Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 829/2024-T
Data da decisão: 2025-03-10   Outros 
Valor do pedido: € 6.475,26
Tema: Contribuição sobre o Sector Rodoviário (CSR). Direito de União Europeia. Competência dos tribunais arbitrais. Ineptidão da petição. Legitimidade.
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SUMÁRIO:

 

I - Não tendo o Tribunal de Justiça, no Despacho Vapo Atlantic (processo C-460/21) colocado em causa a qualificação da CSR como uma imposição indireta para efeitos do artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118/CE, conclui-se que aquele tributo é um desdobramento do ISP e, como tal, um imposto.

II – Assentando o regime jurídico da CSR num princípio de repercussão legal, as entidades adquirentes de combustível e que suportem o encargo do tributo gozam de legitimidade processual para impugnar judicialmente os atos de liquidação, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, a) da LGT. Mesmo que se entenda que o regime jurídico da CSR não assenta num princípio de repercussão legal, há que reconhecer que o repercutido adquirente de combustíveis alega a titularidade de um interesse legalmente protegido para efeitos do artigo 9.º, n.º 1 do CPPT, tendo legitimidade para intervir no processo tributário nessa qualidade.

III – O regime jurídico da Contribuição de Serviço Rodoviário, constante da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, é incompatível com o Direito da União Europeia, mormente com artigo l.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118/CE.

IV – A repercussão – legal ou não – e o pagamento de um imposto é uma questão de facto, sobre a qual não recai qualquer presunção, nem em benefício da AT, nem em benefício dos contribuintes. Não ficando demonstrada a repercussão e o montante do imposto pago, fica prejudicado o direito à restituição do imposto por parte do adquirente de combustível.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

1. A..., Lda., titular do n.º de identificação fiscal ..., com domicílio fiscal em Rua..., ...-... Gondomar, apresentou, em 01-07-2024, pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, a), e 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária (doravante, RJAT), com as alterações subsequentes, e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, alterada pela Portaria n.º 287/2019, de 3 de setembro, que vincula vários serviços e organismos do Ministério das Finanças e da Administração Pública à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa.

 

2. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pede:

(i) a anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 05-12-2023, junto da Alfândega do Freixieiro (cf. anexo n.º 01, junto com o PPA);

(ii) a anulação dos atos de liquidação de CSR praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, referentes ao período entre dezembro de 2019 e dezembro de 2022, cujo encargo tributário foi repercutido na esfera jurídica da Requerente pela sua fornecedora de combustível, no montante total de € 6.475,26;

(iii) a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do montante de € 6.475,26, indevidamente suportado pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

3. É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, AT ou Requerida).

 

4. Em 03-07-2024, o pedido de constituição de Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação da AT.

 

5. Em 16-07-2024, a Requerida apresentou requerimento, dirigido ao Exmo. Senhor Presidente do CAAD, solicitando a identificação dos atos de liquidação cuja apreciação se pretende. O Requerimento será analisado com a defesa por exceção apresentada pela Requerida.

 

6. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, a) e do artigo 11.º, n.º 1, a), ambos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro singular do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo devido.

 

7. Foram as partes notificadas da designação da signatária, não tendo manifestado vontade de a recusar (cf. artigo 11, n.º 1, b) e c) do RJAT, em conjugação com o disposto nos artigos 6.º e 7 do Código Deontológico do CAAD), pelo que, ao abrigo da al. c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 10-09-2024.  

 

8. Em 10-09-2024, o Tribunal Arbitral proferiu Despacho ordenando a notificação da Requerida para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo e solicitar, querendo, a produção de prova adicional (cf. artigo 17.º do RJAT). A Requerida apresentou resposta, em 14-10-2024, remetendo o Processo Administrativo. Em 15-10-2024, o Tribunal arbitral proferiu Despacho conferindo 10 (dez) dias à Requerente para se pronunciar sobre a defesa por exceção deduzida pela AT – o que não aconteceu.

 

9. Assim, em 17-12-2024, o Tribunal arbitral proferiu Despacho dispensando a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por as partes não terem requerido a produção de prova adicional, e concedendo às partes a possibilidade de apresentarem alegações escritas simultâneas. A Requerente não apresentou alegações escritas. A Requerida apresentou alegações escritas em 16-01-2025. 

 

10. Compulsado o PPA e as respostas, a posição das Partes é, em síntese, a seguinte:

 

A Requerente invoca que é parte legítima do procedimento e processo tributários, seja nos termos do artigo 9.º, n.º 1 do CPPT, visto que é titular de um interesse legalmente protegido, seja nos termos do artigo 9.º, n.º 1 do CPTA, uma vez que é parte da relação material controvertida. Houve erro de direito imputável aos serviços

 

A CSR é um imposto incidente sobre os grandes combustíveis rodoviários, também sujeitos ao ISP. A CSR serve-se em parte das regras que disciplinam o ISP, mas constitui um imposto distinto, com enquadramento legal, estrutura e finalidade próprias. O regime jurídico da CSR, instituído pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, é incompatível com o Direito da União Europeia (DUE), uma vez que o tributo, tal como recortado pelo legislador nacional, não tem subjacente “motivos específicos” na aceção do artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118/CE, tendo sido criado por razões puramente orçamentais. Esta conclusão foi atestada pelo Tribunal de Justiça no Despacho Vapo Atlantic (C-460/21). O preenchimento do conceito “motivos específicos” depende da demonstração da existência de um nexo juridicamente relevante entre a finalidade da tributação e o destino das receitas dela provenientes ou, em alternativa, entre a finalidade da tributação e o efeito prático decorrente da sua imposição, o que não acontece na CSR.

 

Segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, os Estados-membros estão, em princípio, obrigados a restituir os impostos cobrados por um Estado-membro em violação do Direito da União. Tal obrigação também decorre do artigo 100.º, n.º 1 LGT. O Princípio da obrigatoriedade da restituição de impostos pagos indevidamente ao abrigo do DUE vale no ordenamento jurídico português como decorrência do princípio do efeito direto das normas de DUE. Foi a Requerente quem efetivamente suportou o encargo do imposto, por repercussão.

 

O valor indevidamente cobrado corresponde a €0,11 por cada litro de gasóleo rodoviário e de €0,087 por cada litro de gasolina.

 

Havendo erro de direito imputável aos serviços, por aplicação de regime contrário ao DUE, deve o pedido arbitral ser julgado procedente, com consequente reembolso à Requerente do montante de CSR indevidamente suportado, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 LGT.

 

A Requerida apresentou defesa por exceção e defesa por impugnação. Na sua resposta, suscita as exceções dilatórias da incompetência do tribunal em razão da matéria (com dois fundamentos distintos), ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, ineptidão da petição inicial e caducidade do direito de ação (pontos 38.º a 197.º da Resposta).

 

Quanto ao fundo, alega que a Requerente não logrou fazer prova de ter pagado e suportado o encargo da CSR por repercussão. Atento o disposto nos artigos 74.º, n.º 1 do CPPT e 342.º, n.º 1, do Código Civil, não incumbe à Requerida fazer prova da não repercussão, nem é possível presumir a existência de repercussão quando se está perante uma repercussão meramente económica. Diferente entendimento implicaria fazer incidir sobre a Requerida a prova de um facto negativo, ou seja, uma prova diabólica, o que configuraria uma situação de inconstitucionalidade por violação dos princípios da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva. A Requerente não apresenta prova de quem foram os efetivos sujeitos passivos de ISP/CSR. Os documentos juntos ao processo pela Requerente – em especial, as faturas de aquisição do combustível – são insuficientes para demonstrar a ocorrência de repercussão, uma vez que delas consta apenas o valor do IVA liquidado, mas não o valor suportado a título de CSR.

 

Acrescenta que a B..., a fornecedora de combustível da Requerente, solicitou o reembolso do imposto enquanto sujeito passivo de CSR, identificando os atos de liquidação em causa, saltando à vista o risco de possível multiplicação de pedidos de reembolso da mesma quantia liquidada a título de CSR.

 

Defende-se, ainda, argumentando que inexiste qualquer decisão judicial transitada em julgado – do Tribunal de Justiça ou de Tribunal nacional – que tenha declarado ou julgado a inconstitucionalidade ou ilegalidade do regime jurídico da CSR. Neste sentido, estando a AT sujeita ao princípio da legalidade, não poderia recusar-se a aplicar normas de direito interno com fundamento em inconstitucionalidade ou ilegalidade, sob pena de violação do princípio da separação de poderes.

 

A Requerida contesta a apreciação do Tribunal de Justiça no sentido de que não estão subjacentes à CSR “motivos específicos” para efeitos do preceituado no artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118/CE. Finalmente, louvando-se no acórdão Danfoss (processo C-94/10), do Tribunal de Justiça, a AT relembra que um Estado-membro se pode opor a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo adquirente/comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, desde que, à luz do direito desse Estado-membro, seja possível ao adquirente exercer uma ação civil de repetição do indevido e o reembolso dos montantes indevidamente suportados não se mostre, na prática, impossível ou excessivamente difícil. 

 

A serem devidos juros indemnizatórios, a Requerida entende ser de aplicar o artigo 43.º, n.º 1, c) da LGT, segundo o qual, em caso de pedido de revisão oficiosa, os juros indemnizatórios só serão devidos decorrido um ano após a apresentação daquele pedido.

 

II – Saneamento

 

11. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na al. e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.

 

12. As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

13. O processo não enferma de nulidades.

 

14. Tendo em consideração a matéria de exceção suscitada pela Requerida, importa apreciar preliminarmente estas matérias, começando pela da incompetência do Tribunal arbitral, que é de conhecimento prioritário (cf. artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos aplicável ex vi do disposto no artigo 29.º, n.º 1, c), do RJAT).

 

  1. Questão da incompetência relativa do Tribunal Arbitral em razão da matéria

 

15. Na Resposta, a AT arguiu a exceção dilatória de incompetência relativa do Tribunal Arbitral em razão da matéria, nos termos dos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, a) do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, e) do RJAT (pontos 38.º a 53.º da Resposta). Entende, em síntese, que a CSR é uma contribuição financeira, estando a sua sindicância, por conseguinte, excluída da competência material dos tribunais arbitrais tributários, à luz do disposto no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. Foi intenção do legislador restringir a vinculação dos serviços e organismos ao CAAD a pretensões que dizem respeito, especificamente, a impostos, aqui não se incluindo tributos de outra natureza, como as contribuições financeiras. Esta opção legislativa não é inconstitucional, conforme decisão do Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 545/2019.

 

16. A Requerente alegou, no PPA, que a CSR é um imposto (ponto 44.º).

 

Decidindo,

 

17. O âmbito da jurisdição arbitral tributária conhece as limitações impostas por lei e por Regulamento. Com efeito, segundo a al. a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação de pretensões de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de retenção na fonte e de pagamento por conta. Por sua vez, o artigo 4.º do mesmo regime faz depender a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais de portaria dos membros do Governo responsáveis, onde se estabeleça, designadamente, “o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”. Em cumprimento desta delegação legislativa, a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, definiu o objeto da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD como abrangendo “as pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”.

 

18. A referência aos “impostos” que se encontra no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, pode ser interpretada de duas formas.

 

19. Para uma linha jurisprudencial, a designação relevante para efeitos de definição de competência é a designação adotada pelo legislador, e não aquela que o intérprete ou aplicador do direito possam reputar mais adequada. Pretende-se, com esta posição, obstar a que a jurisdição dos tribunais arbitrais se veja dependente da incerteza inerente às diversas perspetivas doutrinais sobre a destrinça entre taxa, imposto e contribuição financeira (cf. acórdão do CAAD de 29-05-2023, processo n.º 31/2023-T; e já antes, com idêntico entendimento, os acórdãos do CAAD de 22-07-2022, processo n.º 788/2021-T, e de 16-10-2018, processo n.º 115/2018-T). Ao passo que, num outro entendimento, a aferição da jurisdição dos tribunais arbitrais já dependerá do resultado que o intérprete alcance quanto à qualificação dos tributos, em função das suas caraterísticas e do seu regime jurídico (cf., por exemplo, acórdão do CAAD 05-01-2023, processo n.º 304/2022-T; e acórdão do CAAD de 15-01-2024, processo n.º 375/2023-T). Sobre esta questão, o Tribunal arbitral entende que, havendo jurisprudência que aponte para uma determinada classificação, não pode o intérprete e aplicador do direito deixar de daí retirar as devidas conclusões em matéria de jurisdição.

 

20. A Constituição refere-se abertamente a três modalidades de tributos – impostos, taxas e contribuições financeiras (artigo 165, n.º 1, i) da CRP). Para cada um destes tributos, em razão do tipo de ablação patrimonial que representam para o contribuinte, prevê a Constituição um acervo de regras formais, orgânicas e materiais distinto, embora com semelhanças no plano dos tributos bilaterais (taxas e as contribuições financeiras).

 

21. A divisão tripartida dos tributos afirmou-se com a revisão constitucional de 1997, por oposição à summa divisio, até aí vigente, entre impostos e taxas. Com a inclusão de um segundo tipo de tributos bilaterais (as contribuições financeiras), o teste da bilateralidade – segundo qual os tributos rigorosamente bilaterais seriam taxas e os tributos não rigorosamente bilaterais seriam impostos – deixou de ser determinante no processo de qualificação. Se antes da revisão de 1997 o processo de qualificação não era simples, uma vez que uma plêiade de tributos merecia uma qualificação distinta daquela para que remeteria o seu nomen iuris (princípio da irrelevância do nomen iuris), o contencioso constitucional da qualificação dos tributos tornou-se, a partir dessa data, ainda mais complexo, atenta a proliferação de tributos híbridos, a meio-caminho entre taxas e impostos.

 

22. Assim, o imposto é uma prestação pecuniária e coativa, com estrutura unilateral. Cada um é chamado a contribuir para os encargos da comunidade independentemente de receber algo em troca, na medida da sua força económica ou da sua capacidade de pagar (princípio da capacidade contributiva). Os impostos pretendem arrecadar receitas para custear as despesas públicas gerais do Estado (artigo 5.º, n.º 1 da LGT). Coerentemente, visto que os impostos agridem o património do particular de forma mais intensa que outros tributos, a Constituição sujeita-os a um regime formal e orgânico bastante rigoroso (reserva de lei integral), colocando sob a alçada do legislador parlamentar todo o regime jurídico de cada um dos impostos. 

 

23. Já as contribuições financeiras são prestações pecuniárias coativas, assentes numa estrutura comutativa, exigidas como contrapartida de uma prestação administrativa de que presumivelmente os respetivos sujeitos passivos, por integrarem um determinado grupo homogéneo, beneficiaram ou causaram.

 

24. A constitucionalização das contribuições financeiras, promovida pela revisão de 1997, visou abarcar uma categoria de tributos que, embora não possuíssem uma estrutura unilateral, não compartilhavam da bilateralidade rigorosa das taxas. Todavia, a circunstância de o legislador de revisão ter optado por subordinar as contribuições financeiras a um regime formal e orgânico semelhante ao das taxas é suficientemente revelador de que a estrutura e a finalidade das contribuições financeiras se aproximam mais dos tributos bilaterais do que dos tributos unilaterais.

 

25. Como se esclarece no acórdão n.º 344/19, do Tribunal Constitucional, a propósito da “taxa” SIRCA:

 

A criação de tributos dirigidos à compensação de prestações presumidas e admissibilidade de um quadro amplo de incidência das taxas torna mais diluída a fronteira entre as diferentes categorias de tributos e muito mais delicada a respetiva qualificação. Se atendermos à «natureza» que assume a prestação do ente público, a linha de fronteira entre as diferentes categorias de tributos públicos pode demarcar-se do seguinte modo: se o pressuposto de facto gerador do tributo é alheio a qualquer prestação administrativa ou se traduz numa prestação meramente eventual, estamos perante um imposto; se o facto gerador do tributo consubstancia uma prestação administrativa presumivelmente provocada ou aproveitada por um grupo em que o sujeito passivo se integra, estamos perante uma contribuição; se o facto gerador do tributo é constituído por uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo causador ou beneficiário, ou por um facto que, de acordo com as regras da experiência, constitui um indicador seguro da existência daquela prestação, estamos perante uma taxa”.

 

26. A diferença decisiva entre imposto e contribuição financeira é dada, portanto, pela identificação expressa ou implícita de uma prestação administrativa – ainda que grupal ou presumida, no caso das contribuições financeiras. Em termos coadjuvantes, a jurisprudência constitucional reconhece igualmente a importância do critério finalístico, admitindo que a consignação da receita do tributo – por oposição ao financiamento das despesas públicas gerais – pode constituir uma orientação relevante (ainda que não determinante) no esclarecimento da sua natureza. Como se lê no acórdão n.º 268/2021, do Tribunal Constitucional, a propósito da Contribuição sobre o setor bancário:

 

A distinção entre as três categorias tributárias parte da consideração simultânea de um critério finalístico a par de um critério estrutural ou do pressuposto e da finalidade do tributo (...). Em linha com a conclusão que antecede, tem sido sublinhada pela jurisprudência do Tribunal a importância de atender, ainda, ao elemento teleológico do tributo (critério finalístico), na medida em que este pode constituir um indicador determinante no esclarecimento da sua natureza (...). Nesta perspetiva, a consignação de receitas à entidade pública competente para financiar as prestações subjacentes aos tributos que as geram constitui, por regra, «uma qualidade reveladora da natureza comutativa destes tributos, por tal consignação significar que a receita não pode ser desviada para o financiamento de despesas públicas gerais» (Acórdãos nºs 539/2015, 320/2016, 7/2019, 255/2020). (v. Acórdãos n.ºs 344/2019 e 255/2020)”.

 

27. Com base nestes critérios, o Tribunal Constitucional qualificou como contribuições financeiras tributos tão variados como as taxas de regulação e supervisão económica (acórdão n.º 365/2008), a taxa pela utilização do espectro radioelétrico (acórdão n.º 152/2013), as penalizações pela emissão de carbono (acórdão n.º 80/2014), a Contribuição extraordinária sobre o setor energético (acórdão n.º 7/2019), a taxa de segurança alimentar mais (acórdão n.º 539/2015) ou a contribuição sobre o setor bancário (acórdão n.º 268/2021). Foram ainda qualificadas como contribuições financeiras a contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica (cf. acórdão do STA de 10.05.2023, processo n.º 0191/20.4BEVIS), assim como a taxa de promoção e de coordenação do Instituto da Vinha e do Vinho (cf. acórdão do STA de 26.09.2018, processo n.º 0299/13.2BEVIS 01007/17), ou a taxa anual devida pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas (acórdão do TCA de 29.09.2022, Processo n.º 21/13.3 BELRS).

 

28. Uma vez denotada a estrutura comutativa do tributo, as eventuais inconsistências ou incoerências do seu regime jurídico deverão ser tratadas no âmbito do princípio da igualdade material, tomado como critério de equivalência, ferindo de inconstitucionalidade material as normas do regime jurídico do tributo que o contrariem (cf., neste sentido, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 344/2019, sobre a taxa SIRCA, e n.º 101/2023, sobre a Contribuição extraordinária do setor energético, quando aplicada aos operadores do setor do gás).

 

29. Ora, a Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E.P.E. (artigo 1.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto) e constitui “a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis” (artigo 3.º, n.º 1). Por financiamento da rede rodoviária entende-se “a respetiva conceção, projeto, conservação, exploração, requalificação e alargamento” (artigo 3.º, n.º 2).

 

30. A incidência objetiva do tributo coincide com a do ISP, ou seja, o tributo incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao Imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e dele não isentos (artigo 4.º, n.º 1). E o mesmo sucede com a incidência subjetiva, uma vez que os sujeitos passivos do tributo coincidem com os sujeitos passivos do ISP (artigo 5.º, n.º 1). Além disso, é aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações (artigo 5.º, n.º 1). Finalmente, o produto da CSR constitui receita própria da concessionária da rede rodoviária nacional, a EP – Estradas de Portugal, E.P.E, que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A (artigo 6.º).

 

31. Destarte, não obstante a operação “cosmética” que o legislador ensaia na Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, ao identificar como facto tributário a utilização da rede rodoviária nacional, consignando a receita do tributo à respetiva concessionária – a Infraestruturas de Portugal – a CSR aproxima-se de um simples desdobramento do ISP, partilhando com este a incidência objetiva e subjetiva, bem como os aspetos da liquidação e cobrança (cf. Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2.º ed., reimpressão, Almedina, 2021, p. 384, nota n.º 8).[1]

 

Como se lê no acórdão do CAAD de 13-11-2023, processo n.º 410/2023-T, não existe “qualquer nexo específico entre o benefício emanado da actividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos sujeitos passivos”. Na verdade, «o financiamento da rede rodoviária nacional é assegurado pelos respectivos utilizadores, que são os beneficiários da actividade pública desenvolvida pela EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (agora IP), verificando-se, no entanto, que a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”. Falta à CSR, portanto, a estrutura comutativa ou de bilateralidade difusa que subjaz às contribuições financeiras e que as distingue dos impostos.

 

32. Esta conclusão é corroborada pelo Despacho Vapo Atlantic, processo C-460/21, o qual, em razão dos princípios da interpretação conforme e do primado do Direito da União Europeia, se projeta como elemento determinante na qualificação do tributo. Efetivamente, segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a qualificação de uma tributação, um imposto, uma taxa ou um direito, à luz do Direito da União Europeia, compete ao Tribunal de Justiça, em função das caraterísticas objetivas de imposição, independentemente da qualificação que lhe é dada pelo direito nacional (cf. acórdãos Istituto di Ricovero e Cura a Carattere Scientifico (IRCCS) — Fondazione Santa Lucia, processo C-189/15, §29; e Test Claimants in the FII Group Litigation, processo C-446/04, §107, entre outros).

 

33. É certo que, no processo arbitral que motivou o pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça (Processo n.º 564/2020-T), o Tribunal qualificou a CSR como um imposto, formulando as questões prejudiciais com base nesse pressuposto. Entende o Tribunal arbitral, todavia, que na decisão em que culminou esse pedido de reenvio – o Despacho Vapo Atlantic, processo C-460/21 – o Tribunal de Justiça não colocou em causa essa qualificação, precisamente por considerar que, pela sua estrutura e regime jurídico, a CSR preenchia as caraterísticas de uma imposição indireta, concretamente, de um imposto indireto sobre os produtos petrolíferos. Por outras palavras, foi o legislador português que, não obstante apelidar o tributo “contribuição”, definiu a respetiva incidência subjetiva, objetiva, liquidação e cobrança em termos análogos às do ISP. Em condições que levaram o Tribunal de Justiça a assumir que a CSR teria uma finalidade exclusivamente orçamental para efeitos do artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118/CE, e que poderia entravar as trocas comerciais pondo em causa o efeito útil da harmonização levada a cabo pela Diretiva no domínio do imposto sobre produtos petrolíferos (Despacho Vapo Atlantic, §26).

 

34. Não constituindo a qualificação da CSR uma questão puramente interna, há que concluir que a CSR é um imposto indireto para efeitos da Diretiva 2008/118/CE e, consequentemente, também para efeitos da legislação portuguesa que se enquadre no âmbito de aplicação da Diretiva, como é o caso da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto. Ou seja, se o Tribunal de Justiça tratou a CSR como um desdobramento do ISP, não pode o intérprete e aplicador português deixar de fazer o mesmo, procurando uma interpretação e aplicação uniformes do Direito da União.

 

35. Termos que se julga improcedente a exceção dilatória de incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria.

 

36. Acrescenta a AT, nos pontos 54.º a 61.º da Resposta, que os atos de repercussão não integram o âmbito material de competência dos tribunais arbitrais tributários, tal como definido no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT. Pelo que ainda que o Tribunal arbitral devesse considerar-se competente para a apreciação da validade dos atos de liquidação de CSR, nunca poderia debruçar-se sobre a validade de atos de repercussão, que não são atos tributários, nem correspondem, in casu, a uma situação de repercussão legal.

 

37. Também aqui não assiste razão à Requerida. O pedido de pronúncia arbitral não tem por objeto a anulação de atos de repercussão per se, mas antes a anulação dos atos de liquidação de CSR posteriormente repercutida sobre os adquirentes de combustível. Neste sentido, caso a anulação das liquidações venha a ser julgada procedente, impõe-se à AT, nos termos do artigo 100.º da LGT, “a reposição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade” e, nessa medida, também a eliminação dos atos de repercussão, sem a qual não haverá reposição da situação atual hipotética.

 

38. Termos em que julga improcedente a exceção dilatória de incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria.

 

  1. Questão da ilegitimidade da Requerente

 

39. A AT pugna, nos pontos 62.º a 133.º da sua defesa por exceção, pela ilegitimidade processual ativa da Requerente, o que, nos termos dos artigos 576.º, n.º 1 e 2 e 577.º, a) CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, e) RJAT, consubstancia uma exceção dilatória. Exceção que, se verificada, implica a absolvição da Requerida da instância.

 

40. Segundo a AT, atento o regime especial previsto nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, só o sujeito passivo que declarou os produtos para consumo e a quem foi liquidado o imposto tem legitimidade para requerer a revisão oficiosa e, consequentemente, para apresentar o pedido de pronúncia arbitral. Ora, o sujeito passivo da CSR é o sujeito passivo do ISP, aplicando-se as mesmas regras em termos de liquidação e cobrança (artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto). Portanto, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto porque não integram a relação jurídica tributária relativa à liquidação originada pela DIC.

 

41. Por outro lado, a AT alega que a Requerente carece de legitimidade à luz do disposto no artigo 18.º, n.º 4, a) da LGT, porquanto no caso concreto não estará em causa uma situação de repercussão legal, mas de mera repercussão económica ou de facto. A Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR, não contempla qualquer mecanismo de repercussão da CSR, assim como os impostos especiais sobre o consumo. No entender da Requerida, importa distinguir entre a repercussão progressiva e a repercussão regressiva, ocorrendo a segunda quando os vendedores tenham interesse em suportar eles próprios, através da diminuição do preço dos combustíveis transacionados, o custo adicional gerado pelo imposto. Neste sentido, mais do que demonstrar a ocorrência de repercussão, o que se exige à Requerente é que esta demonstre a ocorrência de repercussão progressiva, ou seja, que o vendedor transferiu o encargo tributário da CSR para o comprador / adquirente de combustíveis (ponto 94.º da Resposta).

 

42. A repercussão económica depende da decisão dos sujeitos passivos de, no âmbito das suas relações comerciais e da sua política de definição dos preços de venda, procederem, ou não, à transferência parcial ou total da carga fiscal para os seus clientes. Ou seja, a venda do combustível não dá obrigatoriamente origem a uma repercussão, uma que vez que o sujeito passivo pode repercutir uma parte ou a totalidade da CSR, ou não repercutir de todo. A Requerente não só não consegue demonstrar que o valor pago pelos combustíveis que adquiriu às suas fornecedoras inclui o montante pago a título de CSR pelo sujeito passivo que introduziu o combustível no mercado, como não consegue demonstrar que não o repassou no preço dos serviços prestados aos seus clientes ou consumidores finais (ponto 107.º da Resposta).

 

A aceitar-se a legitimidade da Requerente para a apresentação do pedido de revisão oficiosa e da impugnação judicial / pedido de pronúncia arbitral dos atos de liquidação, estaria aberta a porta para a “infundada e indevida restituição reiterada de elevadas quantias monetárias a diversas entidades com base nos mesmos (alegados) factos, sem qualquer possibilidade de controlo” (ponto 125.º da Resposta). Por outro lado, a B... (um dos fornecedores de combustível da Requerente) está, ela própria a solicitar o reembolso da CSR, enquanto sujeito passivo do imposto, saltando à evidência o potencial risco de multiplicação de pedidos de reembolso dos mesmos montantes quer por parte dos sujeitos passivos, quer por parte dos múltiplos intervenientes na cadeia de valor (ponto 129.º da Resposta)

 

43. A Requerente invoca que é parte legítima do procedimento e processo tributários, nos termos do artigo 9.º, n.º 1 do CPPT e do artigo 9.º, n.º 1 CPTA, enquanto titular da relação material controvertida. Na génese da CSR está a imputação do seu montante aos utilizadores, como contrapartida pela utilização da rede rodiviária.

 

Decidindo,

 

44. A legitimidade é a qualidade de ser parte ativa ou passiva num procedimento ou processo tributários. Trata-se de um requisito cuja verificação condiciona a apreciação da questão de fundo e não de uma condição de procedência do pedido. Razão pela qual, nesta fase, se atende à configuração da relação jurídica tal como alegada pelo autor, sem cuidar de saber se o direito invocado efetivamente existe na sua esfera jurídica [Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, vol. I, 2006, p. 120 (anotação ao art. 9.º)].

 

45. A lei tributária parte de um conceito amplo de legitimidade, que não coincide plenamente com a qualidade de sujeito ativo ou passivo na relação jurídica tributária, abrangendo a AT, os contribuintes, os substitutos, os responsáveis, outros obrigados tributários e “quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido” (artigo 9.º, n.º 1 do CPPT). Neste sentido, estão abrangidos tantos quantos possam dizer-se afetados pelo que venha a ser decidido no procedimento ou processo tributários, ou seja, que tenham nele um interesse económico a defender (Rui Duarte Morais, Manual de procedimento e processo tributário, Almedina, 2012, p. 58). Por outro lado, o artigo 18.º, n.º 4, a) da LGT, embora privando quem suporte o imposto por repercussão legal da qualidade de sujeito passivo da relação jurídica tributária, estende ao repercutido legal as garantias dos contribuintes, concretamente o direito de reclamação, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral.

 

46. Entende o Tribunal arbitral que, seja pela via do artigo 9.º, n.º 1 do CPPT, seja pela via do artigo 18.º, n.º 1, a) da LGT, a Requerente tem legitimidade processual para apresentar a presente ação. É certo que o CIEC não continha, até à entrada em vigor da Lei n.º 24-E/2022, 30 de dezembro, uma norma semelhante à do artigo 37.º do CIVA, ou seja, uma norma que previsse expressamente o dever de incluir no preço a pagar pelo adquirente dos bens a importância de imposto liquidada pela AT. Todavia, entende o Tribunal arbitral que a referência à “repercussão legal” inscrita no artigo 18.º, n.º 4, a) da LGT terá de abranger todos aqueles casos em que a lei, direta ou indiretamente, faz assentar o regime jurídico do tributo num princípio de repercussão legal do imposto, ou seja, em que a lei pretende que a ablação patrimonial do imposto seja suportada, não pelo sujeito passivo, mas pelo titular da manifestação de capacidade contributiva que lhe dá causa.

 

47. É o que sucede com a CSR, que, como dispõe o artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, constitui “a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo de combustíveis”. A manifestação de capacidade contributiva que dá causa à CSR – e que o legislador entendeu tributar – não é a introdução dos combustíveis no mercado, mas o próprio consumo de combustíveis por parte dos utilizadores da rede rodoviária nacional.

 

48. A nova redação do artigo 2.º do CIEC, introduzida pelo artigo 6.º da Lei n.º 24-E/2022, 30 de dezembro, limita-se a reconhecer abertamente aquilo que já resultava do regime jurídico dos IEC na versão anterior, ou seja, que o ISP e a (entretanto extinta) CSR assentam num princípio da repercussão legal.[2]

 

49. O alcance subjetivo do artigo 18.º, n.º 4, a) da LGT encontra igualmente reconhecimento na doutrina jus tributária. Neste sentido, Jorge Lopes de Sousa escreveu, ainda antes da alteração legislativa de que resultou a atual redação do artigo 2.º do CIEC:

 

Nos casos de repercussão legal do imposto, apesar de aquele que suporta o encargo do imposto não ser sujeito passivo, é-lhe assegurado o do direito de reclamação, recurso e impugnação [art. 18º, nº 4, da LGT]. São casos de repercussão legal os do IVA e dos impostos especiais de consumo, pois, em face dos respetivos regimes legais, a lei exige o pagamentos dos tributos aos intervenientes no processo de comercialização dos bens ou serviços, visando fazer com que eles venham a ser pagos pelos consumidores finais, que são os titulares da capacidade contributiva que se pretende Tributar” [Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, vol. I, 2006, p. 106 (anotação ao art. 9.º)].

 

50. Também Sérgio Vasques pugna pela indistinção, para efeitos da aplicação do n.º 2 do artigo 54.º da LGT (“As garantias dos contribuintes previstas no presente capítulo aplicam-se também à autoliquidação, retenção na fonte ou repercussão legal a terceiros da dívida tributária, na parte não incompatível com a natureza destas figuras”), entre a repercussão prevista para o IVA e a repercussão que vale para os impostos especiais sobre o consumo:

 

“O artigo 54.º, n.º 2 da LGT acrescenta ainda que as garantias dos contribuintes se aplicam também à autoliquidação, retenção na fonte ou repercussão legal a terceiros da dívida tributária, “na parte não incompatível com a natureza destas figuras”. A. Lima Guerreiro (2001), 254, observa a propósito que as normas de procedimento da LGT se aplicam à repercussão obrigatória que podemos dizer existir no contexto do IVA em virtude da obrigação geral da menção em factura, e a uma repercussão facultativa, que mais frequentemente encontramos na área dos impostos especiais sobre o consumo, taxas e contribuições. E, bem vistas as coisas, faltam razões para distinguir entre uma e outra modalidade de repercussão, quando está em jogo facultar defender o repercutido contra a exigência de tributo superior ao devido (...)” [Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2021, p. 402, nota n.º 35].

 

51. Independentemente da leitura que se faça do artigo 18.º, n.º 4, a) da LGT, a legitimidade processual da Requerente resulta, também, do artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT e do conceito amplo de legitimidade que aí se sufraga (Bruno Botelho Antunes, “Impugnação judicial em retenções na fonte – uma nova perspetiva sobre o interesse processual”, Fiscalidade, n.º 37, 2009, pp. 101-112). Ou seja, mesmo que se entenda que o regime jurídico da CSR não assenta num princípio de repercussão legal, há que reconhecer que o adquirente de combustíveis alega a titularidade de um interesse legalmente protegido para efeitos do artigo 9.º, n.º 1 do CPPT, podendo intervir no processo tributário nessa qualidade (cf., neste sentido, o acórdão do CAAD de 13-11-2023, processo n.º 410/2023-T, a decisão do CAAD de 08-11-2023, Processo n.º 294/2023-T). Isto independentemente da repercussão se achar provada nos autos, já que a questão da prova da repercussão será apreciada posteriormente, na matéria de facto.

 

52. Mostra-se, por estes motivos, improcedente a exceção dilatória relativa à ilegitimidade processual da Requerente.

 

53. A Autoridade Tributária refere ainda que a Requerente, não sendo sujeito passivo do imposto, carece não apenas de ilegitimidade processual, mas também de ilegitimidade substantiva, que constitui uma exceção perentória e conduz à absolvição do pedido, nos termos dos artigos 576.º, n.ºs 1 e 3 e 579.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, e) do RJAT (ponto 132.º da Resposta).

 

54. Mas não lhe assiste razão. A chamada legitimidade substancial ou substantiva tem que ver com a efetividade da relação jurídica material, interessando já ao mérito da causa e, nesse sentido, constitui um requisito da procedência do pedido e não uma condição para a apreciação do mérito.

 

55. Por conseguinte, a legitimidade substantiva só pode ser analisada em função dos factos que sejam dados como provados ou não provados, ou seja, aquando da apreciação do mérito do pedido, não consubstanciando, em coerência, uma exceção perentória (cf. acórdão do CAAD de 14-05-2024, referente ao Processo n.º 790/2023-T).

 

 

  1. Questão da ineptidão da petição inicial

 

56. A Requerida alega a ineptidão da petição inicial, com a consequente nulidade de todo o processo, ao abrigo dos artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, al. b) do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT (pontos 134.º a 178.º da Resposta).

 

57. Acrescenta que o PPA não cumpre os pressupostos vertidos no artigo 10.º, n.º 2 do RJAT porquanto não identifica o ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral, nem as declarações de introdução no consumo que deram origem às liquidações de CSR por parte da AT. E, acrescenta, a AT não tem forma de suprir esta omissão, atenta a impossibilidade de estabelecer qualquer correspondência entre os atos de liquidação de CSR junto do fornecedor de combustível e as faturas de aquisição de combustível apresentadas pela Requerente. Isto acontece porque os sujeitos passivos declaram a introdução de combustível no mercado em múltiplas alfândegas, submetendo as exigidas DIC, combustível esse destinado a múltiplos clientes e depois revendido a outros tantos. Portanto, as transações de combustível em que a CSR terá sido alegadamente repercutida não têm por base um ato de liquidação específico (ponto 155.º da Resposta).

 

58. A Requerida alega, ademais, que não é possível fazer qualquer correspondência entre as quantidades de produtos introduzidas no consumo e as quantidades de produto adquiridas pela Requerente à sua fornecedora, por a liquidação de CSR ter como referência uma base tributável (artigo 91.º, n.º 1 do CIEC) que não é mantida nas vendas subsequentes (ponto 161.º da Resposta). Destarte, o valor efetivamente recebido pela AT seria sempre, em caso de procedência do pedido, inferior ao montante que a Requerente pretende que lhe seja devolvido.

 

59. Existe, finalmente, no entender da AT, contradição entre o pedido e a causa de pedir. “A Requerente formula um pedido de declaração de ilegalidade de liquidações de CSR e o respetivo reembolso de valores alegadamente suportados, no entanto, fazendo-o através da mera impugnação de alegadas repercussões, sem sequer identificar o nexo entre estas e aquelas (que não existe), assentando na ideia errada de que vigora para a CSR um regime de repercussão legal de que a referida repercussão (que como já se viu é meramente económica) possa ser presumida (ponto 174.º da Resposta).

 

Decidindo, 

 

60. O RJAT não contém regime próprio em matéria de exceções e nulidades processuais, aplicando-se, nesta matéria, a título subsidiário, o disposto no CPPT, no CPTA e no CPC, como decorre do previsto no artigo 29.º, n.º 1, a), c) e e) do RJAT (respetivamente).

 

61. A ineptidão da petição inicial é uma exceção dilatória cuja verificação conduz à abstenção de conhecimento do mérito da causa e à absolvição do réu da instância (artigo 278.º, n.º 1, al. b) do CPC). Trata-se de uma exceção de conhecimento oficioso, conforme preceituado no artigo 196.º do CPC e também no artigo 89.º, n.ºs 2 e 4, al. b), do CPTA e no artigo 98.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do CPPT.

 

62. Do artigo 186.º, n.º 1 do CPC consta uma lista fechada de situações geradoras de ineptidão da petição inicial: a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis. De acordo com o n.º 3 do mesmo dispositivo, ainda que os factos essenciais alegados sejam insuficientes, se a ré contestar, decorrendo da contestação que interpretou convenientemente a petição inicial e os pedidos, impugnando expressamente o que foi alegado pelo Autor e, em consequência, requerendo a sua absolvição daqueles, não procede a arguição de ineptidão da petição inicial que eventualmente seja arguida.

 

63. Ora, a exceção relacionada com a ineptidão da petição inicial não procede, porquanto não se verifica nenhuma das situações elencadas no artigo 186.º do CPC. Ao contrário do alegado, não existe contradição entre o pedido e a causa de pedir. A Requerente pede a anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, o qual por sua vez incidiu sobre os atos de liquidação de CSR referentes ao período entre 2019 e 2022, por aquela suportada através de repercussão legal. A causa de pedir não é a repercussão de um tributo inválido, antes a liquidação de um tributo incompatível com o direito da União, a cujo reembolso o adquirente de combustível tem direito na medida em fique demonstrada a repercussão. Anuladas as liquidações, eliminam-se, igualmente, as consequências que com base nelas se hajam produzido, mormente os atos de repercussão legal na esfera jurídica da Requerente.

 

64. Quanto à questão da identificação dos atos de liquidação impugnados, a que alude a al. b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, importa referir que, não sendo a Requerente sujeito passivo do imposto, nem o direto responsável pela sua liquidação, mas apenas a entidade que alegadamente suporta o encargo por efeito da repercussão, não lhe compete o ónus de identificação e de comprovação dos atos de liquidação repercutidos. Era sobre a Autoridade Tributária que impendia o ónus de realizar, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, as diligências que permitiriam verificar a existência dos atos de liquidação do imposto, ao abrigo do princípio do inquisitório e do dever de colaboração com os contribuintes (cfr. acórdão do CAAD de 14-05-2024 relativo ao Processo n.º 790/2023-T, §15-16).

A eventual dificuldade que a AT possa ter na identificação das liquidações a que ela própria procedeu junto dos fornecedores de combustíveis é um problema de organização dos seus serviços, que não pode ser imputado nem trazer desvantagem à Requerente (cfr. acórdão do CAAD de 13-11-2023 relativo ao Processo n.º 410/2023-T).

A Requerente fez tudo quanto poderia ter feito, juntando os documentos que tinha à sua disposição. Exigir à Requerente a identificação dos atos de liquidação numa situação com este recorte, em que o adquirente de combustível não tem meios para proceder a essa identificação nem ela se assume como imprescindível para a apurar da legalidade da liquidação de CSR que as faturas coonestam, constituiria uma interpretação dos normativos sob apreciação em desalinho com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos artigos 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da CRP (cf. acórdão do CAAD de 13-11-2023 relativo ao Processo n.º 410/2023-T).

 

65. Nestes termos, entende o Tribunal Arbitral que improcede a alegada exceção de ineptidão da petição inicial.

 

  1. Questão da caducidade do direito de ação

 

66. A AT invoca, seguidamente, vários argumentos relacionados com a tempestividade do pedido de revisão oficiosa, cuja anulação se peticiona, e consequentemente com a tempestividade do pedido arbitral (pontos 179.º a 197.º da Resposta).

 

67. Argumenta, em primeiro lugar, que não logrando a Requerente a identificação dos atos de liquidação impugnados, não é possível apurar da tempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado em 05-12-2023 e, consequentemente, a tempestividade do PPA ora apreciado (ponto 183.º da Resposta).

 

68. Depois, ainda que superado este obstáculo, é entendimento da AT que o pedido de revisão é intempestivo, não sendo aplicável o prazo de quatro anos previsto no artigo 78.º, n.º 1 da LGT, uma vez que inexiste “erro imputável aos serviços”. Ao proceder às liquidações de CSR impugnadas, a AT manteve-se fiel ao princípio da legalidade da administração, estando-lhe vedado atuar de forma diversa (ponto 187.º da Resposta).

 

69. Alega, finalmente, que o artigo 15.º do CIEC, onde estão previstas regras gerais de reembolso em caso de erro na liquidação, expedição ou exportação dos produtos sujeitos a imposto, é lex specialis relativamente ao artigo 78.º da LGT. De acordo com aquele normativo, só os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução do consumo dos produtos em território nacional têm, no prazo de três anos a contar da liquidação do imposto, legitimidade para apresentar o pedido de reembolso (artigo 15.º, n.ºs 2 e 3 do CIEC). Prazo que, em 05-12-2023, data da receção do pedido de revisão oficiosa, já estaria terminado, pelo menos no que respeita à impugnação de liquidações anteriores a 05-12-2020 (ponto 192.º da Resposta).

 

70. Assim, sendo a caducidade do direito de ação uma exceção dilatória nos termos do artigo 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, k) do CPTA, deve nessa medida, a Requerida ser absolvida do pedido ou da instância.

 

Decidindo,

 

71. É entendimento do Tribunal Arbitral que também esta exceção deve ser julgada improcedente.

 

72. O artigo 15.º do CIEC contém um conjunto de disposições comuns às várias modalidades de reembolso previstas no Código, seja o reembolso por erro (artigo 16.º), o reembolso na expedição (artigo 17.º), o reembolso na exportação (artigo 18.º), reembolso na retirada do mercado (artigo 19.º) e outros casos de reembolso (artigo 20.º), nos seguintes termos:

 

Artigo 15.º

Regras gerais do reembolso

1 - Constituem fundamento para o reembolso do imposto pago, desde que devidamente comprovados, o erro na liquidação, a expedição ou exportação dos produtos sujeitos a imposto, bem como a retirada dos mesmos do mercado, nos termos e nas condições previstas no presente Código.

2 - Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto.

3 - O pedido de reembolso deve ser apresentado na estância aduaneira competente no prazo de três anos a contar da data da liquidação do imposto, sem prejuízo do disposto na alínea a) do artigo 17.º e na alínea a) do artigo 18.º.

4 - O reembolso só pode ser efectuado desde que o montante a reembolsar seja igual ou superior a (euro) 25.

 

73. Ora, como se lê no acórdão do CAAD de 14-05-2024, referente ao Processo n.º 790/2023-T, o regime especial previsto nos artigos 15.º e seguintes do CIEC vale para o reembolso com fundamento em erro na liquidação ou em caso de expedição ou exportação. Ora, no presente processo o que está em causa não é um pedido de reembolso tout court, mas uma declaração de ilegalidade de atos de liquidação de um imposto, à qual se pode seguir, verificados os demais pressupostos, a condenação da AT na restituição do imposto indevidamente pago.

 

74. Resulta, por outro lado, do n.º 1 do artigo 78.º da LGT que a revisão do ato tributário prevista naquele dispositivo constitui um meio de correção de erros na liquidação de tributos levado a cabo pela própria administração tributária (a revisão é da competência de quem praticou o ato tributário). A revisão pode partir da iniciativa do sujeito passivo, no prazo da reclamação administrativa (reclamação graciosa) e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou da iniciativa da administração, no prazo de 4 anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

75. É entendimento pacífico da jurisprudência do STA que, para efeitos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT e em face da teleologia que subjaz ao instituto da revisão, este não abrange apenas os pedidos de revisão oficiosa da iniciativa da administração tributária, mas também a revisão do ato de liquidação requerida pelo sujeito passivo e como tal abrangida pelo prazo alargado de 4 anos. A revisão é, portanto, um afloramento do dever de revogação de atos tributários ilegais, que encontra arrimo nos princípios da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade, que são princípios fundamentais da atividade administrativa (cf. artigo 266.º, n.º 2 CRP e artigo 55.º da LGT). E «face a tais princípios, não se vê como possa a Administração demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão do acto quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados já que tem o dever legal de decidir os pedidos destes» (acórdão do STA, 11-05-2005, processo n.º 0319/05).

 

76. Neste sentido, a revisão do ato tributário prevista no n.º 1 do artigo 78.º da LGT é um modo de reação complementar aos meios administrativos e contenciosos gerais e especiais (cf. decisão arbitral do CAAD de 24.06.2021, processo n.º 500/2020-T). Como se lê no acórdão do STA de 08-06-2022, processo n.º 0174/19.7BEPDL, “[e]m função do respetivo, integral, conteúdo normativo, o art. 78.º da LGT consubstancia, no âmbito da proteção dum Estado de Direito, um depósito de garantias, acrescidas, de defesa e reposição da legalidade, concedidas aos sujeitos de relações jurídico-tributárias”.

 

77. Assim, ainda que versassem sobre a mesma matéria, os mecanismos de reembolso previstos nos artigos 15.º e ss. do CIEC não afastam a aplicação do artigo 78.º da LGT ao caso sub judice. O procedimento de revisão oficiosa assume-se, tanto pela sua localização sistemática (na LGT), como pelo substrato teleológico que lhe preside, como uma garantia dos contribuintes que acresce às previstas no CIEC ou noutra legislação especial.

 

78. Esta modalidade de revisão do ato tributário só é possível nas situações em que haja “erro imputável aos serviços”, aqui compreendido não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, do qual tenha resultado, para o contribuinte, uma liquidação de imposto superior ao devido. Essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afetada pelo erro (cf., entre outras, a decisão arbitral do CAAD de 24-03-2022, processo n.º 615/2021-T, e, entre outros, os acórdãos do STA de 12-02-2001, recurso n.º 26233, de 11-05-2005, recurso n.º 0319/05, de 26-04-2007, recurso n.º 39/07, de 14-03-2012, recurso n.º 01007/11 e de 18-11-2015, recurso n.º 1509/13).

 

79. Como se lê no acórdão do STA de 12-02-2001, recuperado no acórdão do STA de 03-06-2020, «havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte (...)» (cf. acórdão do STA de 03-06-2020, processo n.º 018/10). E não valerá a pena invocar que, ao contrário dos tribunais – que têm, nos termos do artigo 204.º da CRP, “acesso direto” à Constituição – não goza a Administração Tributária do poder-dever de desaplicar normas inconstitucionais e normas contrárias ao direito da União. Com efeito, desde a prolação do acórdão Fratelli Costanzo, pelo Tribunal de Justiça, existe jurisprudência constante no sentido de que o princípio do primado – e o seu corolário prático, o princípio do efeito direto – estende à administração pública o dever de desaplicar as disposições de direito nacional contrárias a uma norma de direito da União que goze de efeito direto (acórdão Fratelli Costanzo, processo 103/88, em particular § 31).

 

80. Assim, alegado o erro imputável aos serviços, o prazo para apresentar o pedido de revisão oficiosa é de 4 anos após a liquidação, e não de 120 dias, como sustenta a AT.

 

81. O referido pedido de revisão oficiosa respeita a atos de liquidação praticados no período compreendido entre dezembro de 2019 e dezembro de 2022, tendo sido apresentado em 05-12-2023. Não sendo a Requerente sujeito passivo de ISP/CSR, nem sendo responsável pelo pagamento do imposto ao Estado, a contagem do prazo para a apresentação de pedido de revisão oficiosa só pode tomar como referente a data constante das faturas de aquisição de combustível juntas aos autos com o PPA (cf. anexo n.º 01).

 

Logo, o pedido foi apresentado tempestivamente, isto é, antes de decorridos quatro anos desde a data da liquidação, que é o prazo que releva à luz do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, em face da ocorrência de “erro imputável aos serviços”.

 

O indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa formou-se a partir de 05-04-2024, ou seja, quatro meses após a AT ficar constituída no dever de decidir (artigo 57.º, n.º 1 da LGT). Por conseguinte, o PPA, apresentado em 01-07-2024, é também tempestivo (artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).

 

73. Pelo que, pelas razões expostas, improcede a exceção relacionada com a caducidade do direito de ação.

 

82. Pelo que, pelas razões expostas, improcede a exceção relacionada com a caducidade do direito de ação.

 

III – Matéria de facto

 

  1. Factos provados

 

83. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é uma sociedade comercial portuguesa que se dedica à indústria de estofos (cfr. certidão permanente junta com o PPA).
  2. No período compreendido entre dezembro de 2019 e dezembro de 2022, a Requerente gastou um total de € 87.467,48 na aquisição de gasóleo rodoviário à B... (cf. o anexo n.º 01 e os mapas explicativos constantes do PPA).

 

(Mapa explicativo constante do PPA)

  1. Em 05-12-2023, a Requerente apresentou, junto da Alfândega do Freixieiro, um pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação da Contribuição de Serviço Rodoviário, referentes ao período entre dezembro de 2019 e dezembro de 2022, invocando que o encargo da CSR, no montante de € 6.475,26, foi repercutido na sua esfera jurídica pela sua fornecedora de combustível.
  2. A Autoridade Tributária e Aduaneira não emitiu decisão quanto ao pedido de revisão oficiosa até 01-07-2024, data em que deu entrada o pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Factos não provados

 

84. Não se considera provada a repercussão de CSR sobre a Requerente, nem o valor por esta suportado, a título de CSR, aquando da aquisição de combustível. 

 

  1. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

85. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes, no teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente e pela Requerida.

 

86. Os factos dos pontos A, B, C e D resultam da prova documental junta aos autos, mormente do anexo n.º 01, e do processo administrativo.

 

87. A repercussão e pagamento de um imposto não se presume mesmo quando seja legalmente exigida a incorporação do imposto no preço de venda dos bens (repercussão legal), ou mesmo que, habitualmente, no domínio do comércio, o imposto seja parcial ou totalmente repercutido. Neste sentido, para o Tribunal de Justiça, a repercussão tributária – legal ou não – é uma questão de facto, que depende de fatores inerentes a cada transação comercial e será mais ou menos provável consoante as caraterísticas do mercado, mormente a sua elasticidade ou inelasticidade (Despacho Vapo Atlantic, processo C-460/21, §44; Weber’s Wine, processo C-147/01, §96).[3]

 

88. Ora, para efeitos da restituição da CSR indevidamente liquidada e paga, revela-se essencial prova que demonstre que os sujeitos passivos repercutiram a totalidade do imposto sobre a Requerente e, neste caso, o rigoroso montante do imposto repercutido e pago na qualidade de contribuinte de facto – contribuinte lesado.

 

Ora, entende o Tribunal arbitral que, não recaindo presunção sobre a ocorrência de repercussão e pagamento do imposto, os meios de prova são insuficientes para formar uma convicção segura, atentas as especificidades das transações comerciais envolvidas, de que, no presente caso, a entidade que alienou à Requerente terá repercutido integralmente sobre ela os montantes que lhe foram liquidados a título de CSR. Tanto mais que não resulta dos autos que tenha sido a B...– fornecedora de combustível da Requerente – a introduzir o combustível no consumo, através da submissão das necessárias DIC, nem foi trazida ao processo qualquer outro meio de prova – designadamente uma declaração escrita ou oral – de que aquela entidade tenha efetivamente repercutido a CSR sobre os adquirentes de combustível, como a Requerente.

 

IV – Fundamentação de direito

 

  1. Da ilegalidade das liquidações: a questão da violação do Direito da União

 

89. A questão que vem colocada é a de saber se a Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que constitui um imposto incidente sobre os combustíveis rodoviários também sujeitos ao Imposto sobre Produtos Petrolíferos, e que se encontra enquadrada pela Diretiva n.º 2008/118/CE, tem um “motivo específico” na aceção do artigo 1.º, n.º 2, dessa Diretiva.

 

90. A AT defende-se por impugnação contrariando a asserção de que a CSR não tem um “motivo específico” na aceção do 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118/CE (ponto 249.º da Resposta). Invoca que o contrato de concessão da rede rodoviária nacional adstringe a CSR à prossecução de objetivos não orçamentais, mormente de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental. Insiste que inexiste qualquer decisão judicial transitada em julgado – do Tribunal de Justiça ou de outro Tribunal – que tenha declarado ou julgado a inconstitucionalidade ou ilegalidade do regime jurídico da CSR. Destarte, estando a AT adstrita ao princípio da legalidade, não existe “erro imputável aos serviços”, seja para efeitos do pedido de revisão oficiosa, seja para efeitos da condenação em juros indemnizatórios (ponto 189.º da Resposta).

 

91. A Requerente, louvando-se no Despacho do Tribunal de Justiça, Vapo Atlantic, processo C-460/21, e em jurisprudência anterior do mesmo Tribunal, alega que não preside à CSR qualquer “motivo específico”, distinto do subjacente ao ISP. Solicita, por conseguinte, ao Tribunal arbitral que, em linha com os princípios do primado e do efeito direto, ínsitos no artigo 8.º, n.º 4 da CRP, desaplique as normas da Lei n.º 55/2017, de 31 de agosto, e declare a ilegalidade dos atos de liquidação de CSR.

 

92. Importa, num primeiro momento, atentar nos efeitos do Despacho Vapo Atlantic. As decisões do Tribunal de Justiça em sede de reenvio prejudicial (artigo 267.º TFUE) têm valor declarativo, definindo o sentido a atribuir a uma norma de DUE (originário ou derivado) desde o momento em que esta entrou em vigor. A interpretação declarada pelo Tribunal de Justiça passa a ser parte integrante da norma de DUE. Como é sabido, o Tribunal de Justiça não é competente para, em sede de reenvio prejudicial, declarar a ilegalidade de atos de direito interno. Essa é uma competência do órgão jurisdicional nacional. Todavia, uma vez que o instituto do reenvio prejudicial procura assegurar o princípio da interpretação e aplicação uniformes do DUE, as interpretações do Tribunal de Justiça vinculam todos os demais órgãos jurisdicionais nacionais chamados a interpretar e aplicar aquela norma.

 

93. Naquele Despacho, foi o Tribunal de Justiça chamado a responder, entre outras, à seguinte questão: “O artigo 1.°, n.º 2, da Diretiva [2008/118], e designadamente a exigência de “motivos específicos”, deve ser interpretado no sentido de que a finalidade de um imposto é meramente orçamental quando a sua criação é feita com o objetivo de financiar empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, por ocasião da renovação da sua concessão, e à qual a receita do imposto fica genericamente afetada, e a sua estrutura não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo?”.

 

94. Entendeu o Tribunal de Justiça que a resposta à questão prejudicial poderia ser claramente deduzida da jurisprudência ou não suscitava qualquer dúvida razoável, pelo que estariam verificados os pressupostos para que pudesse pronunciar-se através de Despacho fundamentado, nos termos do artigo 99.º do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

 

95. O que aconteceu, em termos que o Tribunal Arbitral sintetiza da seguinte forma (§§ 20-36):

a)    A Diretiva 2008/118/CE não se opõe a que os Estados-membros estabeleçam outras imposições indiretas para além do imposto especial sobre o consumo mínimo. Mister é que tais imposições, no sentido de não entravar as trocas comerciais, sejam cobradas por “motivos específicos” e sejam conformes com as normas fiscais da União aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto (artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva).

b)    O facto de um imposto ter uma finalidade orçamental não obsta a que possa ter uma finalidade específica na aceção da Diretiva. Mas a existência de um motivo ou finalidade específicos pressupõe que se possa estabelecer, a partir do regime jurídico do tributo, uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa.

c)    A alocação da receita do tributo ao financiamento de atribuições administrativas, em particular a adjudicação da receita da CSR ao financiamento da concessionária da rede rodoviária nacional, constitui um elemento relevante, ainda que insuficiente, para que se logre identificar um motivo específico.

d)    Para que se considere que a imposição indireta prossegue efetivamente uma finalidade específica, mormente de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, é necessário que o produto desse imposto seja obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais associados à utilização da rede rodoviária nacional. O que não acontece com a CSR, cuja receita se destina, mais amplamente, a assegurar o financiamento da atividade de conceção, projeto, construção, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional. Acresce que a estrutura da CSR, nomeadamente a matéria coletável ou a taxa de tributação, não espelha, em termos suficientemente precisos, o propósito de reduzir a sinistralidade, dissuadir os sujeitos passivos do tributo de utilizarem a rede rodoviária nacional ou incentivar a adoção de comportamentos menos nocivos para o ambiente.

e)    A CSR tem uma finalidade puramente orçamental, na aceção da Diretiva 2008/118/CE.

 

96. É certo que, em sede de reenvio prejudicial de interpretação, o Tribunal de Justiça se limita a esclarecer o modo como devem ser interpretadas as disposições de Direito da União (originário ou derivado) pertinentes para a resolução do caso concreto, não se debruçando sobre a questão principal do processo, que é reduto de competência do órgão jurisdicional nacional.

 

97. Contudo, no Despacho analisado, o Tribunal de Justiça afirma claramente que as finalidades específicas apontadas pela AT – a redução da sinistralidade e a sustentabilidade ambiental – não se mostram suficientemente respaldadas na estrutura do tributo, em termos de matéria coletável ou da taxa de tributação aplicável. Esta asserção não é infirmada pelo que eventualmente resulte do clausulado do contrato de concessão da rede rodoviária nacional, ao contrário do que sugere a Requerida. O Tribunal de Justiça é muito claro no sentido de que não se prova uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa só porque a entidade a quem está legalmente alocada a respetiva receita assumiu compromissos no âmbito da redução da sinistralidade ou da proteção do ambiente. Não tendo sido alegados elementos que permitam chegar a outra conclusão, entende o Tribunal arbitral que a CSR é uma imposição indireta que não prossegue um motivo específico na aceção da Diretiva 2008/118/CE.

 

98. O Tribunal de Justiça tem declarado reiteradamente que os Estados-membros estão, em princípio, obrigados a restituir os impostos cobrados por um Estado-membro em violação do Direito da União. Esta obrigação conhece apenas uma exceção, reiterada no Despacho Vapo Atlantic: um Estado-membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da UE quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por pessoa diferente do sujeito passivo e que o reembolso do imposto implicaria um enriquecimento sem causa deste último (Despacho Vapo Atlantic, §39-42; acórdão Weber’s Wine, processo C-147/01, §93-94).

 

99. Como se adiantou supra, a repercussão tributária – legal, ou não – é uma questão de facto, que depende de fatores inerentes a cada transação comercial e será mais ou menos provável consoante as caraterísticas do mercado, mormente a sua elasticidade ou inelasticidade (Despacho Vapo Atlantic, processo C-460/21, §44; Weber’s Wine, processo C-147/01, §96).

 

100. Mesmo quando se prove a ocorrência de repercussão, a restituição do imposto ao sujeito passivo não consubstancia necessariamente um enriquecimento sem causa, porquanto o sujeito passivo pode sofrer prejuízos associados à diminuição das suas vendas, por comparação com produtos sucedâneos não sujeitos a idêntica imposição. A circunstância de a lei prever a repercussão não dispensa a AT ou o particular (consoante os casos) de demonstrar que essa repercussão ocorreu, cabendo a decisão ao órgão jurisdicional nacional decidir, a partir da livre apreciação dos elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (Despacho Vapo Atlantic, processo C-460/21, §44).

 

101. Em nome da autonomia processual dos Estados-membros, o Direito da União não reclama que o respetivo direito processual preveja um mecanismo de reação do suportador económico do imposto (o adquirente ou comprador) diretamente junto das autoridades fiscais dos Estados-membros, desde que este possa exercer uma ação civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso não seja na prática impossível ou excessivamente difícil (acórdão Danfoss, processo C-94/10, §29). No entanto, caso a reparação do dano sofrido pelo comprador que suportou o encargo económico do imposto indevido nele repercutido se revelar impossível ou excessivamente difícil, o princípio da efetividade exige que esse comprador tenha a possibilidade de dirigir o seu pedido de indemnização diretamente contra o Estado, sem que este possa validamente opor-lhe a falta de nexo direto de causalidade entre a cobrança do imposto indevido e o dano sofrido pelo comprador (idem, §38). Entendimento reforçado recentemente pelo acórdão Gabel Industria Tessile and Canavesi, processo C-316/22, do Tribunal de Justiça.

 

102. O Direito da União não se opõe, a fortiori, a que o suportador económico do imposto possa obter diretamente das autoridades fiscais nacionais a restituição do montante de imposto cujo encargo suportou (acórdão Comateb, processo C-192/95 a C-218/95, §24). Ou seja, nada obsta a que o Estado-membro preveja vias processuais que assegurem ao adquirente / comprador recuperar o imposto indevidamente suportado diretamente junto das autoridades fiscais nacionais. É precisamente o que ocorre do direito português, onde o entendimento amplo de legitimidade processual constante do artigo 9.º, n.ºs 1 e 4 do CPPT – que abrange qualquer pessoa que possa dizer-se diretamente afetada pelo que no processo possa vir a ser decidido – dá arrimo à pretensão do adquirente de combustível.

 

103. Acontece que, no presente caso, e pelas razões expostas supra, o Tribunal arbitral não deu como provada a repercussão da CSR sobre a Requerente. Na ausência de prova bastante de que tenha havido lugar à repercussão, não tem a Requerente direito à restituição do imposto, pelo que o pedido arbitral se mostra improcedente.

 

  1. Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

104. Face à improcedência do pedido principal, fica necessariamente prejudicado o conhecimento do pedido acessório de reembolso do imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

V- Decisão

De harmonia com o exposto, o Tribunal arbitral decide:

  1. Julgar improcedentes as exceções suscitadas pela AT;
  2. Julgar improcedente o pedido arbitral e manter na ordem jurídica os atos de liquidação impugnados, bem como a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa;
  3. Julgar prejudicado o conhecimento do pedido acessório de reembolso do imposto e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

Valor da causa: € 6.475,26, nos termos do disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas: Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 612,00, a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

CAAD, 10 de março de 2025

 

 

Marta Vicente

(Árbitro singular)

 

 



[1] Cf., igualmente, os acórdãos do CAAD de 13-11-2023, processo n.º 410/2023-T; de 03-08-2022, processo n.º 629/2021-T; de 16-01-2023, processo n.º 305/2022-T; de 09-02-2024, processo n.º 490/2023-T; de 01-02-2024, processo n.º 332/2023-T; de 14-05-2024, processo n.º 790/2023-T, entre outros.

[2] O artigo 2.º do CIEC tem agora a seguinte redação: “Os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”. Conclusão para que já antes apontava o artigo 93.º-A do CIEC, que se refere abertamente ao “imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos suportado pelas empresas de transporte de mercadorias e de transporte coletivo de passageiros”.  

[3] “(...) o Tribunal de Justiça sublinhou, designadamente, que, mesmo que a legislação nacional conceba as imposições indirectas de modo a que estas sejam repercutidas no consumidor final e, habitualmente, no domínio do comércio, tais imposições indirectas sejam parcial ou totalmente repercutidas, não é possível afirmar, em geral, que a imposição é de facto repercutida em todos os casos. Na verdade, a repercussão efectiva, parcial ou total, depende de vários factores próprios a cada transacção comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, o problema da repercussão ou não de cada imposição indirecta constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, o qual aprecia livremente os elementos de prova que lhe são submetidos” (Weber’s Wine, processo C-147/01, §96).