Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1002/2024-T
Data da decisão: 2025-03-06   Outros 
Valor do pedido: € 13.287,90
Tema: Contribuição de Serviços Rodoviário- qualificação – legitimidade de impugnação da liquidação-ónus de prova.
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SUMÁRIO:

 

1. A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) é, quer á luz do Direito Comunitário, quer à luz do direito nacional, um tributo qualificado  como “imposto” e não como mera “contribuição”, pelo que os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar matérias a ela respeitantes, nos termos do nº 1 do art. 2º do DL nº 10/2011, de 20/1,e do nº 1 do art. 2º da Portaria  nº 112-A/2011, de 22/3.

2-Os Tribunais Arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de atos de liquidação de CSR, ainda que não possam apreciar a legalidade dos atos de repercussão daquele imposto no âmbito das relações entre repercutente e repercutido.

3-A falta de identificação dos atos de liquidação de CSR contestados, cuja declaração de ilegalidade e anulação seja  requerida pelo autor da ação , implica a ineptidão do pedido  de pronúncia arbitral e também  não permite a prova da legitimidade processual do repercutido  para contestar a legalidade dos atos de liquidação daquele imposto.

4- A Lei n º 32/2007, de 13/8, e o art. 6º do CIEC  não  consagram qualquer isenção subjetiva de  CSR  das associações humanitárias de bombeiros voluntários.

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DECISÃO ARBITRAL

 

I-RELATÓRIO

 

1.Identificação das partes.

  1. Requerente

A..., pessoa coletiva com o NIPC..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... ...,

1.2. Requerida

Autoridade  Tributária e Aduaneira (AT).

2- Tramitação do processo.

2.1 O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado a 29/8/2024 e na mesma data encaminhado automaticamente para a Requerente e para a Requerida,  tendo a Requerente optado por não  designar árbitro.

2.2.  A 30/8/2024, o pedido seria notificado à AT.

2.3 Nessa data ,  a Requerida informaria , através da jurista ..., que a diretora-geral da AT apenas a 2/9/2024, viria posteriormente a designar , que, analisado o pedido, não detetou a identificação de qualquer ato tributário, identificação que, aliás, também não consta da plataforma do Centro de Arbitragem Tributária (CAAD) . Tendo em conta, que  a  competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, abrange exclusivamente a apreciação direta da legalidade de ato(s) de liquidação ou de ato(s) de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de ato(s) daquele tipo, conforme decorre do nº 1 do art. 2º do RJAT e que,   sem a identificação, por parte dos interessados, do ato tributário, cuja ilegalidade invoca, o dirigente máximo da AT não pode exercer a faculdade prevista no art. 13.º do RJAT. , solicitaria  que fossem  identificado(s) os atos de liquidação cuja legalidade o requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista nessa norma  do RJAT só ocorreria  após a notificação da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada.

2.4. – Ainda nessa data, o presidente do  CAAD remeteria a apreciação dessas questões para o Tribunal Arbitral a constituir .

2.5 A 12/9/2024, a Requerida designou representantes  processuais as juristas ... e ... .

2.6 A 14/10//2024, seria junta ao processo a declaração de aceitação do árbitro António Lima Guerreiro, datada  de 18/9/2024.

2.7 Despacho de 4/11/2024 do presidente do Conselho Deontológico do CAAD procederia à constituição do Tribunal  Arbitral.

2. 8  Nessa data , o Tribunal Arbitral, nos termos do art. 17º do RJAT, notificaria a diretora- geral da AT para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, se entender necessário, requerer prova adicional  e juntar o Processo Administrativo(PA).

2.9 Esse despacho seria notificado à Requerente.

2.10 A 3/12/2024, a Requerida apresentaria a Resposta e  o PA, reduzido a uma cópia do pedido de revisão oficiosa das liquidações impugnadas, deduzido a 29/1/2024 na alfândega do Freixeiro.

2.11. A 2/1/2025, o Tribunal Arbitral daria o seguinte Despacho: “Dispenso , dada  a natureza meramente de direito , das questões envolvidas, a reunião prevista no nº 1 do art. 18º do RJAT, podendo a Requerente, no prazo de 10 dias, responder às exceções suscitadas pela Requerida”.

2.12 A 16/1/2025, a Requerente responderia à exceções suscitadas pela Requerida e juntaria Declaração passada por C..., a 25/11/2024, NIF ..., em que esta afirma ter repercutido totalmente à  Requerida a totalidade da CSR ora impugnada.

 2.13 A 20/1/2025, o  Tribunal Arbitral emitiria o seguinte Despacho: “Dada  sua  estreita ligação com o  fundo de causa e por razões também de economia processual, a exceção será apreciada na decisão final e não separadamente. Dado estarem  em causa apenas questões de direito, dispenso a realização da  reunião prevista no art. 18º do RJAT. A decisão será tomada no prazo previsto”.

 

3 . Pressupostos relativos ao tribunal e às Partes.

3.1-O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

3.2- As Partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e encontram-se regularmente representadas.

 

4- Objeto do processo.

É impugnado o presumido indeferimento do pedido de revisão oficiosa nº ..., deduzido a 19/5/2023, das liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) relativas aos períodos de tributação  entre janeiro  de   2020 e dezembro de 2022 no valor global de €  13.287, 90, nos quais  a Requerente adquiriu, no âmbito da sua atividade comercial 117.391, litros de gasóleo e 2.958 litros de gasolina às  gasolineiras  B..., S.A. e C..., S.A

 

5- Posição da Requerente

 

Segundo a Requerente, a revisão dos atos tributários impugnados  é um instrumento excecional que possibilita ao contribuinte que, uma vez detetado o erro na liquidação, a revisão do ato tributário em seu favor.

 

Esse princípio é consequência dos princípios constitucionais  da justiça, da igualdade e da legalidade, que a Administração Tributária tem de observar na globalidade da sua atividade .

 

A  jurisprudência do STA tem sido unânime ao considerar que, a revisão do ato tributário pode ser impulsionada pelo contribuinte com fundamento , em especial,  na 2ª parte do nº 1 do art. 78º da LGT (erro imputável aos serviços na liquidação).

 

Assim, a  administração fiscal está sujeita ao dever  corrigir oficiosamente :“(…) todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei”(Acórdãos nos procs.  n.º 01019/14, de 8/3/2017 e, n.º 0140/13, de 29/05/2013). No mesmo sentido, veja-se em particular  o Acórdão no proc. n.º 0839/11, de 2/6.2013, nos termos do qual se refere que “(…) apesar de a revisão do ato tributário com fundamento em erro imputável aos serviços dever ser efetuada pela Administração por sua própria iniciativa, o contribuinte pode pedir que ela cumpra esse dever dentro dos limites temporais em que ela o pode exercer” .

 

O erro imputável aos serviços compreende  todo o erro não imputável ao  contribuinte.

 

Nesse sentido amplo de erro imputável aos serviços militariam os Acórdãos do TCA Sul de 23/3/2017, proc.  1349/10.0BELRS , e de 11/1/2023, proc. 921/128, bem  como, entre outras , a Decisão Arbitral nº 396/2020- T..

 

Por outro lado , à luz da jurisprudência  do TJUE  , a  menos  que se identificasse  uma contraprestação administrativa que presumivelmente beneficiasse  o conjunto dos sujeitos passivos da CSR – ou, em alternativa,  se verificasse  uma motivação extrafiscal que, visando modelar o comportamento desses mesmos sujeitos passivos, justificasse  a imposição deste tributo  a título de contribuição especial, a mesma não poderia deixar de ser configurada como um imposto.

 

No caso, não se identifica qualquer contraprestação destinada – ainda que de forma indireta e presumida – aos sujeitos passivos da CSR que permita configurar este tributo como uma contribuição financeira, nem tão-pouco se verifica qualquer motivação extrafiscal que justifique a incidência da CSR.

 

Pelo contrário, verifica-se a ausência de qualquer contraprestação indireta e presumivelmente destinada aos contribuintes sobre quem recai o encargo da CSR – os repercutidos – que justifique a sua oneração com este tributo à luz do direito comunitário aplicável.

 

Recordam  as Requerentes  que as  normas ao abrigo das quais foram praticados os atos tributários sub judice foram já declaradas ilegais em razão da sua desconformidade com o direito da União Europeia,  no âmbito, entre outros, dos processos arbitrais n.os 564/2020-T, 304/2022-T e 305/2022- T , desconformidade anteriormente  declarada  pelo Acórdão do TJUE no proc. C-460/2021.

 

De  acordo com este Acórdão, embora a afetação predeterminada do produto de um imposto ao financiamento do exercício, pelas autoridades de um Estado‑Membro, de competências que lhes foram atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico suficiente para justificar a compatibilidade da CSR  com o nº 2 do art. 1º da Diretiva 2008/118 , essa afetação, quando resulte  de uma simples modalidade de organização interna do orçamento de um Estado‑Membro, não pode, enquanto tal, constituir uma condição suficiente para aplicação dessa  norma. Caso interpretação oposta  fosse aceite , qualquer Estado‑Membro poderia com toda a liberdade, decidir impor, independentemente dos  objetivos, a afetação do produto de um imposto ao financiamento de determinadas despesas: qualquer finalidade  prosseguida pelo legislador poderia ser considerada específica, na aceção do nº  2 do  art. 1º . da Diretiva 2008/118, o que privaria o imposto especial de consumo harmonizado instituído por esta Diretiva de qualquer efeito útil e violaria o princípio segundo o qual uma disposição derrogatória, como essa, deve ser objeto de interpretação estrita.

 

Por conseguinte, a existência de um motivo específico na aceção da referida disposição não poderia ser estabelecida pela simples afetação das receitas do imposto considerado ao financiamento de despesas gerais que incumbem à coletividade pública num dado setor. Se assim fosse, , o alegado motivo específico não poderia ser distinguido de uma finalidade puramente orçamental.

 

Citando ainda  essa jurisprudência , «[n]a falta desse mecanismo de afetação predeterminada das receitas, um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo apenas pode ser considerado que tem um motivo específico, na aceção do  nº 2 do art. 1º- da Diretiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria coletável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita a realização do motivo específico invocado, por exemplo, tributando significativamente os produtos considerados para desencorajar o seu consumo» .

 

Consequentemente, para que a afetação predeterminada da receita de um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo permita considerar que esse imposto tem um motivo específico na aceção do nº 2 do art. 1º  da Diretiva 2008/118, sempre será necessário que o produto de tal imposição indireta fosse  obrigatoriamente utilizado nos invocados fins específicos «de tal forma que exista uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa»

 

Enfim, o deferimento da pretensão das Requerentes não implicaria qualquer risco de duplicação do reembolso, já que a administração fiscal dispõe dos meios necessários, de acordo com a documentação em seu poder, para confirmar os seus pressupostos, reprimindo  eventuais procedimentos fraudulentos.

 

Resulta, por outro lado, , do artº  2.° do CIEC, . aplicável à CSR por remissão do art 5.° da Lei n.° 55/2007,  de 31/8, que os impostos especiais sobre o consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização  de uma regra geral de igualdade tributária.

 

Assim, a Requerente tem  legitimidade para apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral,  dado   ter sido  quem efetivamente suportou o encargo do imposto em crise, por força desse art. 2º do CIEC.

 

Não subsistem quaisquer dúvidas que aos repercutidos assiste o direito  a obter a restituição do tributo ilegalmente liquidado e indevidamente  suportado em violação do direito da União Europeia (EU) como já foi reconhecido pelo CAAD.

 

Segundo o nº 1 do art. 9º do CPPT, têm   legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária , os contribuintes, incluindo  substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido, solução que, aliás, resultaria sempre  do art. 65º da LGT.

 

Desenvolvendo essas normas, a parte final dessa  alínea a) do n° 4  do art. 18º da LGT  reconhece o direito de reclamar, recorrer, impugnar ou apresentar pedido de pronúncia arbitral, nos termos das leis tributárias, a quem, embora não sendo sujeito passivo do imposto, suporte por repercussão legal o encargo tributário.

 

Assim, para efeitos dessa norma,  a repercussão suportada  pela Requerente não pode deixar de ser considerada legal.

 

Com efeito, é o repercutido que sofre na sua esfera o impacto patrimonial negativo mediante esse fenómeno económico. É na sua esfera jurídica que a decisão relativa à ilegalidade do imposto suportado se torna eficaz.

 

Assim,  existiria  comprovadamente na esfera jurídica das Requerentes, um interesse juridicamente protegido  que lhe conferiria legitimidade  ativa, ainda que a título meramente residual,  na apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

Sustenta ainda a Requerente  a impugnabilidade do indeferimento presumido, invocando para o efeito o prazo excecional  de revisão oficiosa de 4 anos,  superior aos prazos normais de reclamação ou impugnação  dos atos tributários fixados no nº 1 do art. 69º do CPPT, prazo excecional  esse que vem expresso no nº 1 do art. 78º da LGT  .Solicita também com o mesmo   fundamento de erro imputável aos serviços  o pagamento dos juros indemnizatórios previstos no nº 1 do art. 43º da LGT. A Requerente equipara, com efeito,,   ao erro imputável aos serviços referido no nº 1 do art. 43º e na 2ª parte do nº 1 do art. 78º da LGT  o erro do legislador, já que a norma aplicada  na liquidação da CSR contrariaria o Direito Comunitário.

 

Estando a Autoridade Tributária obrigada à não aplicação das normas internas violadoras do Direito europeu, necessariamente se conclui que a omissão deste dever constitui erro imputável aos serviços, suscetível de justificar a aplicação do prazo alargado de quatro anos estabelecido no nº 1 do art. 78.º da LGT.

7-Posição da Requerida

 

Recorda a Requerida a AT  estar  vinculada à jurisdição dos Tribunais arbitrais nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 2/3, sendo o objeto desta vinculação definido pelo seu  2º que dispõe que “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.”

 

Daqui decorre que foi intenção do legislador restringir a vinculação dos serviços e organismos ao CAAD no âmbito de pretensões que dizem respeito, especificamente, a impostos, aqui não se incluindo tributos de outra natureza, tais como as contribuições.

 

Ora, tratando-se de uma contribuição e não um imposto, as matérias sobre a CSR encontrar-se-iam, assim, excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal.

 

Fora do âmbito do RJAT situar-se-iam também os atos de repercussão(Decisões Arbitrais nºs  296/2923-T, 332/2023-T, 375/2023-T, 408/2023-T, 438/2023-T, 466/2023-T e  467/2923-T) e   460/2023-T). por não  envolverem a apreciação da legalidade de qualquer liquidação, mas da mera transferência para um terceiro do  encargo tributário suportado pelo sujeito passivo.

 

Sustenta ainda a Requerida que se verifica a incompetência do tribunal em razão da matéria, na medida em que as Requerentes, no pedido de pronúncia arbitral, teriam vindo questionar o regime jurídico da CSR in totum (cfr. arts.39.° e seguintes da Resposta), pretendendo discutir a sua conformidade jurídico-constitucional, o que extravasaria o âmbito da arbitragem tributária, e, em especial, o disposto no art.° 2º  do RJAT, que não consente o escrutínio sobre a integridade(sic) de normas emanadas no exercício da função político legislativa do Estado.

 

Não existiu, por outro lado,  qualquer erro de direito imputável aos serviços que permitisse a aplicação do prazo de 4 anos para a revisão oficiosa, previsto na 2a parte do n.° 1 do art.78.° da LGT em vez do prazo normal de 90 dias da reclamação graciosa previsto no  nº 1 do art. 69º do CPPT e na 1º parte do nº 1 desse art. 78º, já que, ao efetuarem as liquidações impugnadas, os serviços aduaneiros agiram no exercício de poderes vinculados, sem qualquer margem de liberdade ou oportunidade .

 

Por outro lado, ainda segundo  a Requerida:

 

1) A Requerente não é  sujeito passivo do IEC  nem de CSR, não se enquadrando na na previsão do art 4.º do CIEC e não detendo, por isso,   qualquer estatuto fiscal específico dessa  condição. Como tal, não poderia ter processado , nem processou  quaisquer DICs de produtos sujeitos a ISP, tal como se encontra previsto pelo art. 10º do CIEC, que  originassem a liquidação desses impostos.

 

2) A Requerente  não apresentou   quaisquer comprovativos de pagamento ao Estado das prestações  a que o PPI  se refere através do processamento dos respetivos documentos únicos de cobrança(DUCs).

 

3) Das  bases de dados da AT (SIC-EX e STADA importação) onde são processados os movimentos declarativos da introdução no consumo de produtos sujeitos a IEC e da respetiva  importação, não consta qualquer  DAI apresentada pela requerente.

 

4) A Requerente não identificou as liquidações de CSR que entende fundamentarem o pedido de revisão oficiosa.

 

5 )Da apresentação das DICs, caso tivesse tido lugar, teriam certamente resultado  atos  tributários stricto  identificado no respetivo DUC processado pelos serviços aduaneiros, o que não aconteceu.

 

6)As   faturas  exibidas pela Requerente não refletem  qualquer ato imputável à AT, quer tributário, quer administrativo em matéria tributária, mas apenas atos de autoliquidação do IVA .

 

7)Estão  em causa , com efeito, documentos emitidos, não por quaisquer órgãos administração pública, mas pelos fornecedores ou prestadores de serviços ,em virtude da aquisição de bens, como o são os produtos petrolíferos como o gasóleo e a gasolina, ou serviço, aquisição, aliás, sujeita a IVA nos termos gerais.

 

8)Não existe qualquer coincidência ou sequência temporal nas datas de  emissão das  DICS e faturas ,nem sequer esses documentos  são emitidos obrigatoriamente pelo mesmo sujeito passivo.

 

9)Assim, considera a Requerida que o DL nº73/2010, em que se integra o CIEC, é lei especial, e como tal se sobrepõe à lei geral,  pelo que  a Requerente,  não sendo  sujeito passivo da CSR. não tem legitimidade para solicitar a devolução da CSR que alegadamente pagou aos seus fornecedores de combustíveis.

 

10)Ainda que a  consulta à aplicação Gestão de Informação de Suporte (GIS), resulte que as fornecedoras indicadas sejam  titulares de estatuto fiscal,  também é perfeitamente possível, plausível, e nada obsta a que, no caso sub judice, aquelas fornecedoras, tenham acordado a colocação do produto nos depósitos do entreposto fiscal de outro(s) operador(es) económico(s) – titular(es) de estatuto fiscal no âmbito do ISP -, para ser expedido a partir daí, cabendo, neste caso, a este(s) operador(es) económico(s) submeter as DIC e, assim, assumir perante a AT a posição de sujeito passivo do ISP/CSR, relativamente ao produto que veio a ser vendido por estas fornecedoras à Requerente.

 

11)A existência desta possibilidade - de dissociação entre o proprietário e vendedor dos produtos petrolíferos e o sujeito passivo que processou as DIC e pagou o respetivo ISP/CSR -, tem que ser considerada como dúvida bastante sobre quem suportou originária e efetivamente o encargo da liquidação da CSR relativamente ao combustível que veio a ser vendido pelas fornecedoras B..., S.A e C... à Requerente.

 

12)Deste modo, é relevante sublinhar, que, no caso sub judice, a Requerente não só não identifica os atos de liquidação sindicados, como inexiste prova inequívoca de quem terá suportado originária e efetivamente o encargo da liquidação da CSR.

 

13)Só a partir do conhecimento dos atos tributários impugnados e da identificação das DIC e dos sujeitos passivos que liquidaram o ISP, incluindo a CSR, seria possível fazer a reconstrução integral circuito de (re)venda para efeitos de apuramento da repercussão a jusante, e do pagamento do respetivo quantum, em cada um dos diferentes atos comerciais ocorridos e de quem suportou, a final, o encargo da CSR.

 

14)Nessa medida, a Requerente  não demonstrou legitimidade para impugnar as liquidações controvertidas.

 

8.1 Fundamentação de facto

8.1.1- Factos Provados

 

8.1.1.1 A Requerente tem como atividade principal  “atividades de proteção civil””, sendo o 82450 o CAE da sua atividade principal, a prevenção e  combate a incêndios, luta contra inundações e outras catástrofes naturais, salvamento e assistência em caso de acidentes, prestadas por corpos regulares (profissionais e voluntários) ou outras instituições. Inclui o serviço de socorros a náufragos.

 

8.1.1.2. Nessa  atividade,  consome gasolina e gasóleo rodoviário.

 

8.1.1.3 No período compreendido entre janeiro de 2020 e dezembro de 2022, adquiriu às fornecedoras supra identificadas, 117.391,98 litros de gasóleo e 2.958,50 litros de gasolina

 

8.1.1.4. Essas  transações constam de faturas   numeradas emitidas pelas revendedoras , das quais  constam  nomeadamente o preço,  as quantidades adquiridas, com discriminação de  cada produto ,  a taxa de IVA aplicada ao preço ,o valor unitário médio, sem  IVA, e o valor líquido, igualmente sem IVA, dessas quantidades, relacionadas e reproduzidas nos Docs. nºs 1 .  2 e 3 anexos à PI.

 

8.1.1.5. Tais faturas não fazem referência a qualquer débito da CSR, mas apenas ao preço pago pelos adquirentes

 

8.1.1.6. Também não mencionam as datas em que esse combustíveis foram introduzidos no consumo e as liquidações de CSR eventualmente  geradas por essa introdução no consumo.

 

8.1.1.7. A Requerente  a 29/1/2024 apresentou, nos termos do nº 1 do art. 78º da LGT,  na alfândega do   Freixieiro pedido  de revisão oficiosa dessas liquidações e consequentes  atos de repercussão, sobre os  quais esse órgão não se pronunciou no prazo  de quatro meses previsto no nº 1 do art. 57º da LGT.

 

8.1.2.  Factos não Provados.

 

Com relevância para o conhecimento da causa, ficaram  por provar (dado o standard de prova estabelecido pelo TJUE no seu despacho de 7 de Fevereiro de 2022 [referido Proc. nº C-460/21], nomeadamente vedando presunções):

a)Quais os valores de CSR liquidados às fornecedoras  de combustíveis B..., S.A e C... à Requerente, com base nas DICs por estas  apresentadas, e os valores de CSR por ela pagos ao Estado, dada a falta de qualquer   relação dos valores de CSR  a estas  liquidado, os nºs  dos registos de liquidação de ISP e a data desses registos de liquidação,os NIFs dos operadores a que respeitam e os valores discriminados de ISP e de CSR liquidados em cada transação, em cumprimento do estabelecido no nº 1 do art 11º da Lei nº 5/2019, de 11/11, e no art. 9º do Regulamento Relativo ao Regime de Cumprimento do Dever de Informação do Comercializador de Combustíveis Derivados do Petróleo e de GPL ao Consumidor, da Entidade Reguladora do Sector Elétrico, publicado no Diário da República, II Série, de 20/2/2020.

b)Que a CSR tenha sido repercutida integralmente sobre a cadeia de transmissões onerosas a jusante da introdução no consumo dos combustíveis pela B..., S.A e. C..., e especificamente sobre a Requerente.

c)Qual o grau de repercussão da CSR, caso não tenha havido repercussão integral.

 

8.1.3 -Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto

 

O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos pertinentes para a decisão da causa, com base na sua relevância jurídica e tendo em consideração as várias soluções plausíveis das questões de Direito suscitadas pelas partes, bem como o dever de discriminar os factos provados e não provados. Porém, o Tribunal Arbitral não tem um dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, em conformidade com o disposto no nº 2 do 123.º do CPPT e  no nº 1 do  596.º, vem como no nº 3 do art. 607º, ambos do CPC, aplicáveis ex  alíneas a) e e) do nº 1 do art. 29º   do RJAT.

 

O Tribunal formou a sua íntima e prudente convicção quanto aos factos provados e não provados através do exame de todos os elementos probatórios carreados aos autos, que foram apreciados e avaliados com base no princípio da livre apreciação dos factos e nas regras da experiência, normalidade e racionalidade, em conformidade com os ditames fixados na alínea e) do art.  16.º, do RJAT e  nos nºs 4e 5 do 607.ºdo CPC aplicáveis ex vi alínea e) do nº 1 do art. 9º  do RJAT.

 

Com efeito, a Requerente não identificou, como já se referiu , quaisquer atos de liquidação que pretendem impugnar, nem  demonstrou  ou procurou  demonstrar através de qualquer meio documental a  introdução no consumo  dos bens

 

Tão pouco  provou  ou invocou quaisquer diligências  que tivesse feito para obter esses elementos ou que,  tendo sido solicitadas essas diligências, essas lhe tenham sido recusadas pela administração fiscal ou outras entidades.

 

A Requerente não cumpriu finalmente o critério a observar na prova da repercussão da CSR, tal qual fixado pelo TJUE no despacho Vapo Atlantic, proferido no processo n.º C 460/21. Ao que aqui importa, referiu aquele Tribunal o seguinte:

 

“44- (…) ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.º 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C-147/01, EU:C:2003:533, n.º 96).

45 Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir”.

 

Também não é exigível  à AT que  proceda à identificação desses atos   com o argumento de a respetiva  documentação estar em poder  dela  :  esse ónus de identificação é do contribuinte, nos termos do artigo .74º , nº 2, da LGT ~

 

Importa finalmente registar que a prova da repercussão efetiva em que a Requerente se baseia para invocar a sua legitimidade nos termos da alínea a) do nº 4 do art. 18º da LGT , única norma em que, na opinião do Tribunal Arbitral essa pretensão se poderia escorar, pressupõe inevitavelmente como ponto de partida a demonstração de que a CSR foi inicialmente liquidada e paga pelo sujeito passivo daquele tributo aquando da introdução no consumo dos produtos a ele sujeitos – o que, conforme se viu supra, não foi demonstrado pela Requerente.

 

Não é condição de legitimidade para impugnar do sujeito passivo de ISP e de CSR que demonstre previamente não ter repercutido o imposto.

 

O que está em causa não é, no entanto, a legitimidade de  qualquer operador económico sujeito passivo de ISP  ou CSR,  mas do repercutido não sujeito passivo, caso em que, no termos do nº nº 1 do art. 74º da LGT, é necessária a prova da repercussão.

 

Ora, este exercício de prova não foi realizado pela Requerente, que se limitou a estabelecer meros juízos presuntivos de que suportou a CSR em virtude de uma suposta obrigação legal ou, se se quiser , direito potestativo de repercussão do encargo daquele tributo dos  fornecedores, mas não demonstrou pelos meios legais ao seu alcance que essa repercussão tivesse sido feita.

 

Por fim, regista-se que não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, que, apesar de serem apresentadas como factos, consistem em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

8.2.Fundamentação de direito

 

8.2.1  Forma de processo

 

Dada a natureza da exceção dilatória colocada  pela  Requerida, revela-se  necessário, qualificar  previamente a CSR enquanto “contribuição” ou “imposto”, para daí extrair as necessárias consequências quanto à competência material deste Tribunal Arbitral, definida no  nº 1 do art. 2º do RJAT.

 

Nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 31/2023-T, 508/2023-T ,  520/2023-T  , 675/2023- T, 863/2023- T  , 294/2023- T, 101/2024-T e 164/2024-T  e 596/2024- T, a CSR foi qualificada como uma mera  “contribuição”, o que excluiria a sua qualificação como imposto e consequentemente  da competência do Tribunal Arbitral para o conhecimento dos litígios relacionados com a sua liquidação e cobrança .

 

Em sentido contrário, pronunciaram-se os Tribunais Arbitrais nas decisões proferidas nos processos n.ºs 564/2020-T, 629/2021-T, 304/2022-T, 305/2020-T, 644/2022-T, 665/2022 T, 702/2022-T, 24/2023-T, 113/2023-T, 294/2023-T e  410/2023-T, que qualificaram a CSR como imposto e, consequentemente, consideraram-na arbitrável, nos termos do nº 2 do art. 2º do RJAT. Por todos, cita se nesta sede o acórdão proferido em 24/10/2023, no processo n.º 644/2022-T, que registou a este respeito o seguinte:

 

“Afigura-se a este tribunal que a CSR, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coativo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afetação à realização de fins públicos – que definem um imposto.

Essa qualificação não se modifica pela circunstância de surgirem algumas correspetividades como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o art. 4º, 3 da LGT.

Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira. O seu regime não determina, para o sujeito ativo respetivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspetividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como sucede numa taxa).

Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da atividade da Infraestruturas de Portugal. Na sua conceção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC).

Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada (a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008 (…)

Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respetiva natureza.

Não há, nesse ponto, qualquer paralelo entre a CSR e a CESE (Contribuição Extraordinária Sobre o Sector Energético), relativamente à qual uma decisão arbitral (Proc. n.º 714/2020-T) entendeu procedente a exceção de incompetência ratione materiae. A CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é tida como uma contribuição extraordinária cuja receita é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9/4, tendo por base, portanto, uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional, o que configura uma bilateralidade genérica ou difusa – que pura e simplesmente não encontramos na CSR.”

 

Converge   este Tribunal Arbitral com  a jurisprudência hoje largamente maioritária que qualifica a CSR como um imposto sobre o consumo de combustíveis  e não como uma simples taxa ou contribuição financeira a favor da Infra-estruturas de Portugal, sem a natureza de imposto, por pretensa ausência da necessária  unilateralidade.

 

Tal jurisprudência, para qualificar a CSR como imposto ou mera contribuição, não se bastou com a designação da figura na lei infraconstitucional que a criou, mas partiu da sua substância jurídica.

 

Com efeito , não interessa  para se aferir da competência do Tribunal Arbitral  apenas a  designação legal  ou infra-legal  da espécie tributária em concreto, ao contrário do que  sustenta a jurisprudência hoje claramente minoritária  do CAAD . mas a sua essência: historicamente o legislador  tem dado  a designação de contribuições a espécies tributárias  que a doutrina e jurisprudência maioritárias viriam a  qualificar  de impostos, como é o caso das contribuições da entidade patronal para a segurança social e da extinta contribuição autárquica,  que. dada a sua unilateralidade, . sempre foram havidas como impostos, não obstante a designação legal de contribuições.

 

Nessa medida, a criação das contribuições que, de acordo com os critérios constitucionais, definidos em especial nos arts. 103º e 104º da CRP, devam ser havidas  como impostos, como é o caso das contribuições  especiais está sujeita ao princípio da legalidade tributária, incluindo a reserva de lei formal  na criação de impostos. A unidade da ordem jurídica impõe que critério idêntico seja seguido na definição da competência material dos tribunais arbitrais.

 

O facto de, porventura ,  a CSR  não  ser uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do art. 4.º da LGT, por não assentar «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade não implica necessariamente , assim, que não seja  um dos «impostos» a que alude o art.  2.º da Portaria n.º 112-/2011.. como pretende a jurisprudência minoritária no CAAD. Essa qualificação não resulta do não preenchimento dos pressupostos da definição do n .º 3 do art. 4.º da LGT, mas da ausência de caráter comutativo.

 

Tal qualificação  como imposto e não como mera contribuição financeira  resulta, não apenas do direito nacional, como do princípio do primado do direito comunitário, consagrado no nº 3 do art. 8º da Constituição da  República Portuguesa (CRP) e do efeito direto da norma do nº 2 do artigo 1º da Diretiva nº 118/2008/CE, que  pode ser invocado pelos particulares  junto  dos tribunais nacionais como foi  o caso da pretensão que originou o Despacho no proc. nº C/ 460/2021, ou junto da própria Administração dos Estados membros, nos termos definidos pela respetiva lei interna..

 

Caso a  CSR não fosse um imposto, não estaria incluída na proibição contida nesse norma de Direito  Comunitário, já que a colocaria fora do âmbito de aplicação do  nº 1 do art. 4º da Diretiva nº 118/2008/CE, como interpretado no Acórdão do TJUE no proc. C- 460/21 . A sua criação seria permitida, salvo outros constrangimentos, pelo Direito Comunitário.

 

Considera assim o Tribunal Arbitral que a referência a impostos contida na Portaria de Vinculação abrange todas as prestações tributárias com essa natureza, ainda quando lei infra- constitucional as designe – porventura menos rigorosamente - de contribuições.

 

A competência dos tribunais arbitrais, por outro lado,  como resulta do nº1  do art. º 2º   do RJAT, apenas abrange a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; bem como a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não deêm origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais, com exclusão, assim, dos atos de repercussão.

 

O ato impugnado não é, no entanto,  qualquer ato de repercussão, mas um conjunto  de liquidações de CSR, pretendendo a Requerente ter legitimidade para as impugnar no âmbito da jurisdição arbitral.

 

Improcede, assim,  a  exceção da incompetência do Tribunal Arbitral.

 

Esta posição não contraria a expressa nos Acórdãos do TC nos processos nºs 545/19 (contribuição especial sobre o setor farmacêutico)  e 524/2024 (CSR), que não julgaram  inconstitucional a norma contida no art. 2º  da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/3, interpretada no sentido de estarem sujeitos a arbitragem tributária somente, os tributos qualificados como impostos em sentido estrito, excluindo do âmbito da arbitragem os demais tributos referidos no art. 2.º do  RJAT  e enunciados no  nº 2 do art. 3º  da LGT, rejeitando, assim, que essa interpretação da norma configurasse qualquer violação ilegítima do princípio da igualdade. .

 

Tais acórdãos limitam-se a afirmar a compatibilidade com a CRP de uma dada interpretação do  art 2º  da Portaria n.º 112-A/2011,   aquela que  se oporia à  arbitrabilidade das contribuições sem a natureza de impostos,  mas não afirmam que essa interpretação do art. 2º, ,  seja a única possível  ou  uma  consequência  necessária da  norma , o que caberia sempre ao Tribunal Arbitral verificar, como faz agora.

 

O TC não se pronunciou , assim , direta ou indiretamente sobre a validade, à luz dos critérios gerais de interpretação das leis, sobre a  concreta interpretação da lei adotada , por exemplo. ,  nas  Decisões Arbitrais n.ºs 31/2023-T, 508/2023-T ,  520/2023-T  , 675/2023- T, 863/2023- T  , 294/2023- T, 101/2024-T e 164/2024-T. Limitou-se a afirmar a constitucionalidade dessa  interpretação- não a sua legalidade.

 

Com fundamento na inexistência do caráter comutativo da CAR aliás o Acórdão do TCA Sul de  24/10/2024, proc. 128/23.9BCLSB, pronunciar-se inequivocamente no seguinte sentido, sufragando a jurisprudência claramente maioritária da jurisdição arbitral para a qual , aliás, remete:

 

“I- A incompetência material do tribunal arbitral é fundamento de anulação da decisão arbitral, na medida em que corporiza o vicio de pronúncia indevida.

II- Os tribunais tributários arbitrais são competentes, em razão da matéria, para conhecer de pedidos de anulação de liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário, bem como dos pedidos restitutórios e indemnizatórios que lhes são acessórios”.

 

8. 2.2 Inimpugnabilidade dos atos

 

O ISP e, por remissão, a CSR, “ex vi” do art. 5º da Lei nº 55/2007, são liquidados pelas  alfândegas, com  base na Declaração de Introdução no Consumo (DIC) ou, em caso de importação, da declaração  aduaneira, a processar, em princípio, mediante transmissão eletrónica de dados(art. 10º do CIEC). Nos termos do nº 1 do art. 70ºdo CPPT , o prazo geral de reclamação graciosa das liquidações   é de 120 dias, contados a partir de qualquer dos factos previstos no nº 1 do  artº  102º do CPPT.

 

Fora do âmbito desse regime-regra ,  a liquidação  só pode ser anulada  no prazo de quatro anos com fundamento em erro imputável aos serviços, nos termos do nº 1 do art,  78º da LGT, regime que incorpora características do regime de  nulidade.

 

De acordo com a Requerente , a administração fiscal está  obrigada à não aplicação das normas internas violadoras do Direito europeu, pelo que a omissão deste dever constitui erro imputável aos serviços, suscetível de justificar a aplicação do prazo alargado de quatro anos estabelecido no nº 1 do art. 78.º da LGT.

 

Do preenchimento desse  pressuposto de erro imputável aos  serviços depende igualmente o direito da juros indemnizatórios , nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 43º da LGT.

 

Segundo as seguintes passagens do acórdão do STA de 26/2/2007, proc. nº  039/07, em que se inspira a Requerente:

 

“III – Para efeitos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, imposta à administração tributária pelo artº 43.º da L.G.T., havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei  não tenha por base qualquer informação do contribuinte.
IV - Esta imputabilidade do erro aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro, podendo servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado”:

 

Essa jurisprudência parte do pressuposto (errado) que a administração fiscal pode recusar a aplicação das normas de direito interno validamente aprovadas pelo Governo ou pela Assembleia da República, com o fundamento da sua incompatibilidade com a CRP, caso em que seriam inconstitucionais, ou , como é o caso,  com normas de direito internacional diretamente vinculativas do Estado português, caso em que seriam ilegais.

~

Com  a posterior evolução da jurisprudência do STA, ficou claro  que a imputabilidade aos serviços depende  necessariamente da inculpação dos serviços  pelo erro na liquidação.

 

Na falta do elemento subjetivo da culpa dos serviços, que deve ser aferida em termos globais e não da atuação concreta do agente envolvido, não há juros indemnizatórios, nem aplicável o meio extraordinário de revisão do nº 1 do art. 78º da LGT..

 

O erro na liquidação não é, com efeito, necessariamente da responsabilidade da administração fiscal, podendo ser imputado ao próprio contribuinte ou a terceiros.

 

Tal juízo de inculpação , na medida em que comporta uma avaliação casuística do comportamento de administração fiscal é necessariamente distinto do que fundamenta a anulação do ato, que se baseia num facto objetivo, a incompatibilidade com a lei ou com o direito comunitário de uma norma de direito positivo nacional. .

 

Esse entendimento está refletido no Acórdão do STA de 22/3/2017, proc. 0471/14, de acordo com o qual inexiste direito a juros indemnizatórios com fundamento  no nº 1 do art. 43º da LGT  quando a anulação do ato tiver sido justificada com a inconstitucionalidade da norma aplicada, salvo quando essa inconstitucionalidade já  tivesse sido declarada com força obrigatória geral ou violação de normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos liberdades e garantias, de acordo com o art. 18º da CRP..Essa é, reza esse Acórdão uma consequência necessária da sujeição da  administração fiscal ao princípio da legalidade nos termos do nº 2 do art. 266º da CRP e do art. 55º da LGT.

 

 No mesmo sentido de erro imputável aos serviços  a propósito do  nº 1 do art. 78º da LGT, pronunciar-se-ia o Acórdão do STA de 15/1/2025, proc.0980/12.3BEAVR,

 

Dispõe o art. 8º da CRP:

“1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português.

2.…………………………………………………………………………………………

3…………………………………………………………………………………………………

4. As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.

 

Este nº 4  º não consagra qualquer superioridade ou prevalência do direito comunitário originário ou derivado sobre o direito interno, ao contrário do que é timbre nos Estados federais, de cujo universo Portugal não faz parte.

 

Limita-se a declarar  a aplicabilidade em Portugal das normas de direito comunitário que tiverem sido aprovadas nos termos definidos no Direito da União, com o consequente afastamento da aplicabilidade da legislação nacional incompatível.

 

A relação entre as normas de direito comunitário e as normas  de  direito nacional não é, assim, em regra , de supremacia hierárquica, mas de concorrência. A aplicação das  normas de direito comunitário limita-se a excluir a aplicação das normas de direito nacional incompatíveis.    

 

Nos termos do art. 288º do TFUE. ,para exercerem as competências da União, as instituições adotam regulamentos, diretivas, decisões, recomendações e pareceres.

Assim, o exercício das competências da União está necessariamente condicionado à adoção pelas instituições europeias das adequadas medidas de execução, tenham, ou não, natureza normativa.

 

Segundo essa norma:

 

 “O regulamento tem cará ter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados-Membros.

A diretiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios.

A decisão é obrigatória em todos os seus elementos. Quando designa destinatários, só é obrigatória para estes.

As recomendações e os pareceres não são vinculativas”.

 

Só , assim, no caso dos regulamentos e decisões, essa concorrência de normas é resolvida pelo efeito direto das normas de direito comunitário.

 

No presente caso,  a não  ser que se degradasse o órgão de soberania  Assembleia das República, que aprovou a Lei nº 55/2007, ao estatuto de mero “serviço.”, a culpa dos serviços  fica necessariamente afastada porque o direito interno   não lhes permite  agir de outro modo. Não se vislumbra a compatibilidade de outra solução com o princípio constitucional da separação de poderes , bem como com o modelo de Estado de direito adotado na CRP, que assenta na unidade da pessoa coletiva Estado, com a consequente organização segundo o princípio da hierarquia, que decorreria de um funcionário subalterno, como é o dirigente  máximo do serviço, poder recusar a aplicação das leis da República  emanadas de um  Governo do qual depende.  Havendo erro, não é  no exercício da função administrativa, único caso em que a LGT seria aplicável, mas no exercício da função político-legislativa, nos termos do art. 15º da Lei nº 67/2007, de 31/12, em que a responsabilidade do Estado é apurada em ação administrativa, nos termos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos(CPTA), a instaurar nos tribunais estaduais.

.  

8.2. 3 Ineptidão da petição inicial .

 

A Requerida coloca a questão prévia da falta de  identificação na PI  dos atos impugnados, que obrigatoriamente teria de ter lugar através do nº, autoria, data e quantitativo das liquidações.

 

A PI é, no entanto, omissa  sobre esses elementos essenciais, não sendo de aceitar o argumento  da Requerente de dever ser a administração fiscal ou o tribunal a suprir, oficiosamente ou a pedido da Requerente, essas insuficiências.

 

Ao contrário, o legislador cuidou de garantir ao consumidor dos combustíveis a prova, com eficácia externa, não só  do IVA suportado, nos termos da alínea a) do nº 5 do art. 16º do CIVA, mas também  da CSR, assegurando-lhe a titularidade do direito de obter esse elementos junto do fornecedor.

 

Na verdade, o nº 1 do art 11º da Lei nº 5/2019, de 11/11, obriga os operadores económicos que procedam à comercialização dos combustíveis à discriminação, nas faturas,  dos impostos devidos, não apenas do IVA, como do ISP e da CSR, que integram o valor tributável em IVA, aliás, condição para que esses impostos serem deduzidos e a administração fiscal poder controlar os pressupostos dessa dedução.

 

Essa obrigação é consequente do art. 3º dessa Lei,  que obriga o comercializador de energia    a  informar o consumidor das condições em que o fornecimento e ou prestação de serviços é realizada, e prestar todos os esclarecimentos que se justifiquem, de acordo com as circunstâncias, de forma clara e completa.

 

Nos termos do nº 2 do art. 2º da mesma  Lei  consideram-se consumidores as pessoas singulares ou coletivas a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos por comercializador de energia elétrica, gás natural, GPL e combustíveis derivados do petróleo.

 

Essa noção   de consumidor é  mais ampla do que a estabelecida no nº 1 do art. 2º da Lei nº 24/96, de 31/7(Lei de Defesa do Consumidor), de acordo com o qual considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios.

 

Diz o nº 2 do art. 5º que, - sem prejuízo do disposto no art 3.º, o dever de informação dos comercializadores de energia elétrica e de gás natural é cumprido através da fatura detalhada, ou, não sendo possível, nos termos previstos na Lei 51/2008,          que estabelece a obrigatoriedade de informação relativamente à fonte de energia primária utilizada.

 

Acrescenta o nº 2 que os comercializadores devem remeter ao Operador Logístico de Mudança de Comercializador (OLMC) no âmbito do Sistema Elétrico Nacional (SEN) e do Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN), por via eletrónica, nos termos, periodicidade, prazos e formatos por ele fixados, os elementos relativos à fatura e à situação contratual dos consumidores.

 

Essa obrigação consta do art. 9º do Regulamento Relativo ao Regime de Cumprimento do Dever de Informação do Comercializador de Combustíveis Derivados do Petróleo e de GPL ao Consumidor, da Entidade Reguladora do Sector Elétrico , publicado no Diário da República, II Série, de 20/2/2020 nos seguintes termos..

 

Segundo o nº1 desse art. 9º:

 

“1 - Os comercializadores devem informar os seus clientes da desagregação dos valores faturados, evidenciando, nomeadamente:

a) A discriminação do combustível, para as gasolinas, gasóleos e GPL Auto, de acordo com a nomenclatura legal aplicável, designadamente a NP EN 16942:2017 - Combustíveis.;

b) O preço unitário expresso em EUR/litro no caso das gasolinas, dos gasóleos e do GPL Auto, e em EUR/garrafa no caso do GPL engarrafado;

c) A quantidade fornecida, expressa em litros no caso das gasolinas, dos gasóleos e do GPL Auto e em número de garrafas no caso do GPL engarrafado;

d) As taxas e os impostos devidos, expressos em EUR/litro no caso das gasolinas, dos gasóleos e do GPL Auto, e em EUR/garrafa no caso do GPL engarrafado;

e) O valor de descontos aplicáveis;

f) A quantidade e o sobrecusto da incorporação de biocombustíveis, expressos em percentagem e em EUR/litro, respetivamente.

Segundo o subsequente nº 2, para efeitos da alínea d) do nº anterior, devem ser identificados, relativamente ao total da fatura:

“a) O Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), que inclui, designadamente, o adicional ao ISP, o adicionamento sobre as emissões de CO2 (Taxa de Carbono) e a contribuição de serviço rodoviário (CSR);

b) O Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA);

c) Outros que se venham a aplicar”.

 

Cabia à Requerente exigir  junto da fornecedora a incorporação nas faturas dos elementos relativos à CSR, de que depende a identificação das liquidações controvertidas e recusar o pagamento dos montantes exigidos, caso as faturas não fossem devidamente corrigidas, o que não provou ter feito.

 

8.2.4 Legitimidade da Requerente.

 

Ainda que se considerasse apta a PI ,  a Requerente não provou ser  parte ilegítima para deduzir o presente  pedido de  pronúncia arbitral, o que pressuporia a demonstração de que a CSR lhe foi efetivamente repercutida.

 

Com efeito, a Requerente não é sujeito passivo de ISP, competindo-lhe , por isso, demonstrar os pressupostos de aplicação da norma excecional atributiva de legitimidade da alínea a) do nº 1 do art. 18º da LGT(nº 1 do art. 342º do CC e nº 1 do art. 18º da LGT).

 

Parte da jurisprudência arbitral tem-se pronunciado genericamente  no sentido   da legitimidade do repercutido para impugnar as liquidações efetuadas ao repercutente que, como se referiu, cabe ao repercutido identificar (Decisões Arbitrais nºs 248/2023- T294/2023-T, 299 /2023- T, 332 /2023- T, 374 /2023- T,  379 /2023- T, 409 /2023- T,  410 /2023- T, 467/2023- T,490/2023-T, 496/2023-T ,   534/2023-T e 676/023-T9, sem distinção entre a natureza de repercussão, voluntária ou  negocial..

 

Outra parte, que acompanhamos,  tem-se pronunciado desfavoravelmente a essa legitimidade, abstendo-se , por isso, de decidir sobre o mérito quando a repercussão se mostre   meramente económica ou de facto e não tiver fundamento legal, nomeadamente  um direito potestativo de fonte normativa à dedução do  imposto( Decisões Arbitrais nº s  24/2023-T, 75/2023- T,  113/2023-T, 523/2023- T,   375/2023- T, 477/2023- T 644/2023-T   e 702/2023-T, 7/2024-T, 33/2024-T e 121/2024-T).

 

De acordo com o art. 15º do CIEC, norma especial de legitimidade procedimental:

 “1 - Constituem fundamento para o reembolso do imposto pago, desde que devidamente comprovados, o erro na liquidação, a expedição ou exportação dos produtos sujeitos a imposto, bem como a retirada dos mesmos do mercado, nos termos e nas condições previstas no presente Código.

2 - Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto.

3 - O pedido de reembolso deve ser apresentado na estância aduaneira competente no prazo de três anos a contar da data da liquidação do imposto, sem prejuízo do disposto na alínea a) do artigo 17.º e na alínea a) do artigo 18.º

4 - O reembolso só pode ser efetuado desde que o montante a reembolsar seja igual ou superior a (euro) 25”

Segundo a alínea a) do nº 4 do art. 18º da LGT, norma atributiva de legitimidade de caráter meramente  residual,  não  é sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo, no entanto, do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias;

Repercussão legal não é para esse efeito  toda a repercussão permitida, mas apenas a repercussão   não só prevista mas efetiva,

Apenas no caso em que o repercutido  demonstra estarem  reunidos os pressupostos de aplicação da norma excecional  atributiva de legitimidade  da alínea a) do nº  4  do art 18º da LGT , em especial a prova de o imposto lhe ter sido efetivamente repercutido e da disposição legal em que se fundou essa repercussão,pode discutir a legalidade da liquidação efetuada ao repercutente. 

 

Tal princípio  tem fundamento no  nº 1 do art. 20º da CRP , que garante aos cidadãos o acesso a uma justiça fiscal plena, eficaz e efetiva  e encerra , entre outras consequências, o direito de reclamação, impugnação ou recurso não apenas dos atos  formalmente administrativos, mas de todos os atos lesivos, independentemente da forma.

 

Assim, o fato de os repercutidos  não integrarem o universo definido no art. 15º  do CIEC,  não prejudica abstratamente  o seu acesso aos tribunais estaduais, comuns ou arbitrais para impugnarem a liquidação.

 

No entanto,  , apenas na  repercussão legal e efetiva e  não na repercussão somente de facto  c, meramente económica, cuja fonte não é a lei, mas a vontade das partes, tal direito  vem legalmente garantido ao repercutido: o fato de este não ter acesso â jurisdição arbitral  por    não integrar o universo definido no art. 15º  do CIEC,  não .é incompatível com a sua legitimidade para reclamar ou impugnar, a qual  a  alínea a) do nº 4 do art. 18º da LGT  reconheceria em termos alargados, obviamente apenas no caso em que fosse necessária a uma tutela plena, eficaz e efetiva dos direitos dos cidadãos..

 

No direito interno, o dever de repercussão legal é  imposto no  nº 1 do art. 37º  do   Código do  IVA, que, estabelece que, sem prejuízo das exceções previstas no  nº3  da norma (operações referidas na alínea f) do nº 3 do art. 3º e nas  alíneas a) e b) do nº 2 do art. 4º),  a repercussão é obrigatória.

 

Assim, o cliente do sujeito passivo do IVA para o qual o IVA tenha sido repercutido ao abrigo dessa norma  está sujeito ao pagamento do imposto que, ao abrigo do direito potestativo conferido por esse nº 1 do  art. 37º , o vendedor dos bens ou prestador de serviços lhe tiver exigido nos termos da lei.

 

Só assim se justifica esse IVA, bem como o ISP e a CSR que integram o  valor tributável para efeitos dessa imposição, serem dedutíveis, no termos da alínea a) do nº 1 do art. 19º do CIVA (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/7/2018, proc. 10290/13.3 YIPRT 12.1).

 

Também as  alíneas e), f) e g) do nº 1 do art. 3º do Código do Imposto de Selo estabelecem o encargo do imposto de selo nas operações financeiras ser do cliente das instituições financeiras ao qual estas podem legalmente exigir o encargo do imposto.

 

No que concerne aos combustíveis, como se referiu, , sempre que o consumidor o requeira,é obrigatória a discriminação nas faturas do ISP ou CSR repercutidos, nos termos dos referidos  nº 1 do art.11º da Lei nº 5/2019, e  alínea a) do nº 2 do art. 9º do Regulamento Relativo ao Regime de Cumprimento do Dever de Informação do Comercializador de Combustíveis Derivados do Petróleo e de GPL, sendo essa não discriminação, em princípio, salvo em caso de reincidência em que a pena é  mais grave , uma contra-ordenação leve, punível nos termos do art. 17º e 19º dessa Lei.

 

Não basta, assim.   para demonstrar essa repercussão uma mera declaração de carácter geral do vendedor de que o imposto suportado na aquisição dos bens foi repercutido ao comprador. A justificação dessa repercussão está sujeita a um regime de prova legal a cargo sempre do impugnante , sendo necessária a menção específica  na fatura ao imposto repercutido, IVA, ISP ou CSR. (nesse sentido,  a propósito de um caso paralelo,  a  Decisão  Arbitral nº  375/2023- T).

 

Fora desses casos, , sendo a repercussão  voluntária,   tal como o repercutido carece de legitimidade processual ativa, a AT também   carece de legitimidade processual passiva.

 

Ao contrário, é presumida a legitimidade do  sujeito passivo de ISP ou CSR que procede à introdução dos bens no consumo, como admite a jurisprudência do CAAD, sendo da administração fiscal, nos termos do nº 1 do art. 74º da LGT, o ónus de prova da inexistência do interesse em agir que prejudica tal legitimidade. Tal presunção não se aplica, no entanto, aos não sujeitos passivos ou, para consumo ou venda, adquiram os combustíveis.

 

Esse enquadramento  não seria posto em causa pela nova redação do  art. 2º do CIEC do  art. 3º da Lei nº 24-E/2022, de 30 /12.

 

De acordo com a redação anterior, os  impostos especiais de consumo obedeciam ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam , sem qualquer menção explícita  á possibilidade de repercussão

 

A nova redação passaria a dispor   os impostos especiais de consumo obedecerem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.

 

O legislador limitou-se, assim ,  a dispor que a oneração dos contribuintes pelos custos que provocam se efetua  , em princípio. através do mecanismo de repercussão, com respeito pelo princípio da igualdade tributária, o que não passa da reafirmação de um princípio geral dos impostos especiais de consumo.

 

Não basta, no entanto, para a aplicação do nº 6 do art. 18º da LGT a repercussão estar prevista. Falta demonstrar que ela se efetuou e que tem fundamento legal, o que a Requerente não fez.

 

Assim,  da ineptidão da PI resulta também a impossibilidade  da verificação da tempestividade do pedido de revisão oficiosa em que assenta o pedido de pronúncia arbitral, bem como a inexigibilidade de  juros indemnizatórios.

 

Assim, quer a inimpugnabilidade do ato, quer as ineptidão manifesta da PI,  quer a ausência de prova da legitimidade da Requerente, impedem o conhecimento do mérito  da causa através do processo arbitral .

 

 

 

9. DECISÃO

 

Termos em que se decide :

 

a) Julgar improcedente a exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral, quanto ao conhecimento da legalidade dos atos de repercussão impugnados,

 

b)Julgar procedentes as exceções dilatórias, além da inimpugnabilidade do ato,  da ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade quanto ao pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação , de CSR e, em consequência, absolver a Requerida da instância;

 

c)Condenar a Requerente no pagamento da totalidade  das custas do processo.

 

10. VALOR DO PROCESSO.

         

Atendendo ao disposto no art. 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi  do  art.  29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do art.  3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € € 13.287,90  \

 

11. CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de  €  918,00 a suportar pela Requerente, conforme ao disposto nos arts 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e art. 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

Lisboa, 6 de março de 2025

 

O árbitro singular

 

(António Lima Guerreiro)