Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1296/2024-T
Data da decisão: 2025-03-07  IRS  
Valor do pedido: € 83.598,35
Tema: IRS – Mais valias – Inutilidade superveniente da lide
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Sumário:

I - O ato tributário impugnado pelo Requerente foi revogado pela AT, o que implica a inutilidade e impossibilidade deste Tribunal declarar a ilegalidade e determinar a consequente anulação de um acto que já se encontra suprimido da ordem jurídica.

II – Com a referida revogação e respetiva aceitação o Requerente atingiu a totalidade dos efeitos pretendidos com o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Guilherme W. d´Oliveira Martins, Ana Rita do Livramento Chacim e Gustavo Gramaxo Rozeira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

 

I. Relatório

 

  1. A..., divorciada, de nacionalidade francesa, residente em..., ..., Bruxelless,, titular do passaporte n.º..., emitida pela República Francesa, válido até 22/03/2028, contribuinte fiscal Portuguesa n.° ..., vem, nos termos e ao abrigo do artigo 102.° CPPT e do DL n.° 10/2011, de 20 de janeiro, impugnar o ato de Demonstração de Liquidação do IRS, com data limite de pagamento a 30/09/2024, no Valor de ¬ 160.988,53 (cento e sessenta mil novecentos e oitenta e oito euros e cinquenta e três cêntimos) Contra a entidade emissora Autoridade Tributária e Aduaneira, com sede na Rua da Pata, n.° 10 1149-027, Lisboa.

 

  1. A AT, apresentou requerimento, com o seguinte conteúdo: “A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, demandada nos autos supra identificados, em que é Requerente A..., contribuinte fiscal n.º ..., vem informar que por despacho da Subdiretora-geral de 2025-02-16, foi revogado o ato de liquidação de IRS n.º nº 2024..., do ano de 2022, ora impugnado, conforme documento que se anexa.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 09-12-2024, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT na mesma data. Em 29-01-2025, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, na mesma data, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou, assim, constituído em 18-02-2025, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data em cumprimento do disposto no artigo 17.º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

 

Em 21-02-2025, a Requerida veio requerer a revogação total do ato.

 

Este Tribunal em 23-02-2025, veio proferir o seguinte despacho:

 

“Notifique-se a Requerente para, no prazo de 5 dias, se pronunciar sobre a revogação do ato pela Requerida e se deseja prosseguir os autos quanto a algum dos pedidos.”

 

Na sequência do despacho, a Requerente nada acrescentou ou requereu.

 

II. Saneamento

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

O processo não enferma de nulidades.

 

III. Fundamentação

 

III.1. Matéria de facto

 

Factos dados como provados

Na sequência do pedido arbitral formulado pela Requerente, veio a Requerida efetuar a revogação do ato de liquidação de IRS n.º nº 2024..., do ano de 2022, ora impugnado.

 

Factos dados como não provados

 

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

 

 

III. 2. Matéria de Direito

 

Tendo sido revogado o ato de liquidação impugnado pelo Requerente nos presentes autos, cumpre apreciar a utilidade da apreciação do pedido.

A respeito da inutilidade superveniente da lide pronunciou-se já o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 30 de Julho de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 0875/14, no qual referiu que “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277o do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.

É também este o sentido que a doutrina tem conferido ao conceito em análise, referindo LEBRE DE FREITAS, RUI PINTO e JOÃO REDINHA, em Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555, que “(...) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.

Ora, conforme resulta da matéria de facto dada como provada nos presentes autos, o ato tributário impugnado pelo Requerente foi revogado pela AT e aceite plenamente pela Requerente, o que implica a inutilidade e impossibilidade deste Tribunal declarar a ilegalidade e determinar a consequente anulação de um acto que já se encontra suprimido da ordem jurídica. Com a referida revogação o Requerente atingiu a totalidade dos efeitos pretendidos com o presente pedido de pronúncia arbitral.

Em face do exposto entende este Tribunal que se verifica a inutilidade superveniente da lide quanto à apreciação da legalidade e consequente anulação do acto tributário impugnado pelo Requerente, de tal forma que se julga extinta a instância nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

 

IV. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

a)  Julgar extinta a instância;

b)  Absolver a Requerida da instância;

c)  Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

V. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 83.598,35 (oitenta e três mil e quinhentos e noventa e oito euros e trinta e cinco cêntimos), nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

VI. Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 2.754,00 (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros), a pagar pela Requerida, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 7 de março de 2025.

 

Os Árbitros,

 

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

 

 

(Ana Rita do Livramento Chacim)

 

 

(Gustavo Gramaxo Rozeira)