Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 781/2024-T
Data da decisão: 2025-03-07  IRC  
Valor do pedido: € 21.494,37
Tema: IRC. Retenção na Fonte no pagamento de dividendos a OIC não residente. OIC residente nos EUA. Liberdade de circulação de capitais.
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SUMÁRIO:

1) A legislação portuguesa ao tributar por retenção na fonte em IRC dividendos de fonte portuguesa distribuídos a Organismos de Investimento Colectivo (OIC) constituídos ao abrigo da legislação de outro Estado - ao mesmo tempo que permite aos OIC equiparáveis constituídos ao abrigo da legislação nacional beneficiar, em idêntica situação, de isenção dessa retenção na fonte (RF) - não é compatível com o Direito da UE; 2) Por violação da liberdade fundamental de circulação de capitais consagrada no Art.º 63.º do TFUE e em aplicação da Jurisprudência do TJUE, cfr. Acórdão de 17.03.2022, Proc. C-545/19, e, bem assim, Acórdão do STA de 28.09.2023, proc. 93/19.7BALSB, do Pleno da 2.ª Secção; 3) As liquidações de IRC por RF sobre dividendos distribuídos a OIC não residente, e residente em país terceiro, em aplicação dessa mesma legislação são, consequentemente, de anular; 4) Quando de RF se trate, o erro passa a ser imputável à Administração Tributária e Aduaneira após o indeferimento do respectivo procedimento de reclamação graciosa, e funciona como dies a quo para cômputo de juros indemnizatórios a data do indeferimento, expresso ou tácito, consoante (a haver duas datas) o que ocorra em primeiro lugar. 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

1. Relatório

 

A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito dos Estados Unidos da América (EUA), com sede em ..., EUA, sociedade de direito americano, com o número de identificação fiscal português ... (“Requerente”, “Sujeito Passivo” ou “SP”), representado pela sua entidade gestora, B..., sociedade de direito americano com sede em..., ..., EUA, vem, ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”), submeter ao CAAD pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

 

Peticiona, assim, a declaração de ilegalidade de actos de retenção na fonte, em IRC, dos períodos de Abril, Maio e Setembro de 2021.

 

Às retenções na fonte (“RF”) em crise corresponde um valor total de € 21.494,37.

 

O Requerente é um fundo de investimento mobiliário constituído e a operar de acordo com o direito norte-americano, com residência fiscal nos EUA, constituído aí sob a forma de Regulated Investment Company (RIC), em que a tributação do rendimento ocorre na esfera dos participantes.

 

Detém, em Portugal, investimentos financeiros, a saber, participações sociais em sociedades aqui residentes fiscais. E no ano de 2021 recebeu dividendos destas sociedades. Dividendos que foram sujeitos a retenção na fonte (“RF”) à taxa de 15%.

 

Suportou, assim, em Portugal, no ano de 2021, a quantia total de imposto de € 21.494,37.

 

Não deduziu nos EUA, Estado da residência, o imposto retido na fonte em Portugal.

 

Em seu entender, os actos de RF em apreço têm como fundamento jurídico normas que estabelecem uma distinção do regime fiscal aplicável a fundos de investimento residentes e não residentes, e que configuram, por isso, uma restrição à livre circulação de capitais.

 

Apresentou reclamação graciosa (“RG”) solicitando a anulação dos actos de RF, pugnando pela sua ilegalidade por violação do Direito da União Europeia (“Direito da UE” ou “DUE”), e foi depois notificado de decisão de indeferimento da mesma.

 

Não se conforma com a decisão de indeferimento, que considera incorrer em vício de violação de lei, pelo que apresenta o pedido de pronúncia arbitral.

 

Segundo refere, a questão material controvertida nos autos encontra-se resolvida pela Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), com destaque para o Acórdão de 17.03.2022 no processo C-549/19 (AllianzGI-Fonds AEVN), que, nota, se debruçou sobre a compatibilidade do regime legal sob análise com o Art.º 63.º do TFUE.

 

Expõe que no referido Acórdão, que em especial convoca, o TJUE concluiu que “os artigos 63.º e 65.º do TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação de um Estado-membro, nos termos da qual os dividendos pagos por uma sociedade residente nesse Estado-membro a um fundo de investimento não residente estão sujeitos a tributação, mas que exclui de tributação esses mesmos dividendos se pagos a um fundo de investimento residente”. 

 

Razão pela qual, defende, deverão os actos tributários em crise ser anulados “com fundamento em violação da livre circulação de capitais”.

 

Dá nota, entre o mais, de neste sentido ter também já o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 13.09.2023, decidido, “atendendo, por um lado, à jurisprudência firmada pelo TJUE no acórdão AllianzGI-Fonds AEVN e, por outro lado, ao disposto no n.º 4, do artigo 8.º da CRP, que determina deverem os tribunais nacionais, atenta a prevalência do direito comunitário, recusar a aplicação de leis ou normas jurídicas que se encontrem em desconformidade com o direito europeu”.

 

Por fim, e para o caso de se entender não proceder o entendimento que expõe, defende dever submeter-se a questão a título prejudicial ao TJUE, ao abrigo do Art.º 267.º do TFUE.

 

Peticiona, assim, (i) a anulação da decisão de indeferimento da RG, (ii) a anulação dos actos tributários de retenção na fonte de IRC, (iii) a restituição da quantia de € 21.494,37, e (iv) juros indemnizatórios.

 

As posições das Partes são divergentes, no essencial, quanto à alegada - alegada pelo Requerente - ilegalidade do regime jurídico de tributação de OICs não residentes, do qual foi feita aplicação nos actos em crise. Regime que o SP defende ser violador do Direito da UE e, por essa via, estarem aqueles actos feridos de ilegalidade.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD a 24.06.2024 e notificado à AT.

 

Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo.

 

A 09.08.2024 as Partes foram notificadas da designação de árbitro e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 28.08.2024.

 

Notificada para o efeito, a AT juntou o PA e apresentou Resposta, pugnando pela improcedência do PPA, com a consequente manutenção dos actos em crise na Ordem Jurídica. Adere ao constante do procedimento de reclamação graciosa e entende dever dar-se por assente no probatório o que consta ali demonstrado.

 

Expõe que o DL n.º 7/2015, de 13.01, procedeu à reforma do regime de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC) e alterou a redacção do art.º 22º do EBF, aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário, e a sociedades de investimento mobiliário e imobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, cfr seu n.º 1. E que, sendo o Requerente um fundo constituído de acordo com as leis dos EUA, o art.º 22º do EBF não lhe é aplicável.

 

Como melhor desenvolve, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, não pode afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, e a aparente discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes não pode levar a concluir por uma menor carga fiscal dos OIC residentes.

 

Refere a pretensão do Requerente ser demonstrar que a legislação nacional gera uma diferença de tratamento dos Fundos de Investimento estrangeiros suscetível de os dissuadir de realizar investimentos em Portugal por serem sujeitos a uma carga fiscal superior. E, defende, a análise da comparabilidade entre a carga fiscal a que está sujeito o Requerente relativamente aos dividendos pagos por sociedade residente e a carga fiscal que pode incidir sobre os OIC abrangidos pelo art.º 22.º do EBF “exige que sejam tidas em consideração todas as formas de tributação que podem ser aplicadas aos dividendos e às correspondentes ações”.

 

Expõe que os rendimentos auferidos por não residentes sem estabelecimento estável em Portugal, no caso os dividendos, estão sujeitos a tributação em Portugal, cfr 3) da al. c) do n.º 3 do art.º 4.º do CIRC por RF a título definitivo, e que não pode ela Requerida deixar de aplicar as normas legais que a vinculam, porquanto está adstrita ao princípio da legalidade.

 

Segundo entende, o Requerente não fez prova da discriminação proibida; mesmo que não conseguisse recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência (EUA), também não demonstrou que o imposto não possa vir a ser recuperado pelos investidores. Não se provou a impossibilidade de neutralização da invocada discriminação e, assim, o pedido deverá improceder, defende.

 

Os actos de RF devem manter-se, e não deve ser reconhecido direito a juros indemnizatórios.

 

*

Por despacho de 14.10.2024 o Tribunal notificou as Partes da dispensa da realização da reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, bem como para apresentação de alegações facultativas.

 

Ambas as Partes apresentaram alegações, no essencial reiterando o que haviam exposto nos anteriores articulados. O Requerente, defendendo ter demonstrado que foi sujeito a tratamento discriminatório, acrescenta que não beneficiou de um crédito de imposto nos EUA, “não se mostrando o crédito de imposto neutralizado por esta via.” A Requerida, remetendo para o alegado na Resposta, reitera, entre o mais, não estar demonstrado que o Requerente não consiga recuperar no seu Estado de Residência (EUA) o imposto retido em Portugal e nem, bem assim, que o imposto não possa vir a ser recuperado pelos investidores.

 

*

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03.

 

O PPA é tempestivo, apresentado dentro do prazo legal de 90 dias - cfr. al.s h) e j) dos factos provados, infra, e ao abrigo do art.º 10.º, n.º 1 al. a), primeira parte, do RJAT (e v. art.º 102.º n.º 1 al. e) do CPPT). O processo não enferma de nulidades, e não existe matéria de excepção, nem questões prévias a conhecer.

 

Cumpre apreciar e decidir.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os factos que seguem:

 

a) O Requerente é um Fundo de Investimento mobiliário constituído ao abrigo do direito dos Estados Unidos da América (EUA), sob a forma societária aí designada Regulated Investment Company (RIC), e qualifica para efeitos da CDT PT-EUA como residente fiscal nos EUA; (cfr. doc.s 1 e 2 juntos pelo SP e PA)

 

b) Para efeitos fiscais em Portugal o Requerente é sujeito passivo de IRC não residente, e sem estabelecimento estável, e assim sucedia no ano de 2021; (cfr. doc. 1 junto pelo SP e PA)

 

c) No ano de 2021 o Requerente era titular de participações sociais nas seguintes sociedades residentes em Portugal: C... COMMON STOCK EUR1, D... SGPS SA COMMON STOCK EUR1, e E... SA COMMON STOCK EUR1 (cfr. doc. 2 junto pelo SP, e PA)

 

d) Com origem nas participações sociais referidas na alínea anterior, no ano de 2021 o Requerente auferiu dividendos no valor bruto de € 143,295,77, sobre os quais recaiu retenção na fonte liberatória à taxa de 15%, no valor de € 21.494,37, como na seguinte tabela:

 

 

 

(cfr. doc. 2 junto pelo SP, e PA)

 

e) O total de imposto retido na fonte, de € 21.494,37, foi entregue junto dos cofres do Estado em Portugal e tem correspondência nas Guias de retenção com os n.ºs..., ..., e ..., dos períodos de Abril, Maio e Setembro de 2021, respetivamente; (cfr. doc. 2 junto pelo SP, e PA)

 

f) O Requerente não deduziu nos EUA, Estado da Residência (ER), o imposto retido na fonte em Portugal; (cfr. doc.s 3 e 4 juntos pelo SP)

 

g) A 26.04.2023 o Requerente apresentou reclamação graciosa (RG) com referência às Guias de retenção na fonte de IRC (cfr. al. anterior), pugnando pela sua anulação por vício de ilegalidade por violação do Direito Comunitário e pelo reconhecimento do direito à restituição do imposto suportado em Portugal; (cfr. PA)

 

h) O Requerente foi notificado do projecto de decisão e para exercício de audição prévia, que não exerceu e, por Ofício da Requerida de 19.03.2024, no dia 21.03.2024 foi notificado da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa; (cfr. doc. 6 junto pelo SP, e PA)

 

i) No despacho de indeferimento da RG lê-se, entre o mais (tudo se dando por reproduzido):

“(...) A consagração da liberdade de circulação dos capitais e, consequentemente, a proibição de adoção de medidas restritivas da mesma, encontra-se consagrada nos art.ºs 63.º e seguintes do TFUE (...) e é aplicável tanto entre Estados-membros como entre Estados-membros e Estados-terceiros, ou seja, que não integram a UE. / (...) o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) pronunciou-se sobre tal exclusão, através do acórdão proferido no processo n.º C -545/19 de 17 de março de 2022 (...). / Todavia, não cabe à AT invalidar ou desaplicar o direito nacional em consequência de decisões do TJUE, substituindo-se ao legislador (...) o Reclamante é não residente fiscal (EUA) e não dispõe de estabelecimento estável em Portugal, pelo que, não se encontra enquadrado no n.º 1 do art.º 22.º do EBF. (...) é de indeferir o pedido. (...)” (cfr. doc. 6 junto pelo SP, e PA)

 

j) A 21.06.2024 o Requerente deu entrada no sistema do CAAD ao Pedido que dá origem ao presente processo;

 

2.2. Factos não provados

Com relevo para a decisão da causa não existem factos não provados.

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto

Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos aos autos pelo Requerente e no PA, todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos, e, bem assim, nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados e factos não questionados.

Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de Direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º/2 do CPPT e art.º 596.º do CPC[1]), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º/2 e 411.º do CPC[2]).

 

 

3. Matéria de Direito

3.1. Questões a decidir

 

As questões a decidir nos presentes autos são essencialmente de Direito, reconduzindo-se à fundamental questão seguinte: é o regime jurídico-tributário nacional em matéria de tributação de OICs, vigente ao tempo dos factos, violador da liberdade fundamental de circulação de capitais conforme consagrada no TFUE e, assim, violador do Direito da UE?

Colocado de outro modo, encontram-se os actos em crise, de liquidação de IRC no ano de 2021 sobre dividendos auferidos por OIC constituído ao abrigo de legislação de outro Estado que não Portugal (no caso, país terceiro, EUA) - por RF à taxa liberatória de 15% (cfr. art.s  94.º, n.ºs 3, al. b) e 5, e 87.º, n.º 4, 98.º do CIRC, e art.º 10.º da CDT PT-EUA) - feridos de ilegalidade por vício de violação de lei em decorrência do que vem imediatamente de se questionar?

 

Recapitulando brevemente.

 

O Requerente entende que, ao ser tributado em IRC por RF sobre os dividendos que lhe foram distribuídos por sociedades residentes em Portugal, quando diferentemente os OICs constituídos e a operar ao abrigo da lei portuguesa estão dispensados de tal retenção, está a ser alvo de um tratamento discriminatório violador da liberdade de circulação de capitais consagrada no Art.º 63.º do TFUE. E que tanto resulta já expresso da Jurisprudência do TJUE, máxime do Acórdão do TJUE que em especial convoca - Acórdão de 17.03.2022, Proc. C-545/19, Caso AllianzGI-Fonds AEVN[3].

 

Não se conforma, assim, com as RF. Nem com a decisão de indeferimento da RG que as manteve na Ordem Jurídica. (Sempre se diga, a competência dos Tribunais Arbitrais para conhecer de actos de segundo e de terceiro grau não é questionada - v., entre o mais, art.º 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT em conjugação com o art.º 132.º do CPPT, assente que é, em qualquer caso, que o verdadeiro objecto da acção arbitral será o acto de primeiro grau).

 

A Requerida, por seu lado, entende que não merece censura o decidido em sede de RG, desde logo tendo em consideração o princípio da legalidade a que está subordinada.

 

Sobre a matéria veio o TJUE pronunciar-se especificamente. A saber, por Acórdão de 17.03.2022, Proc. C-545/19, Caso AllianzGI-Fonds AEVN[4] (com origem em Reenvio Prejudicial no Processo Arbitral n.º 93/2019-T deste CAAD).

 

Vejamos, antes de mais e de avançarmos, o quadro legal mais pertinente ao caso.

 

No EBF, estabelece o art.º 22.º, conforme redacção aplicável, e introduzida pelo DL n.º 7/2015 já referido[5], assim[6]:

Artigo 22.º - Organismos de Investimento Coletivo

1 - São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional


2 - O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 


3 - Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada (...), os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º1.

  
4 - Os prejuízos fiscais apurados nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis nos termos do disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 52.º do Código do IRC. 


5 - Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica-se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC. 


6 - As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual. 
 

7 - Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código. 


8 - As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime. 


9 - O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo no entanto ser inferior a um ano civil: / (...) 


10 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1. 


11 - A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código. 


12 - O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC. 


13 - As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC. 


14 - O disposto no n.º 7 aplica-se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que (...). 


15 - As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba. 


16 - No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro. 

 

No CIRC,

Artigo 2.º - Sujeitos passivos

  1. São sujeitos passivos de IRC:

(...) c) As entidades, com ou sem personalidade jurídica, que não tenham sede nem direcção efectiva em território português e cujos rendimentos nele obtidos não estejam sujeitos a IRS. / (...)

 

Artigo 4.º - Extensão da obrigação de imposto

(...) 2 – As pessoas colectivas e outras entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos.

3 – Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português (...)

  c) Rendimentos a seguir mencionados cujo devedor tenha residência, sede ou direcção efectiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado:

(...) 3) Outros rendimentos de aplicação de capitais;

 

Artigo 87.º- Taxas

(...) 4 — Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25%, excepto relativamente aos seguintes rendimentos: (...)

 

 

Artigo 94.º- Retenção na fonte

1 — O IRC é objecto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português: (...)

c) Rendimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores e rendimentos prediais, tal como são definidos para efeitos de IRS, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC ou quando (...);

(...)

2 — Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos mencionados no n.º 3 do artigo 4.º, exceptuados (...).

3 — As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, excepto nos seguintes casos em que têm carácter definitivo: (...)

b) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o (...). (...)

 

4 - As retenções na fonte de IRC são efetuadas à taxa de 25 %, aplicando-se aos rendimentos referidos na alínea d) do n.º 1 a taxa de 21,5 %. 


5 — Exceptuam-se do disposto no número anterior as retenções que, nos termos do n.º 3, tenham carácter definitivo, em que são aplicáveis as correspondentes taxas previstas no artigo 87.º 

 

6 — A obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRC ocorre na data que estiver estabelecida para obrigação idêntica no Código do IRS ou, na sua falta, na data da colocação à disposição dos rendimentos, devendo as importâncias retidas ser entregues ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas e essa entrega ser feita nos termos estabelecidos no Código do IRS ou (...).

 

Artigo 98.º- Dispensa total ou parcial de retenção na fonte sobre rendimentos auferidos por entidades não residentes

(...)

2 - Nas situações referidas no número anterior, bem como nos n.ºs 12 e 16 do artigo 14.º, os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efetuar a retenção na fonte, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos das normas legais aplicáveis:

 

a) Da verificação dos pressupostos que resultem de convenção para evitar a dupla tributação ou (...);

(...)

7 — As entidades beneficiárias dos rendimentos que verifiquem as condições referidas nos n.ºs 1 e 2 do presente artigo e nos n.ºs 3 e seguintes do artigo 14.º (...) podem solicitar o reembolso total ou parcial do imposto que tenha sido retido na fonte, no prazo de (...), mediante (...).

 

No TFUE,

Parte II - Não discriminação e cidadania da União

ARTIGO 18.º

No âmbito de aplicação dos Tratados, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade. / (…)

 

Parte III - As políticas e acções internas da União

Título IV - A livre circulação de pessoas, de serviços e de capitais

Capítulo 4 - Os capitais e os pagamentos

Artigo 63.º

1 – No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. / (…)

 

Artigo 65.º

1 – O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito dos Estados-Membros:

a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

(…)

3 – As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º.

(…)

 

*

No nosso caso, temos que o Requerente é um OIC constituído ao abrigo da lei dos EUA, melhor descrito no probatório supra, considerado ali Residente para efeitos da CDT PT-EUA (país não Membro da UE, assim “país terceiro” cfr. TFUE), sem estabelecimento estável em Portugal. E auferiu rendimentos, dividendos, de fonte portuguesa, no ano de 2021. Sobre os quais foi feita RF, à taxa liberatória de 15%.

 

Sendo constituído ao abrigo da lei dos EUA, não cabe na previsão do art.º 22.º, n.º 1 do EBF, que delimita o campo de aplicação subjectiva do artigo e, assim, de aplicação da dispensa de RF.[7]

 

O Requerente vem, nos autos, peticionar a anulação das RF no montante correspondente a € 21.494,37 (cfr. probatório, supra).

 

Mais uma vez, vejamos. Em sede de DUE.

 

Tratando-se de distribuição de dividendos estamos, no caso, sempre se diga, em matéria enquadrável no conceito Comunitário de “movimentos de capitais” – cfr. nomenclatura anexa à Directiva 88/361/CEE.[8]

 

O TJUE, dizíamos, veio decidir naqueles já referidos autos de Reenvio Prejudicial, em que lhe foram colocadas as questões prejudiciais[9] reportadas, assim, ao nosso Ordenamento Jurídico e à matéria de tributação de dividendos, distribuídos a OICs, e enquadrável no art.º 22.º do EBF.

 

Resumiu o Alto Tribunal as ditas questões assim: “(...) Com as suas cinco questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 56.° e 63.° do TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. Esse órgão jurisdicional interroga‑se, por um lado, sobre a questão de saber se esse tratamento fiscal diferente em função do local de residência da instituição beneficiária pode ser justificado pelo facto de os OIC residentes estarem sujeitos a outra técnica de tributação e, por outro, se a apreciação da comparabilidade das situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes para efeitos de determinar se existe uma diferença objetiva entre estes, de molde a justificar a diferença de tratamento instituída pela legislação desse Estado‑Membro, deve ser efetuada apenas ao nível do veículo de investimento ou deve igualmente ter em conta a situação dos detentores de participações sociais.”

 

E, após desenvolver o seu caminho decisório, conclui por sua vez assim: “(...) há que responder às questões submetidas que o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”[10]

 

Para assim concluir, e resumidamente, o Alto Tribunal começa por, após enquadrar a questão à luz da liberdade de circulação de capitais - assim, do Art.º 63.º do TFUE[11]-, referir que é facto assente que no caso a isenção é concedida aos OICs constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa e, diferentemente, os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado-Membro não podem dela beneficiar. E que, ao assim proceder - ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte - a legislação portuguesa procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.[12]

 

Tratamento desfavorável esse, identificado, que “pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º do TFUE”.[13]

 

Como se sabe, e como o Alto Tribunal ali também passa a desenvolver - não obstante o disposto naquele Art.º 63.º - ainda assim é reconhecido o direito dos Estados-Membros (EM) de aplicarem as disposições pertinentes dos seus Ordenamentos Jurídico-Tributários que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação quanto ao local da sua residência ou ao local onde o seu capital é investido. 

 

Porém, como também se refere no Acórdão, tal derrogação ao princípio fundamental da liberdade de circulação de capitais é, por sua vez, limitada - cfr. Art.º 65.º do TFUE, n.º 1 versus n.º 3. Em suma, e por nossas palavras, as diferenças de tratamento admitidas - apesar do Art.º 63.º - pelo Art.º 65.º, n.º 1, deixam de o ser se enquadráveis no n.º 3 do mesmo Art.º 65.º.[14]

 

Ora, conforme Jurisprudência sedimentada do TJUE na interpretação destes últimos normativos, o tratamento diferenciado será admissível neste contexto (e, assim, a legislação fiscal de um EM considerada compatível com o DUE) quando diga respeito a situações não comparáveis objectivamente, ou quando se justifique por razões imperiosas de interesse geral. Sendo que, após apreciação, conclui o TJUE no Acórdão que nenhuma se verifica no caso.

 

Neste seu percurso decisório, e para concluir como acaba de se referir, o Alto Tribunal não deixou de ter em consideração (i) quer o facto de os OIC Residentes serem alvo de uma diferente modalidade de tributação/de técnicas de tributação diferentes (a saber, em IS e em TAs[15]), (ii) quer o facto de o regime tributário em questão ter sido concebido numa lógica de tributação à saída e, assim, de tributação dos dividendos na esfera dos Participantes.

 

Notando, entre o mais, que a legislação nacional (sob reserva de verificação pelo OJR[16]) prevê uma tributação sistemática dos dividendos de fonte nacional que apenas onera os OIC Não Residentes, e considerando o critério de distinção na legislação nacional ser unicamente o do local da residência dos OIC, conclui verificar-se um tratamento discriminatório para o qual não foi apresentada justificação (que permitiria, afinal, enquadrar a situação no Art.º 65.º, n.º1).

 

*

Dito isto, a hipotética possibilidade de neutralização da tributação na esfera dos Participantes, a que a Requerida também se refere, não deixou de ser considerada pelo TJUE: atentando no objectivo prosseguido pelas disposições nacionais, e no seu objecto e conteúdo, o Alto Tribunal realçou o risco de dupla tributação existir seja no caso dos OIC residentes, seja no dos OIC não residentes - ao o Estado Português ter optado por tributar estes últimos, e notou o critério de distinção referido na legislação ter por objecto tão só o lugar da residência dos OIC. Concluindo pela comparabilidade objectiva das situações.

 

Por outro lado, dê-se nota, no caso, em que o Requerente é OIC residente fiscal nos EUA, e como já decorre do que antecede (e vem assente): a doutrina do Acórdão do TJUE que vimos percorrendo não deixa de aplicar-se por a residência do Requerente se localizar em Estado que não EM da UE. Com efeito, o Art.º 63.º do TFUE proíbe as restrições aos movimentos de capitais e aos pagamentos não só entre Estados-Membros como também entre estes e países terceiros. E art.º 22.º, n.º 1, do EBF determina a aplicação do regime aos OIC constituídos ao abrigo da lei nacional - assim ficando excluídos os demais, sejam eles residentes ou não noutro Estado-Membro.

 

*

Vejamos por fim.

 

Como no início ficou percorrido, o Requerente coloca em crise a liquidação em IRC por RF com o fundamento único de - ao tributar-lhe rendimentos, dividendos, em IRC por RF - se ter incorrido em violação do DUE.

 

Defende, assim, a ilegalidade da liquidação em IRC ao terem sidas retidas na fonte as quantias supra em aplicação do disposto nos dispositivos do CIRC que acima também percorremos. E vem, nestes termos, peticionar a respectiva anulação.

 

Aqui chegados.

 

É questão fundamental a apreciar nos autos, para então se decidir quanto à peticionada anulação, vimo-lo, a da conformidade (ou não) do regime jurídico português de tributação de dividendos distribuídos a OICs com o DUE.

 

Com as normas que, no Direito Primário da UE, consagram as liberdades fundamentais. Em concreto com a liberdade de circulação de capitais, quando em causa estão rendimentos, sob a forma de dividendos, obtidos por OICs constituídos e a operar ao abrigo, no caso, da lei de país terceiro. No confronto com o regime aplicável aos OIC Residentes e enquadráveis na previsão do art.º 22.º, n.º 1 do EBF.

 

Tendo em vista a aplicação efectiva e a interpretação uniforme do DUE, foi feito, com origem em processo arbitral com factualidade subjacente substancialmente idêntica à dos presentes autos, Reenvio Prejudicial na matéria, como visto.

 

O TJUE veio, referimos já, declarar que:                    

“O artigo 63.º [do] TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”

 

Pois bem.

 

Tendo em conta a pronúncia do TJUE no Acórdão;

 

Tendo em conta que esta Jurisprudência não pode deixar de ser tida em consideração, impondo-se ao Julgador - também ao Julgador em questões futuras materialmente idênticas - decidir em sentido compatível;[17]

 

Tendo presente o consagrado no art.º 8.º, n.º 4 da CRP[18], a preeminência aplicativa do DUE daí decorrente e, ainda, os valores fundamentais da certeza e segurança jurídicas;

 

Há que decidir em conformidade com a pronúncia do Alto TJUE.

 

Bem assim, com a Jurisprudência Uniformizada pelo STA, em conformidade também com o que antecede, por Acórdão de 28.09.2023, prolatado no Proc. n.º 93/19.7BALSB, Pleno da 2.ª Secção – Acórdão n.º 7/2024. Em cujo Sumário se lê como segue:

 

“Uniformiza a Jurisprudência nos seguintes termos:

1 – Quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação;

  1. – O art.º 63, do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção;
  2. – A interpretação do art.º 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia.”

 

Assim, e retornando mais concretamente ao caso, em que o Requerente é OIC não residente, constituído ao abrigo da lei dos EUA, tendo ficado sujeito – na distribuição de dividendos de fonte portuguesa de que beneficiou em 2021 – a tributação em IRC por RF à taxa liberatória de 15%, nos termos conjugados dos art.ºs 4.º, 94.º, 87.º e 98.º do CIRC (cfr. supra),

 

Em aplicação, como devido, da referida Jurisprudência que vem de se percorrer, e tendo em conta o mais que vimos de referir,

 

À questão a decidir há que responder que sim, é ilegal a liquidação ao tributar na fonte (a título definitivo) os dividendos distribuídos ao Requerente em aplicação de uma legislação violadora da liberdade de circulação de capitais. Houve erro de direito, vício de violação de lei decorrente de incompatibilidade com o DUE. Tudo como supra.

 

A pretendida anulação das RF (e do acto de segundo grau confirmativo) deve, pois, proceder.

 

E fica prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário de reenvio prejudicial.

 

 

4. Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios

 

O SP requer a devolução dos montantes que efectivamente suportou (e v. al. e) do probatório).

 

Há que decidir, como vimos de concluir, pela anulação das liquidações por RF por vício de violação de lei. Cabe, consequentemente, condenar a Requerida na devolução das quantias indevidamente suportadas pelo Requerente e entregues nos cofres do Estado. No valor, vimo-lo, de € 21.494,37. Cfr., entre o mais, art.º 24.º, n.º 1, al. b) do RJAT.

 

Peticiona ainda o Requerente o pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre a quantia cuja devolução requer.

 

Vejamos se lhe assiste razão.

 

É de entender, como vimos, ter havido erro, de direito, do qual resultou pagamento de quantia indevida. Erro de considerar imputável aos serviços, como também na linha da Jurisprudência do nosso STA em matéria de condenação em juros indemnizatórios quando de erro de direito em conexão com DUE se trate[19], e que é afinal, também ela, reflexo do sedimentado pelo TJUE na sua Jurisprudência a respeito do tema.

 

Sendo Jurisprudência assente do TJUE a violação do Direito da UE dar lugar não só à devolução das quantias indevidamente pagas mas também ao pagamento de juros indemnizatórios, é também assente que este pagamento se deverá fazer nos termos previstos por cada Estado-Membro, no respeito pelo princípio da equivalência e da efectividade.[20]

 

Estabelece o art.º 24.º, n.º 5[21] do RJAT a obrigação do pagamento de juros, qualquer que seja a sua natureza, nos termos previstos na LGT e no CPPT. Dispõe o art.º 43.º da LGT assim:

“Artigo 43.º - pagamento indevido da prestação tributária

1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas. 

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: (...).”

 

No nosso caso, estamos perante acção arbitral/impugnação judicial, houve pagamento indevido, por meio de RF, e entende-se, como também antecede, ser de concluir haver erro que é de imputar aos Serviços – de assim imputar a partir do momento em que a Administração Tributária pela primeira vez toma posição desfavorável ao contribuinte. Cfr., entre outros, Acórdãos do STA de 06.12.2017, no proc.º n.º 0926/17, e de 29.11.2023, no proc.º n.º 011/19.2BELRS.

 

Consequentemente, são devidos juros indemnizatórios calculados sobre a quantia entregue em excesso nos cofres do Estado. Porém, e em coerência também com o que antecede, a contabilizar não desde essa entrega, e sim, conforme jurisprudencialmente vem sendo sedimentado, desde a data em que a Requerida, solicitada a pronunciar-se sobre a legalidade em questão, decide pela manutenção dos actos na Ordem Jurídica dentro do prazo legal de decisão. Ou - caso se tenha mantido silente, ou se tenha pronunciado indeferindo só em momento posterior ao termo do prazo legal para decisão - desde a data do término desse prazo, consoante aquilo que ocorrer em primeiro lugar.

 

Revertendo ao caso, a RG tinha sido submetida pelo Requerente a 26.04.2023 (v. al. g) do probatório). E a Requerida pronunciou-se, decidindo indeferir, a 19.03.2024 (v. al. h), probatório). Assim, em data posterior ao termo do prazo legal para decisão, que, sendo de quatro meses, ocorreu a 26.08.2023 (v. art.º 57.º, n.ºs 1, 3 e 5 da LGT). Data esta a partir da qual são, pois, devidos os juros indemnizatórios.

 

Procede nesta medida o pedido do Requerente em matéria de juros. Como se decidirá.

 

5. Decisão

Termos em que decide este Tribunal Arbitral:

- Anular as retenções na fonte de IRC efectuadas a título definitivo melhor identificadas supra, e, consequencialmente, anular a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa;

- Condenar a Requerida no reembolso da quantia indevidamente paga e efectivamente suportada, de € 21.494,37;

- Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios contados desde 27.08.2023 e até processamento da respectiva nota de crédito.

 

 

6. Valor do processo

Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em 21.494,37.

 

7. Custas

Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 7 de Março de 2025

 

O Árbitro,

 

(Sofia Ricardo Borges)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1]Estes últimos Diplomas legais aplicáveis ao nosso processo ex vi art.º 29.º/1 do RJAT (e assim sempre que para eles se remeter na presente Decisão).

[2] Todos Diplomas legais aplicáveis ex vi art.º 29.º/1 do RJAT - cfr. nota anterior – como sempre assim quando remetermos para normativos de outros Diplomas aqui aplicáveis.

[3] A Jurisprudência que se refere ao longo da presente Decisão está disponível, consoante o caso, em: https://curia.europa.eu, www.dgsi.pt, e em www.caad.org.pt

[4] Doravante também “o Acórdão”.

[5] De 13.01 e aplicável aos rendimentos auferidos a partir de 01.07.2015.

[6] Quaisquer sublinhados e/ou negritos ao longo da Decisão serão nossos, salvo se indicado em contrário.

[7] V. supra.

[8] Nomenclatura que conserva o seu valor indicativo e que está disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:31988L0361&from=PT

[9] (cfr. Decisão de Reenvio, e que transcreveu no Par. 20 do Acórdão)

[10] Par. 85

[11] Assim afastando, para efeitos da apreciação em questão e em sintonia também com a sua Jurisprudência assente, quer o Art.º 18.º, quer o Art.º 56.º do Tratado.

[12] Cfr. Par.s 37 e 38

[13] Cfr. Par. 39

[14] V. supra

[15] (Imposto do Selo e Tributações Autónomas)

[16] Órgão Jurisdicional de Reenvio

[17] Ressalvadas, entendemos, eventuais situações onde o disposto no art.º 8.º, n.º 4, in fine, da CRP de forma clara se revele de convocar.

[18] Que determina: “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições (...) são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo Direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático.”

[19] (entre muitos outros, pode ver-se o Ac. do STA de 14.10.2020, proc. 01273/08)

[20] V., entre outros, Ac. do TJUE Caso Littlewoods Retail Ltd., de 19.07.2012, Proc. C-591/10.

[21] E v. a al. b) do n.º 1 do mesmo art.º 24.º, e o art.º 100.º da LGT.