Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1054/2024-T
Data da decisão: 2025-02-28  ISV  
Valor do pedido: € 13.469,63
Tema: ISV – Tributação de veículo usado proveniente de outro Estado-membro – Artigo 11.º do CISV – Conformidade com o artigo 110.º do TFUE / Erro no preenchimento da DAV – Erro imputável aos serviços na aceção do artigo 78.º, n.º 1, da LGT.
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SUMÁRIO:

 

  1. «O artigo 110.º do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não tem em conta, para efeitos do cálculo do montante de um imposto sobre veículos, quando é aplicado a um veículo usado proveniente de outro Estado‑membro, a desvalorização da componente ambiental deste imposto na mesma proporção e nos mesmos termos em que o faz em relação à componente cilindrada do referido imposto se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o referido veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados» – cfr. Despacho do Tribunal de Justiça da União Europeia de 6 de fevereiro de 2024, proferido no âmbito do processo n.º C-399/23 (Caso Osóquim).
  2. «[A] resposta dada à questão prejudicial […] será sempre de matriz relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor de ISV cobrado (e contestado […]) e o valor de imposto implícito em veículos usados nacionais equivalentes»cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 25/23.8BALSB, de 22 de novembro de 2023.
  3. «O […] conceito [de erro imputável aos serviços] compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e […] essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afetada pelo erro» – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 01019/14, de 8 de março de 2017.
  4. «Para a questão se subsumir no artigo 78.º, n.º 1, da LGT importa, desde logo, que o contribuinte não tenha contribuído, por qualquer forma, para a emissão do ato de liquidação, ou seja, não pode existir uma conduta, seja ela ativa ou omissiva, que tenha determinado a emissão do ato de liquidação, nos moldes em que o foi» – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 328/05.3BEALM, de 5 de novembro de 2020.

 

DECISÃO ARBITRAL

Requerente: A..., portador do número de identificação fiscal (“NIF”) português..., com domicílio na Rua ..., n.º ..., ...-... Maia

 

Entidade Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

A Árbitra Sónia Fernandes Martins, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular constituído a 26 de novembro de 2024, decidiu o seguinte:

 

  1. Relatório

 

  1. A..., portador do NIF português..., com domicílio na Rua ..., n.º ..., ...-... Maia (“Requerente”), apresentou perante o CAAD, dirigido ao seu Ex.mo Presidente, pedido de pronúncia arbitral a 19 de setembro de 2024, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAMT”). 

 

  1. No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente solicitou ao Tribunal Arbitral a declaração de ilegalidade e concomitante anulação parcial, no montante de 13.469,63 EUR, da liquidação de Imposto sobre Veículos (“ISV”) n.º 2021/..., de 20 de dezembro de 2021, da autoria da Chefe da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, no montante global de 41.793,90 EUR. Peticionou, de igual modo, a restituição do imposto (13.469,63 EUR) e o pagamento de juros indemnizatórios.

 

  1. A propositura da ação arbitral ocorreu após a apresentação, perante a Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, de pedido de revisão oficiosa daquele ato tributário a 22 de fevereiro de 2024, o qual não obteve resposta.

 

  1. Em sede do pedido de pronúncia arbitral, o Requerente pugnou pela preterição do artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), perante as distintas percentagens de redução, resultantes do artigo 11.º do Código do Imposto sobre Veículos (“CISV”), aplicáveis às componentes cilindrada (52%) e ambiental (28%), e concomitante tributação diferenciada (mais gravosa) das viaturas usadas “admitidas” em território nacional face às viaturas usadas “originárias” de Portugal. Por outro lado, sustentou o incorreto registo do dióxido de carbono (“CO2”) emitido – 380 g/km (ao invés de 360 g/km) – na Declaração Aduaneira do Veículo (“DAV”) n.º 2021/...e, desse modo, o erróneo apuramento do imposto.

 

  1. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Entidade Requerida”).

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD a 20 de setembro de 2024, tendo sido notificado à Entidade Requerida a 23 de setembro de 2024.

 

  1. A Árbitra Signatária foi designada pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para constituir o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado a designação a 14 de outubro de 2024.

 

  1. No dia 6 de novembro de 2024, as partes foram notificadas de tal designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.

 

  1. O Tribunal Arbitral foi constituído a 26 de novembro de 2024.

 

  1. No dia 16 de janeiro de 2025, a Entidade Requerida apresentou a sua resposta e juntou o processo administrativo.

 

  1. Na sua resposta, a Entidade Requerida sustentou estar vinculada à aplicação do artigo 11.º do CISV, na redação do artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, não podendo desaplicá-lo por força de uma alegada violação do Direito da União Europeia (in casu, do artigo 110.º do TFUE). Não obstante, entende que tal desconformidade não se verifica, alicerçando a sua posição na jurisprudência europeia [designadamente, no Despacho do Tribunal de Justiça da União Europeia de 6 de fevereiro de 2024, proferido no âmbito do processo n.º C-399/23 (Caso Osóquim)] e nacional (designadamente, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 25/23.8BALSB, de 22 de novembro de 2023) e, bem assim, na ausência probatória perpetrada pelo Requerente. 

 

  1. Por despacho de 20 de janeiro de 2025, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAMT e notificou as partes para apresentação de alegações escritas simultâneas e, bem assim, para pagamento da taxa de arbitragem subsequente.

 

  1. No dia 12 de fevereiro de 2025, quer o Requerente quer a Entidade Requerida apresentaram as suas alegações escritas, em sede das quais corroboraram as posições anteriormente assumidas.

 

 

 

 

 

  1. Saneamento

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.os 1, parte inicial, e 2, 6.º, n.os 1, 3 e 4, e 11.º do RJAMT.

 

  1. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAMT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

  1. Não se verificam nulidades, nem foi invocada matéria de exceção pela Entidade Requerida, impondo-se a apreciação imediata do mérito da causa pelo Tribunal Arbitral.

 

  1. Objeto da Pronúncia Arbitral

 

  1. O thema decidendum objeto da presente ação arbitral consiste em aferir da conformidade do artigo 11.º do CISV, na redação vigente à data da exigibilidade do imposto (i.e., na redação introduzida pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro), ao artigo 110.º do TFUE, face às distintas percentagens de redução aplicáveis às componentes cilindrada e ambiental, em sede de tributação em ISV, de viaturas ligeiras de passageiros usadas, oriundas de outro Estado-membro da União Europeia, e, concomitantemente, em indagar se essa disparidade redunda numa tributação discriminatória (mais gravosa) das viaturas usadas “admitidas” em Portugal – vis-à-vis a tributação das viaturas usadas “originárias” do território nacional –, conducente à anulação parcial, no montante de  9.740,24 EUR, da liquidação de ISV n.º 2021/..., de 20 de dezembro de 2021.

 

  1. Por outro lado, importa perscrutar se o alegado erro no preenchimento da DAV, no que respeita à emissão de CO2, é suscetível de relevar nos presentes autos – atento o disposto no artigo 78.º, n.º 1, in fine, da Lei Geral Tributária (“LGT”) – e, desse modo, despoletar a anulação parcial, no montante de 3.729,49 EUR, da liquidação de ISV n.º 2021/..., de 20 de dezembro de 2021.

 

  1. Por último, cumpre indagar do direito do Requerente à restituição do imposto, no montante global de 13.469,63 EUR (9.740,23 EUR + 3.729,40 EUR), nos termos do artigo 100.º da LGT, e, bem assim, do seu direito à perceção de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.        

 

  1. Matéria de Facto

 

  1. Relativamente à matéria de facto, não impende sobre o Tribunal Arbitral o ónus de pronúncia sobre todos os factos alegados pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os que importam à boa decisão da causa e de discriminar a matéria provada da não provada [cfr. artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAMT].

 

  1. Deste modo, os factos pertinentes ao julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida em função das várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT).

 

  1. Factos provados e respetiva motivação

 

  1. O Tribunal Arbitral considera assente a factualidade infra. Formou a sua convicção mediante a análise e ponderação do acervo documental carreado para os autos pelo Requerente e, bem assim, através da resposta da Entidade Requerida, em sede da qual é refutado o argumentário jurídico (matéria de direito) exposto pelo Requerente.

 

  1. No dia 16 de novembro de 2021, o Requerente adquiriu uma viatura ligeira de passageiros usada, proveniente da Alemanha, pelo preço de 86.555 EUR [cfr. documento n.º 1 junto ao pedido de revisão oficiosa];

 

  1. A viatura em referência deu entrada no território nacional a 29 de novembro de 2021 [cfr. documento n.º 1 junto ao pedido de revisão oficiosa];

 

  1. A viatura em apreço possuía as seguintes caraterísticas técnicas:
  1. Marca: Ferrari [cfr. documentos n.os 1 juntos ao pedido de revisão oficiosa e ao pedido de pronúncia arbitral];
  2. Modelo: F151 [cfr. documentos n.os 1 juntos ao pedido de revisão oficiosa e ao pedido de pronúncia arbitral];
  3. Cor: vermelho [cfr. documento n.º 1 junto ao pedido de revisão oficiosa];
  4. Peso bruto: 2.320 kg [cfr. documentos n.os 1 juntos ao pedido de revisão oficiosa e ao pedido de pronúncia arbitral];
  5. Tara: 1.955 kg [cfr. documentos n.os 1 juntos ao pedido de revisão oficiosa e ao pedido de pronúncia arbitral];
  6. Número de lugares: 4 lugares [cfr. documento n.º 1 junto ao pedido de revisão oficiosa];
  7. Número de eixos motores: 1 eixo motor [cfr. documento n.º 1 junto ao pedido de revisão oficiosa];
  8. Código de homologação: 2021... [cfr. documento n.º 1 junto ao pedido de revisão oficiosa];
  9. Versão: E [cfr. documentos n.os 1 juntos ao pedido de revisão oficiosa e ao pedido de pronúncia arbitral];
  10. Variante: AL [cfr. documentos n.os 1 juntos ao pedido de revisão oficiosa e ao pedido de pronúncia arbitral];
  11. Designação comercial: FF [cfr. documentos n.os 1 juntos ao pedido de revisão oficiosa e ao pedido de pronúncia arbitral];
  12. Combustível: gasolina [cfr. documento n.º 1 junto ao pedido de revisão oficiosa];
  13. Tipo de caixa: fechada [cfr. documento n.º 1 junto ao pedido de revisão oficiosa];
  14. Número do motor: ... [cfr. documento n.º 1 junto ao pedido de revisão oficiosa];
  15. Número de quadro: ... [cfr. documentos n.os 1 juntos ao pedido de revisão oficiosa e ao pedido de pronúncia arbitral];
  16. Cilindrada: 6.262 cm3 [cfr. documentos n.os 1 juntos ao pedido de revisão oficiosa e ao pedido de pronúncia arbitral];
  17. Quilómetros (“km”) percorridos: 17.155 km [cfr. documento n.º 1 junto ao pedido de revisão oficiosa];
  18. Emissão de partículas [em gramas (“g”) por km]: 0,0008 g/km [cfr. documento n.º 1 junto ao pedido de revisão oficiosa];
  19. Emissão de CO2 (em g por km): 360 g/km [cfr. documento n.º 1 junto ao pedido de pronúncia arbitral];
  20. Tipo de testes CO2: CO2 combinado, ciclo New European Driving Cycle (“NEDC”) [cfr. documento n.º 1 junto ao pedido de revisão oficiosa];
  21. Sistema: “Start and stop” [cfr. documento n.º 1 junto ao pedido de pronúncia arbitral];
  22. Data da atribuição da primeira matrícula: 5 de julho de 2016 [cfr. documentos n.os 1 juntos ao pedido de revisão oficiosa e ao pedido de pronúncia arbitral];
  23. Data da atribuição da matrícula portuguesa: 23 de maio de 2022 [cfr. documento n.º 1 junto ao pedido de revisão oficiosa];
  24. Número da matrícula portuguesa: ... [cfr. documento n.º 1 junto ao pedido de revisão oficiosa];

 

  1. A correspondente DAV – DAV n.º 2021/... – foi apresentada pelo representante do Requerente (B..., portador do NIF português...) perante a Delegação Aduaneira da Figueira da Foz [cfr. documento n.º 1 junto ao pedido de revisão oficiosa];

 

  1. Nessa sequência, a Delegação Aduaneira da Figueira da Foz emitiu a liquidação de ISV n.º 2021/..., de 20 de dezembro de 2021, no montante global de 41.793,90 EUR [cfr. documento n.º 1 junto ao pedido de revisão oficiosa];

 

  1. O Requerente procedeu ao pagamento do ISV no referido montante;

 

  1. Por e-mail de 22 de fevereiro de 2024, o Requerente apresentou perante a Delegação Aduaneira da Figueira da Foz pedido de revisão oficiosa da referida liquidação de ISV [cfr. documento n.º 2 junto ao pedido de pronúncia arbitral];

 

  1. Em sede do pedido de revisão oficiosa, o Requerente peticionou a anulação parcial, no montante global de 13.469,63 EUR (9.740,23 EUR + 3.729,40 EUR), da mencionada liquidação de imposto com fundamento:
  1. Na preterição do artigo 110.º do TFUE, face às distintas percentagens de redução, resultantes do artigo 11.º do CISV, aplicáveis às componentes cilindrada (52%) e ambiental (28%) (no que respeita ao ISV no montante de 9.740,23 EUR);
  2. No incorreto registo na DAV n.º 2021/... do CO2 emitido – 380 g/km ao invés das efetivas 360 g/km (no que respeita ao ISV no montante de 3.729,40 EUR) [cfr. documento n.º 2 junto ao pedido de pronúncia arbitral];

 

  1. A título adicional, o Requerente solicitou a restituição do ISV, no montante global de 13.469,63 EUR, e a condenação da Entidade Requerida no pagamento de juros indemnizatórios (computados entre 28 de dezembro de 2021 e o reembolso do imposto) [cfr. documento n.º 2 junto ao pedido de pronúncia arbitral];

 

  1. No dia 19 de setembro de 2024, face à ausência de decisão por parte da Entidade Requerida no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, a Requerente apresentou junto do CAAD (Arbitragem Tributária) o pedido de pronúncia arbitral na origem dos presentes autos;

 

  1. Em sede do pedido de pronúncia arbitral, o Requerente peticionou a declaração de ilegalidade (e consequente anulação) da liquidação de ISV, no montante global de 13.469,63 EUR (9.740,23 EUR + 3.729,40 EUR), bem como o reembolso de tal quantitativo acrescido de juros indemnizatórios (computados entre 28 de dezembro de 2021 e a restituição do imposto);

 

  • Em concreto, o Requerente sustentou:
  1. Relativamente ao ISV no montante de 9.740,23 EUR: a violação do artigo 110.º do TFUE, face às distintas percentagens de redução, resultantes do artigo 11.º do CISV, aplicáveis às componentes cilindrada (52%) e ambiental (28%), e concomitante discriminação resultante da tributação diferenciada (mais gravosa), em sede de ISV, das viaturas usadas “admitidas” em território nacional face às viaturas usadas “originárias” de Portugal;
  2. Relativamente ao ISV no montante de 3.729,40 EUR: a errónea inscrição na DAV n.º 2021/... do CO2 emitido (380 g/km ao invés das efetivas 360 g/km);

 

  1. No dia 16 de janeiro de 2025, a Entidade Requerida apresentou a sua resposta e o processo administrativo;

 

  • Na sua resposta, a Entidade Requerida pugnou pela conformidade à lei da liquidação de ISV e, por via disso, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Factos não provados e respetiva motivação

 

  1. Dos factos com interesse para a boa decisão da causa não foram alegados (nem provados) os que abaixo se elencam. O pedido de pronúncia arbitral nada refere a seu respeito.

 

  1. O preço de venda praticado no mercado nacional relativo a viaturas usadas “originárias” de Portugal detentoras de caraterísticas idênticas ou semelhantes às da viatura do Requerente;

 

  1. O ISV residual implícito, parte compósita do preço de venda supra;

 

  1. O nexo causal entre tal preço de venda e as diferentes percentagens de redução aplicadas às componentes cilindrada (52%) e ambiental (28%) da viatura do Requerente.

 

  1. Não foi igualmente provada a seguinte factualidade:

 

  1. Os níveis de emissão de CO2 registados no certificado de conformidade da viatura do Requerente. Se iguais, se dissonantes dos refletidos no certificado de matrícula estrangeiro – i.e., no documento de origem – (360 g/km).

 

  1. Apesar de ter alegado em sede de resposta que o certificado de conformidade da viatura do Requerente regista 380 g/km a título de emissão de CO2 (cfr. artigos 70.º a 74.º da resposta), a Entidade Requerida não o demonstrou, não tendo procedido à sua junção no âmbito dos presentes autos, não obstante, dada a alusão que fez ao artigo 20.º, n.º 2, do CISV, parecer estar na posse de uma sua cópia. Atente-se, neste contexto, ao n.º 4 do referido preceito legal («Os documentos previstos no n.º 2 podem ser apresentados por transmissão eletrónica de dados, devendo os originais ser conservados pelo prazo de quatro anos, ficando sujeitos à apresentação dos originais a qualquer momento nos serviços competentes, para efeitos de fiscalização e controlo»).

 

  1. Matéria de Direito

 

  1. Sem prejuízo de o Requerente não o ter expressamente referido, depreende-se do respetivo introito que o pedido de revisão oficiosa na origem dos presentes autos foi apresentado a coberto do regime ínsito no artigo 78.º, n.º 1, in fine, da LGT – i.e., «no prazo de quatro anos após a liquidação […] com fundamento em erro imputável aos serviços» da Entidade Requerida.

 

  1. No que à tempestividade do pedido de revisão oficiosa respeita, o Tribunal Arbitral nada tem a “apontar”. Com efeito, tendo o pedido sido apresentado a 22 de fevereiro de 2024 (cfr. documento n.º 2 junto ao pedido de pronúncia arbitral) e tendo a liquidação de imposto sido emitida a 20 de dezembro de 2021 (cfr. documento n.º 1 junto ao pedido de revisão oficiosa), o prazo de 4 (quatro) anos destinado à apresentação do aludido pedido foi indubitavelmente respeitado pelo Requerente.

 

  1. No que à comissão de «erro imputável aos serviços» concerne, importa primeiramente atentar na jurisprudência dos tribunais superiores densificadora do conceito:

 

«O […] conceito [de erro imputável aos serviços] compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e […] essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afetada pelo erro» [sublinhado nosso] – cfr., a título exemplificativo, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 01019/14, de 8 de março de 2017.

 

«[E]mbora o conceito de “erro imputável aos serviços” aludido na 2.ª parte do n.º 1 do 78.º da LGT não compreenda todo e qualquer “vício” (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só “erros”, estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do ato afetada pelo erro» [sublinhado nosso] – cfr., a título exemplificativo, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0407/15, de 5 de maio de 2016.

 

«Para a questão se subsumir no artigo 78.º, n.º 1, da LGT importa, desde logo, que o contribuinte não tenha contribuído, por qualquer forma, para a emissão do ato de liquidação, ou seja, não pode existir uma conduta, seja ela ativa ou omissiva, que tenha determinado a emissão do ato de liquidação, nos moldes em que o foi» [sublinhado nosso] – cfr., a título exemplificativo, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 328/05.3BEALM, de 5 de novembro de 2020.

 

«Existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da Administração Tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços. Com efeito, existe uma obrigação genérica de a Administração Tributária atuar em plena conformidade com a lei, legalmente preceituada, desde logo, no artigo 266.º, n.º 2, da CRP e bem assim no artigo 55.º da LGT, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração» [sublinhado nosso] – cfr., a título exemplificativo, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 01007/11, de 14 de março de 2012.

 

«[H]avendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar a liquidação afetada por erro" já que "a administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei (artigos 266.º, n.º l, da CRP e 55.º da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços» [sublinhado nosso] – cfr., a título exemplificativo, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 026690, de 6 de fevereiro de 2002.

 

  1. E, de igual modo, na doutrina portuguesa sobre a matéria:

 

«[A] Administração Tributária poderá proceder à revisão oficiosa dos atos tributários no prazo de 4 (quatro) anos após a liquidação […] quando se verificar um erro imputável aos serviços, ou seja, um lapso, um erro material ou de facto, bem como um erro de direito, não se exigindo a demonstração da culpa dos funcionários» – cfr., a título exemplificativo, NETO, Serena Cabrita e TRINDADE, Carla Castelo, Contencioso Tributário, Volume I (Procedimento, Princípios e Garantias), 2017, Almedina, p. 599.

 

  1. Perante o exposto, quanto ao imposto liquidado no montante de 9.740,23 EUR, cumpre indagar (e analisar) se a violação do Direito da União Europeia sustentada pelo Requerente efetivamente se verifica.

 

  1. Se tal suceder, na esteira das mencionadas jurisprudência e doutrina, terá ocorrido um erro de direito – assente na preterição do Direito da União Europeia, in casu do artigo 110.º do TFUE – imputável, a título objetivo (porquanto carente do requisito atinente à culpa), aos serviços da Entidade Requerida nos termos do artigo 78.º, n.º 1, in fine, da LGT.

 

  1. Se tal não acontecer, o referido erro de direito não se verificará, pelo que o requisito atinente à sua imputabilidade aos serviços não estará preenchido, o que conduzirá à improcedência do pedido de revisão oficiosa (e, por inerência, do pedido de pronúncia arbitral) e, em consequência, à manutenção na ordem jurídica da liquidação de imposto no montante de 9.740 EUR.

 

  1. Relativamente ao contexto que subjaz à redação do artigo 11.º do CISV conferida pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral realça os pontos 6.10 a 6.25 e 6.33 a 6.40 da Decisão Arbitral de 16 de dezembro de 2024, proferida no âmbito do processo n.º 846/2024-T, os quais, com o intuito de se evitar desnecessária prolixidade, não se transcrevem, mas consideram-se reproduzidos na presente sede.

 

  1. Aqui chegados, com o fito de aferir o pretenso erro de direito invocado pelo Requerente – consubstanciado na violação do artigo 110.º do TFUE pelo artigo 11.º do CISV – cumpre atentar na recente jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, a qual, por referência a situação idêntica à dos presentes autos (que no caso em apreço conduz à “dispensa” por parte do Tribunal Arbitral da obrigação de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º, 3.º parágrafo, do TJUE[1]), preconiza:

 

«[O] artigo 110.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não tem em conta, para efeitos do cálculo do montante de um imposto sobre veículos, quando é aplicado a um veículo proveniente de outro Estado-membro, a desvalorização da componente ambiental deste imposto na mesma proporção e nos mesmos termos em que o faz em relação à componente cilindrada do referido imposto se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o referido veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados» [sublinhado nosso] – cfr. Despacho do Tribunal de Justiça da União Europeia de 6 de fevereiro de 2024, proferido no âmbito do processo n.º C-399/23 (Caso Osóquim).

 

  1. E, bem assim, na jurisprudência nacional, a qual visa “acomodar” o sentido decisório perfilhado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito do referido processo de reenvio prejudicial (Caso Osóquim):

 

«[A] resposta dada à questão prejudicial […] será sempre de matriz relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor de ISV cobrado (e contestado […]) e o valor de imposto implícito em veículos usados nacionais equivalentes – ou, nas palavras daquele Tribunal [Tribunal de Justiça da União Europeia], o “valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados”. Assim sendo, a determinação da conformidade ou não da legislação aqui em causa com os postulados do Direito Europeu passa […] por “determinar se a aplicação de uma percentagem de redução da componente ambiental do ISV diferente da aplicada à componente cilindrada deste imposto conduz a favorecer a venda dos veículos usados nacionais”» – cfr., a título exemplificativo, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo n.os 25/23.8BALSB, de 22 de novembro de 2023; 0191/23.2BALSB, de 23 de maio de 2023; e 013/24.7BALSB, de 27 de novembro de 2024.

 

  1. Na esteira desta jurisprudência constata-se que as distintas percentagens de redução, decorrentes do artigo 11.º do CISV, aplicáveis às componentes ambiental (in casu, 28%) e cilindrada (in casu, 52%), per se, não violam o artigo 110.º do TFUE. Tal só sucederá se a aludida disparidade percentual estiver na origem de uma diferenciada prática de preços no mercado nacional de viaturas usadas, sendo as “admitidas” em Portugal mais dispendiosas do que as “originárias” equivalentes.

 

  1. Constata-se, pois, que a discriminação em referência está prima facie arraigada à demonstração do preço de venda das viaturas usadas equivalentes – em concreto, à prova do montante (inferior) do imposto residual implícito refletido no seu preço [vis-à-vis o montante (superior) do imposto suportado pelo Requerente]. 

 

  1. Porém, o Requerente não alega (nem demonstra) qualquer factualidade refletora de tal discriminação, designadamente o preço de venda praticado no mercado nacional relativamente a viaturas usadas equivalentes e respetivos elementos compósitos (nomeadamente, o ISV residual nele incorporado), não constando dos autos qualquer informação a seu respeito.

 

  1. Cabendo ao Requerente os respetivos ónus de alegação e prova na aceção do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, o incumprimento por si perpetrado terá necessariamente de ser valorado em seu desfavor.

 

  1. Em conformidade, ainda que por referência ao artigo 342.º do Código Civil, importa atentar no seguinte:

 

«O significado essencial do ónus da prova não está tanto em saber a quem incumbe fazer a prova do facto [ónus subjetivo ou formal] como em determinar o sentido em que deve o tribunal decidir no caso de se não fazer essa prova [ónus objetivo ou material]» – cfr. DE LIMA, Pires António e VARELA, João Antunes, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição Revista e Atualizada, p. 306.

 

«O ónus da prova não consiste no encargo lançado sobre a parte de alegar o facto e de carrear, por si mesma, para o processo todos os elementos capazes de convencer o juiz da realidade desse facto, sob pena de ter como assente o facto oposto. Significa a situação da parte contra quem o tribunal dará como assente [ou como não assente] um facto sempre que o juiz se não convença da realidade dele (Ac. RE, de 29.4.1986: BMJ, 358.º - 626)» – cfr. NETO, Abílio, Código de Processo Civil Anotado, 18.ª Edição Atualizada, setembro de 2004, p. 871.

 

  1. Deste modo, o erro de direito – preterição do Direito da União Europeia, in casu do regime previsto no artigo 110.º do TFUE – invocado pelo Requerente (enformador da causa de pedir na génese do pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de imposto no montante de 9,740 EUR) não se afigura atendível. A priori, a matéria de facto alicerçante daquele pretenso erro não foi alegada nem demonstrada.     

 

  1. Assim sendo, o Tribunal Arbitral considera não preenchido o requisito do pedido de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º, n.º 1, in fine, da LGT, referente à comissão de um «erro», julgando concomitantemente improcedente o pedido de pronúncia arbitral na origem dos presentes autos quanto à declaração de ilegalidade (e consequente anulação) da liquidação de imposto no montante de 9.740 EUR, mantendo, por via disso, este ato tributário na ordem jurídica.

 

  1. Em consequência, o Requerente não tem direito nem à restituição do imposto, no montante de 9.740 EUR, nem à perceção de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT. 

 

  1. Quanto ao imposto liquidado no montante de 3.729,40 EUR, a pretensão do Requerente também não merece acolhimento, uma vez que o erro de facto refletido na liquidação de ISV n.º 2021/..., referente à emissão de CO2, resultou do incorreto preenchimento da DAV n.º 2021/... – em dissonância com a informação constante do documento de origem da viatura (cfr. documento n.º 1 junto ao pedido de pronúncia arbitral) – pelo seu  representante (B...), na qualidade de declarante (cfr. documento n.º 1 do pedido de revisão oficiosa).

 

  1. Deste modo, tal erro é exclusivamente imputável ao Requerente, não podendo ser assacado a qualquer conduta da Entidade Requerida.

 

  1. Não obstante a liquidação de imposto [objeto (mediato) dos presentes autos] ser uma heteroliquidação (in casu, emitida pela Entidade Requerida), subjazeu à sua prolação a informação facultada pelo Requerente na DAV n.º 2021/..., tendo essa informação servido de elemento/parâmetro para o apuramento do imposto contestado.  

 

  1. Assim sendo, na esteira da aludida jurisprudência (cfr. ponto 28. supra), o Tribunal Arbitral considera claudicar o requisito relativo ao «erro imputável aos serviços» previsto no artigo 78.º, n.º 1, in fine, da LGT.

 

  1. Pelo que, o pedido de revisão oficiosa – e, concomitantemente, o pedido de pronúncia arbitral – carecem de substrato legal relativamente à matéria sub judice, sendo por isso improcedentes quanto à declaração de ilegalidade (e consequente anulação) da liquidação de imposto no montante de 3.729,40 EUR.

 

  1. Em consequência, o Requerente não tem direito nem à restituição do imposto, no montante de 3.729,40 EUR, nem à perceção de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT. 

 

  1. Decisão

 

  1. Por tudo quanto se expôs, julga-se totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pelo Requerente, sendo de manter na ordem jurídica a liquidação de ISV n.º 2021/..., de 20 de dezembro de 2021, no montante global de 41.793,90 EUR (quarenta e um mil, setecentos e noventa e três euros e noventa cêntimos) [cujo montante contestado ascende a 13.469,63 EUR (treze mil, quatrocentos e sessenta e nove euros e sessenta e três cêntimos)].

 

 

 

 

  1. Valor da causa

 

  1. Nos termos dos artigos 306.º, n.os 1 e 2, do CPC (ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“Regulamento de Custas”), fixa-se o valor do processo (da causa) em 13.469,63 EUR (treze mil, quatrocentos e sessenta e nove euros e sessenta e três cêntimos).

 

  1. Custas arbitrais

 

  1. Condena-se o Requerente nas custas do processo, as quais perfazem 918 EUR (novecentos e dezoito euros), em consonância com os artigos 527.º, n.º 1, do CPC (ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT) e 22.º, n.º 4, do RJAMT e, bem assim, com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas.

 

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Lisboa, 28 de fevereiro de 2025

 

A Árbitra

 

 

 

Sónia Fernandes Martins



[1] «[A] força da interpretação dada pelo Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 267.º do TFUE pode privar de causa a obrigação prevista no artigo 267.º, terceiro parágrafo, do TFUE e esvaziá-la assim de conteúdo, designadamente quando a questão suscitada seja materialmente idêntica a outra questão suscitada em processo análogo e já decidida a título prejudicial» [sublinhado nosso] – cfr., a título exemplificativo, Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 6 de outubro de 2021, proferido no âmbito do processo n.º C-561/19 (Caso Consorzio Italian Management). Em sentido similar, Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 6 de outubro de 1982, proferido em sede do processo n.º 283/81 (Caso Cilfit).