SUMÁRIO:
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A remuneração de uma obrigação contratual de não concorrência é enquadrável como incremento patrimonial, de acordo com o disposto no artigo 9.º, n.º 1, alínea c) do Código do IRS (rendimento da categoria G).
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De acordo com o artigo 22.º, n.º 1 da Convenção para eliminar a Dupla Tributação celebrada com a Polónia, a competência para tributar estes rendimentos é exclusiva do Estado da residência (Portugal).
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A alegação de distinta qualificação por parte do Estado da fonte, a título de rendimentos profissionais (artigo 14.º da Convenção), e da consequente competência cumulativa para tributar esses rendimentos (se forem imputáveis a uma instalação fixa nesse Estado) carece de demonstração, recaindo tal prova sobre a Parte que a alega como pressuposto da isenção do artigo 81.º, n.º 5 do Código do IRS, o que no caso não se verificou.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Alexandra Coelho Martins, Sofia Quental e Maria Antónia Torres, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
A..., contribuinte fiscal nº..., residente em ..., nº..., ..., ...-... ... (“Requerente”), requereu a constituição de Tribunal Arbitral Tributário e apresentou pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2023..., relativa ao ano de 2022, no valor a pagar de € 178.915,29, e do despacho de indeferimento da reclamação graciosa que teve por objeto este ato tributário, tudo com as legais consequências.
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Causa de Pedir
De acordo com a petição inicial, o Requerente foi residente para efeitos fiscais na Polónia até ao início de agosto de 2022, tendo alterado a sua residência para Portugal em 2 de agosto de 2022.
O Requerente apresentou o seu pedido de inscrição como Residente Não Habitual, com efeitos a partir de 2022, em 6 de outubro de 2022, tendo o mesmo pedido sido deferido no dia seguinte.
Contudo, após a alteração da sua residência para Portugal, de acordo com o Requerente, continuou a exercer uma atividade profissional independente na Polónia, na área da consultoria, através de um escritório, situado no mesmo país, que estava à sua disposição mediante um contrato de arrendamento.
No âmbito da atividade de prestação de serviços de consultoria, o Requerente celebrou um contrato para a prestação dos seus serviços com uma empresa domiciliada na Polónia, através do qual iria receber prestações de montantes e naturezas diversas.
Ao abrigo do referido contrato, o Requerente obteve os rendimentos num valor total de € 443.553,74, repartidos em prestações com os montantes e natureza indicados abaixo:
a. € 69.000,00 a título de remuneração da prestação de serviços de consultoria;
b. € 7.553,74 a título de ressarcimento de custos associados aos serviços prestados; e
c. € 367.000,00 a título de uma obrigação de não concorrência, assumida pelo Requerente.
O Requerente afirma que os rendimentos supra identificados foram, na sua totalidade, sujeitos a tributação no Estado da sua fonte, a Polónia, conforme comprovativo de pagamento de impostos e certidão de não dívida referente ao período em causa, emitida pelas autoridades fiscais da Polónia.
Parte dos rendimentos em causa foram declarados em Portugal, na primeira declaração Modelo 3 de IRS que o Requerente apresentou, relativamente ao período de 2022, em que foi considerado residente fiscal em Portugal, e que foi submetida em 12 de junho de 2023. Foi emitida uma liquidação de IRS, que apurou um montante de imposto a pagar com o valor de € 178.694,16.
Porém, refere o Requerente que, por manifesto lapso, os montantes recebidos a título de ressarcimento de despesas com a prestação de serviços em causa não foram reportados na referida declaração de IRS e apenas os montantes recebidos a título de remuneração pelos serviços prestados foram declarados como tendo sido sujeitos a tributação no Estado da fonte, quando a totalidade dos rendimentos em causa o foram.
Face a esta discrepância, entregou uma declaração de IRS de substituição com retificação dos erros referidos, em 28 de agosto de 2023, o que originou que a primeira liquidação de IRS fosse anulada pelos serviços competentes da Autoridade Tributária e substituída por uma nova liquidação de IRS.
Para o Requerente, esta nova liquidação devia ter considerado as novas informações declaradas pelo Requerente em conformidade com as regras previstas para os residentes não habituais em território português, com vista a evitar a dupla tributação dos rendimentos declarados, caso em que os rendimentos declarados seriam reconhecidos como totalmente isentos de tributação. Contudo, a liquidação de IRS em causa apurou um montante total de imposto devido com o valor de € 178.915,29.
Inconformado, o Requerente apresentou uma Reclamação Graciosa originalmente contra a primeira liquidação emitida pela Autoridade Tributária, solicitando a sua anulação, ainda que o processo tenha continuado a correr os seus termos contra a segunda liquidação de IRS, após a eliminação da primeira, uma vez que todos os elementos relevantes foram mantidos nesta segunda liquidação.
Na referida reclamação graciosa foi alegado que, tendo os rendimentos auferidos pelo Requerente sido tributados no Estado da fonte, os mesmos rendimentos não deveriam ter sido sujeitos a tributação em Portugal, ao abrigo do número 5 do artigo 81.º do Código do IRS, na versão vigente à data dos factos, aplicado em conjunto com as disposições do Acordo para Evitar a Dupla Tributação concluído entre Portugal e a Polónia (“ADT PT-PO”), contrariamente ao que sucedeu.
No âmbito do procedimento de reclamação graciosa supra referido, através do ofício número ..., de 04.03.2024, o Requerente foi notificado do projeto de decisão de decisão de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa em causa e para, querendo, exercer o seu direito de audição prévia, nos termos legalmente previstos.
No referido projeto de decisão, a Autoridade Tributária argumenta que, nos termos do número 5 do artigo 81.º do Código do IRS, os rendimentos de fonte estrangeira (categorias A, B, E, F, G) estão isentos de IRS em Portugal, desde que possam ser tributados na Polónia nos termos das disposições do ADT PT-PO, ou das disposições do Modelo de Convenção para Evitar a Dupla Tributação, criado pela OCDE (“CMOCDE”), caso não existisse um ADT celebrado entre Portugal e a Polónia.
A Autoridade Tributária conclui, no caso concreto, que os rendimentos auferidos pelo Requerente das categorias B e E podem beneficiar da isenção, por preencherem os pressupostos da mencionada isenção (estes são consensuais e não estão em discussão nos presentes autos).
Porém, quanto aos rendimentos provenientes da cláusula de não concorrência, enquadra-os na categoria G do Código do IRS e no artigo 22.º, n.º 1 do ADT PT-PO (por lapso indicado como artigo 20.º na página 10 do projeto de decisão), de onde conclui que a jurisdição tributária é exclusiva do Estado Português, pelo que esse rendimento apenas poderia ser tributado em Portugal, enquanto Estado da residência do Requerente.
Face ao exposto, a Autoridade Tributária considerou que os montantes recebidos pelo Requerente em função da obrigação de não concorrência assumida, não podem ser sujeitos a tributação na Polónia, ao abrigo das disposições do ADT PT-PO, pelo que não beneficiam de isenção em Portugal e têm de ser sujeitos a IRS, como sucedeu na liquidação.
Por não concordar com o teor do projeto de decisão da Autoridade Tributária, o Requerente exerceu o seu direito de audição prévia, por escrito, e alegou que a jurisdição tributária sobre os rendimentos decorrentes da celebração de um pacto de não concorrência deveria ser determinada ao abrigo do artigo 14.º do ADT PT-PO, em conformidade com o procedimento adotado pelas autoridades fiscais da Polónia, ao invés de ser aplicado o artigo 22.º do mesmo ADT, como defende a Autoridade Tributária portuguesa.
O Requerente também referiu, em sede de direito de audição prévia, que “a existência de divergências entre a disposição do ADT PT-PO aplicável ao rendimento em análise, em função da sua qualificação ao abrigo das disposições da legislação doméstica da Polónia, e a disposição do ADT que lhe seria aplicável, em função da sua qualificação ao abrigo das normas do Código do IRS, não implica que a sujeição a imposto do mesmo rendimento na Polónia seja contrária às disposições do ADT PT-PO”, fundamentando este entendimento.
A Autoridade Tributária manteve o entendimento expresso no projeto de decisão supra referido, tendo proferido uma decisão final de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, referindo que o Requerente, no exercício do seu direito de audição prévia “(…) não invoca qualquer facto novo e não controverte a fundamentação dos serviços em sede de projeto de decisão nem acrescenta outros elementos que permitam uma apreciação diversa da efetuada” e, de resto, mantendo o projeto de decisão em causa inalterado.
Por não concordar com entendimento da Autoridade Tributária, expresso na decisão final do procedimento de reclamação graciosa, vem o Requerente deduzir a presente impugnação arbitral.
Por seu lado, a Requerida vem referir o seguinte:
No que aos factos diz respeito, a Requerida contesta que esteja demonstrada a sujeição ou o pagamento de imposto na Polónia decorrente de importâncias auferidas a título de pacto de não concorrência (artigo 70 da resposta). Também diverge da posição da Requerente quanto à alegação de que a fundamentação da decisão da reclamação graciosa aceita que os rendimentos advenientes da assunção de obrigações de não concorrência estejam relacionados com um estabelecimento estável ou uma instalação fixa na Polónia.
Esclarece, a este respeito, que a decisão da reclamação graciosa considera que os rendimentos da categoria B obtidos na Polónia (rendimentos que, note-se, não são objeto dos presentes autos arbitrais) se presumem auferidos através de estabelecimento estável. Já não, no que concerne aos rendimentos da categoria G, resultantes do pacto de não concorrência, em que aquela decisão não adere a qualquer relação com um estabelecimento estável ou instalação fixa, na Polónia, dispondo apenas que devem ser delimitados pela previsão do artigo 22.º, n.º 1 do ADT (artigos 50 a 56 da resposta).
A questão central em litígio prende-se com o enquadramento tributário a conceder aos rendimentos auferidos pelo Requerente a título de obrigação de não concorrência (€ 367.000,00) à luz do disposto no artigo 81.º, n.º 5, alínea a) do Código do IRS e da remissão deste para as disposições do Acordo para Evitar a Dupla Tributação concluído entre Portugal e a Polónia, em relação aos qual existe uma manifesta divergência interpretativa entre a AT e o Requerente quanto à sua qualificação.
Conforme explicitado e argumentado na decisão final da Reclamação Graciosa, os rendimentos obtidos pelo Requerente a título de obrigação de não concorrência foram classificados pela AT, de acordo com o disposto no artigo 9.º, n.º 1, alínea c) do CIRS, como rendimentos de categoria G. Enquadramento, aliás, convergente com o declarado pelo contribuinte, dado que o mesmo insere, na sua declaração modelo 3, os rendimentos em causa no Anexo J, no quadro 9 – rendimentos de incrementos patrimoniais – categoria G.
Por força desta qualificação, resultou aplicado o n.º 1 do artigo 22.º (“Outros rendimentos”) do ADT PT-PO, que confere competência exclusiva ao Estado da residência para a tributação – o que originou imposto a pagar em PT.
Acresce que discorda a Requerida da posição do Requerente quando refere que a administração fiscal Portuguesa estaria adstrita à interpretação realizada pelas autoridades polacas.
A propósito, compulsa o §32.5, dos Comentários ao MCOCDE:
“Todavia, o artigo 23º-A ou o artigo 23º-B não exigem que o Estado de residência elimine a dupla tributação em todos os casos em que o Estado da fonte sujeito a imposto um elemento do rendimento, mediante a aplicação de uma disposição da Convenção diferente da que o Estado da residência considera aplicável.”
Prossegue, o mesmo parágrafo:
“Deve ser feita uma distinção entre estes conflitos decorrentes de divergências de interpretação dos factos ou das disposições da Convenção e os conflitos de qualificação referidos no número anterior, que resultam não de diferenças de interpretação das disposições da Convenção, mas de diferenças entre as legislações internas. No primeiro caso, o Estado da residência pode defender que o Estado da fonte não aplicou o respetivo imposto em conformidade com as disposições da Convenção se tal aplicação tiver como base o que o Estado da residência considera ser uma interpretação incorreta dos factos ou da Convenção.”
Julga a Requerida evidente que o MCOCDE cauciona o exercício interpretativo do Estado de residência no âmbito da eliminação da dupla tributação, ao contrário do entendimento proposto pelo Requerente que advoga uma receção acrítica da putativa situação adveniente da Polónia.
Nesse sentido, deve ser sufragado o raciocínio formulado na fundamentação da decisão da reclamação graciosa, mormente o enquadramento das importâncias auferidas em virtude da assunção de obrigações de não concorrência, na Polónia, por residentes em Portugal.
Esse juízo deve ser aferido por referência à norma do artigo 22º, nº 1 da CDT, celebrada com a Polónia, que determina a competência exclusiva de tributação ao Estado da residência, e segundo o qual:
1 — Os elementos do rendimento de um residente de um Estado Contratante, e donde quer que provenham, não tratados nos artigos anteriores desta Convenção só podem ser tributados nesse Estado. (sublinhado nosso).
Mais ainda, e não obstante, ressalve-se que, dos documentos apresentados pelo sujeito passivo, não pontifica qualquer elemento probatório, que permita conferir a relação entre um eventual estabelecimento estável ou instalação fixa, presente na Polónia, e os montantes em crise, nos presentes autos.
À luz destas normas, resulta inquestionável a legitimidade do Estado português de tributar aquele rendimento resultante da obrigação de não concorrência, classificado como enquadrado na categoria G do Código do IRS.
Acrescenta a Requerida que o entendimento pugnado pelo Requerente pressupõe, necessariamente, que as obrigações de não concorrência assumidas pelo contribuinte estariam, de algum modo, condicionadas às respetivas instalações situadas na Polónia. Uma posição que, entende, não encontra respaldo nos elementos probatórios apresentados nos Autos.
E continua, o que impossibilita a aplicação da norma contida no artigo 22º, nº 2 da CDT (que, em suma, remete para a aplicação das disposições, contidas no artigo 14º).
Mais acrescenta, a propósito da qualificação dos rendimentos em causa: “…remeta-se para o prescrito no artigo 9.º do CIRS, mormente na alínea a) do n.º 1:
Artigo 9.º - Rendimentos da categoria G
1 - Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias: (…) c) As importâncias auferidas em virtude da assunção de obrigações de não concorrência, independentemente da respetiva fonte ou título; (…)”.
“É inequívoca a intenção do legislador de qualificar estes rendimentos como incrementos patrimoniais, na medida em que os mesmos foram tipificados na norma, para que não suscitasse dúvidas o seu enquadramento tributário.”
Decorrente deste imperioso enquadramento, conclui, novamente, que aos rendimentos em causa se deve aplicar o disposto no n.º 1 do artigo 22.º da CDT.
Assim, sendo concedida a PT, quanto a estes rendimentos, competência exclusiva para sua tributação (afastando-se a possibilidade do Estado da Fonte tributar estes rendimentos), já não será passível de aplicação a alínea a) do n.º 5 do artigo 81.º.
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Tramitação Processual
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral feito em 5 de julho de 2024 foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 23 de agosto de 2024, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 10 de setembro de 2024, sendo que no dia seguinte foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta.
Em 16 de outubro de 2024, a Requerida apresentou resposta e juntou aos autos o processo administrativo, defendendo-se por impugnação e requerendo a sua absolvição de todos os pedidos.
Em 17 de outubro de 2024, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT. Naquele despacho foram ainda as partes notificadas para, querendo, apresentarem alegações, o que ambas as partes fizeram.
A Requerida apresentou as suas alegações a 4 de novembro de 2024, referindo a inexistência de factos novos a acrescentar à tese que havia sido defendida na sua resposta, que veio reiterar.
Por sua vez, o Requerente apresentou as suas alegações em 6 de novembro de 2024, nas quais mantém igualmente a sua posição.
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Saneamento
O Tribunal Arbitral coletivo é materialmente competente, foi regularmente constituído e o pedido é tempestivo nos termos dos artigos 2.º, 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. O processo não enferma de nulidades, nem existem outras exceções ou questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
II. MATÉRIA DE FACTO
1 – Factos provados
Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
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O Requerente foi residente para efeitos fiscais na Polónia até ao início de agosto de 2022, tendo alterado a sua residência para Portugal em 2 de agosto de 2022 – cf. documento 1 (comprovativo de pedido de inscrição RNH e provado por acordo conforme PA).
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O Requerente apresentou o seu pedido de inscrição como Residente Não Habitual em Portugal, com efeitos a partir de 2022, em 6 de outubro de 2022, tendo o mesmo pedido sido deferido no dia seguinte – cf. documento 1 (comprovativo de pedido de inscrição RNH e provado por acordo conforme PA).
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O Requerente celebrou em 12 de abril de 2022 um contrato de sublocação (“sublease”) de um espaço de escritório em Varsóvia, em Jasna 26, com a área de 10,92m2, pela renda mensal de € 150, contrato esse que se manteve em vigor até 31 de dezembro de 2022 – cf. documento 2 (cópia do contrato de sublocação).
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De acordo com a cláusula § 1, n.º 3 do contrato de sublocação, o sublocador assumiu a obrigação de receber a correspondência dirigida ao Requerente para essa morada em Varsóvia e reencaminhá-la para um representante identificado pelo Requerente, que assim autorizava o sublocador a abrir a correspondência e a enviá-la ao seu representante [do Requerente] diretamente via e-mail ou por correio registado, ou ambos – cf. documento 2 (cópia do contrato de sublocação).
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Segundo a cláusula § 2 do contrato de sublocação a utilização do espaço era partilhada com outros sublocatários não identificados em nome ou em número, nem, bem assim, as regras de utilização em comum do referido espaço – cf. documento 2 (cópia do contrato de sublocação).
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O Requerente celebrou em 14 de abril de 2022 um contrato de prestação de serviços (“Service Agreement”), na área da consultoria, com uma entidade domiciliada na Polónia, B... SA, para a prestação de serviços de aconselhamento na integração da atividade grossista (“wholesale activity”) e na venda do segmento de retalho – cf. documento 3 (cópia do contrato), v. artigo 1.º.
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No âmbito deste contrato, o Requerente assumiu a obrigação de não exercer qualquer atividade concorrente com a da B... SA, quer no período de execução do contrato, quer nos dois anos subsequentes ao termo do contrato e da prestação de serviços nele prevista – cf. documento 3 (cópia do contrato), v. artigo 6.º:
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Globalmente, i.e., a nível mundial, em relação às subsidiárias do Grupo empresarial em que se insere a B... SA;
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No mercado Polaco.
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O contrato em apreço foi celebrado para vigorar entre 14 de abril de 2022 e 30 de junho de 2022 e foi renovado por acordo das Partes, vigorando entre 1 de setembro de 2022 e 31 de dezembro de 2022, data do seu término definitivo – cf. documento 3 (cópia do contrato), v. artigo 6.º e anexo sob a epígrafe “Non-Competition and Service Agreement”.
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Ainda no âmbito do contrato de prestação de serviços celebrado com a B... SA, prevê o seu artigo 3.º que o Requerente presta os serviços no tempo e local por si escolhidos – cf. documento 3 (cópia do contrato).
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Ao abrigo do referido contrato de prestação de serviços, o Requerente obteve rendimentos num valor total de € 443.553,74, repartidos em prestações com os montantes e natureza indicados abaixo – cf. documento 3 (cópia do contrato), v. artigos 2.º e 6.º, e factura junta como documento 4:
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€ 69.000 a título de remuneração da prestação de serviços de consultoria (aconselhamento sobre a integração da atividade grossista e a alienação do segmento de retalho);
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€ 7.553,74 a título de redébito de despesas associadas à prestação daqueles serviços; e
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€ 367.000 € a título de uma obrigação de não concorrência, assumida pelo Requerente.
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Estes rendimentos foram facturados pelo Requerente a 30 de dezembro de 2022, apenas estando em discussão nos presentes autos a remuneração relativa à obrigação de não concorrência assumida pelo Requerente – cf. documento 4.
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O Requerente obteve um certificado das autoridades fiscais polacas, à data de referência de 22.08.2023 do seguinte teor: “I. Declara-se que não há atraso no pagamento de impostos pelo Requerente (…); II. Declara-se que não há juros de mora, conforme o art. 53ª da Lei de 29 de agosto de 1997 (…)” – cf. documento 5.
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Em 21 de fevereiro de 2023 foi efetuada uma transferência do Requerente para C... no valor de 311.382,00 PLN – cf. documento 6.
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Parte dos rendimentos em causa foram declarados na primeira declaração Modelo 3 de IRS que o Requerente apresentou, relativamente ao período de 2022, em que foi considerado residente fiscal em Portugal, e que foi submetida em 12 de junho de 2023 – cf. PA.
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Na sequência desta declaração foi emitida a liquidação de IRS referente a 2022, n.º 2023..., que apurou um montante de imposto a pagar com o valor de €178.694,16 – cf. PA.
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Porém, por lapso, os montantes recebidos a título de ressarcimento de despesas com a prestação de serviços em causa não foram reportados pelo Requerente na referida (primeira) declaração de IRS e apenas os montantes recebidos a título de remuneração pelos serviços prestados foram declarados como tendo sido sujeitos a tributação no Estado da fonte – cf. PA.
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Assim, em 28 de agosto de 2023, o Requerente apresentou uma declaração de IRS de substituição com retificação dos erros referidos – cf. PA.
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Nesta declaração, o Requerente inclui os rendimentos em discussão derivados da obrigação de não concorrência, no valor de 367.000,00, no anexo J (relativo a rendimentos de fonte estrangeira), na categoria G “outros incrementos patrimoniais de englobamento obrigatório” – cf. PA.
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Do que resultou a emissão de uma nova liquidação de IRS, em substituição da inicial, com o n.º 2023..., na qual se apurou um montante total de imposto devido com o valor de € 178.915,29 – cf. PA.
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O Requerente apresentou uma Reclamação Graciosa originalmente contra a primeira liquidação emitida pela Autoridade Tributária, solicitando a sua anulação, ainda que o processo tenha continuado a correr os seus termos contra a segunda liquidação de IRS, após a eliminação da primeira – cf. documento 7 e PA.
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No âmbito do procedimento de reclamação graciosa supra referido, através do ofício número ... de 04.03.2024, o Requerente foi notificado do projeto de decisão de decisão de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa em causa e para exercer o seu direito de audição prévia – cf. PA.
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Por não concordar com o teor do projeto de decisão da Autoridade Tributária, o Requerente exerceu o seu direito de audição prévia, por escrito, e alegou que a jurisdição tributária sobre os rendimentos decorrentes da celebração de um pacto de não concorrência deveria ser determinada ao abrigo do artigo 14.º do ADT PT-PO, em conformidade com o procedimento adotado pelas autoridades fiscais da Polónia, beneficiando da isenção do artigo 81.º, n.º 5 do Código do IRS – cf. PA.
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A Autoridade Tributária manteve o entendimento expresso no projeto supra referido, tendo proferido uma decisão final de indeferimento da reclamação graciosa, da qual se retiram os seguintes fundamentos, com relevância para os rendimentos discutidos nesta ação, respeitantes à remuneração de uma obrigação de não concorrência, de € 367.000,00 – cf. PA:
“[…] havendo Convenção entre Portugal e o Estado da fonte dos rendimentos, como existe entre Portugal e a Polónia, é aplicável o método de isenção, quanto aos rendimentos da categoria B, desde que provenham de atividades de elevado valor acrescentado, bem como quanto aos rendimentos da categoria E e G, desde que os rendimentos possam ser tributados no Estado da fonte, conforme decorre do art.° 81° n° 5, al. a) do CIRS.
No que concerne aos rendimentos da categoria B, estabelece o art.° 14° da CDT Portugal/Polónia que:
1 – Os rendimentos obtidos por um residente de um Estado Contratante pelo exercício de uma profissão liberal ou de outras actividades de caracter independente só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que esse residente disponha, de forma habitual, no outro Estado Contratante, de uma instalação fixa para o exercício das suas actividades. Neste ultimo caso, os rendimentos podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que sejam imputáveis a essa instalação fixa.
Ou seja, quando o sujeito passivo disponha de instalação fixa na Polónia para o exercício da atividade (como declarou o sujeito passivo) e os rendimentos sejam imputáveis a esse estabelecimento estável, a competência tributaria pode ser desse Estado (Polónia).
Efetivamente, caso exista instalação fixa na Polónia, a competência tributária passa a ser cumulativa relativamente aos rendimentos que forem imputáveis a essa instalação fixa, podendo os mesmos beneficiar de isenção em Portugal (no caso de se tratar de rendimentos decorrentes de atividade de elevado valor acrescentado) ou, em alternativa, pode o contribuinte optar pelo método do crédito de imposto, sendo os mesmos tributados autonomamente nos termos do nº 10 do art.º 72º, caso decorram de atividade de elevado valor acrescentado ou, caso não decorram de atividade de elevado valor acrescentado, ser sujeitos às taxas gerais do art.º 68º do CIRS.
No caso concreto, o reclamante declarou que dispunha de instalação fixa na Polónia, o que determinaria a competência cumulativa de Portugal e da Polónia, sendo-lhe aplicável o método de isenção em Portugal, sendo, no entanto, obrigatoriamente englobados para efeitos de determinação da taxa aplicável aos restantes rendimentos (cfr. art.º 81º nº 7 da redação em vigor à data dos factos), tal como sucedeu na liquidação.
Por conseguinte, presumindo a veracidade dos valores declarados, concluímos que o reclamante pode beneficiar do método de isenção, tal como sucedeu na liquidação.
Quanto aos rendimentos da categoria E, considerando que estão em causa rendimentos de juros é aplicável o art.º 11º da CDT Portugal/Polónia, que estabelece a regra da competência tributária cumulativa, podendo tais rendimentos ser tributados na Polónia e em Portugal.
Pelo que podem os mesmos beneficiar de isenção em Portugal, sendo, no entanto, obrigatoriamente englobados para efeitos de determinação da taxa aplicável aos restantes rendimentos (cfr. art.º 81º nº 7 da redação em vigor à data dos factos), tal como sucedeu na liquidação.
No que respeita aos rendimentos provenientes da cláusula de não concorrência, não há duvida de que os mesmos são, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 9º do CIRS, rendimentos de categoria G.
E, quanto aos rendimentos da categoria G, resultantes da cláusula de não concorrência, estabelece o nº 1 do art.º 20 da CDT [devendo ler-se art.º 22, pois o seu teor corresponde ao dessa norma] que:
1 – Os elementos do rendimento de um residente de um Estado Contratante, e donde quer que provenham, não tratados nos artigos anteriores desta Convenção só podem ser tributados nesse Estado.
O que significa que, a competência tributaria é exclusiva do Estado da residência, ou seja, Portugal.
Pelo que, quanto a estes ganhos, não pode a reclamante beneficiar de isenção, ficando os mesmos sujeitos a aplicação da tabela de taxas prevista no art.º 68º do CIRS (como sucedeu na liquidação).”
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Por não concordar com entendimento da Autoridade Tributária, expresso na decisão final do procedimento de reclamação graciosa, veio o Requerente deduzir a presente impugnação arbitral em 3 de julho de 2025 – cf. registo no sgp do CAAD.
2 – Factos não provados
Consideram-se não provados os seguintes factos em conexão com os rendimentos provenientes da obrigação de não concorrência assumida pelo Requerente:
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Que a Requerente obteve esses rendimentos a partir de uma instalação fixa na Polónia – ppa artigo 3.º;
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Que esses rendimentos foram, na sua totalidade sujeitos a tributação na Polónia – ppa artigos 6.º e 17.º;
-
Que no projeto de decisão da reclamação graciosa a AT reconhece os factos apresentados pela Requerente, nomeadamente que a “totalidade dos rendimentos declarados pelo Requerente ter sido efetivamente sujeita a imposto na Polónia” – nada - ppa artigo 15.º e 16.º;
Sobre a existência de uma instalação fixa na Polónia, para a prestação dos serviços de aconselhamento sobre a integração da atividade grossista e alienação do retalho, a prova produzida pelo Requerente não apresenta sustentação. Com efeito, o Requerente firmou um contrato de sublocação de um espaço muito limitado, de 10 metros quadrados, a partilhar com diversas outras pessoas, sem sequer se identificar quais e o seu número ou número máximo, na capital da Polónia, pelo valor de € 150 mensais com uma cláusula de obrigação, por parte do “senhorio”, se reencaminhamento da sua correspondência, para um representante a ser indicado pelo Requerente, com reenvio para este, por e-mail, de digitalização da correspondência e/ou de reenvio postal para outra morada.
Afigura-se evidente que estamos perante uma típica situação artificiosa em que é contratada uma morada para gerar a aparência de domicílio profissional, mas as condições estabelecidas manifestam que o Requerente não se encontra nesse local, nem aí desenvolve a sua atividade.
Assinala-se que, conforme refere a AT na resposta, da fundamentação da decisão da reclamação graciosa não consta que a Requerida tenha reconhecido que os rendimentos provenientes da obrigação de não concorrência sejam imputáveis a uma instalação fixa na Polónia. Sendo que, quanto aos rendimentos da categoria B, sobre os quais aquela reclamação também se pronuncia, estes não fazem parte do problema litigado nesta ação.
Seria, aliás, difícil conseguir que essa obrigação omissiva - de abstenção de uma atividade concorrencial - fosse imputável a uma instalação fixa do Requerente na Polónia, por duas razões. A primeira é que tal obrigação foi estabelecida para perdurar 2 anos após o termo de vigência do contrato, ocorrido a 31 de dezembro de 2022, sendo que a acima mencionada sublocação de um espaço em Varsóvia também terminou nessa data. Ou seja, não há qualquer instalação fixa do Requerente, nem sequer formal ou artificiosa (como se afigura ser a que este invoca, nos termos acima explicitados), a partir de 31 de dezembro de 2022. Assim sendo, a abstenção de exercício de atividade concorrencial não pode ser imputável a uma instalação fixa que radicava num contrato de sublocação que já não vigora.
Por outro lado, o âmbito e extensão dessa obrigação de não concorrência é global, à escala mundial, abrangendo as subsidiárias do grupo empresarial em que o cliente do Requerente se insere, localizadas em diversas partes do mundo, e não apenas as sociedades polacas. Deste modo, também a conexão espacial da referida abstenção apresenta carácter difuso e desconectado de uma específica instalação localizada em território Polaco.
Sobre a alegada sujeição dos rendimentos a imposto na Polónia (alínea ii. supra), o Requerente limita-se a juntar um formulário em polaco que nada indica a este Tribunal Arbitral e uma certidão, esta traduzida para português, em que as autoridades polacas atestam que aquele não deve valores a título de impostos na Polónia, emitida com referência a agosto de 2023.
Tais documentos são manifestamente insuficientes e não evidenciam que os rendimentos do Requerente aqui em causa foram reportados numa declaração de imposto sobre o rendimento, o título em que o foram e o respetivo valor. Também não comprovam o pagamento de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares polaco e/ou o respetivo quantitativo. Há um documento bancário (do Santander) que evidencia uma transferência de valores, mas sem qualquer indicação da natureza do pagamento, pelo que este Tribunal não consegue concluir tratar-se do alegado pagamento do IRS polaco do Requerente, mesmo depois de tentar cruzá-lo com os documentos juntos pelo Requerente. Nem se alcança a razão pela qual o Requerente traduziu uma certidão que só atesta que não tem dívidas ao fisco polaco e não cuidou de juntar o equivalente à declaração de IRS de 2022 que diz ter apresentado na Polónia, naturalmente traduzida para língua portuguesa, o que permitira com toda a facilidade fazer prova do que alega, não o tendo feito.
Por fim, quanto á afirmação de que a AT reconhece os factos apresentados pela Requerente (alínea iii. supra), nomeadamente que os rendimentos declarados pelo Requerente foram efetivamente sujeitos a imposto na Polónia”, o Requerente incorre em erro. O que a AT refere na fundamentação da decisão da reclamação graciosa é que isso foi alegado pela Requerente (pp. 2 e 3 da informação elaborada pela Direção de Finanças de Setúbal), sob a epígrafe “O ALEGADO”. De seguida, nessa mesma informação analisa “OS FACTOS” (pp. 3 a 7), não constando dessa secção qualquer facto relativo quer ao pagamento na Polónia, quer ao reconhecimento de uma instalação fixa do Requerente.
Com relevo para a decisão não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.
3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto
Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Os factos dados como provados e não provados resultaram da análise da prova produzida no presente processo, designadamente da prova documental junta aos autos pelo Requerente e do PA e respetiva prova junta aos autos pela Requerida, que foram apreciados pelo Tribunal Arbitral de acordo com o princípio da livre apreciação dos factos, conforme decorre do artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e do artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
III. MATÉRIA DE DIREITO
A questão a apreciar e decidir nos presentes autos prende-se com saber se o montante recebido pelo Requerente, a título de remuneração pela assunção de uma obrigação de não-concorrência (€ 367.000,00) com a sociedade polaca B... SA e o grupo de sociedades a que esta pertence, com presença em múltiplas jurisdições, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, poderia ter sido tributado em Portugal, como pretende a Requerida, ou deveria ter beneficiado da aplicação do regime de isenção previsto no artigo 81.º n.º 5 do Código do IRS, como alega o Requerente.
A título prévio, importa notar que o Requerente não invocou a aplicação do mecanismo do crédito de imposto previsto no artigo 23.º, alínea b) do ADT PT-PO (consagrado no artigo 81.º, n.º 1 do Código do IRS), que permite a eliminação ou atenuação da dupla tributação, pretendendo apenas a aplicação do regime de isenção aplicável aos residentes não habituais em relação aos rendimentos de fonte estrangeira, nos termos previstos no artigo 81.º, n.º 5 do Código do IRS.
O Requerente considerado para efeitos tributários como residente não habitual em Portugal no ano de 2022, preconiza o enquadramento dos rendimentos obtidos pela celebração de um acordo de não concorrência com uma sociedade polaca à qual prestou serviços de consultoria entre 12 de abril de 31 de dezembro de 2022, no regime de isenção previsto no artigo 81.º, n.º 5 do Código do IRS.
Esta norma, à data dos factos, dispunha o seguinte:
“Artigo 81.º
Eliminação da dupla tributação jurídica internacional
[…]
5 - Aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos da categoria B, auferidos em atividades de prestação de serviços de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, ou provenientes da propriedade intelectual ou industrial, ou ainda da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, bem como das categorias E, F e G, aplica-se o método da isenção, bastando que se verifique qualquer uma das condições previstas nas alíneas seguintes:
-
Possam ser tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado;
-
[…]”
Da análise do seu teor, extrai-se que, em relação aos residentes não habituais, os rendimentos de fonte estrangeira das diversas categorias aí previstas (B, E, F e G) só são isentos se puderem ser tributados no Estado da fonte, nos termos da convenção para eliminar a dupla tributação celebrada com esse Estado. Assim, só se se verificar a competência cumulativa do Estado da fonte para tributar[1], neste caso, à luz do ADT PT-PO, é que opera a norma de isenção.
Competência cumulativa que o Requerente invoca na situação em análise, derivada de uma divergência de qualificação dos rendimentos entre o legislador polaco e o legislador português.
Analisada a questão exclusivamente da perspetiva portuguesa, de acordo com o Código do IRS, as quantias auferidas “auferidas em virtude da assunção de obrigações de não concorrência, independentemente da respetiva fonte ou título” são inequivocamente tributadas a título de incrementos patrimoniais, na categoria G (artigo 9.º, n.º 1, alínea c) do referido Código). Assim, estas importâncias não têm cabimento no artigo 14.º do ADT PT-PO, relativo aos rendimentos dos profissionais liberais e outras atividades de caráter independente, mas sim no artigo 22.º, n.º 1 desta convenção, como rendimentos residuais, não tipificados nos artigos precedentes, só passíveis de tributação no Estado da residência. A competência exclusiva do Estado da residência (Portugal) afasta a aplicação da isenção do artigo 81.º, n.º 5 do Código do IRS que, como acima referido, depende da competência cumulativa do Estado da fonte.
No entanto, segundo a tese do Requerente, na Polónia o enquadramento é distinto, sendo esses rendimentos tratados como conexos com o exercício de profissões independentes, ou seja, com a qualificação na Polónia correspondente à categoria B do Código do IRS. Deste modo, enquadram-se no artigo 14.º, n.º 1 do ADT PT-PO, podendo ser tributados no Estado da fonte (Polónia), desde que a pessoa disponha de uma instalação fixa nesse Estado e na medida em que sejam imputáveis a essa instalação fixa.
Mais refere o Requerente, ancorado nos comentários 32.1 e 32.3 aos artigos 23.º A e 23.º B da Convenção Modelo da OCDE, sobre os métodos para eliminar as duplas tributações, que o Estado da residência tem a obrigação de aplicar a isenção ou o método crédito de imposto quando a Convenção autorizar a tributação pelo Estado da fonte. Caso existam diferenças na lei doméstica dos Estados geradoras de conflito de qualificação dos rendimentos, ainda assim, o Estado da residência tem de eliminar a dupla tributação, ficando, portanto, condicionado pela qualificação do Estado da fonte. No mesmo sentido cita Klaus Vogel, On Double Tax Conventions, 4a Edição, página 59, par. 131.
A Requerida sustenta posição distinta, considerando que a competência para tributar é exclusiva do Estado Português, por estarmos perante incrementos patrimoniais nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea c) do código do IRS, sendo legítimo que o Estado da residência não elimine a dupla tributação quando os conflitos entre as legislações dos dois Estados (residência e fonte) tiver por base uma errada interpretação dos factos ou da convenção, como se retira do comentário 32.5 à Convenção Modelo da OCDE:
“o artigo 23º-A ou o artigo 23º-B não exigem que o Estado de residência elimine a dupla tributação em todos os casos em que o Estado da fonte sujeito a imposto um elemento do rendimento, mediante a aplicação de uma disposição da Convenção diferente da que o Estado da residência considera aplicável” e, ainda, que “Deve ser feita uma distinção entre estes conflitos decorrentes de divergências de interpretação dos factos ou das disposições da Convenção e os conflitos de qualificação referidos no número anterior, que resultam não de diferenças de interpretação das disposições da Convenção, mas de diferenças entre as legislações internas. No primeiro caso, o Estado da residência pode defender que o Estado da fonte não aplicou o respetivo imposto em conformidade com as disposições da Convenção se tal aplicação tiver como base o que o Estado da residência considera ser uma interpretação incorreta dos factos ou da Convenção”.
Antes de mais importa notar que o facto de se concluir pela inaplicabilidade do n.º 5 do artigo 81.º do Código do IRS e, portanto, do regime de isenção aí estabelecido, não compromete, ao contrário do que o Requerente pretende inculcar, a eliminação ou neutralização da dupla tributação.
Se não estiverem preenchidos os pressupostos desta isenção, o contribuinte pode lançar mão do crédito de imposto previsto no n.º 1 desse artigo 81.º, segundo o qual:
“1 - Os titulares de rendimentos das diferentes categorias obtidos no estrangeiro, incluindo os previstos no artigo 72.º, têm direito a um crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, dedutível até ao limite das taxas especiais aplicáveis e, nos casos de englobamento, até à concorrência da parte da coleta proporcional a esses rendimentos líquidos, considerados nos termos do n.º 6 do artigo 22.º, que corresponde à menor das seguintes importâncias:
-
Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;
-
Fração da coleta do IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos das deduções específicas previstas neste Código.”
Desta forma, mesmo seguindo a tese do Requerente, o reconhecimento pelo Estado português da qualificação do Estado da fonte não implica a obrigatoriedade / aplicabilidade do método da isenção (i.e. do n.º 5 do artigo 81.º do Código do IRS), unicamente que elimine a dupla tributação, o que pode ser feito através do método do crédito de imposto (ou seja, do n.º 1 do citado artigo). Em síntese, dos comentários à Convenção Modelo não resulta a obrigatoriedade de Portugal aceitar o método da isenção em caso de divergência de qualificação do Estado da fonte[2], tão-só a de eliminar a dupla tributação, o que pode ser alcançado pelo método do crédito de imposto.
No entanto, independentemente do exposto, o ponto essencial que se suscita in casu é que o Requerente argui a diferente qualificação por parte do Estado da fonte, com a consequente tributação nesse Estado da remuneração auferida pela obrigação de não concorrência, sem, porém, fazer qualquer prova do que alega, nomeadamente: (i) que a Polónia qualifica a importância em causa como rendimento de profissões independentes e que se considerou competente para tributar; (ii) que pagou imposto na Polónia em relação a estes rendimentos e (iii) por causa desta qualificação.
Qualificação que pressupunha, ainda assim, para se verificar a indispensável competência concorrente[3], que existisse uma instalação fixa na Polónia e que, além do mais, a obrigação de não concorrência fosse imputável a essa instalação fixa.
Nenhuma destas circunstâncias foi demonstrada.
O que se demonstrou foi a celebração de um contrato de sublocação de um espaço em Varsóvia, entre abril e dezembro de 2022, em condições tais que dificilmente poderiam consubstanciar uma instalação fixa e, menos ainda, à qual fosse imputável a remuneração da obrigação de não concorrência, como explicitado na fundamentação da matéria de facto. Relembra-se, a este respeito, a exiguidade do espaço sublocado (cerca de 10 m2) e o seu caráter partilhado com um número indefinido de sublocatários, o valor reduzido da renda (€ 150) e a cláusula de reencaminhamento de correspondência, que, de forma conjugada, de acordo com a experiência comum, constituem indícios fortes de que se tratou de uma mera domiciliação formal e não de um local onde o Requerente efetivamente estivesse com caráter de regularidade e a partir do qual prestasse serviços.
E também se demonstrou que essa obrigação de não concorrência vigorou dois anos após 31 de dezembro de 2022, sendo que a referida sublocação havia terminado nesta data, pelo que se constata a ausência de qualquer instalação fixa no decurso desses dois anos, à qual esta obrigação fosse imputável. Obrigação que não abrangia apenas as sociedades da Polónia, mas todas as subsidiárias do grupo económico em que a cliente (B... SA) se insere, localizadas em múltiplas jurisdições.
Em qualquer caso, como acima sublinhado, a questão essencial a decidir respeita à alegada diferente qualificação da remuneração da obrigação de não concorrência por parte do Estado polaco, pois só nessa situação teria relevância saber se existia uma instalação fixa na Polónia à qual fosse imputável a obrigação de não concorrência. E tal pressuposto da distinta qualificação e consequente tributação do rendimento à luz da legislação do Estado da fonte, embora alegado, ficou por demonstrar. E é sobre o Requerente que impende o ónus dessa prova nos termos do artigo 74.º da LGT, prova essa que o mesmo não faz.
Razão suficiente para que se conclua não assistir razão à Requerente.
V. DECISÃO
Termos em que se decide:
-
Julgar improcedente o pedido formulado pelo Requerente, mantendo-se o ato de liquidação de IRS referente a 2022 na ordem jurídica, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que sobre o mesmo recaiu;
-
Condenar o Requerente nas custas do processo.
VI. VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 178.915,29.
VII. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 3.672,00, a cargo do Requerente, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 7 de março de 2025
As Árbitros,
Alexandra Coelho Martins
(Presidente)
Sofia Quental
(Árbitro Adjunto)
Maria Antónia Torres
(Árbitro Adjunto)
[1] Note-se que o legislador nacional não requer que o Estado da fonte tribute efetivamente os rendimentos, ficando-se pela suscetibilidade de aqueles poderem ser tributados de acordo com os critérios de repartição da competência tributária estabelecidos na convenção. Podendo o Estado em causa, mesmo dispondo dessa competência, decidir pela não tributação.
[2] Considera-se, em linha com o Requerente, que o Estado da residência pode fazer uma qualificação da natureza de determinados rendimentos, distinta da realizada pelo Estado da fonte, quando a divergência tenha origem numa errada interpretação dos factos ou do ADT, mas não quando a qualificação distinta tenha origem em divergências de legislação doméstica dos países envolvidos.
[3] Indispensável para a aplicação da isenção prevista no artigo 81.º, n.º 5 do Código do IRS.