Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1135/2024-T
Data da decisão: 2025-02-26  ISV  
Valor do pedido: € 2.203,81
Tema: ISV – Tributação de veículos usados – Diferenciação da percentagem de redução por tempo de uso, consoante as componentes cilindrada e ambiental – Meios de prova.
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SUMÁRIO:

1. Na admissão de um veículo usado proveniente de outro Estado membro, cabe ao Requerente provar que a diferente desvalorização do ISV nas componentes cilindrada e ambiental é desconforme com o direito comunitário em razão de ter excedido o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados.

2. A prova do excesso do montante do valor residual pode ser feita a partir da informação constante das publicações especializadas do setor ou, em alternativa, por informação oficial proveniente do Instituto Nacional de Estatística que mostre que, tendo em conta a antiguidade do veículo, o ISV incorporado no veículo a admitir, relativamente a veículo novo similar anteriormente introduzido no consumo, é superior à percentagem de inflação acumulada do Índice de Preços no Consumidor no referido período.  

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1. A..., com o número fiscal ..., com residência na Rua ... n.º ... – ..., ...-... Carcavelos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com as alterações subsequentes, doravante RJAT, apresentou um pedido de pronúncia arbitral em que é requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), em que nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT impugnou o ato de liquidação do Imposto sobre Veículos (ISV), a que foi sujeito um veículo usado por si admitido proveniente de um país da União Europeia.

A liquidação tinha sido objeto previamente de reclamação graciosa, sem que tenha havido indeferimento expresso por parte da AT, ocorrendo um indeferimento tácito.

2. O pedido foi apresentado em 21.10.2024, e visa a anulação parcial do ato de liquidação do ISV praticado pelo Diretor da Alfândega do Jardim do Tabaco na admissão de um veículo usado, proveniente de um país da União Europeia (UE), de sua propriedade, requerendo a restituição da quantia cobrada em excesso, acrescida dos respetivos juros indemnizatórios. 

3. Nos termos do disposto no artigo 11.º n.º 1, alínea c) do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) constituiu o Tribunal Arbitral Singular em 02.01.2025.

4. Nesta mesma data, nos termos do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT, a AT foi notificada, enquanto parte requerida, para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, devendo, no referido prazo remeter cópia do processo administrativo.

5. Nessa resposta, em 31.01.2025, a Requerida sustentou a legalidade da liquidação efetuada, tendo concluído pelo pedido de improcedência do pedido de pronúncia arbitral, tendo enviado simultaneamente cópia do processo administrativo.

6. Em 04.02.2025 foi proferido Despacho a dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º, n.º 1 do RJAT, uma vez que os factos estavam estabelecidos e estava em causa apenas uma questão de direito, tendo sido concedido um prazo , a correr simultaneamente, para, facultativamente, as Partes, alegarem, tendo sido anunciado como prazo limite para a prolação do despacho a data de 27 de fevereiro de 2025.

7. Em 21.02.2025. o Requerente apresentou alegações facultativas, o mesmo tendo sucedido com a Requerida, em 24.02.2025

 

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

8. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, é materialmente competente e as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, sendo legítimas, à luz dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.  

9. O processo não padece de vícios que o invalidem e não existem incidentes que importe resolver nem questões prévias sobre as quais o Tribunal Arbitral se deva pronunciar.

 

III – DA POSIÇÃO DAS PARTES

10. O Requerente, a fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, no essencial, diz o seguinte:

10.1. Admitiu um veículo ligeiro de passageiros da marca «Porsche», modelo 991 proveniente da República Federal da Alemanha, matriculado pela primeira vez em 09.06.2015, onde circulou com a matrícula ... .

10.2 Para o efeito, processou a respetiva Declaração Aduaneira de Veículo (DAV), na Alfândega do Jardim do Tabaco, a que foi atribuído o n.º 2024/..., datada de 20.02.2024.

10.3. Em resultado da apresentação da referida declaração, a AT liquidou o ISV de 8570,49 €, correspondendo 3924,32 € à componente cilindrada e 4 646,17 € à componente ambiental, o qual foi pago pelo Requerente, em 07.02.2024. 

10.4 Em termos de direito, destaca o entendimento perfilhado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no âmbito do processo C – 399/23, sobre a interpretação do artigo 11.º do Código do Imposto sobre Veículos (CISV) em matéria de admissão de veículos usados de um Estado Membro para outro e, também no mesmo sentido, a decisão do CAAD proferida no processo n.º 468/2023-T, de 16.10.2023.

10.5 Concretamente, o ato de liquidação padece de ilegalidade na parte em que não considerou aplicável a mesma taxa de redução aplicada à componente cilindrada (70%), na taxa de redução do ISV relativa à componente ambiental (43%), assim violando o disposto no artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE).

10.6 Considerando o facto de o veículo ter entre 9 e 10 anos, a taxa de redução de anos de uso aplicável à componente cilindrada de 70% deveria igualmente ter sido aplicável à componente ambiental, o que não aconteceu, donde resultou um pagamento indevido de 2203,81 €.

10.7 No âmbito do pedido de pronúncia arbitral o Requerente indicou prova testemunhal, concretamente um advogado e um consultor automóvel. 

11. Em alegações facultativas, reiterou a pretensão expressa no pedido de pronúncia arbitral, e evidenciou um erro da Requerida na sua fundamentação ao justificar a tributação com uma quilometragem do veículo que não tem correspondência com a realidade.

12. Por seu turno, a Requerida em resposta ao pedido de pronúncia arbitral, vem dizer, no essencial, o seguinte:

12.1 Em matéria de facto dá como assente a informação constante da introdução no consumo do veículo através da DAV.

12.2 Em termos de direito, enuncia as regras constantes de vários Capítulos do CISV que subjazem à instituição do ISV, salientando, designadamente, os artigos 2.º, 3.º 5.º 6.º 17.º, 20.º n.º 1 e 27.º e, transcreve os n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 11º do CISV, que regulam a tributação da admissão de veículos usados.  

12.3 No que respeita à argumentação do Requerente, salienta que o ato de liquidação foi praticado tendo em conta as normas constantes do CISV, pelo que, tendo as mesmas sido criadas por lei, conforme artigo 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP),  e encontrando-se a AT sujeita ao princípio da legalidade tributária prevista no artigo 8.º da Lei Geral Tributária (LGT), não poderia ter atuado doutra maneira, contrariando ou desobedecendo às normas legais pré-existentes sob pena de cometer uma ilegalidade ao deixar de aplicar as taxas que se encontram em vigor à data da introdução no consumo. Anota que não existe qualquer decisão que declare com força obrigatória geral o vício de violação de lei comunitária relativamente à nova redação do mencionado artigo 11.º do CISV.

12.4 A título de justificação da atual redação, refere o que consta da «Proposta de Lei do OE para 2021, de que « ... se procurou salvaguardar os ambiciosos objetivos ambientais do País e a incorporar o essencial das preocupações levantadas pela Comissão Europeia em matéria de compatibilidade com o direito europeu ... o qual, ao contrário do que sucede com a componente cilindrada, não estará associado à desvalorização comercial dos veículos mas antes à sua vida útil média remanescente (medida pela idade média dos veículos enviados para abate), por se entender que a mesma é uma boa métrica do horizonte temporal de poluição do veículo, assegurando-se deste modo, que os carros poluentes serão justamente tributados à entrada em Portugal».

12.5 O TJUE no acórdão proferido no processo C-169/20, não considerou que a percentagem de redução de imposto a aplicar às componentes cilindrada e ambiental teria de ser a mesma, mas sim que a componente ambiental deveria ser desvalorizada, como já o foi, através da alteração ao n.º 1 do artigo 11.º do CISV., desconhecendo-se a existência de qualquer acórdão do TJUE que vede aos Estados Membros a possibilidade de fixação de reduções diferenciadas para as duas componentes do ISV.

Não pode ser imputado ao ato de liquidação qualquer vício de violação do direito da União Europeia, por não ter sido aplicada a mesma redução de anos de uso à componente ambiental, uma vez que essa redução já se encontra consagrada, e tal entendimento também não resulta do acórdão proferido no processo C-169/20. 

12.6 Salienta que a conformidade da atual redação com o direito comunitário foi reconhecida nas decisões arbitrais já transitadas em julgado dos processos n.ºs 350/2021-T, de 22.02.2022, e 209/2021-T, de 10.12.2021, de que transcreve os pontos 30 a 35, e também na recente decisão arbitral no processo 349/2022-T, de 25.10.22, de que transcreve igualmente excertos.  

12.7 No caso sub judice não se verifica um excesso no imposto residual e, discordando o Requerente do montante apurado, não se chegou a socorrer do método de avaliação previsto no n.º 3 do artigo 11.º do CISV.

12.8 A Requerida sempre propugnou, caso subsistissem dúvidas quanto à conformidade do artigo 11, º na redação dada pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, com o artigo 110.º do TFUE, que poderia o tribunal arbitral se assim o entendesse, submeter a questão ao TJUE.

Isso veio a acontecer no âmbito do processo arbitral n.º 383/2022-T, tendo o TJUE no processo C-399/23 proferido Despacho em 06.02.2024, com densificação feita por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 24.04.2024, processo 25/23.8BALSB, de que transcreve a conclusão de que «A questão de saber se o regime vertido no artigo 11.º do CISV é compatível com as exigências do Direito Europeu é de natureza relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor de ISV cobrado aos veículos usados importados de outros Estados Membros e o valor de imposto implícito em veículos usados equivalentes nacionais.»

12.9 Transcrevendo excertos do acórdão do TJUE, a Requerida conclui que sem prejuízo de o critério de desvalorização não ser equivalente àquele estabelecido para a desvalorização da componente cilindrada, nem por isso se tornaria forçosamente desconforme com o artigo 110.º do TFUE, conquanto o montante do imposto cobrado não se revelasse superior ao valor residual do imposto implícito nos veículos nacionais similares.

Para aquilatar da eventual desconformidade não bastará fundamentar a ilegalidade da liquidação fundada na violação do artigo 110.º do TJUE em alegar apenas que as percentagens aplicadas à componente ambiental são inferiores às que são aplicadas à componente cilindrada, mantendo assim um tratamento desigual entre estas duas componentes do imposto, como resulta das alegações do Requerente.

Considera que impenderá sobre o Requerente a prova de que, de facto, no caso concreto, o imposto incidente sobre o veículo objeto de legalização fiscal em território nacional, é superior ao valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados, conducente a favorecer a venda dos veículos usados nacionais.

12.10 O Requerente não prova que no caso concreto, a tributação resultante da desvalorização da componente ambiental origina (por força do valor do ISV incorporado em veículos usados equivalentes lá presentes no mercado nacional) um tratamento desvantajoso relativamente ao veículo automóvel introduzido no consumo, acrescendo que o veículo tem 13 025 Km, o que significa que o mesmo se encontra muito mais longe do seu fim de vida útil, pelo que nada indica que a tabela de reduções do ISV por anos de uso que lhe foi aplicável não reflita a correspondente desvalorização constante das tabelas e o apuramento do próprio imposto residual nele incorporado.

12.11 A Requerida termina referindo que, atento o exposto, e também porque o tribunal está obrigado a julgar de acordo com o direito constituído, o pedido de anulação parcial da liquidação do ISV deve improceder.    

12.12 Sob a epígrafe «Do pedido de restituição de quantia certa», refere que a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação, competindo ao tribunal arbitral a apreciação da legalidade de atos de liquidação, não lhe competindo pronunciar-se sobre valores/montantes a restituir, rejeitando igualmente a existência de qualquer erro que possa ser imputável à administração tributária, que se limitou a aplicar a lei em vigor, pelo que agiu no estrito cumprimento da lei, não assistindo assim, qualquer direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

13. Em alegações facultativas, deu por integralmente reproduzido em sede de resposta e aí peticionado.

 

IV - DOS FACTOS

14. Não há factos que sejam declarados não provados.

15. Em matéria de facto, relevante para a decisão a proferir, dá este Tribunal Arbitral como provado, face aos elementos constantes dos autos, os seguintes factos:

15.1 Em 07.02.2024, o Requerente procedeu à introdução no consumo por via da apresentação na Alfândega do Jardim do Tabaco da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) a que foi atribuído o n.º 2024/..., de 20.02.2024, do veículo ligeiro de passageiros da marca «Porsche», Modelo «991 Carrera 4», com o n.º de chassis ..., de 3436 centímetros cúbicos de cilindrada e 202 g/Km de emissões de dióxido de carbono, com a anterior matrícula definitiva da República Federal da Alemanha ..., atribuída pela primeira vez em 09.06.2015, e a que veio a ser atribuída a matrícula nacional ... .

15.2 O veículo move-se a gasolina, foi declarado aos serviços aduaneiros como tendo 138 207 quilómetros no conta quilómetros, atestado em inspeção periódica, e teve um valor de aquisição de 75 520 €.

15.3 O referido veículo foi sujeito à liquidação do ISV n.º 2024/..., em 07.02.2024, de 8570,49 €, correspondendo 3924,32 a título de componente cilindrada, e 4646,17 €, a título de componente ambiental, tendo a referida importância sido paga nesse mesmo dia.

15.4 O imposto foi formado a partir do cálculo das taxas em vigor para os veículos novos, com uma redução de 43% na componente cilindrada, por força da aplicação de uma tabela escalonada em função dos tempos de uso, até dez anos, aplicável aos veículos com mais de oito a nove anos, e uma redução de 43% na componente ambiental, por força da aplicação de uma tabela escalonada, em função dos tempos de uso, até quinze anos, aplicável aos veículos com mais de sete a nove anos. 

15.5 Em 18.03.2024, o Requerente apresentou no Serviço de Finanças de Cascais 2 um pedido, não identificado como reclamação graciosa, de devolução da diferença entre o ISV pago por conta da admissão do veículo e o que deveria ter sido pago, invocando as recentes decisões dos tribunais arbitrais e do TJUE, o qual não foi objeto de decisão por parte da administração tributária, tendo-se formado um indeferimento tácito.

16. Os factos foram selecionados a partir da informação disponibilizada pelas Partes, por via da apresentação de cópia da DAV que suportou a introdução no consumo e do processo administrativo, tendo o Tribunal formado a sua convicção tendo em conta o relevo jurídico que a referida documentação assumiu para a decisão.

A Requerente ofereceu duas testemunhas, um consultor automóvel e um advogado, para se pronunciarem sobre a matéria do pedido de pronúncia, mas o Tribunal Arbitral, atenta a natureza da matéria em questão, não vislumbrou utilidade na referida audição, uma vez que o que está em causa é unicamente matéria de direito, razão por que prescinde da sua audição e aqui se dá conta do facto.

Um consultor automóvel pode fornecer informação sobre o mercado automóvel e as suas multivalências e balizar o caso concreto nesse âmbito mais genérico do funcionamento do mercado, sendo o seu depoimento suscetível de funcionar como um parecer, mas não é idóneo nem substitui, por si, a prova que deve conduzir à determinação do valor residual, a qual deverá provir de publicações especializadas ou de outra informação oficial.

Por outro lado, a prova testemunhal oferecida por um advogado, não irá além dos aspetos jurídicos que a questão encerra e que este Tribunal Arbitral já terá em conta em função das posições expressas pelas Partes.

 

V - QUESTÕES A DECIDIR:

17. No entendimento do Tribunal Arbitral a questão a decidir é a seguinte:

- Determinar se a tributação em ISV a que foi sujeito o veículo do Requerente, efetuada nos termos do artigo 11.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CISV, na redação dada pela Lei n.º 75-B/ 2020, de 31 de dezembro, baseada em reduções diferenciadas do imposto residual em função dos tempos de uso de uso, consoante se trate da componente cilindrada ou da componente ambiental, foi efetuada de acordo com o artigo 110.º do TFUE e com a jurisprudência comunitária e nacional decorrente da sua interpretação ou enferma de alguma outra ilegalidade. 

 

VI – O DIREITO NACIONAL E COMUNITÁRIO

A) A Legislação nacional

18. A admissão do veículo foi sujeita a uma liquidação do ISV prevista no artigo 11.º do CISV, sob a epígrafe «Taxas – veículos usados», na redação dada pela Lei n.º 75-B/ 2020, de 31 de dezembro, o qual preceitua o seguinte: 

«1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados-Membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, ao qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, incluindo-se o agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, respetivamente:  

TABELA D

Componente Cilindrada

 

Tempo de uso

Percentagem de redução

Até 1 ano

10

Mais de 1 a 2 anos

20

Mais de 2 a 3 anos

28

Mais de 3 a 4 anos

35

Mais de 4 a 5 anos

43

Mais de 5 a 6 anos

52

Mais de 6 a 7 anos

60

Mais de 7 a 8 anos

65

Mais de 8 a 9 anos

70

Mais de 9 a 10 anos

75

Mais de 10 anos

80

 

 

 

Componente ambiental

 

Tempo de uso

Percentagem de redução

Até 2 anos

10

Mais de 2 a 4 anos

20

Mais de 4 a 6 anos

28

Mais de 6 a 7 anos

35

Mais de 7 a 9 anos

43

Mais de 9 a 10 anos

52

Mais de 10 a 12 anos

60

Mais de 12 a 13 anos

65

Mais de 13 a 14 anos

70

Mais de 14 a 15 anos

75

Mais de 15 anos

80

 

 

 

2 - ... 

3 – Sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado nos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto.

                     ISV =    _V                   _U

                                           VR  x  Y +   (1 - UR) x  C

em que

ISV representa o montante do imposto a pagar;

V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, do modelo e respetivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor, apresentadas pelo interessado;  

VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez;

Y representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto;

C é o «custo de impacte ambiental», aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela, bem como ao agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º;

U é o número de dias de tempo de uso da viatura;

UR é a média do número de dias de tempo de uso dos veículos contados desde a data da primeira matrícula até à data do cancelamento da matrícula dos veículos em fim de vida abatidos nos três anos civis anteriores à data de apresentação da DAV.  

4 - ...»

 

B) O Direito Comunitário

19. O ISV é um imposto interno que tem de se conformar com as normas dos Tratados e com a interpretação que delas fazem os órgãos comunitários. Essa conformação impõe-se por força do artigo 8.º, n.º 4 da CRP que, em matéria de direito internacional, estabelece que «As disposições dos tratados que regem a UE e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático.».

20. Diversos acórdãos comunitários debruçaram-se ao longo dos últimos trinta anos, sobre aspetos deste tipo de imposto com características de imposto de registo ou matrícula, igualmente vigente nalguns Estados Membros, pelo que, atualmente, há um conhecimento razoável sobre os limites interpretativos do artigo 110.º do TFUE. (antes 90.º e 95.º noutras redações dos Tratados).

O artigo 110.º do TFUE diz o seguinte:

«1) Nenhum Estado-Membro pode fazer incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.

2) Além disso, nenhum Estado-Membro pode fazer incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indiretamente outras produções».

 

VII – APRECIAÇÃO JURÌDICA

21. A análise da pretensão do Impugnante justifica que se faça uma breve retrospetiva sobre a forma como se desenhou a tributação dos veículos usados admitidos doutros países europeus face à adesão de Portugal à Comunidade Europeia, mais tarde União Europeia, designadamente, como foram tidos em conta os principais fatores que concorrem para a formação do imposto do veículo usado admitido.

Tendo como objetivo a necessidade de identificar um valor de imposto residual é possível identificar a conjugação da antiguidade, da cilindrada e das emissões de dióxido de carbono, estabelecidas por escalões.  

A – A antiguidade como fator de tributação

22. Até à publicação do Acórdão do Tribunal de Justiça, de 22.02.2001, Processo C-393/98. (Caso Gomes Valente), a antiguidade do veículo, avaliada pelos seus anos de uso, contados desde a data em que lhe foi atribuída matrícula pela primeira vez, a par da cilindrada, foi sempre a pedra de toque da tributação da admissão dos veículos usados no ordenamento jurídico português.

23. O pressuposto de que quanto mais anos de uso um veículo possui menos valor venal tem, encerra uma certa verdade, mas não pode deixar de ser considerado um critério de avaliação grosseiro. Com efeito, veículos da mesma motorização e sensivelmente do mesmo valor de venda em novo, ao fim de dez anos possuem valores de depreciação muito diferenciados, em razão da imagem de marca que os consumidores fazem dos desempenhos dos veículos em termos de fiabilidade e custos de manutenção, do design e tipo de construção, e até da própria cor do veículo. Em muitos casos, não tem em conta certos tipos de equipamentos suscetíveis de ser instalados nos veículos ou melhorias de conforto e acomodação interior, que potenciam o valor intrínseco dos automóveis.  

Por outro lado, embora tenha sido uma situação anómala, recentemente, já sucedeu, numa situação de penúria no fornecimento de chips aos fabricantes de automóveis, indutora de uma menor oferta de veículos novos, que a procura por veículos usados tenha tido um crescimento exponencial, com uma valorização dos veículos usados, em vez da esperada desvalorização. 

24. Importa, todavia, referir que nem sempre foi assim e a assunção do fator da antiguidade como fator de tributação não foi um processo fácil e linear.

A adaptação do regime de tributação automóvel às condições de livre importação decorrentes da cessação do período transitório da adesão de Portugal às Comunidades, no que respeita à vigência dos Protocolos n.º 18 e 23 processou-se com a criação do Imposto Automóvel pelo Decreto-Lei n.º 405/87, de 31 de dezembro, e na altura começava já a germinar uma jurisprudência europeia a definir linhas orientadoras para a problemática da importação de veículos usados entre os Estados Membros. 

Este novo imposto, cujo pagamento é condição para a atribuição de matrícula, não teve inicialmente em consideração a antiguidade e tratou da mesma forma tanto os veículos montados ou fabricados em Portugal como os importados com proveniência noutros Estados Membros não fazendo qualquer distinção em termos de tributação entre veículos novos e usados.

Os veículos eram apenas diferenciados em função de uma tabela com sete escalões de cilindrada, para os quais foram fixadas taxas por centímetro cúbico com parcelas de montantes a deduzir.

O Decreto-Lei n.º 152/89, de 10 de maio, veio prever pela primeira vez este fator na tributação dos veículos usados admitidos doutro Estado membro, ainda assim, no entanto, restrito a uma redução de apenas 10% aplicável a veículos com mais de dois anos.   

Dois anos mais tarde, o Decreto-Lei n.º 262/91, de 26 de julho, mantendo a redução anterior, alargou-a para os veículos que tivessem entre dois e três anos de matrícula no país de origem, fixando uma percentagem de redução de 15% relativamente à aplicação da tabela dos veículos novos.

Embora as razões fossem protecionistas, publicamente era sustentado que um alargamento das reduções por ano de uso conduziria inexoravelmente o país a um parque de sucata ou de caixote do lixo dos automóveis da Europa, uma vez que havia países sem um imposto desta natureza ou com níveis de tributação muito reduzidos, e consequentemente com preços de aquisição, em novos, mais baixos, que se refletiam posteriormente na sua venda como usados, que geravam uma grande apetência em Portugal pela procura destes veículos.

Na sequência de persistentes diligências da Comissão Europeia junto do Estado Português, o ano de 1993 veio representar uma verdadeira mudança de paradigma na tributação dos veículos usados e que levaria a Comissão Europeia a desistir de um processo de incumprimento ao abrigo do ex-artigo 169.º do Tratado.   

Assim, o Decreto-Lei n.º 40/93, de 18 de fevereiro, veio estabeleceu uma redução escalonada da percentagem do IA, de 10% para os veículos com uma idade de 1 a 2 anos até a um máximo de 25% para os veículos com mais de quatro anos e, nesse mesmo ano, a Lei n.º 75/93, de 20 de dezembro, aprovou uma tabela escalonada por anos de uso com reduções do IA relativamente à tributação do veículo novo, de 18% para os veículos de um a dois anos até aos 67% para os veículos com uma antiguidade superior a 8 anos.

Ainda que com o beneplácito da Comissão, esta medida não foi suficiente para evitar queixas de proprietários de veículos importados com mais de oito anos, que alegavam que o valor do imposto incorporado nos veículos novos registados em Portugal continuava a diminuir mesmo depois dos oito anos, não existindo uma desvalorização idêntica para os veículos provenientes dos outros Estados Membros, o que configurava uma infração ao direito comunitário.

25. A controvérsia tinha a sua razão ter, dado que os veículos estavam tecnicamente cada vez mais aperfeiçoados e com maior longevidade, não sendo propriamente um produto descartável. Embora em termos jurisprudenciais, o Supremo Tribunal Administrativo invariavelmente não acolhesse apontadas ilegalidades ao IA, houve um processo em que a questão foi colocada a título pré judicial ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias tendo sido obtida uma clarificação dirigida á legislação portuguesa por via da prolação do mencionado acórdão do Tribunal de Justiça, de 22.02.2001, Processo C-393/98,

26. No referido acórdão se refere que a aplicação de uma tabela de taxas para os veículos usados fundada num critério de depreciação único não seria necessariamente contrário ao artigo 95.º, contudo, foi sublinhado que era importante que fossem tomados em conta outros fatores de depreciação que não apenas a antiguidade, de forma a garantir que a tabela forfetária refletisse de modo mais preciso a depreciação real dos veículos e permitisse alcançar de uma forma mais fácil o objetivo da tributação dos veículos usados, em termos de que, em nenhum caso, pudessem ser superiores ao montante da taxa residual incorporada no valor dos veículos usados já matriculados em território nacional.

27. Foi no seguimento da publicação do referido acórdão que no âmbito da legislação portuguesa, o então IA passou  a contemplar também a opção dos proprietários dos veículos, poderem solicitar um método, baseado no valor comercial do veículo, embora sujeito a uma taxa, a determinar, inicialmente por comissões de peritos, mais tarde por mera prova documental, em que o imposto a pagar fosse igual ao IA residual incorporado em veículos da mesma marca, modelo e sistema de propulsão ou, na sua falta, de veículos idênticos ou similares, introduzidos no consumo em Portugal no mesmo ano da data de atribuição da primeira matrícula, em detrimento da pura aplicação da tabela de reduções por anos de uso.

Igualmente como reflexo do referido acórdão, através do n.º 1 do artigo 34.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, pela primeira vez se escalonaram os dez anos de uso para fixar as percentagens de redução, desde os 20% para os veículos com 1 a 2 anos, até aos 80% para os veículos com mais de dez anos, variando as percentagens de anos de uso, de 28%, 35%, 43%, 52%,60%,65%,70%,75% e os 80%, consoante o crescente número de anos.

28. Com a reforma global da tributação automóvel e a aprovação do Código do Imposto sobre Veículos, pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho de 2007, esta mesma tabela, com exceção do primeiro escalão, que foi subdividido para prever reduções de 10% para os veículos com antiguidade entre os seis meses e o ano, foi retomada nos exatos termos, não fazendo qualquer distinção entre os recém-criados sub fatores «Componente Cilindrada» e «Componente Ambiental».

29. Quando o direito e a jurisprudência comunitária estavam plenamente estabelecidas e pacificamente aceites o legislador nacional, por um impulso protecionista à comercialização de veículos usados nacionais, muitas vezes retomas feitas por concessionários das marcas, por conta da venda de veículos novos, fez alterações à tabela de reduções por tempo de uso, em termos em que a percentagem de redução passou a relevar apenas em cinco escalões, entre os 20% para veículos com mais de um ano e os 52% para veículos com mais de cinco e não superior a seis anos (redação dada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro),  tendo por base o «…imposto resultante da componente cilindrada da tabela respetiva, as quais estão associadas  à desvalorização social média dos veículos no mercado nacional, calculada com referência à desvalorização comercial média corrigida do respetivo custo ambiental», o que veio a motivar mais uma intervenção do TJUE, em termos condenatórios da República Portuguesa.

Numa ação de incumprimento, este quadro normativo foi considerado em acórdão do Tribunal de Justiça, de 16 de junho de 2016, processo C-200/15, desconforme com o direito europeu, em razão de «…. Um sistema relativo ao cálculo de desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TJUE».

30. A receção no ordenamento jurídico português da jurisprudência dimanada deste acórdão acabou por não se pautar pela melhor conformidade, como o evidencia a Lei 42/2016, de 28 de dezembro, uma vez que, muito embora se tivesse regressado às reduções de imposto dos usados, em termos escalonados, de 10% para os veículos até um ano, até 80% para os veículos com mais de dez anos, tal redução recaía unicamente na componente cilindrada, deixando de fora a componente ambiental.

Tal facto originou uma nova pronúncia do TJUE (Nona Seção) que em acórdão de 2 de setembro de 2021, processo C-169/20, decidiu que «Ao não desvalorizar a componente ambiental  no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado Membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previsto no Código do Imposto sobre Veículos, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 71/2018, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º».

31. Antes mesmo deste acórdão ter sido proferido e sem conhecer o alcance interpretativo que poderia ter, o legislador nacional já se tinha apressado a alterar o preceito em causa e dado uma nova redação ao artigo 11.º do CISV através da publicação da Lei do Orçamento do Estado para 2021 – Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, em que fixou percentagens de redução por tempos de uso do veículo diferenciadas em função da componente cilindrada (redução máxima de 80% para veículos com mais de dez anos) e da componente ambiental (redução máxima de 80% para veículos com mais de 15 anos), justificando tal facto com razões ambientais resultantes da maior longevidade dos veículos. 

32. Chamado novamente a decidir, o TJUE através do Despacho de 6 de fevereiro de 2024, processo C-399/23, da Oitava Secção, acordou que «O artigo 110.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não tem em conta, para efeitos do cálculo do montante de um imposto sobre veículos, quando é aplicado a um veículo usado proveniente de outro Estado-Membro, a desvalorização da componente ambiental deste imposto na mesma proporção e nos mesmos termos em que o faz em relação à componente cilindrada do referido imposto se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o referido veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados».

B – Os escalões

33. Uma das características da fiscalidade automóvel, quer do IA, quer posteriormente do ISV tem a ver com a utilização de tabelas escalonadas para em função de determinados propósitos adequar a fiscalidade automóvel a esses fins.

Esse escalonamento tanto se verifica na tributação dos veículos novos, sejam eles de passageiros ou de outras categorias de veículos, com taxas acompanhadas de um abatimento, como relativamente aos veículos usados na redução por anos de uso.

Aliás, a primeira intervenção na matéria do Tribunal de Justiça ocorreu no processo C-343/90, de 16 de julho de 1992 (Caso Lourenço Dias) em que o Tribunal Aduaneiro do Porto  em substância, entre outras questões, tendo por referência os escalões, perguntava se o ex-artigo 95.º do Tratado proibia um Estado membro de sujeitar os veículos que ultrapassassem uma certa cilindrada a um IA cujo montante é várias vezes mais elevado do que o imposto progressivo a pagar pelos veículos que não tem tal cilindrada, quando os veículos onerados pelo imposto mais elevado eram todos veículos importados, designadamente de outros Estados-membros. Em causa estaria uma proteção indireta da indústria automóvel nacional, que apenas produzia veículos de pequena cilindrada.

34. Mais tarde, por decisão de 07.10.1998, o STA colocaria a questão ao Tribunal de Justiça sobre se a depreciação do valor real dos veículos usados a que se referia o acórdão do TJUE proferido no processo C 345/95 (Nunes Tadeu) implicaria obrigatoriamente que se tivesse que fazer uma avaliação ou prova pericial de cada veículo ou se poderia ser calculada em termos gerais e abstratos por meio de um critério legal.

A resposta do Tribunal de Justiça constante do acórdão de 22.02.2001, processo C-393/98 foi no sentido de que um sistema de taxas em que a depreciação do valor real dos veículos é calculada de modo geral e abstrato, na base de critérios ou tabelas forfetárias determinadas por uma disposição geral e abstrata apenas é admissível se tais critérios ou tabelas garantirem que o montante da taxa devida não excede, ainda que apenas em certos casos, a taxa residual incorporada no valor de veículos similares já matriculados em território nacional, subscrevendo as conclusões do advogado-geral Nial Fennelly de que «em princípio os Estados membros podem adotar critérios gerais para determinar o montante do imposto automóvel devido na importação de automóveis usados, desde que tais critérios ou tabelas garantam que o montante da taxa devida não excede, ainda que apenas em certos casos, a taxa residual incorporada no valor de veículos similares já matriculados em território nacional.». 

Embora ao longo do tempo, os escalões respeitantes à depreciação por anos de uso, quer no que toca exclusivamente à cilindrada, quer mais tarde à componente ambiental, tenham sofrido variações, da jurisprudência comunitária emerge um princípio constante do imposto residual do veículo a admitir não poder ser superior ao de veículo similar introduzido no consumo em novo no território nacional. 

C - A cilindrada como fator de tributação

35. A cilindrada surgiu no sistema de tributação do IA, em 1987, como um fator de segurança na cobrança do imposto, pois trata-se de um elemento de natureza especifica que consta das homologações dos automóveis efetuadas pelos fabricantes e não é facilmente manipulável.

Esta opção sucedeu a um sistema em que no âmbito do IVVA se adotou a tributação ad-valorem em que a aprovação dos preços dos veículos pelas extintas Direção Geral do Comércio não Alimentar, e mais tarde pela Direção Geral de Concorrência e Preços, se revelou muito permeável à fraude, por via da manipulação de preços e se tinha transformado num mero controlo aritmético das estruturas de preço reveladas nas declarações dos importadores. 

Inicialmente não teve em conta preocupações de conformidade relacionadas com o direito comunitário, que apenas começaram a ter relevo algum tempo depois, com a publicação do acórdão de 11 de dezembro de 1990 – Processo C-47/88 (Comissão/Dinamarca).

Como já anteriormente se referiu, a cilindrada não é um critério que se possa considerar linear para se deduzir o respetivo valor do veículo, ainda que permita uma certa aproximação. É o caso, por exemplo, dos veículos considerados históricos à luz dos critérios da Fédération International des Voitures Anciennes (FIVA), dos veículos que tenham pertencido a celebridades ou tenham participado em filmes ou determinados eventos, de veículos fabricados em séries limitadas ou para assinalar certas efemérides, dos veículos de categoria superior com reduzida utilização, ou muito preservados e de grande valor estimativo.

O escalonamento da própria cilindrada, em si, deve considerar-se imperfeito, ainda que permita fazer uma distinção entre os veículos de uma gama mais baixa, tributando-os de uma forma mais suave, e os outros. Subentende uma menor carga fiscal para os adquirentes com menor capacidade contributiva e uma maior igualdade tributária para aqueles que em função do rendimento dispõe de maior potencial financeiro. 

Com efeito, se inicialmente existiam oito escalões, eles foram sendo sucessivamente reduzidos, e durante os anos noventa para os veículos ligeiros de passageiros, como o do Impugnante, passaram a vigorar três escalões, até 1000 cm3, abrangendo a gama baixa, de 1001 a 1250 para a gama média baixa, e superior a 1250 cm3 para as restantes.

Este sistema baseado nos três escalões tem sido pacificamente aceite pela comunidade automóvel nacional e pelas instâncias judiciais nacionais e comunitárias, assim como pela Comissão Europeia, que nunca formularam qualquer juízo de valor negativo sobre a construção do referido sub fator.

D – As emissões de CO2 como fator de tributação

36. - No seguimento de uma proposta de diretiva da Comissão Europeia, de 5 de julho de 2005, em que se preconizou uma harmonização ou, pelo menos, uma aproximação dos impostos sobre os automóveis de passageiros, baseada, por um lado, na transferência da carga fiscal incidente sobre os automóveis para a fase de circulação e, por outro, na conversão ao dióxido de carbono de 25% da base tributável destes impostos até ao final de 2008 e de 50% dessa base tributável até ao final do ano de 2010.

A partir de 2005, no domínio do IA, e ainda de uma forma experimental, a legislação fiscal automóvel incidente sobre os veículos ligeiros de passageiros novos passou a acolher, a par de uma tabela de redução das taxas incidentes sobre a cilindrada, uma tabela com redução das taxas incidentes sobre as emissões do CO2.

O CISV veio consagrar definitivamente esse acolhimento no direito nacional, se bem que durante a sua vigência as tabelas com os escalões de redução do imposto não tenham sido constantes e tenham sofrido reescalonamentos, tendo inclusive, em determinado período, sido suprimidas, situação que só poderá ser considerada definitivamente superada com a recente publicação da Lei n.º 45-A/2024, de 31 de dezembro.

 

E – FUNDAMENTAÇÃO

37. Importa referir que a diferenciação da percentagem de redução por tempo de uso consoante as componentes cilindrada e ambiental, estratificadas por escalões, que é objeto do pedido de pronúncia arbitral e suportou o ato impugnado já não se encontra em vigor.

Com efeito, a Lei n.º 45-A/2024, alterou o artigo 11.º do CISV e estabeleceu percentagens de redução ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional segundo escalões de, até 1 ano a mais de 10 anos, nas percentagens de 10% a 80%, precisamente idênticas às que vigoraram apenas para a cilindrada no período subsequente à publicação do acórdão Gomes Valente e, mais tarde, já com a consideração da componente cilindrada e ambiental, com a publicação do CISV.

Esta mesma lei aboliu a taxa que vigorava, para as situações em que o sujeito passivo não se conformasse com a aplicação ao automóvel da tabela D e requeresse uma liquidação alternativa nos termos do n.º 3 do mencionado artigo.

38. Esta alteração legislativa teve como causa próxima a prolação do despacho proferido no âmbito do processo C-399/23, de 6 de fevereiro, pelo TJUE, Isto não invalida a necessidade do Tribunal Arbitral apreciar o pedido de pronúncia, uma vez que se mostram preenchidos todos os pressupostos para a apreciação da legalidade do ato tributário praticado no domínio da anterior legislação.

É com base no referido despacho que o Requerente sustenta a sua pretensão de se ver reembolsado do ISV do veículo por si admitido, invocando igualmente a decisão do CAAD proferida no processo 468/2023-T, de 16.10.2023.

39. Este entendimento está em consonância com anteriores acórdãos, designadamente o acórdão proferido no processo C– 393/98, de 22.02.2001 (Gomes Valente), em que o Tribunal de Justiça já tinha concluído que, nem que fosse apenas em certos casos, não era admissível um sistema de tributação calculado na base de critérios ou tabelas determinadas por uma disposição legislativa, regulamentar ou administrativa que excedesse o imposto residual incorporado no valor de veículos similares já matriculados no território nacional.

A chave da conformidade está assim sempre presente em função do imposto residual incorporado no valor do veículo usado nacional e correlativamente no valor de mercado do próprio veículo.

A desvalorização da componente cilindrada e da componente ambiental não podem ser diferentes, se da soma de tal tributação resultar que o montante do imposto cobrado excede o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados.

Isto é, «a contrario», as duas componentes poderão ser diferentes, se do somatório do imposto por elas devido não resultar o cálculo de um valor de imposto superior ao dos veículos que integram o mercado nacional.

Este entendimento transporta-nos para a relação que deve existir em termos de anos de uso e do peso percentual de cada componente na fixação do imposto.

40. O valor de mercado dos veículos no mercado nacional resulta, entre outros critérios, da relação que se estabelece entre a procura e a oferta de veículos, e dentro desta mesma relação, da posição que cada parte assume na transação, havendo para o comércio tradicional do setor automóvel, para o mesmo veículo, simultaneamente um preço de compra e um preço de venda.

Há publicações, mesmo de caráter mensal, e sites especializados, normalmente gravitando na órbita de associações de automóveis a que se acede por assinatura ou consulta individual, que executam esse trabalho de divulgação dos preços de mercado, sendo um meio auxiliar na fixação de preços de referência na compra e venda dos veículos, numa base de uma utilização normal do veículo na ordem dos quinze mil quilómetros anuais.

Delas beneficiam, quer os associados, quer os próprios particulares que queiram transacionar os seus automóveis, se bem que haja algumas limitações, uma vez que essas cotações são dirigidas ao mercado «vivo» dos automóveis e normalmente não ultrapassam os oito anos de antiguidade dos veículos.

Para os veículos considerados históricos há igualmente publicações que publicitam preços de mercado e catálogos de leilões onde é possível ter ideias aproximadas ao valor dos veículos

41. O acórdão menciona o imposto residual incorporado no valor de veículos similares já matriculados no território nacional e neste aspeto importa ter em conta o acórdão do TJUE, de 15 de março de 2001, (Comissão/ França) de que «Produtos, como as viaturas, são similares na aceção do artigo 95.º, primeiro parágrafo (atual 110.º) do Tratado, quando as suas propriedades e as necessidades que satisfazem os coloquem numa relação de concorrência, dependendo o grau de concorrência entre dois modelos da medida em que haja satisfação de diversas exigências, nomeadamente em matéria de preço, dimensões, conforto, resultados, consumo, longevidade e fiabilidade.

O veículo de referência deve ser idêntico em todos os aspetos ao veículo usado importado, ou seja, deve ser do mesmo modelo e do mesmo tipo que o veículo importado e deve ser similar em todas as suas outras características, podendo eventualmente ser retificado tendo em conta a inflação.».

42. Por outro lado, o imposto residual é calculado em função das componentes que concorrem para a formação do imposto, ou seja, cilindrada e emissões de CO2 (a emissão de partículas tem uma importância residual).

No que respeita à componente cilindrada, no acórdão Comissão/Grécia, ponto 22, o TJUE declarou que a diminuição anual do valor dos veículos é, em regra, sensivelmente superior a 5%, que essa depreciação não é linear, nomeadamente nos primeiros anos em que é muito mais acentuada do que posteriormente e, finalmente que esse fenómeno continua para além do quarto ano de entrada em circulação dos veículos.

Analisando a componente cilindrada da tabela D, constata-se que há um certo acolhimento das referidas considerações. Com efeito, a estrutura da tabela não é totalmente linear, no sentido de que a depreciação do valor é igual em todos os anos, verificando-se que nos dois primeiros anos é de 10% por ano, que entre o segundo e o sexto ano essa depreciação se situa entre os sete e os nove por cento, para a partir do sexto ano sofrer uma queda, assumindo então essa linearidade a partir dos seis anos, à razão de 5% ao ano, até ao décimo ano de antiguidade. Há uma justificação para esta fase de linearidade, dado que por força de contratos de leasing e de rent-a-car, em determinados momentos da vida do veículo, o mesmo engrossa o mercado e em função de uma procura constante é suscetível de conduzir a desvalorizações nuns anos superiores a outros. 

A partir do décimo ano, independentemente dos anos do veículo, não existe mais progressividade nas reduções, sendo, portanto, os 80% de redução o teto máximo para estes veículos. É um limite que se foi consolidando ao longo dos anos, sendo certo, todavia, que os veículos depois dessa idade continuam a desvalorizar o seu valor, embora em níveis percentuais com um significado cada vez mais reduzido, entrando na órbita dos mercados periféricos.

Segundo informação da Associação Automóvel de Portugal (ACAP), em 2023, a idade média do parque automóvel era de 13,6 anos, isto depois de em 2019 se ter situado nos 12,8 anos, ou seja, há ainda um mercado periférico muito grande que, no entanto, não chega a concorrer com o mercado de admissão de veículos de outros Estados Membros, desde logo, pelos custos de transporte que impendem sobre os veículos transportados, dissuasores da atividade neste nicho de mercado, funcionando pontualmente, não com o objetivo da admissão do veículo mas apenas do seu desmantelamento para aproveitamento de peças. 

No entanto, importa referir que a partir do momento em que foi introduzida a componente ambiental a componente cilindrada passou a deixar de poder ser considerado um referencial, ainda que grosseiro, do valor do veículo, uma vez que as reduções de imposto por ano de uso apenas parcialmente refletiam esse valor, não estando em causa o direito comunitário por força do uso de tabelas por anos de uso, que evitam avaliações caso a caso.    

43. Refira-se que para a mesma finalidade de avaliação do valor dos veículos com matrícula nacional, há um critério legislativo em sede de IRS, para efeitos de aquisição de veículos adquiridos por trabalhadores ou membros de órgãos sociais, talvez com uma solução mais consentânea com a efetiva desvalorização de mercado, conforme decorre da Portaria n.º 383/2003, de 14 de maio, em que a desvalorização se faz em função dos anos de uso do veículo relativamente ao preço de aquisição, considerando-se que entre o primeiro e o segundo ano é de 20%, entre o segundo e o terceiro ano é de 35%, atingindo os 90% para veículos com dez anos ou mais, todavia, não foi esta a opção legislativa para o IA e posteriormente para o ISV.

Igualmente a adoção de um regime fiscal automóvel assente num modelo de tributação «ad valorem», que enforma a generalidade das importações e exportações dos países da União Europeia, por via da aplicação da Pauta Aduaneira Comum, talvez permitisse obter uma maior aproximação ao referido montante residual, todavia, também não foi a solução adotada.

44. Donde, este Tribunal Arbitral conclui que o sistema de reduções do ISV por anos de uso em função da cilindrada, balizado entre o momento da atribuição da matrícula e os dez anos de uso, está conforme o direito comunitário, razão pela qual as autoridades comunitárias e o Tribunal de Justiça nunca puseram em causa a sua arquitetura.

45. Sucede que o imposto residual não é atualmente calculado a partir de um critério único, mas tem também em conta as emissões de CO2, querendo com a tributação das mesmas dar um grande impulso no combate às alterações climáticas 

Perdeu a natureza de imposto sobre o património (os veículos com mais cilindrada teriam maior valor), sujeito ao princípio da capacidade contributiva, para evoluir para um imposto em que emerge o «princípio da equivalência, que procura onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam no domínio do ambiente, infraestruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização de uma regra de geral de igualdade tributária», conforme artigo 1.º do CISV.

As emissões de CO2 são um dado objetivo e como se assinala no acórdão do TJUE, processo C-290/05, de 05.10.2006, Ponto 52, sendo objetivo, como compensação não é exigível que o montante do imposto esteja relacionado com o preço do veículo, devendo o fator ou fatores que com ele coexistam ser moldados de forma a respeitar o imposto residual incorporado no valor de veículos similares já matriculados no território nacional.

Também neste caso, por razões de simplificação e de aplicabilidade, as emissões de CO2 foram escalonadas por anos de uso. 

46. No domínio da componente ambiental, o legislador nacional na tributação dos veículos novos tem sucessivamente aumentado as exigências de performance ambiental, por via do agravamento da tributação para os escalonamentos de CO2 mais altos e, cada vez, maiores exigências na fixação das taxas dos escalões intermédios, acompanhando, de resto, os notáveis progressos feitos pelos fabricantes de veículos em matéria de redução de emissões.

O legislador não está impedido de para os veículos novos fixar as taxas mais convenientes para as duas componentes, cujo imposto não está subordinado a meros aumentos anuais resultantes da inflação, sendo certo que se forem muito superiores há custos políticos resultantes de uma maior resistência por parte dos automobilistas e também do setor automóvel em geral, Todavia, esta liberdade de conformação legislativa não interfere diretamente na tributação dos veículos usados, na medida em que é relativamente ao imposto como um todo e não a qualquer uma das componentes que a redução por anos de uso vai ser aplicada,

47. Contudo, em termos legislativos, a redução por anos de uso estabelecida para as emissões de CO2 não acompanha a que se encontra estabelecida para a cilindrada, divergindo nos anos e nas percentagens, com o máximo da redução por emissões, de 80%, a ser atingida apenas ao fim de 15 anos.

Contrariamente à cilindrada, que é um elemento objetivo mas é comumente relacionado com o valor do veículo, e a partir dessa associação se verifica, como já foi dito, que não existe uma linearidade na depreciação do valor dos veículos e da correspondente depreciação do imposto nele incorporado, nas emissões de CO2 tal não se verifica uma vez que existe um documento chamado certificado de conformidade emitido pelo fabricante no momento do fabrico do veículo que atesta que o veículo cumpre todos os regulamentos e regras em vigor na União Europeia e que especifica as suas características técnica, nelas se incluindo as emissões de CO2.

A partir do momento da sua fixação, é um elemento que vai relevar para toda a vida útil do veículo, e, independentemente de pontualmente o veículo avariar e poder apresentar emissões desconformes, as mesmas serão necessariamente reparadas, dado o sistema de inspeções periódicas instituído a nível europeu para viabilizar a circulação em segurança dos veículos.

As reduções por anos de uso em razão da componente ambiental são lineares e, por isso, até por razões de praticabilidade. seria aconselhado serem fixadas e calculadas automaticamente, por referência a anos ou meses de uso. Isto não impede, todavia, o legislador, à semelhança do que faz para o tempo de uso da cilindrada, de recorrer igualmente à formação de escalões.

As características da componente criam, no entanto, algumas especiais exigências, uma vez que se trata de um dado técnico científico e não um valor flutuante ou indeterminado.

O que se constata na Tabela D do artigo 11.º do CISV é que o legislador nacional não atendeu à natureza da respetiva componente e estabeleceu os escalões de forma objetivamente arbitrária, sem qualquer relação com o certificado de conformidade.

Só assim se pode interpretar o facto de para os veículos de 6 a 7 anos de antiguidade atribuir uma percentagem de redução de 7% para os veículos dos 12 aos 15 anos atribuir uma percentagem de redução de 5% e para outros escalões intermédios, percentagens igualmente variáveis, entre os 4,5% e os 5%. 

A sustentação adotada para a tributação em que na fórmula se considera um fator baseado no número de dias de tempo de uso da viatura e noutro a média do número de dias de tempo de uso dos veículos contados desde a data da primeira matrícula até à data do cancelamento da matrícula dos veículos em fim de vida abatidos nos três anos civis anteriores à data de apresentação da DAV não é compatível com qualquer explicação que se pudesse aventar de que os veículos com maior antiguidade percorrem menos quilómetros, e consequentemente poluem menos, ou que estudos científicos apontam para o facto de os veículos com seis a sete anos de antiguidade percorrerem mais quilómetros que os restantes e, assim, nesse ano, poluírem mais que os outros veículos com menor antiguidade.

48. Á luz do Despacho do Tribunal de Justiça (Oitava Seção), no processo C-393/23 (Osóquim) de 6 de fevereiro de 2024, o Requerente vem referir que o ato de liquidação padece de ilegalidade na parte em que não considerou aplicável a mesma taxa de redução aplicada à componente cilindrada (70%), na taxa de redução do ISV relativa à componente ambiental, onde aplicou apenas a taxa de 43%, assim violando o disposto no artigo 110.º do TFUE. Uma vez que o veículo tem entre 8 e 9 anos, a taxa de redução de anos de uso aplicável à componente cilindrada, de 70%, deveria igualmente ter sido aplicável à componente ambiental,

Muito embora o Requerente invoque o despacho comunitário não chega a identificar as razões da liquidação padecer de ilegalidade, demonstrando que essa diferenciação entre a redução da componente cilindrada e ambiental implicaram que o montante de imposto por si pago excedeu o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados.

Como assinala o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo 025/23.8BALSB, de 24.04.2024, trata-se de questões factuais e essa factualidade carece de ser provada. Como nele se concluiu «A questão de saber se o regime vertido no artigo 11.º do Código do ISV é compatível com as exigências do Direito Europeu é de natureza relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor de ISV cobrado aos veículos usados importados de outros Estados-membros e o valor do imposto implícito em veículos usados equivalentes nacionais».

O Requerente elaborou contagens em que concluiu por um pagamento indevido de 2203,81 euros, baseado nas diferenças percentagens de redução das componentes, mas não é seguro e não pode ser dado por provado que o pagamento que efetuou tenha excedido o montante do valor residual incorporado no valor dos veículos usados do mercado nacional. 

49. A solução mais consentânea e mais segura para fazer essa prova consta do n.º 3 do artigo 11.º do CISV, designadamente, por um lado, o apuramento do valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, do modelo e respetivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor e, por outro lado, o apuramento do preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez.

Trata-se de uma redação próxima da que foi aditada pela Lei n.º 85/2001 de 4 de agosto, ao artigo 1º. do Decreto-Lei n.º 40/93, de 18 de fevereiro, em que o respetivo n.º 12 previa o valor comercial, só que apurado por comissões de peritos em vez do recurso a publicações especializadas. 

Da relação entre o preço do veículo novo, que na ocasião incorporou o ISV por inteiro, e o preço do veículo usado é estabelecida uma relação percentual de depreciação do respetivo valor intrínseco, sendo o ISV nele incorporado desvalorizado na mesma proporção.

O pedido de pronuncia arbitral fornece elementos de facto, que poderão viabilizar essa demonstração de ilegalidade, contudo, o Requerente não a chegou a desenvolver. 

50. O veículo tem 3438 cc de cilindrada, move-se a gasolina, emite 202 g/Km de CO2, e apresentou-se com uma quilometragem de 138 207 Km. e teve uma primeira matrícula em 09.06.2015. ou seja, tem 8 anos e oito meses de uso.

Atenta a quilometragem, em média circulou cerca de 17 000 quilómetros por ano, ou seja, não obstante, ser um veículo com características técnicas pouco vulgares teve uma utilização dentro dos padrões normais de utilização dos veículos, além de que se encontra em boas condições de funcionamento. pois o veículo foi vendido com 135 511 quilómetros, conforme consta na fatura, e veio a circular por estrada desde a Alemanha, donde a quilometragem assinalada na inspeção periódica e que consta da DAV. Há uma referência na Resposta da Requerida de que o veículo tem 13 025 Km, (n.º 70) mas trata-se de erro manifesto.

51. O Requerente atacou a liquidação com base na ilegalidade da taxa de redução aplicada à componente ambiental, onde aplicou apenas a taxa de 43%, quando, no seu entender, considerando os anos de uso do veículo, a taxa de redução deveria ter sido igual à da componente ambiental. Todavia, já se deixou expresso em consonância com a legislação comunitária que não é necessariamente ilegal a existência de tabelas diferenciadas em termos de anos de uso e de percentagens consideradas, desde que as reduções consideradas para efeitos de tributação dos veículos usados não permitam exceder o valor residual incorporado em veículos similares nacionais.

52. Importa referir que a construção da referida tabela segundo a componente ambiental enferma de um vício.

Todos os veículos ligeiros de passageiros introduzidos no consumo na União Europeia possuem o certificado de conformidade emitido pelo fabricante no momento do fabrico do veículo com menção de todas as características técnicas relevantes, prova que o Requerente juntou e consta do processo administrativo.

A partir do momento da sua fixação, é um elemento que vai relevar para toda a vida útil do veículo, independentemente de pontualmente o veículo avariar e poder apresentar emissões desconformes, as mesmas serão necessariamente reparadas, dado o sistema de inspeções periódicas instituído a nível europeu para viabilizar a circulação em segurança dos veículos.

As reduções por anos de uso em razão da componente ambiental são lineares e, por isso, até por razões de praticabilidade. seria aconselhado serem fixadas e calculadas automaticamente, por referência a anos, meses ou mesmo dias de uso, conforme decorre do número 3 do artigo 11.º no que respeita aos fatores U e UR.

Isto não impede, todavia, o legislador, à semelhança do que faz para o tempo de uso da cilindrada, de recorrer igualmente à formação de escalões.

Sucede que muito embora seja um dado científico, o legislador nacional na formação dos escalões não atendeu à natureza da componente e estabeleceu os escalões de forma arbitrária, sem relação com o certificado de conformidade.

Só assim se pode interpretar o facto de existirem diferentes percentagens de redução em função dos anos de uso.

Analisando a génese do processo legislativo, constata-se que a Assembleia da República tentou corrigir uma proposta do Governo estruturada de forma notoriamente ilegal, mas não foi capaz de ultrapassar os vícios originários de que a mesma padecia.

De facto, a Proposta de Lei n.º 61/XIV do Governo para a Assembleia da República, com o Orçamento de Estado para 2021 previa escalões anuais de, até um ano até mais de 15 anos. Todavia essa tabela, além de prever uma percentagem máxima de redução de apenas 70%, caso o veículo possuísse mais de 15 anos, já apresentava percentagens anuais de redução do imposto que não tinham qualquer equivalência com o dado base que lhe estava subjacente e que é linear.

Na referida proposta, a redução de ISV para veículos até 1 ano era de 2%, mais de 1 a 2 anos era 7%, mais de 2 a 3 anos, 11%, mais de 3 a 4 anos, 16%, mais de 4 a 5 anos, 20%, mais de 5 a 6 anos, 25%, mais de 6 a 7 anos, 30%, mais de 7 a 8 anos, 34%, mais de 8 a 9 anos, 39%, mais de 9 a 10 anos, 43%, mais de 10 a 11 anos, 48%, mais de 11 a 12 anos,  52%, mais de 12 a 13 anos, 57%, mais de 13 a 14 anos, 61%, mais de 14 a 15 anos, 66% e mais de 15 anos, 70%.

Uma análise da referida proposta revela que, muito embora as emissões sejam um dado cientifico apropriado para  a tributação dos automóveis, a mesma estava concebida de um modo arbitrário e sem fundamento razoável bastante, alternando reduções de imposto que tanto oscilavam entre os 4 como ou 5%, com uma redução para o primeiro ano unicamente de 2%, nada justificando que as percentagens de redução variassem consoante os anos concretos das viaturas, uma vez que as emissões são escalonadas por anos e deveriam ser iguais para todos os anos. O mérito da proposta resultava precisamente do escalonamento por anos de uso, uma vez que, não o sendo por dias ou meses de uso, permitia, pelo menos, alguma aproximação à redução do imposto.

Embora se tivesse corrigido a percentagem máxima de redução em função da componente ambiental, a qual era notoriamente ilegal, inclusive por desconformidade com o direito comunitário, as alterações introduzidas pela Assembleia da República não foram de molde a eliminar todos os vícios da proposta do Governo, tendo sido mantidas assimetrias de tributação, para as quais não se encontra uma explicação.

A sustentação adotada para a tributação em que na fórmula se considera um fator baseado no número de dias de tempo de uso da viatura e noutro a média do número de dias de tempo de uso dos veículos contados desde a data da primeira matrícula até à data do cancelamento da matrícula dos veículos em fim de vida abatidos nos três anos civis anteriores à data de apresentação da DAV não é compatível com qualquer explicação que se pudesse aventar de que os veículos com maior antiguidade percorrem menos quilómetros, e consequentemente poluem menos, ou que estudos científicos apontam para o facto de os veículos com seis a sete anos de antiguidade percorrerem mais quilómetros que os restantes e, assim, nesse ano, poluírem mais que os outros veículos com menor antiguidade.

53. Já se tendo concluído que não é necessariamente ilegal a tabela em que se fixam escalões até aos quinze anos de uso dos veículos, subsiste, todavia, a questão da legalidade da sua construção jurídica, a qual em função dos factos constantes do processo poderá vir a revelar que o veículo foi objeto de uma liquidação ilegal.

A redução máxima na componente das emissões é de 80% para um veículo que tenha mais de 15 anos, ou seja, há uma teórica redução do imposto na componente ambiental à razão de 5,33 por cada ano de uso.

Da matéria de facto dada como provada verifica-se que o veículo foi matriculado pela primeira vez, em 09.08.2015 e que foi apresentado aos serviços aduaneiros através de DAV, de 06.02.2024, donde a razão de possuindo entre os 7 e os 9 anos de uso ter tido uma redução de 43%.

Em termos que deveriam ser considerados os legais à luz da linearidade e objetividade do fator de tributação, a percentagem de redução deveria ser repartida pelo número de anos legalmente considerado e obtida a partir da aplicação da fórmula 5,33% X 8 anos, totalizando 42,64%.

Constata-se que a redução do imposto foi de 43%, pelo que, a liquidação efetuada com base na referida redução, por efeitos do arredondamento, não se mostra superior ao que seria legalmente devido.

Coincidência ou não, no caso concreto, a conclusão do Tribunal de Justiça de que não era admissível um sistema de tributação em que «nem que fosse apenas em certos casos», excedesse o valor residual de veículo similar introduzido noutro Estado membro, não se mostra inobservada.

54. O Acórdão do STA, de 24.04.2024, explicita que a conformidade da legislação nacional com os postulados do Direito Europeu passa, nas palavras do TJUE por, «determinar se a aplicação de uma percentagem de redução da componente ambiental do ISV diferente da aplicada à componente cilindrada deste imposto conduz a favorecer a venda dos veículos usados nacionais».  Ou seja, «pressupõe a indagação de nova matéria de facto que não se limite a constatar a diferença de regimes de desvalorização, mas compare os efeitos desses distintos regimes com os preços de mercado dos veículos usados nacionais, de modo a apurar da existência ou não de um tratamento desvantajoso para os veículos usados importados.» (In VI) 

55. Para demonstrar a ilegalidade da tributação a que o veículo pode ter sido sujeito, o Requerente tinha, como meios de prova, além da informação constante de publicações e sites especializados, a que não recorreu, métodos alternativos cuja informação, poderia ter sido obtida a partir da informação regularmente disponibilizada pelo Instituto Nacional de Estatística, de que, igualmente, não se socorreu.

Na data em que o veículo obteve a primeira matrícula na Alemanha, em 09.06.2015, vigorava em território nacional a Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, com taxas cuja aplicação a um veículo novo, com as características do veículo do Impugnante, determinaria o pagamento de um determinado imposto, resultante da soma das componentes cilindrada e ambiental.

Em 20.02.2024, o mesmo veículo, em novo, teria sido sujeito ao pagamento de um outro imposto, resultante igualmente da soma das componentes cilindrada e ambiental.

Do confronto entre a tributação de 2015 e 2024 é apurada uma determinada percentagem do crescimento do ISV, resultante das atualizações regularmente feitas pelo legislador nos orçamentos de Estado em que, dada a maior ênfase à política de defesa do ambiente, é previsível um sensível agravamento percentual na componente ambiental relativamente à componente cilindrada.

56. Na omissão da apresentação de documentação comprovativa da cotação do veículo em novo e usado, com oito anos, o Requerente poderia ter apresentado documento(s) comprovativo(s) de que a inflação acumulada nos últimos oito anos, relativamente à data da entrada do veículo similar, não teria ultrapassado a percentagem de crescimento do ISV, o que significaria que a carga fiscal que tinha recaído sobre o veículo novo tinha permanecido constante ou não teria sido agravada com o decorrer dos anos de uso, não interessando se a tributação foi mais agravada na componente cilindrada ou na componente ambiental. A inflação acumulada não é um critério absoluto, mas uma média ponderada do crescimento dos preços dos bens e serviços de todos os setores económicos, pelo que a inflação acumulada do setor automóvel pode não coincidir necessariamente, por exemplo, com o crescimento da inflação acumulada no setor alimentar ou do vestuário, em todo o caso, o ónus da prova de valor percentual diferente cabe à Parte que lhe interesse invocar. 

A eventual consideração do fator inflacionário justifica-se dado que o facto gerador nasce com a admissão do veículo em território nacional e a exigibilidade do imposto ocorre no momento da apresentação do pedido de introdução no consumo ou da apresentação da DAV (artigos 5.º e 6.º da Lei n.º 22-A/2007).

A tributação do veículo usado a admitir processa-se segundo as taxas atuais de tributação dos veículos novos e não sobre as que então recaíram num veículo similar e é sobre essa tributação que vai recair posteriormente a redução escalonada por anos de uso.

Seria afastado qualquer efeito discriminatório se ao veículo a admitir fossem aplicadas as normas tributárias então aplicadas ao veículo similar, mas não o podendo ser, em razão do facto gerador e da exigibilidade que se encontram estabelecidas, impõe-se que os fatores exógenos à tributação, representados pela inflação revelada nos índices do Instituto Nacional de Estatística, possam igualmente ser meio de prova da adequação da tributação dos veículos usados à jurisprudência comunitária. 

57. Não tendo o Requerente feito essa demonstração, nem recorrido à informação constante de revistas e sites especializados, o Tribunal Arbitral não tem elementos factuais para comprovar que a liquidação que recaiu sobre o veículo por si admitido e que o pagamento a que deu lugar tenha sido efetuada em desconformidade com o direito comunitário, designadamente com o artigo 110.º do TJUE, segundo a interpretação do Tribunal de Justiça, secundada pelo acórdão do STJ, de 24.04.2024.   

58. Donde, dando resposta à questão sub judice, este Tribunal Arbitral conclui, por isso, que, quer no vício da desconformidade com o direito comunitário, quer no da ilegalidade efetiva da liquidação em resultado da aplicação de tabelas de reduções, independentemente da  arbitrariedade de uma das tabelas, não se mostra provado que as percentagens de redução diferenciadas consoante as componentes, tenham implicado o pagamento por parte do Requerente de uma imposição em sede de ISV superior ao da parcela residual de imposto incorporada em veículo similar existente no mercado nacional.

 

VIII – DECISÃO

59. Nestes termos, julga o Tribunal Arbitral Singular o seguinte:

  1. Manter o ato de liquidação impugnado, por a referida liquidação efetuada ao abrigo do artigo 11.º, n.º 1, na redação dada pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, com remissão para o artigo 7.º, n.º 1 do CISV, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de julho, por falta de prova bastante, não se mostrar desconforme com o direito comunitário, designadamente com o artigo 110.º do TFUE, aplicável por força do artigo 8.º, n.º 4 da CRP, e com a jurisprudência comunitária e nacional dele decorrente.
  2. Condenar o Requerente no pagamento das custas arbitrais.

 

IX – VALOR

 

60. Nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA, aplicável por força do que se dispõe no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2 do RCPAT, é fixado o valor do processo em € 2 203,81 (dois mil duzentos e três euros e oitenta e um cêntimos).

 

X – CUSTAS PROCESSUAIS.

61. Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, aplicável por remissão do seu artigo 4.º, n.º 1, as custas são fixadas no valor de € 612 (seiscentos e doze euros), a pagar pelo Requerente.

Notifiquem-se as partes.

Lisboa, 26 de fevereiro de 2025.

 

O Árbitro Singular

 

 

António Manuel Melo Gonçalves