SUMÁRIO
I – A residência fiscal configura-se como um conceito basilar em termos de determinação da sujeição pessoal ao IRS.
II – Nos termos e para os efeitos do disposto no Código do IRS, a prova de residência fiscal noutro Estado pode ser feita por intermédio da apresentação de meios complementares de prova que demonstrem essa prova, não cabendo ao certificado de residência fiscal exigido pela Autoridade Tributária esse exclusivo.
III - O ónus da prova dos factos alegados pelo contribuinte recai sobre o próprio, nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária, competindo-lhe, assim, provar os factos que operam como suporte das pretensões e dos respetivos direitos invocados, designadamente, demonstrando os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito de liquidação subjacentes aos atos impugnados.
DECISÃO ARBITRAL
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Relatório
1. A..., contribuinte fiscal nº..., residente em, ..., South Africa (Requerente), no seguimento da formação do indeferimento tácito da reclamação graciosa por si deduzida contra o ato tributário de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) nº 2022..., vem, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (PPA) contra o ato tributário impugnado, peticionando a respetiva anulação, por ilegalidade, e a restituição das quantias indevidamente suportadas.
2. É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (Requerida, Autoridade Tributária ou AT).
3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi submetido pela Requerente em 05-07-2024 e aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 08-07-2024, tendo nesta data sido automaticamente notificado à AT, conforme por esta posteriormente confirmado em 11-07-2024.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro.
5. Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 1 do RJAT, foi designada a árbitra do presente Tribunal Arbitral, que comunicou ao Conselho Deontológico do CAAD a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado.
6. As partes foram notificadas da nomeação, não tendo qualquer delas manifestado vontade de a recusar, tendo o Tribunal sido constituído em 13-09-2024, por despacho do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em harmonia com as disposições contidas no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.
7. Notificada em 13-09-2024, a AT apresentou a sua Resposta em 14-10-2024, defendendo-se por impugnação. Foi junto o correspondente processo administrativo.
8. Por despacho de 11-11-2024, o Tribunal Arbitral dispensou a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, por falta de objeto, bem como a produção de alegações.
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Posições das Partes
II.1. Requerente
9. Não se conformando com o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada e, por conseguinte, com o ato de liquidação de IRS subjacente, a Requerente pretende a apreciação da legalidade da decisão de indeferimento e do próprio ato de liquidação, requerendo a respetiva anulação, com as devidas consequências legais aplicáveis.
10. Para o efeito afirma –
11. A Requerente nasceu em Joanesburgo, Africa do Sul e tem nacionalidade Sul Africana.
12. A Requerente tem 31 anos e a sua carta de condução e passaporte são Sul Africanos.
13. É filha de B..., filho de portugueses, nascido e criado em Moçambique, e que depois da sua adolescência foi viver na África do Sul, de onde nunca saiu e onde até hoje vive.
14. Naturalmente que pelas suas ligações a Portugal, sempre fizeram questão de não cortar completamente a sua ligação a Portugal, mantendo nacionalidade portuguesa.
15. No entanto, a única ligação que a Requerente atualmente tem com Portugal é da sua família alargada: apenas tem a viver neste país os seus avós e a tia, irmã do seu pai, que ocasionalmente visita quando pontualmente se desloca de férias a Portugal.
16. A Requerente sempre viveu na África do Sul, mais precisamente na região de Kwazulu Natal, onde ficam as cidades de Durban e Joanesburgo.
17. Fala inglês, afrikaans e não fala português.
18. Foi em Kwazulu Natal, África do Sul, que além do ensino primário, a Requerente concluiu em 2010 o ensino secundário.
19. Depois do ensino secundário, a Requerente em 2016 concluiu o curso de Psicologia e Criminologia, tendo obtido o grau académico "Batchelor of Arts", correspondente à nossa licenciatura.
20. Pouco depois, a Requerente iniciou a sua carreira na marinha mercante, mais concretamente, como tripulante a bordo de navios da marinha de recreio, carreira que continua até hoje.
21. No exercício dessa profissão, a Requerente ausenta-se várias vezes por ano voltando a casa por alguns dias, antes de embarcar de novo.
22. A Requerente reside atualmente em ..., África do Sul.
23. A Requerente jamais residiu e jamais pensou em residir em Portugal.
24. A Requerente nunca passou em Portugal mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses.
25. A Requerente nunca dispôs de habitação em Portugal, seja a que título for e muito menos em condições que fizessem supor intenção de a manter e ocupar como residência habitual.
26. A Requerente nunca foi tripulante em navios ou aeronaves, ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva em Portugal.
27. Também nunca desempenhou no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.
28. Em 2019, numa visita aos seus avós em Portugal, realizada antes de voltar a embarcar, a Requerente aproveitou para revalidar o seu cartão do cidadão, indicando a morada dos seus avós para envio do mesmo pelos serviços, assim que o cartão estivesse emitido.
29. Apesar de, na sua deslocação ao Instituto dos Registos e Notariado, para obter um novo cartão do cidadão, lhe terem solicitado a indicação de uma morada em Portugal, para envio do cartão, não informaram a Requerente que tal conduziria à alteração às suas informações fiscais e muito menos que tal implicaria a alteração da sua residência fiscal.
30. A Requerente tem - sempre teve - a sua residência fiscal na África do Sul, de onde é nacional, é onde vive e tem as suas relações familiares - o seu centro de interesses vitais.
31. Por estes motivos, a alteração da sua residência fiscal para o nosso país não só foi não intencional, como não corresponde à verdade.
32. Indicou a morada dos seus avós para o envio do cartão, o que lhe convinha, pois após o embarque seguinte que teria no exercício da sua profissão voltaria para os visitar antes de regressar à África do Sul.
33. Fê-lo sem saber que a alteração de morada a colocaria em posição de vir a ser considerada pela Autoridade Tributária como residente fiscal em Portugal.
34. A Requerente viveu a vida toda na África do Sul, nunca teve qualquer rendimento que nos termos do artigo 18° do código do IRS possa ser considerado como obtido em Portugal,
35. E - aparte as interações refletidas nos documentos juntos à reclamação graciosa - nunca teve qualquer contacto com o sistema fiscal português ou com as autoridades fiscais portuguesas.
36. Sempre viveu, estudou e trabalhou a partir da Africa do Sul, e nunca teve razões para ter conhecimento ou familiaridade sobre o sistema fiscal português, ignorando por isso o significado da alteração da sua morada no cartão do cidadão.
37. No entanto, após ter feito aquela alteração começou, como é usual, a receber e-mails alertando para a necessidade de apresentar a sua declaração anual de rendimentos, facto que lhe gerou a convicção de que teria de apresentar a sua declaração de rendimentos.
38. Convicção que a levou a apresentar a declaração anual de rendimentos em 20-06-2022.
39. Declaração de rendimentos que não permitia ser submetida sem a indicação de residente uma vez que a Requerente não tinha à data representante fiscal.
40. A residência fiscal e factual que a Requerente tem, sempre teve e pretende manter, é única e exclusivamente na África do Sul.
41. A Requerente é maior de idade e apenas vem visitar os avós muito pontualmente (aproximadamente uma vez por ano), nunca permanecendo em território nacional por um total de dias superior a umas poucas semanas.
42. Para comprová-lo, na reclamação apresentada requereu a obtenção de informações no registo de informações de passageiros (PNR) gerido pelo Gabinete de Informações de Passageiros, do qual a Autoridade Tributária e Aduaneira faz parte, nos termos do artigo 3º nº. 4 da Lei n.º 21/2019, de 25 de fevereiro, que regula a transferência de dados dos registos de identificação dos passageiros, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2023, de 2 de junho.
43. A Requerente não obteve em 2021 qualquer rendimento que, nos termos do artigo 18° do código do IRS, deva considerar-se obtido em território português.
44. A Requerente está impedida de apresentar declaração de substituição uma vez que, colocando - como tentou - a sua situação fiscal como não residente, não dispõe de representante fiscal em Portugal.
45. No entanto, dispôs-se a prestar toda a colaboração e a desenvolver as formalidades que no procedimento administrativo se entendessem necessárias ou convenientes no sentido de corrigir o erro acima descrito, conducente - como atrás descrito e comprovado documentalmente - a uma tributação sem factos tributários.
46. A Requerente que foi notificada da liquidação de IRS relativa ao ano de 2021, com o nº 2022..., no montante de 15 441,33 EUR.
47. Dessa liquidação a Requerente apresentou reclamação graciosa, nos termos do artigo 140° nºs. 1 e 2 do Código do IRS (CIRS).
48. Em 10-01-2024 a Requerida, por intermédio da técnica ... do Serviço de Finanças de Lisboa ..., entrou em contato telefónico com o mandatário da Requerente, informando entender que a reclamação apresentava fundamento, e por essa razão solicitando a colaboração da Requerente, no sentido de:
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proceder à alteração da morada constante do seu cartão de cidadão,
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e de seguida apresentar o formulário modelo B - pedido de alteração da data de produção de efeitos da alteração de morada, devidamente preenchido, fazendo referência, para a sua fundamentação, ao articulado e os documentos constantes da reclamação graciosa apresentada.
49. A Requerente, de imediato diligenciou, dentro das suas possibilidades, de tratar de proceder à emissão de novo cartão do cidadão com a morada correspondente à habitação onde mora habitualmente.
50. Em 18-03-2021 a Requerente procedeu à emissão de novo cartão do cidadão e como combinado com o Serviço de Finanças de Lisboa ..., submeteu via e-balcão, o formulário modelo B - Pedido de Alteração da Data de Produção de Efeitos da Alteração de Morada, devidamente preenchido, fazendo referência, para a sua fundamentação, ao articulado e os documentos constantes da reclamação graciosa apresentada.
51. Em 26-03-2024, o Serviço de Finanças de Lisboa ... enviou ao mandatário da Requerente um e-mail referindo que "para dar seguimento ao pedido de alteração de morada com efeitos retroativos", era solicitada à Requerente a apresentação de "documento sucessível de demonstrar de forma clara a retroatividade pretendida, através de certificado de residência fiscal no estrangeiro, onde conste(m) expressamente o(s) ano(s) em que foi considerado residente no estrangeiro".
52. Tais documentos, apesar de estarem redigidos em língua inglesa, teriam de ser "apresentados em cópia traduzida devidamente certificada, nos termos da lei portuguesa".
53. Tais documentos redigidos na língua inglesa já estavam na posse da Requerida., mas a Requerente diligenciou no sentido de ser providenciada à Requerida a tradução dos documentos previamente juntos ao requerimento inicial de reclamação graciosa,
54. Em 07-04-2024, a reclamação graciosa foi, nos termos do artigo 57° nº. 5 da LGT, tacitamente indeferida.
55. A tributação declarada no ato tributário aqui impugnado resulta de um conjunto de circunstâncias fortuitas e de uma declaração errónea de rendimentos, resultante do desconhecimento de quem nasceu e cresceu na África do Sul, onde viveu toda a sua vida, não falando a língua portuguesa.
56. Esta liquidação resultou de erro na declaração de rendimentos nº ...-... -..., apresentada dentro do prazo legal.
57. Erro de facto na declaração conducente a uma tributação desconforme com a situação material subjacente e à invalidade do ato tributário praticado.
58. Tendo em consideração que as obrigações tributárias nascem com a verificação dos factos previstos na lei, devendo por isso corresponder à situação material subjacente (artigo 36°, nº 1 da LGT) e desenvolver-se de acordo com os critérios nela estabelecidos (artigo 8° da LGT), deve considerar-se (i) o lapso cometido pela Requerente na declaração de rendimentos (ii) a demonstração da situação material subjacente, e (iii) a invocação da invalidade do ato tributário de liquidação, e em consequência sendo o mesmo declarado nulo ou anulado, com todas as consequências legais dai advenientes.
59. Sobre a liquidação em causa, cumpre dizer que não corresponde a mesma à situação material subjacente, tanto por a Requerente não ser nos termos da lei residente em Portugal, como por os rendimentos por si obtidos não serem considerados obtidos em Portugal.
60. Por isso, a sua manutenção na ordem jurídica configura uma inaceitável violação dos princípios da legalidade, da verdade material, da igualdade, da justiça e da proporcionalidade.
61. As obrigações tributárias nascem com a verificação dos factos previstos na lei (artigo 36°, nº 1 da LGT) e desenvolvem-se de acordo com os critérios nela estabelecidos (artigo 8º da LGT), não podendo ser alterados por vontade das partes (artigo 36º, nº 2 da LGT).
II.2. Requerida
62. Em 20-06-2022, dentro do prazo legal, a Requerente procedeu à entrega da declaração de rendimentos do ano de 2021, que se encontra registada sob o n.º ...-2021-...-..., tendo declarado ser residente em Portugal (“Continente”) a totalidade do ano, e tendo unicamente entregue o Anexo J (“Rendimentos obtidos no estrangeiro”), no qual declarou rendimentos de trabalho dependente provenientes das Ilhas Caimão no valor de € 53.656,82.
63. Em resultado da entrega da declaração modelo 3 de IRS, foi emitida a liquidação nº 2022... emitida em 24-06-2022 no valor a pagar de € 15.441,33.
64. Estando em dívida o montante de € 15.391,28, foi regularizado o valor de € 50,05.
65. Em 16-09-2022 foi instaurado o Processo de Execução Fiscal (PEF) com o nº ...2022... .
66. Por forma a ver reconhecida a sua pretensão, de ser considerada não residente em Portugal, a Requerente apresentou em 07-12-2023 a Reclamação Graciosa n.º ...2023..., com presunção de indeferimento tácito nos termos do artigo 57.º da LGT.
67. E, posteriormente, em 13-03-2024, a Requerente solicitou a alteração de morada para a África do Sul com efeitos retroativos reportados a 01-01-2019, sendo que, quanto a este pedido, foi proferida em 23-09-2024 decisão final de indeferimento, pelo Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa ... .
68. Desta notificação foi a Requerente notificada através do Oficio nº ... de 23-09-24, registado com aviso de receção.
69. Está em causa na situação em apreço, matéria respeitante à residência fiscal.
70. Porque foi a Requerente que declarou ser residente fiscal em Portugal em 2021, pretendendo a alteração do estatuto de residente para o de não residente em território português, é à mesma que compete o ónus da prova do alegado, de acordo com o que dispõe o artigo 74º, nº 1 da LGT.
71. Uma vez que a Requerente no ano de 2021 foi tripulante de navios registados nas Ilhas Caimão, está excluída a residência em Portugal nos termos das als. c) e d) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS.
72. Pelo que terá de ser aferida a residência em função do período de permanência em Portugal, nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS (critério de permanência), ou da existência de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual, nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS.
73. Por outro lado, a Requerente não apresentou prova de que a África do Sul a considerasse como seu residente fiscal nos termos da CDT celebrada com Portugal.
74. Existindo CDT celebrada entre estas duas jurisdições, a tributação dos rendimentos auferidos num desses Estados por um nacional do outro Estado, é efetuada de acordo com determinados elementos de conexão, nomeadamente de acordo com a residência fiscal, que constitui o elemento de conexão relevante para aferir da competência para a tributação de rendimentos de pensões, nos termos dos artigos 18º e 19º da mencionada CDT.
75. A Requerente para comprovar que no ano de 2021 não teve a sua residência fiscal em Portugal, apresentou os seguintes documentos: documento de identificação sul-africano, passaporte sul-africano, carta de condução sul-africana, certificado de conclusão do ensino secundário no ano de 2010 na África do Sul, certificado de frequência da universidade sul-africana nos anos de 2011 a 2016, um outro documento que aparenta ser o currículo da Requerente.
76. Porém, estes documentos não permitem aferir o período de permanência em Portugal.
77. O registo de pessoal marinheiro, tendo-se verificado que no ano de 2021 a Requerente esteve embarcada nos seguintes períodos: de 05-03-2021 a 04-05-2021, de 08-08-2021 a 12-10-2021, e de 15-12-2021 a 30-12-2021, sendo que a soma desses períodos perfaz um período inferior a 183 dias, e quanto ao período restante não fica demonstrado qual o país em que a Requerente permaneceu.
78. A Requerente juntou também extrato de conta do imposto sobre o rendimento emitido pela autoridade fiscal sul-africana (SARS), com informação relativa aos anos fiscais sul-africanos de 2021, 2022 e 2023.
79. No entanto, este documento não contém qualquer informação quanto ao estatuto de residência fiscal da Requerente na África do Sul ou quanto ao seu regime de tributação (residente ou não residente), pelo que o documento não permite aferir qual o seu estatuto de residência naquele país.
80. Analisados os documentos em anexo ao Pedido de Pronúncia Arbitral, constatou-se que não são trazidos novos elementos aos autos, pois os documentos apresentados nesta sede pela Requerente são os mesmos que foram juntos ao processo de reclamação graciosa e ao pedido de alteração de morada com efeitos retroativos.
81. Deste modo, verifica-se que os documentos apresentados por si só não são suficientes para presumir a residência fiscal no estrangeiro no ano de 2021.
82. Nos termos das convenções celebradas entre Portugal e os mais diversos Estados, apenas é aceite como comprovativo de residência fiscal documentos emitidos pelas autoridades fiscais dos países a comprovar/certificar o domicílio fiscal nos outros países.
83. Ou seja, nos termos da CDT celebrada entre Portugal e a República da África do Sul apenas se considera como válido a apresentação de um certificado de residência fiscal emitido ou certificado pela autoridade fiscal daquele país para comprovar o domicílio fiscal.
84. Os documentos apresentados Requerente não têm qualquer valor probatório da residência fiscal na Africa do Sul nos termos da CDT celebrada entre Portugal e aquele país.
85. Atendendo à informação que a AT tem disponível e à prova que a Requerente juntou, verifica-se que não consta qualquer certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais da África do Sul nos termos do artigo 4º da CDT celebrada entre Portugal e aquele país, pelo que não se observa a prática de ato ilegal.
86. De acordo com o Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes (SGRC) da AT, no ano de 2021, a Requerente tinha o seu domicílio fiscal em Portugal localizado na Alameda dos Oceanos, nº 114, 6º F, Parque das Nações, Lisboa.
87. Ou seja, dispunha de habitação que, embora não sendo própria, constituía a sua habitação permanente, em condições de fazer supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual.
88. E tanto assim é que, na declaração de rendimentos entregue pela Requerente em 20-06-2022, e que deu origem à liquidação nº. 2022..., esta indicou residência em Portugal.
89. Era da responsabilidade da Requerente comunicar à AT no prazo de 60 dias a alteração do seu estatuto de residência, sob pena de ser ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à AT, conforme estipula o artigo 19º, nºs 1, 3, 4 e 5 da LGT.
90. O facto de a Requerente não ser proprietária de imóvel destinado a habitação ou de não ter casa arrendada, por si só nada prova quanto à inexistência de habitação em Portugal, porquanto a mesma pode utilizar a habitação na qual domiciliou a sua residência fiscal a qualquer outro título.
91. Uma vez que está em causa a residência fiscal da Requerente, e dado que alega ser residente fiscal na África do Sul, o documento para comprovar esse facto é o Certificado de Residência Fiscal emitido pela autoridade fiscal sul-africana nos termos do artigo 4º da Convenção celebrada entre Portugal e a África do Sul, pois é essa a autoridade com competência para atestar a residência fiscal nos termos da sua legislação interna.
92. No processo administrativo relativo ao pedido de alteração da residência fiscal com efeitos retroativos, a informação na qual foi projetado o indeferimento do pedido é referido expressamente que deve ser exibido o certificado de residência fiscal.
93. Nos termos da Instrução de Serviço n.º .../2020, de 12-02-2020, da Sr.ª Subdiretora-Geral da Área da Cobrança (respeitante à alteração de morada de residente para não residente, quando estejam em causa países, com os quais Portugal tenha celebrado CDT), para prova da residência fiscal num outro Estado, é exigido ao contribuinte a apresentação de um Certificado de Residência Fiscal (CRF) emitido pela AF dessa jurisdição, em seu nome, para o(s) ano(s) em causa e para efeitos de aplicação da CDT que esteja em causa.
94. No caso, não foi apresentado tal documento.
95. Não tendo a Requerente procedido à sua exibição, ou mesmo demonstrado ter realizado diligências junto da autoridade fiscal sul-africana no sentido de obter o certificado de residência fiscal emitido nos termos da Convenção Bilateral.
96. Conclui-se que a Requerente não fez prova suficiente do facto de não ser residente fiscal em Portugal.
97. Tendo de concluir-se, que a Requerente não apresentou prova da residência na África do Sul.
98. Concluindo-se que à luz do ordenamento jurídico interno, concretamente nos termos do disposto no artigo 16º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), a Requerente era residente em Portugal no ano de 2021.
99. Face a todo o exposto, conclui-se que a liquidação controvertida, efetuada no pressuposto da residência em Portugal, não enferma de qualquer ilegalidade.
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Saneamento
100. O Tribunal Arbitral é materialmente competente, encontra-se regularmente constituído e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º, nº 1 e 10º do RJAT.
101. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º, nº 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
102. O processo não enferma de nulidades. Não há assim qualquer obstáculo à apreciação da causa. Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
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Matéria de facto
IV.1. Factos Provados
103. A Requerente tem dupla nacionalidade da África do Sul e de Portugal e, em 2019, indicou, junto do Instituto dos Registos e Notariado, que a sua morada de residência se situava em Portugal.
104. A Requerente passou a estar enquadrada como residente para efeitos fiscais em Portugal no âmbito do registo cadastral da Autoridade Tributária.
105. De acordo com a informação constante do Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, a situação cadastral da Requerente, em 31-12-2021, era de que era residente em Portugal, na morada indicada no ponto 86 (em conformidade com o teor do Processo Administrativo (PA) anexado pela Requerida).
106. A Requerente, por referência ao ano de 2021, submeteu em 20-06-2022, uma declaração modelo 3 de IRS, nela se enquadrando como residente fiscal em Portugal, na qual declarou rendimentos da Categoria A, no montante de 53 656,82 EUR de fonte estrangeira (em conformidade com o teor do PA).
107. Com base na declaração identificada no ponto anterior, foi emitido o ato tributário de liquidação de IRS nº 2022..., o qual deu origem a imposto a pagar no montante de 15 441,33 EUR (em conformidade com PA).
108. A Requerente submeteu a reclamação graciosa nº ...2023... em 07-12-2023, com referência àquela liquidação de IRS.
109. Em conformidade foi pedida a alteração do estatuto de residência fiscal, em Portugal, para a de não residente, pretendendo que fosse considerada como residente fiscal na África do Sul.
110. Adicionalmente, a Requerente solicitou que a alteração de residência fiscal tivesse efeitos retroativos a 01-01-2019.
111. A Requerente foi notificada, através de carta registada, na pessoa do seu mandatário em Portugal, do Ofício de 23-09-2024, de que foi proferido despacho o indeferimento no procedimento de alteração de morada com efeitos retroativos, ficando ainda notificada de que poderia recorrer hierarquicamente desse despacho no prazo de 30 dias.
IV.2. Factos Não Provados
112. Não ficou provado que a Requerente fosse, em 31-12-2021, por referência àquele ano fiscal, de considerar como não residente fiscal em Portugal. Em particular, não ficou provado que, no ano de 2021, a Requerente não tivesse permanecido no território nacional durante mais de 183 dias, nem que não tivesse estabelecido residência habitual na morada comunicada ao IRN e registada no cadastro da Autoridade Tributária para efeitos de residência fiscal em território nacional.
113. Não se verificaram outros factos com relevância para a decisão da causa que não tenham sido considerados provados.
IV.3. Fundamentação da matéria de facto
114. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas apreciar e selecionar os factos que importam para a boa decisão da cauda, e discriminar a respetiva matéria provada, nos termos do artigo 123.º, n.º 2 do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
115. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência e conhecimento, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC e regras gerais do CC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra estabelecida na lei é que o princípio da livre apreciação não domina na apreciação das provas produzidas.
116. Em concreto, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos alegados e não contestados pelas partes e na prova produzida nos autos, designadamente prova documental.
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Matéria de Direito
V.1. Objeto e âmbito do processo
117. Face às posições assumidas pelas partes, vertidas nos respetivos articulados, e considerando a prova produzida, cabe ao Tribunal Arbitral apreciar e decidir sobre a peticionada ilegalidade (e respetiva anulação) do ato tributário impugnado.
118. A questão jurídico-tributária que está no epicentro do dissídio entre as partes e que, por isso, o Tribunal é chamado a apreciar e decidir, é atinente à residência fiscal da Requerente, no ano de 2021, havendo que determinar se esta deverá, ou não, ser considerada residente em Portugal, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 15º, nºs 1 e 2, e 16º, nº 1, alíneas a) e b), e nºs 2 e 3, do Código do IRS (CIRS).
V.2. Apreciação do Tribunal Arbitral
119. Para efeitos de enquadramento jurídico e fiscal, cumpre, desde já, considerar as disposições legais mais relevantes para a boa decisão da causa.
120. O artigo 19º da Lei Geral Tributária (LGT) dispõe:
“ 1 – (…)
-
- (…)
-
– (…)
-
– (…)
5 - Sempre que se altere o estatuto de residência de um sujeito passivo, este deve comunicar, no prazo de 60 dias, tal alteração à administração tributária.
6 - Os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, bem como as pessoas colectivas e outras entidades legalmente equiparadas que cessem a actividade, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional.”
121. Artigo 13º, nº 1 CIRS
“1 - Ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos.
2 – (…)”
122. Artigo 15º, nº 1 do CIRS
“1 - Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.
2- (…)”
123. Artigo 16º do CIRS
“1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;
b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;
c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo.
3 - As pessoas que preencham as condições previstas nas alíneas a) ou b) do nº 1 tornam-se residentes desde o primeiro dia do período de permanência em território português, salvo quando tenham aí sido residentes em qualquer dia do ano anterior, caso em que se consideram residentes neste território desde o primeiro dia do ano em que se verifique qualquer uma das condições previstas no nº 1.”
124. Do ponto de vista internacional, e de acordo com o disposto no artigo 1° (Pessoas Visadas) da Convenção para Evitar a Dupla Tributação assinada entre Portugal e a África do Sul (CDT), "Esta Convenção aplica-se às pessoas residentes de um ou de ambos os Estados Contratantes", sendo que nos termos do seu artigo 4°, nº 1 (Residência), no que ao caso interessa, "(. ..) a expressão residente de um Estado contratante significa qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência, (. ..) ou a qualquer outro critério de natureza similar(. ..)".
125. Afigura-se também pertinente considerar o seguinte posicionamento de Pedro Roma (Residência Fiscal Parcial em IRS, Almedina, Coimbra, 2018, pp. 120-121):
“(…) o conceito de “não residência fiscal” não se encontra expressamente contemplado no ordenamento jurídico-fiscal português.
126. Tal como analisado por José Calejo Guerra [Cf. José Calejo Guerra – A (não) residência fiscal no Código do IRS e seus requisitos: do conceito legal À distorção administrativa, Cadernos de Justiça Tributária, n.º 6, outubro-dezembro 2014, pp. 16-22], também entendemos que o conceito de não residência fiscal resulta a contrario do próprio Código do IRS, uma vez que todos aqueles que não preencherem um dos critérios de residência fiscal previstos no artigo 16º do Código do IRS deverão ser considerados não residentes fiscais em Portugal.
127. Este Autor acrescenta ainda que “a não residência fiscal é, pois, uma definição legal não escrita que se encontra sob a alçada da reserva relativa de lei da Assembleia da República, que resulta do artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP. Nesta medida, é defendido que a administração tributária não pode introduzir, através da sua atuação (ainda que baseada em orientações administrativas), quaisquer exigências que, de algum modo, dificultem ou impeçam que um qualquer sujeito passivo, que não preencha nenhum critério de residência fiscal em Portugal, seja considerado não residente fiscal.
Na verdade, de acordo com a atual prática administrativa, a administração tributária exige a apresentação de um comprovativo de residência no estrangeiro para proceder à alteração do estatuto de residência fiscal dos sujeitos passivos para não residentes em Portugal, (…). À luz daquele entendimento, que subscrevemos, entendemos que esta prática da administração tributária apenas se poderá reputar de ilegal, por violação do princípio da legalidade tributária, que encontra cobertura legal no artigo 8.º da LGT e cobertura constitucional no já citado artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP.”
128. Noutra ordem de considerações, importa chamar à colação os seguintes ensinamentos de Paula Rosado Pereira (Manual de IRS, Almedina, Coimbra, 2018, pp. 56 a 59):
“Temos, portanto, no IRS, uma distinção essencial entre sujeitos passivos residentes e sujeitos passivos não residentes.
A residência é, a par da fonte do rendimento, um dos elementos de conexão que definem os termos da aplicação da lei fiscal no espaço, quando nos encontramos perante situações com um elemento internacional relevante.
Reportando-nos ao já aludido artigo 13.º, n.º 1 do CIRS, a tributação em Portugal dos rendimentos obtidos por pessoas singulares que residam em território português reflete o elemento de conexão “residência”, ao passo que a tributação dos não residentes quanto aos rendimentos considerados como obtidos em território português concretiza a aplicação do elemento de conexão “fonte”.
(…)
A definição de residência em território português é dada pelo artigo 16.º do CIRS, prevendo-se que sejam residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;
b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual.
(…)
Para além de corresponder, como vimos, a um dos elementos de conexão para a aplicação da lei fiscal no espaço, a residência é também um conceito essencial para determinar o âmbito de sujeição pessoal ao IRS, uma vez que este tende a ser bastante distinto para residentes e não residentes.
Relativamente aos residentes, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora de território português (artigo 15.º, n.º 1 do CIRS). Os residentes encontram-se, portanto, sujeitos a um princípio da universalidade ou da tributação universal ou ilimitada pelo Estado da residência. Assim, podem ser tributados em Portugal todos os rendimentos obtidos por um residente, independentemente do local onde tais rendimentos sejam obtidos.
(…)
Em contrapartida, um não residente – pessoa singular que não preencha nenhum dos critérios de residência fiscal previstos no artigo 16.º do CIRS – encontra-se sujeito a IRS
unicamente quanto aos rendimentos obtidos em território português (artigo 15.º, n.º 2 do
CIRS). Os não residentes são tributados ao abrigo do elemento de conexão fonte do rendimento. O artigo 18.º elenca os rendimentos que se consideram obtidos em território português e que, como tal, podem ser tributados em sede de IRS mesmo quando auferidos por um não residente.”
128. Nesta análise, afirma Pedro Roma o seguinte (… pp. 131 a 145):
“Assim, tendo em conta estas três normas [artigo 16.º, n.ºs 1, alínea a), 2 e 3, do Código do IRS], julgamos que se poderá formular este critério de residência fiscal [a permanência por mais de 183 dias num período de 12 meses] do seguinte modo: (i) um sujeito passivo é considerado residente fiscal se, em qualquer período de 12 meses, permanecer mais de 183 dias (que incluam dormida) em Portugal e (ii) será considerado residente fiscal em Portugal desde o primeiro dia de permanência daquele período de 183 dias.
(…)
(…), a mera disposição de uma habitação não é suficiente para que se possa concluir
pelo preenchimento deste critério de residência fiscal em Portugal [critério previsto no artigo 16.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS], pois é necessária a existência de “condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual.
Em primeiro lugar, deverá tratar-se de uma residência habitual, o que significa que não basta a existência de um imóvel em Portugal que é ocupado ocasionalmente (e.g. em período de férias ou fins-de-semana) para que o mesmo qualifique para este efeito.
(…)
(…) no que respeita às “condições que [fazem] supor” a intenção de manter e
ocupar uma habitação, como residência habitual, verificamos que o legislador decidiu não concretizar que condições são essas, deixando-as ao critério do intérprete.
(…)
Uma vez que a ocupação da habitação como residência habitual não é objeto de prova direta, a mesma resulta das condições objetivas e subjetivas que a façam supor.
(…)
(…) Não obstante, (…), uma análise casuística impor-se-á sempre.
Por último, (…) os critérios de residência fiscal previstos nas alíneas a) e b) do artigo
16.º, n.º 1 do Código do IRS são alternativos, (…)”
129. Assim, o critério previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS cinge-se à presença física (corpus), em Portugal, considerando residentes, de forma automática, os indivíduos que permaneçam mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, num período de 12 meses, no território nacional. Por seu turno, a alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS, exigindo uma ligação física menos qualificada, impõe uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva com o território; esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado de uma perspetiva objetiva, ou seja, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados.
129. Retomando o caso concreto e tendo em vista decidir sobre a (i)legalidade dos atos
tributários controvertidos, importa então determinar se a Requerente deve, ou não, ser
considerada residente fiscal em Portugal, no ano de 2021, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 15º, nºs 1 e 2, e 16º, nº 1, alíneas a) e b), e nºs 2 e 3, do CIRS.
130. Tendo em conta tudo o que acima se referiu, afigura-se que o enquadramento jurídico se mostra abstratamente a favor da Requerente, tal como alegado no respetivo PPA.
131. Não obstante, cumpre verificar se a Requerente cumpriu com o ónus de prova que lhe competia para o efeito.
132. Nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, o “ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos (…) dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.
133. Competia, assim, à Requerente, provar os factos que operam como suporte das pretensões e dos respetivos direitos que invoca. Ou seja, a Requerente teria de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito de liquidação subjacentes ao ato impugnado nos presentes autos.
134. Probatoriamente, a Requerente apenas juntou prova documental para suportar o respetivo PPA e que já servira para suportar a reclamação graciosa nº ...2023... .
135. Sublinha-se que a prova da residência fiscal não é exclusivamente efetuada através de um Certificado de Residência Fiscal emitido pelas autoridades fiscais da África do Sul, para o ano em causa – 2021, e para efeitos de aplicação da CDT, porquanto inexiste qualquer norma legal, incluindo no CIRS, que condicione/limite os meios de prova de que o contribuinte se pode socorrer para comprovar a sua residência fiscal. Neste sentido, vide Decisão Arbitral proferida no âmbito do P 85/2022-T, de 24-10-2022 e P 155/2022- T, de 11-10-2022, disponíveis em www.caad.pt.
136. Não tem assim razão a Requerida quando afirma que a prova da residência fiscal do
Requerente, no ano de 2021, teria de ser feita obrigatoriamente através de um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais da África do Sul
137. Trata-se de um argumento sem respaldo legal, pois inexiste qualquer norma legal, nomeadamente no CIRS, que condicione ou limite os meios de prova de que o contribuinte se pode servir para comprovar a sua residência fiscal, designadamente exigindo a apresentação de um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais de outro país.
138. Por outro lado, também se entende que, de per si, não é substancialmente relevante para a determinação da residência fiscal da Requerente o facto de esta ter declarado ser residente em território nacional na declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, respeitante ao ano de 2021.
139. De facto, só o preenchimento dos pressupostos de cada um dos critérios de residência fiscal decorrentes do artigo 16.º do CIRS, permite que uma pessoa seja considerada residente fiscal em Portugal. Ou seja, a mera declaração do sujeito passivo não tem a virtualidade de determinar a sua residência fiscal ou, visto doutra perspetiva, um eventual erro declarativo como o alegado no caso concreto não é suscetível de transformar ou alterar uma situação factual subjacente que resulte comprovada.
140. Contudo, da documentação anexada pela Requerente com o PPA e que condicionou a factualidade dada como provada nesta Decisão Arbitral, não resulta do seu teor a possibilidade deste Tribunal Arbitral ficar cabalmente esclarecido quanto ao estatuto de não residência fiscal da Requerente, em Portugal, no ano de 2021.
141. Em particular, o documento alegadamente emitido pela SARS (autoridade tributária da Árica do Sul) em 25-11-2023.
142. Neste âmbito, da prova documental produzida, é possível verificar que a Requerente terá pago imposto em 2021 na África do Sul, mas não mais do que isto. Ou seja, o documento não clarifica o estatuto de residência nesse país, na medida em que a liquidação e pagamento de imposto não significa necessariamente residência.
143. Mas apenas por referência ao referido documento, nenhuma conclusão é possível ser retirada acerca do Estado onde a Requerente pode ou deve ser considerada, em 2021, residente para efeitos fiscais - Portugal ou África do Sul.
144. De facto, não se afigura possível concluir, com certeza, que a Requerente tenha sido considerada residente fiscal na África do Sul em 2021.
145. Nem foi junto qualquer outro documento que demonstre que naquele ano a Requerente tinha a sua residência naquele país, nele tendo o centro vital dos seus interesses.
146. Os documentos não demonstram que a Requerida, no ano de 2021, tivesse a sua vida estabelecida na África do Sul em condições que possam considerá-la como uma efetiva residente. Os documentos juntos referem-se, geralmente, a períodos diferentes e anteriores ao ano de tributação em causa e, embora indiciariamente manifestem uma ligação duradoura à África do Sul ao longo de diversos anos, não confirmam, sem margem para dúvidas, a alegada residência, no ano de 2021, nesse mesmo país.
147. Acresce que não foi feita prova relativa ao tempo total e efetivo de permanência ou ausência da Requerente, ou falta de residência, no território nacional, ao longo de todo esse ano. A prova produzida neste âmbito, nomeadamente quanto ao tempo de ausência, afigura-se apenas parcial e, por isso, insuficiente, não permitindo determinar, por referência ao ano de 2021, o estatuto de não residente, nos termos do CIRS.
148. Porque a prova poderia ter ido além de um eventual certificado de residência, seria necessário apresentar prova que afastasse o enquadramento da Requerente no artigo 16º do CIRS, ou seja, prova que afastasse os critérios nacionais aplicáveis para qualificarem a Requerente como residente fiscal em Portugal no ano de 2021.
149. Com efeito, na falta de prova que suporte devidamente o PPA, perante uma situação de patente insuficiência da prova produzida nos autos, em face dos factos alegados pela Requerente que sustentam o pedido e configuram a respetiva causa de pedir, improcede, assim, o PPA, por não provado, relativamente à consideração da Requerente como não residente fiscal em Portugal no ano de 2021.
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Decisão
150. Face ao exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:
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Julgar improcedente, por não provado, o pedido de pronúncia arbitral;
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Condenar a Requerente nas custas do processo.
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Valor
151. Fixa-se o valor do processo em 15 441,33 EUR, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VIII. Custas
152. Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 918,00 EUR, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5 do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 13 de março de 2025
A Árbitra Singular
Dra. Adelaide Moura