O (imposto) adicional de solidariedade sobre o setor bancário, Lisboa, 2020, pp. 90/93, após sublinhar a discutível homogeneidade de grupo, a ausência de responsabilidade de grupo e a ausência de utilidade de grupo, conclui:
“[…]
Pese embora se possa admitir que entre os diferentes sujeitos passivos do ASSB exista alguma homogeneidade de grupo, afigura-se necessário concluir que, em momento algum, se poderá reconhecer a existência de responsabilidade de grupo – muito em particular sob a forma de responsabilidade pelo risco, como é próprio de tributos vinculados ao risco sistémico bancário – nem tão pouco de qualquer utilidade de grupo.
Efetivamente, no que concerne à responsabilidade de grupo, não existe qualquer conexão entre os fundamentos que presidem à criação do ASSB – seja, como vimos, a despesa fiscal de IVA associada às isenções para o setor financeiro ou até mesmo a sustentabilidade do FEFSS – e uma qualquer responsabilidade acrescida do setor bancário, enquanto grupo tendencialmente homogéneo, de suportar um ónus tributário acrescido.
Conforme vem sendo salientando na doutrina fiscal nacional e comparada, o critério da responsabilidade de grupo pretende justamente onerar um grupo homogéneo de indivíduos ou entidades quando, a respeito de um certo evento com dimensão creditícia ou financeira, aquele se deva diferenciar da sociedade em geral, requerendo-se “uma relação específica de proximidade entre um grupo homogéneo de sujeitos passivos e o evento ou a finalidade creditícia em presença”.
Tal não sucede no caso do ASSB, uma vez que, mesmo que se admita que integram um grupo relativamente homogéneo, os respetivos sujeitos passivos não têm qualquer responsabilidade de grupo, entendida como um ónus no custeamento ou suporte de uma atividade pública.
E assim sucede na medida em que a tipologia de atividades exercidas pelas entidades do setor bancário ou a composição do respetivo balanço patrimonial não é, por si só, suscetível de gerar um ónus contributivo adicional à luz de um tributo cuja conexão ao risco sistémico bancário se encontra totalmente ausente, conforme é inequivocamente demonstrado pela total afetação da respetiva receita ao FEFSS.
Por seu turno, no que concerne à utilidade de grupo, está em causa a ausência de um qualquer benefício para o setor bancário – mais uma vez enquanto grupo tendencialmente homogéneo – que possa, por si só, justificar a imposição de um ónus tributário diferenciado.
Tal apenas se poderia verificar caso as entidades do setor tivessem, no hiato temporal associado à vigência do regime que criou o ASSB, beneficiado diferencialmente de qualquer tipo de prestação ou utilidade, ainda que abstratamente projetada sobre o grupo homogéneo dos seus sujeitos passivos.
Os dados evidenciam, todavia, um cenário completamente distinto, não sendo minimamente discernível que tipo eventual de prestação ou benefício possa ter sido grupalmente projetado sobre o setor bancário, ao ponto de permitir a imposição de um ónus contributivo adicional às entidades que integram o setor bancário.
Verifica-se, por isso, que o ASSB não pode configurar-se como uma contribuição financeira, dado que não reúne, inequivocamente, os carateres tipológicos desta categoria de tributo bilateral ou comutativo.
[…]”.
Em suma, o ASSB só pode qualificar-se como imposto, pelo que a regra da proibição da retroatividade será aferida à luz do disposto no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.”
Pelo exposto, consideramos que o ASSB é um imposto especial sobre o setor bancário, dado que ao não ser designado como contribuição financeira e sendo o ASSB um imposto, não há qualquer dúvida sobre a inclusão dos litígios que o têm por objeto no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, conforme definido no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. Além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece que o ASSB possui natureza de imposto e não questiona a inclusão do litígio no âmbito da referida vinculação à jurisdição arbitral.
Ademais, é à luz desta natureza de imposto que devem ser apreciadas as questões de inconstitucionalidade do ASSB suscitadas pela Requerente.
4.3. Questão da inconstitucionalidade por violação da proibição constitucional da criação de impostos retroativos
Defende o Requerente: “A respeito dos vícios de que padece o imposto especial aqui em análise, diga-se, antes de mais, que, sendo o ASSB um tributo criado em julho de 2020 (por via da Lei n.º 27- A/2020, de 24 de julho) e devido, pela primeira vez, tendo por referência saldos de passivos relativos ao primeiro semestre de 2020, o mesmo viola o princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal, consagrado no n.º 3 do artigo 103.º da CRP.
Conforme o disposto no n.º 1 do artigo 12.º da LGT: “as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor […]”.
Deste importante preceito legal infere-se o predomínio, no âmbito fiscal, da doutrina civilística do facto passado22 e a sua aplicação a qualquer facto autónomo dotado de relevância fiscal.
Por sua vez, nos termos do n.º 3 do artigo 103.º da CRP: “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.
Em suma, da conjugação do disposto no n.º 3 do artigo 103.º da CRP e no n.º 1 do artigo 12.º da LGT, resulta que a regra de não retroatividade dos impostos implica que o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos negativos dessa mesma obrigação, sejam regulados pela lei em vigor à data da ocorrência dos correspondentes factos constitutivos.
O n.º 3 do artigo 103.º da CRP consagra um verdadeiro direito fundamental – análogo aos direitos, liberdades e garantias –, quer pela sua natureza marcadamente subjetiva.
No processo supracitado o Tribunal Constitucional decidiu:
“Recordemos, antes de mais, que a norma transitória sub judice prevê que a base de incidência prevista no Regime do ASSB, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020, é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020 publicadas em cumprimento da obrigação estabelecida no Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro, que atualiza o enquadramento normativo do Banco de Portugal sobre os elementos de prestação de contas.
Considerando que o ASSB foi criado pela Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que entrou em vigor em 25/07/2020, salta à vista que os factos tributários principais se situam no passado relativamente à publicação e entrada em vigor daquele diploma.
A recorrida AT invoca que “[…] o que releva na formação do facto tributário sujeito a ASSB é o momento do apuramento e aprovação das contas e não o «facto material de contabilisticamente ser apurada a existência de passivo»” e que “[…] a formação do facto tributário no ASSB só se verifica com o apuramento e aprovação das contas”. O argumento, porém, não convence. Poderia, eventualmente, relevar se o imposto não tivesse de ser pago ainda no ano 2020, até 15 de dezembro (artigo 21.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho), o que implica, naturalmente, que o facto tributário se encontre totalmente verificado. Não vale, pois, para esta hipótese, designadamente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (referida no Acórdão n.º 268/2021, ao apreciar a questão prévia da utilidade do recurso), relativa à Contribuição sobre o Setor Bancário.
Afirmar, como faz a AT, que a “formação do facto tributário do ASSB relativo ao primeiro semestre de 2020, não se prescinde dessas ‘complexas operações de avaliação’ nem se pode deixar de ter em conta os ‘ajustamentos posteriores à data de balanço’, que se verificam com o apuramento e aprovação das contas”, quando essas contas apenas podem ser aprovadas em 2021, após o encerramento do exercício anual (cfr. artigo 65.º do Código das Sociedades Comerciais), e o imposto tem de ser liquidado em dezembro de 2020 é um contrassenso. Ao situar a liquidação ainda em 2020, o legislador não pode invocar um facto tributário ainda em formação, porque a liquidação, enquanto ao final que determina o montante de imposto a pagar, pressupõe necessariamente um facto tributário já formado. De todo o modo, é impossível ao contribuinte certificar as contas mediante um ato que ainda não praticou. Na verdade, a norma transitória contida no artigo 21.º, n.º 1, alínea a), Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, é incompatível com a previsão do regime do ASSB que a AT usa na sua argumentação, porque o artigo 4.º, n.º 4, daquele regime estabelece a base de incidência “[…] por referência à média anual dos saldos finais de cada mês,que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte”, o que se mostra simplesmente inconciliável com os prazos previstos na norma transitória. Aliás, se assim não fosse, a norma transitória seria inútil.
Sublinhe-se, ainda, que não está em causa, nos presentes autos, a recusa da norma prevista no n.º 2 do artigo 21.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que disciplina a obrigação de pagamento na ausência da publicação das contas semestrais nos termos do Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro. Assim sendo, só releva a obrigação de publicação de contas semestrais, que existe para instituições de crédito, empresas de investimento e instituições financeiras nos termos do referido aviso, que remete para os termos previstos no Código dos Valores Mobiliários (artigos 2.º, alínea a), e 7.º, n.º 2, do Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro). Essa obrigação, quando existente (cfr. artigos 246.º, n.º 1, e 244.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, na redação, aqui relevante, decorrente do Decreto-Lei n.º 22/2016, de 3 de junho), devia ser cumprida tão cedo quanto possível e decorridos, no máximo, três meses após o termo do primeiro semestre do exercício, relativamente à atividade desse período (artigo 246.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, na aludida redação, correspondente ao atual artigo 29.º-J, n.º 1, do referido código), o que significa que a publicação das contas semestrais “tão cedo quanto possível” podia ter ocorrido antes de 25/07/2020, data de entrada em vigor da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho.
Em suma, é apenas o apuramento contabilístico do saldo médio do primeiro semestre de 2020 – e não o seu reflexo nas contas anuais – que releva para a incidência do imposto, pelo que a respetiva tributação por lei entrada em vigor em 25/07/2020 só pode ter-se como irremediavelmente retroativa e, consequentemente, violadora do disposto no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.”
O Tribunal Constitucional decidiu:
“julgar inconstitucional a norma contida nos artigos 18.º e 21.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, no segmento em que se estabelecem as regras de liquidação e pagamento do adicional de solidariedade sobre o setor bancário, previsto no regime que consta do Anexo VI à referida lei, relativo ao ano 2020;”
Pelo exposto, concluímos que a norma transitória do artigo 21.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroatividade dos impostos, consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.
Conforme a linha desta jurisprudência, à qual aderimos, conclui-se que a liquidação do Adicional de Solidariedade sobre o setor bancário, referente ao ano de 2020, está viciada por ilegalidade, o que justifica a sua anulação nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da Lei Geral Tributária (LGT).
5. Questões de conhecimento prejudicado
Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da autoliquidação que é objeto do presente processo, por vício que impede a renovação do ato, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pelo Requerente.
Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao ato impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.
Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pelo Requerente.
6. Reembolso de quantia paga e juros indemnizatórios
6.1. Reembolso da quantia paga
O Requerente pede reembolso do montante indevidamente pago no valor de € 63.024,62.
É consequência da anulação da autoliquidação o reembolso da quantia paga indevidamente, o que se insere no dever de plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, que se refere no artigo 100.º da LGT e no artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT.
6.2. Juros indemnizatórios
O Requerente formula ainda pedido de pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3 d) da LGT em cujos termos são devidos (os referidos juros) “em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”.
O Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa no passado dia 28 de novembro de 2023, contra o ato de autoliquidação de ASSB, referente ao ano 2020, identificado sob o n.º ... .
O pedido de Revisão Oficiosa foi indeferido por decisão da UGC, de 29-12-2023 notificado por a 09-01-2024.
O n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito como quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.
O pedido de revisão do ato tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06.
Como também se refere no mesmo acórdão, “nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT”.
Foi uniformizada jurisprudência neste sentido pelo acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 30-09-2020, proferido no processo n.º 040/19.6BALSB, publicado com o n.º 4/2023, no Diário da República, I Série, de 16-11-2023, em que se conclui: “só são devidos juros indemnizatórios decorrido um ano após o pedido de promoção da revisão oficiosa e até à data da emissão das respetivas notas de crédito a favor da Recorrida”.
Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo desta, como se prevê no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
Assim, no caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos “quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.
Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 28-11-2023, e foi decidido por despacho notificado ao requerente em 09-01-2024 pelo que não decorreu o prazo de um ano necessário para haver direito a juros indemnizatórios.
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Decisão
Pelo exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e em consequência
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Julgar improcedentes as exceções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
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Declarar inconstitucionais as normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, por violação do princípio por violação do princípio da proibição da retroatividade dos impostos, consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição;
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Declarar ilegal e anular o ato tributário de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário referente ao ano de 2020, no valor de € 63.024,62, bem como a decisão de indeferimento do Pedido de Revisão oficiosa com o n.º ...2023...;
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Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia paga e condenar a AT a pagar ao Requerente a quantia de € 63.024,62;
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Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a AT deste pedido;
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Condenar a AT no pagamento das custas.
8. Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 63.024,62, indicado pelo Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
9. Custas
De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do RJAT, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 2.448,00 a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
10. Notificação ao Ministério Público
Nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 3, do RJAT, notifique-se o representante do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo Sul, para efeito do recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.
Lisboa, 28 de fevereiro de 2025
Os Árbitros
___________________
(Regina de Almeida Monteiro – Presidente e Relatora)
_________________
(Gustavo Gramaxo Rozeira – Adjunto)
(com declaração de voto)
____________________
(Amândio Silva – Adjunto)
Declaração de voto
I — Contrariamente à posição que tenho tomado noutros processos relativamente a atos de autoliquidação ou de substituição tributária (assim, cfr., por exemplo, a minha declaração de voto no Proc.º n.º 391/2024-T), no caso presente sou de opinião que a reclamação graciosa não tinha natureza necessária e, portanto, as exceções de inimpugnabilidade e de incompetência do CAAD são improcedentes, tal como se decidiu na Decisão Arbitral.
II — Com efeito, é absolutamente consensual que a reclamação administrativa prevista no art. 131.º, n.º 1, do CPPT tem natureza necessária e que a falta da sua interposição tempestiva torna o ato de primeiro grau contenciosamente inimpugnável. A impugnação judicial (ou arbitral) deduzida, sem precedência de uma reclamação graciosa, contra um ato de liquidação praticado pelo próprio sujeito passivo está inevitavelmente votada ao insucesso. Porém, conforme é entendimento dominante na jurisprudência e na doutrina, o pedido de revisão oficiosa deduzido dentro do prazo para a interposição de reclamação graciosa pode fazer as vezes desta e produzir os mesmos efeitos que teriam resultado da interposição deste meio procedimental. Não está em causa essa equiparação de efeitos entre um e outro meio procedimental. Diferentemente, o que já não se afigura possível será reconhecer-se à dedução de pedido de revisão oficiosa a aptidão de suprir a omissão de tempestiva interposição da reclamação graciosa que o legislador qualificou de necessária e erigiu em requisito de impugnabilidade contenciosa: admiti-lo implicaria que a reclamação graciosa, afinal de contas, não seria nunca nem necessária nem condição de procedibilidade do subsequente processo jurisdicional. A natureza reconhecidamente complementar do procedimento de revisão oficiosa face aos demais meios de impugnação administrativa não pode ter um alcance tão vasto e tão extenso a ponto de derrogar in totum qualquer efeito útil ou eficácia ao regime procedimental (e às suas projeções processuais) que resulta do art. 131.º, n.º 1, do CPPT.
O que fica dito vale, mutatis mutandis, para a questão da competência do CAAD para conhecer da impugnação de atos de autoliquidação. Nos termos do art. 2.º, al. a), da Portaria de Vinculação, a AT excetuou da sua vinculação à jurisdição arbitral do CAAD a impugnação de atos tributários que não tenha sido precedida do recurso às vias administrativas previstas nos arts. 131.º a 133.º do CPPT. Pese embora seja de se reconhecer, para efeitos do preenchimento deste requisito estabelecido pela Portaria de Vinculação, uma equiparação entre as reclamações graciosas e os pedidos de instauração oficiosa de procedimento de revisão (quando apresentados dentro do prazo de 2 anos referido naqueles preceitos do CPPT) não creio que a dedução de pedido de desencadeamento de revisão oficiosa depois de ultrapassado o prazo de 2 anos em referência possa, neste contexto e para estes efeitos, fazer as vezes da reclamação graciosa. Assim, a meu ver, nos casos em que não foi deduzida reclamação graciosa e o pedido de revisão oficiosa foi apresentado para além do prazo de 2 anos previsto no art. 131.º, n.º 1, do CPPT considero que está preenchido o requisito negativo da declaração de adesão da AT à jurisdição arbitral voluntária do CAAD, obstando assim a que esta entidade jurisdicional possa conhecer do objeto da causa. Dito de outra forma: a exigência de reclamação graciosa prévia aposta no cit. art. 2.º, al. a), da Portaria de Vinculação refere-se apenas a este específico meio procedimental (ou, quando apresentado no prazo da reclamação graciosa, também ao pedido de instauração de revisão oficiosa).
Só não será assim — e a reclamação graciosa não terá então natureza necessária e, portanto, nada obsta a que o indeferimento do pedido de revisão oficiosa deduzido no seu prazo normal de 4 anos dê lugar a uma impugnação judicial — se estiver exclusivamente em causa matéria de direito e o ato de autoliquidação tiver sido efetuado de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária (art. 131.º, n.º 3, do CPPT).
III — Revertendo ao caso dos presentes autos, é inquestionável que a questão decidenda envolve apenas matéria de direito. Por outro lado, não pode deixar de se concluir que, como também alega a requerente, o ato tributário de sua própria autoria foi proferido no cumprimento estrito de orientações genéricas emitidas pela AT.
Com efeito, a autoliquidação do ASSB segue um formulário próprio (Modelo 57), cujas instruções de preenchimento (aprovadas pela Portaria n.º 191/2020) claramente indicam, de forma detalhada e minuciosa, a exata configuração que o sujeito deve dar aos factos tributários que vai declarar, subtraindo assim ao declarante qualquer margem de disponibilidade ou autonomia na conformação do conteúdo exatório do ato tributário que — pelo menos formalmente — será por si praticado. Consequentemente, o erro nos pressupostos de direito que serve de fundamento à pretensão anulatória deduzida nesta arbitragem não é resultado da conduta imprevidente da requerente (circunstância que justificaria a necessidade de uma prévia reclamação graciosa), mas é antes o resultado das instruções genéricas constantes do referido impresso fiscal (circunstância que dispensa a necessidade daquele meio procedimental).
Assim, embora por argumentos algo distintos daqueles que resultam da Decisão Arbitral, perfilho igualmente a conclusão de que as exceções de inimpugnabilidade e de incompetência são improcedentes, na medida em que o ato tributário de primeiro grau impugnado na presente arbitragem se subsume na previsão do n.º 3 do art. 131.º do CPPT: a sua impugnação contenciosa não está assim sujeita a reclamação graciosa necessária, nada obstando a que a mesma pudesse ter lugar, como sucedeu no caso presente, na sequência da dedução do indeferimento do pedido de instauração de procedimento de revisão oficiosa.
CAAD, 28/02/2025
O Árbitro,
Gustavo Gramaxo Rozeira