SUMÁRIO:
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A CSR é um imposto legalmente autonomizado do ISP, de que é um desdobramento (Lei nº 55/2002, de 31 de Agosto)
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Tendo sido formulado pedido de declaração de ilegalidade dos actos de repercussão da CSR e de actos de liquidação desta por parte da Requerente, que não é sujeito passivo de ISP, importa, em primeiro lugar, verificar a possibilidade de o Tribunal Arbitral se pronunciar sobre uns e sobre outros.
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Dado que os actos de repercussão são diferentes dos actos de liquidação e uma vez que, na situação em apreço, a competência legalmente atribuída aos Tribunais Arbitrais se circunscreve, nos termos do art. 2º, nº 1, alínea a) do RJAT, à apreciação dos actos de liquidação, os actos de repercussão são, em regra, inarbitráveis.
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Os únicos factos relevantes para apurar a legitimidade da Requerente para impugnar os actos de liquidação da CSR são os referentes às relações estabelecidas com os sujeitos passivos que intervieram nesses actos.
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O círculo de potenciais impugnantes dos actos de liquidação de impostos especiais de consumo coincide com o círculo de potenciais credores do reembolso, porque só eles podem invocar um interesse relevante, e está delimitado no art. 15º, nº 2 do CIEC.
DECISÃO ARBITRAL
REQUERENTE: A..., Lda
REQUERIDA: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
I - RELATÓRIO
A. AS PARTES. CONSTITUIÇÂO DO TRIBUNAL. TRAMITAÇÃO DO PROCESSO.
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No dia 5 de Julho de 2024, A..., Lda, com o NIPC nº..., com sede na Rua ..., nº ..., ..., Porto (doravante, abreviadamente, designada por Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente, designado RJAT), visando a apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação da CSR praticados pela Autoridade Tributária (doravante, designada, abreviadamente, por Requerida), cujo encargo tributário, no montante de 1.405,26 euros, foi repercutido na sua esfera jurídica por fornecedores que identifica, na sequência da aquisição de gasóleo rodoviário, a sua anulação e consequente restituição, acrescida de juros .
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No dia 08/07/2024, o pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 05/07/2024, foi aceite e automaticamente comunicado à AT.
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A Requerente apresentou a petição inicial assinada e com a indicação do valor da utilidade económica do processo, juntando procuração, comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem e trinta e cinco anexos.
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Em 15/07/2024, a Requerida dirigiu um requerimento ao Presidente do CAAD, no sentido de serem identificados os actos de liquidação que a Requerente pretendia ver sindicados.
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Em 15/07/2024, o Presidente do CAAD remeteu a questão do requerimento para o tribunal arbitral a constituir, por ser o competente para a sua apreciação.
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Em 08/08/2024, a Requerida comunicou a designação de juristas para a representar.
7. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea a) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, em 26/08/2024, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
8. Em 26/08/2024, as Partes foram notificadas dessa designação não tendo manifestado vontade de recusar.
9. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 13/09/2024.
10. Em 13/09/2024, o Tribunal Arbitral proferiu o despacho a que se refere o art. 17º do RJAT, o qual foi notificado nesta data.
11. No dia 16/10/2024, a Requerida apresentou a sua Resposta defendendo-se por excepção e por impugnação, tendo procedido também à junção do processo administrativo (PA).
12. Em 22/10/2024, o Tribunal Arbitral proferiu um despacho concedendo o prazo de quinze dias para a Requerente se pronunciar sobre as excepções deduzidas pela Requerida, o que não fez.
13.Em 07/01/2025, o Tribunal Arbitral proferiu um despacho dispensando a realização da reunião a que alude o art. 18º do RJAT e marcou um prazo de dez dias para alegações facultativas e simultâneas
14. Em 21/01/2025, a Requerida apresentou as suas alegações.
15. A Requerente não apresentou alegações.
B. PRETENSÃO DA REQUERENTE E SEUS FUNDAMENTOS
Para fundamentar a sua pretensão, alega a Requerente, em síntese, e no que concerne à decisão da causa, o seguinte:
- O presente pedido vem deduzido ao abrigo do disposto da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, com vista à declaração da ilegalidade das liquidações da contribuição do serviço rodoviário objecto de um pedido de revisão oficiosa de acto tributário, e que, apresentada nos serviços da alfandega do Freixieiro, em 05/01/2023, não obteve qualquer resposta, formando-se acto tacito de indeferimento em 5 de maio de 2024. estando, agora em curso, o prazo para impugnação judicial (ou nesse CAAD).
- Os actos aqui em crise encontram-se inquinados por erro sobre os pressupostos de direito, em resultado da errónea aplicação do bloco normativo extensível ao caso sob análise e da incorrecta qualificação, atentas as normas de incidência e a jurisprudência, quer do tribunal de justiça da União Europeia, quer dos tribunais da ordem jurídica nacional.
- A requerente é uma sociedade que se dedica, entre outros, ao serviço de turismo e transporte de passageiros em veículos automóveis.
- No exercício e por causa da sua actividade, a requerente que assegura o transporte de turistas em viagens de turismo, consome combustível esse que adquire junto de empresas de distribuição, sendo que estas, ou os seus fornecedores, apresentaram junto da AT as declarações respectivas de introdução ao consumo deste combustível, tendo as mesmas liquidado e pago o competente ISP e, também, a CSR.
- Impostos estes que fizeram repercutir no preço respectivo e que, portanto, acabou por ser suportado pela requerente.
- Pese embora não seja o sujeito passivo da obrigação tributária de liquidação do ISP e CSR aquando da introdução ao consumo dos combustíveis, viu repercutido no preço que pagou pelos combustíveis que adquiriu o valor da CSR, sendo quem suportou o valor da CSR relativo aos combustíveis que adquiriu.
- Nos termos do art.º 9.º, n.º 1 do CPPT, têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.
- Não cabe dúvida de que, no caso vertente, o sujeito passivo da relação jurídica tributária é a Requerente, a qual é titular da relação material controvertida.
- Logo, a Requerente, enquanto titular da relação material controvertida, para efeitos do art.º 9º n.º 1 do CPTA, e enquanto sujeito passivo ou “contribuinte”, nos termos do art.º 9.º nº 1 do CPPT, é parte legítima no procedimento de revisão oficiosa dos atos tributários.
- Alega e defende a admissibilidade do pedido de revisão oficiosa nos termos do disposto no artigo 78º n.º 1 da LGT, que deduziu.
- Argumenta que existe ilegalidade da CSR por desconformidade das normas internas com o Direito Europeu (Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto e Directiva nº 2008/18), invocando jurisprudência do TJUE.
- Razão pela qual os actos de liquidação de imposto que levaram à repercussão deste imposto na reclamante, são ilegais por padecerem do vicio de ilegalidade abstrata.
- Exigindo, consequentemente, o reembolso do imposto que lhe foi cobrado
Apresenta de seguida a descrição da aquisição que fez de combustível de Janeiro de 2020 a Dezembro de 2022, em que adquiriu um total de 12.659,98 litros de gasóleo rodoviário, pelos quais pagou 21.320,73€.
- Pelo que, considerando que o valor correspondente à contribuição para o serviço rodoviário ascende a 0,11€ por cada litro de gasóleo (111 euros/1000 litros) e a 0,087€ por cada litro de gasolina (87 euros/1000 litros), foi indevidamente cobrado quanto ao combustível aqui em causa a quantia de 1.405,26 euros a título de gasóleo.
- Valor este que, após a sua liquidação e cobrança aquando da sua introdução ao consumo, foi repercutido no processo do combustível acima descrito e, como tal, pago pela requerente, e que deve ser considerado indevido e, como tal, por ter sido suportado de forma ilegal pela requerente, deve ser-lhe restituído.
- O direito à restituição do valor correspondente à contribuição do serviço rodoviário deveria ter sido reconhecido em sede de revisão oficiosa, sendo que, no entanto, apesar de tal petição ter sido dirigida aos serviços competentes, a requerente não obteve qualquer resposta, até ao momento.
- Razão pela qual se faz o presente pedido de pronuncia arbitral, o qual visa a restituição do imposto indevidamente pago, à Requerente.
Concluindo que deve o presente pedido de pronuncia arbitral ser admitido e julgado procedente, em consequência, ser reconhecido à requerente o direito ao reembolso do montante correspondente à contribuição do serviço rodoviário indevidamente cobrado e por esta suportado no combustível adquirido nos últimos quatro anos, mais concretamente entre Janeiro de 2020 e Dezembro de 2022 (data em que foi extinto este imposto) no montante global de Eur: 1.405,26€ (mil e quatrocentos e cinco euros e vinte e seis cêntimos).
- Deve ainda ser ordenado o pagamento de juros, desde a data da apresentação do pedido de revisão oficiosa até ao integral pagamento.
A Requerente juntou 35 documentos e procuração
C. RESPOSTA DA REQUERIDA E SEUS FUNDAMENTOS
Notificada para responder, a Requerida veio defender-se por excepção e por impugnação, nos termos adiante indicados, em síntese, no que concerne à decisão da causa:
Por excepção:
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Da incompetência do Tribunal em razão da matéria
- A Requerente refere-se, ao longo do seu pedido de pronúncia arbitral, à CSR enquanto “imposto”.
- Pretendendo a Requerente que se considere demonstrado que o tribunal arbitral é competente para julgar a presente causa, por entender que a matéria decidenda se subsume ao disposto nas alíneas do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.
- Tal pretensão não poderá ser atendida, não colhendo respaldo no enquadramento jurídico em vigor.
- Caso o legislador pretendesse atribuir à CSR a qualidade de imposto, não deixaria de o ter feito de forma expressa, o que não ocorreu.
- Face ao referido, e independentemente no nomen iuris ou da natureza jurídica da CSR, a verdade é que esta não é, por definição, um imposto, mas antes uma contribuição, facilmente se concluindo que sua discussão se encontra excluída da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal.
- Para fundamentar esta conclusão cita jurisprudência vária.
- Assim sendo, encontrando-se a CSR excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum e, consequentemente não são os tribunais arbitrais do CAAD materialmente competentes para conhecer do mérito do pedido em apreço.
- Com base no referido, certo é estarmos perante uma exceção dilatória, nos termos do vertido no n.º 1 do artigo 576.º e alínea a) do artigo 577.º, ambos do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ao presente processo por via da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa.,
- Afigurando-se inconstitucional uma interpretação que determine que o artigo 2.º do RJAT inclui a apreciação dos pedidos aqui formulados pela Requerente, quando a letra e o espírito da norma o não permitem.
- Alega de seguida a Requerida que a questão continua a colocar-se com a mesma acuidade, dado que nunca seria possível ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre atos de repercussão da CSR, socorrendo-se de vária jurisprudência do CAAD para esta asserção e doutrina emanada sobre a matéria.
- Verificando-se, assim, existir uma exceção dilatória nos termos do vertido nos n.os 1 e 2 do artigo 576.º e alínea a) do artigo 577.º, ambos do CPC, aplicável ao presente processo por via da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa.
- Motivo pelo qual deverá o tribunal declarar-se incompetente em razão da matéria e, consequentemente, absolver a Requerida da instância.,
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Da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente
- A Requerente peticiona o reembolso do valor pago a título de CSR, alegadamente suportado nas transações de combustíveis, celebradas com as suas fornecedoras, no período compreendido entre janeiro de 2020 e dezembro de 2022.
A Requerente vem alegar a sua condição de parte legítima com base na circunstância de lhe ter sido repercutida a CSR, defendendo que suportou o encargo económico por repercussão dos montantes de ISP liquidados pelos seus fornecedores.
- Importa que se distingam duas situações: a de repercussão legal da repercussão voluntária, já que não se afigura claro a qual delas pretende a Requerente subsumir-se.
- Isto por que, atendendo ao disposto no artigo 18.º, n.º 3, da LGT, o repercutido legal não será considerado enquanto sujeito passivo.
- No entanto, a condição de repercutido legal pode ser relevante face ao disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, segundo a qual, é conferido o direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral a quem, não sendo sujeito passivo, suporte o encargo do imposto por repercussão legal.
- Porém, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto – que instituiu a CSR – não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal associado à CSR, e pugnar pelo seu contrário seria lavrar em equívoco.
- A este propósito e para sustentar a sua posição, a Requerida cita vária jurisprudência do CAAD.
- Visto que a Requerente não suportou o encargo da CSR por repercussão legal, a sua legitimidade só poderá ser aferida pela qualidade de mera repercutida de facto.
- Afigura-se necessário esclarecer, por um lado, que não existe qualquer mecanismo de repercussão meramente económica da CSR, não prevendo a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto qualquer referência sobre quem deve recair o encargo do tributo do ponto de vista económico, limitando-se a identificar o seu sujeito passivo no seu artigo 5.º, conforme reconhecido em vária jurisprudência do CAAD.
- Não resultando provado, de qualquer elemento junto aos autos, que a Requerente tenha sido consumidora final dos combustíveis adquiridos às suas fornecedoras, não é titular de um interesse legalmente protegido.
- Isto porque os adquirentes de combustíveis que desenvolvem uma atividade orientada ao fornecimento de bens e à prestação de serviços, como é o caso da Requerente, enquanto empresa/sociedade comercial que tem como atividades, entre outras, a prestação de serviços de apoio à gestão de empresas e outros agentes económicos, designadamente de natureza económica financeira, administrativa e de recursos humanos; Serviços de contabilidade e apoio administrativo; Transporte e distribuição de mercadorias; Desenvolvimento de atividades turísticas e lúdicas diversas; atividades de diversão não especificadas, atividades recreativas diversas, nomeadamente fretamento e aluguer de barcos e outras embarcações, atividades marítimo-turísticas, fluviais de aprazimento, desportivas, recreativas e de promoção turística ..., “(com os CAE 70220 e 93293), procura, também ela, repassar todos os gastos em que incorre, por forma a repartir os custos pelos utentes dos serviços prestados.
- De onde decorre a falta de legitimidade da Requerente para intentar a presente ação arbitral.
- A Requerente não é sujeito passivo, nem de ISP, nem de CSR, e, consequentemente, não realizou qualquer introdução no consumo de produtos petrolíferos.
- Não integrou, nem integra, nem é parte da relação tributária subjacente às liquidações contestadas (não era/é a entidade obrigada a proceder ao pagamento ao Estado).
- Além disso, não se assiste, no âmbito da CSR, a qualquer mecanismo de repercussão legal da mesma.
- Salientando-se que as faturas juntas com o pedido de revisão oficiosa, e o PPA, não corporizam atos de repercussão de CSR, nem atestam que tal tributo foi suportado pela Requerente enquanto consumidora final, pois não consubstanciam fatura-recibo, nem recibo, nem nota de crédito, nem a conjugação de documentos (fiscais ou contabilísticos) e o mesmo se diga quanto às tabelas incluídas nos mesmos anexos e no PPA.
- A Requerente não é sujeito passivo de ISP/CSR e não integra a relação tributária subjacente às liquidações contestadas, não sendo o devedor, nem quem estava obrigado ao seu pagamento ao Estado, nem um terceiro substituído que suporte a contribuição por repercussão legal, nem tão pouco corresponde ao consumidor final, pelo que não tem legitimidade nem para apresentar o pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral, nos termos do n.º 2, do artigo 15.º do CIEC e dos n.º 3 e 4, alínea a), do artigo 18.º da LGT.
- Inexistindo efetiva titularidade do direito a que se arroga, carece a Requerente de legitimidade processual, o que consubstancia uma exceção dilatória nos termos do vertido nos artigos 576.º, n.º 1 e n.º 2, 577.º, alínea e) e 578.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo, consequentemente, a Requerida ser absolvida da instância.
- Carece a Requerente de legitimidade substantiva, o que consubstancia uma exceção perentória nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 576.º n.º 1 e n.º 3 e 579.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT, devendo a Requerida ser absolvida do pedido.
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Ineptidão da Petição Inicial
C.1 – Da falta de objeto
- A ineptidão da petição inicial ocorre quando esta contém deficiências que comprometem irremediavelmente a sua finalidade, determinando a nulidade de todo o processo e a absolvição da instância, conforme artigos 186.º, n.º 1, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º alínea b) e 278.º, n.º 1, alínea b), do CPC, presentemente aplicáveis ex vi da alínea e), do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT.
- Ora, o presente pedido arbitral não respeita os pressupostos legais de aceitação do requerimento/petição inicial, por violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, requisito essencial à aceitação do pedido.
- Conforme dispõe expressamente o n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, do pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a “identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral”, facilmente se constatando que esta é uma condição essencial para a aceitação do pedido.
- Ora, sendo aceite o pedido sem a identificação dos atos tributários cuja legalidade se pretende sindicar, é coartada à Requerida a possibilidade do exercício em pleno do seu direito ao contraditório, estando também o próprio tribunal impedido de apreciar o pedido.
- Com efeito, é de notar que a Requerente alude a atos tributários, sem que, em momento algum, identifique quaisquer atos de liquidação de ISP/CSR praticados pela administração tributária e aduaneira, nem as DIC submetidas pelo alegado sujeito passivo de ISP/CSR.
- O pedido arbitral não preenche nem satisfaz os pressupostos legais de aceitação, uma vez que viola a alínea b), do n.º 2, do artigo 10.º do RJAT, devendo, consequentemente, ser declarado inepto.
- O pedido arbitral é inepto também por uma segunda razão,
C.2 – Da ininteligibilidade do pedido e contradição entre este e sua causa de pedir
- A Requerente vem pugnar pela procedência do pedido arbitral e pelo reconhecimento do direito ao reembolso correspondente à CSR suportada por via da aquisição de combustível que efetuou às suas fornecedoras, apresentando faturas de aquisição de combustível, tendo em vista a comprovação de que foi ela que suportou a CSR por repercussão, sem identificar qualquer ato tributário,.através da mera impugnação das alegadas repercussões, nem sequer identificam o nexo entre as repercussões e as liquidações da CSR.
- Verifica-se também que a Requerente parte do errado pressuposto de que vigora, no âmbito da CSR, um regime de repercussão legal, parecendo defender que a repercussão meramente económica pode ser meramente presumida.
- Vindo, depois, apresentar como causa de pedir a ilegalidade dos atos de liquidação de CSR, por alegada violação do Direito da União Europeia pelo regime jurídico da CSR.
- Contudo não podemos inferir, da alegada ilegalidade das liquidações, a ilegalidade das alegadas repercussões, conforme jurisprudência que cita.
- Termos em que, ainda que a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial seja de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 196.º do CPC (aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT), invoca-se a mesma na presente sede por uma dupla razão: a não-identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral, o que compromete irremediavelmente, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º, a finalidade da petição inicial, e a contradição entre o pedido e a causa de pedir, levando à nulidade de todo o processo nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 186.º e da alínea b) do artigo 577.º, ambos do CPC.
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Da caducidade do direito de ação
- Não logrando a Requerente identificar qualquer ato tributário cuja legalidade pretende sindicar, esta circunstância determina, para além de outras consequências já abordadas, que se torne impossível aferir da tempestividade do pedido de revisão oficiosa das liquidações formulado pela Requerente.
- Isto porque a contagem do prazo para a apresentação dos referidos pedidos se inicia a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação (global).
- Ora, constata-se que a Requerente apresenta impugnação no tribunal arbitral em 05.07.2024, do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 05.01.2024.
- Certo é que, com vista à apreciação da tempestividade da apresentação do pedido arbitral, não poderá deixar de ser previamente apreciada a questão da tempestividade do pedido de revisão, o que, como supra se demonstrou, é impossível, dado não ter a Requerente logrado identificar o(s) ato(s) tributário(s) em litígio.
- Face ao exposto, verifica-se que o vício do pedido arbitral decorrente da falta de identificação do(s) ato(s) tributário(s) em crise tem, entre outros, como efeito a impossibilidade de se aferir em pleno da tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa e de reembolso por alegado pagamento de valores a título de alegada repercussão económica da CSR, e, consequentemente, da tempestividade do pedido arbitral.
- Mesmo que apenas parcialmente, constatamos a caducidade do (alegado) direito de ação por parte da Requerente, o que consubstancia uma exceção perentória, devendo, nessa medida, a Requerida ser absolvida do pedido, o que desde já se requer.
- No entanto, e ainda que assim não se entenda, sempre consubstanciará uma exceção dilatória por assim ser qualificada especialmente nos termos e para o efeito do disposto nos artigos 89.º n.º 1, 2 e 4 alínea k) do CPTA, devendo, nessa medida, ser a Requerida absolvida do pedido ou da instância..
Por impugnação
- Através da presente impugnação, a Requerente afirma ter adquirido a 51 fornecedoras (cfr. artigos 75.º a 109.º do PPA) 12.659,98 litros de gasóleo rodoviário no período compreendido entre janeiro de 2020 e dezembro de 2022, defendendo que as fornecedoras repercutiram a CSR nas respetivas faturas, tendo a Requerente, por conseguinte, suportado integralmente a CSR na aquisição do combustível, no montante total de 1.405,26 €.
- O confronto entre o alegado pela Requerente com as faturas que juntou com o pedido de revisão oficiosa, impõe a conclusão de que não pode proceder a afirmação de que tenha pago e suportado o pagamento da CSR por repercussão.
- Dos documentos identificados como anexos 2, 3 e 4 (ou anexos 1, 2 e 3, 1ª parte e 2ª parte) do PPA, constam um conjunto de faturas que as fornecedoras emitiram em nome da Requerente, respeitantes à aquisição de combustível, no período compreendido entre janeiro de 2020 e dezembro de 2022.
- Analisadas que foram as faturas, é de concluir que estas são apenas idóneas para provar a celebração das aludidas transações.
- Verificando-se que, das faturas apresentadas (muitas delas ilegíveis) consta a referência expressa ao IVA, o que se comprova através do sistema e-fatura e fatura SAFT-T, que apenas indica o IVA associado a cada venda de combustível efetuada, não existindo, nessa sede, qualquer tipo de informação relevante para a identificação das DIC e respetivas liquidações de ISP/CSR a montante.
- Não tendo sido, também, apresentados, além disso, quaisquer comprovativos de pagamento ao Estado do ISP/CSR, consubstanciados pela apresentação dos respetivos Documentos Únicos de Cobrança (DUC) e das Declarações Aduaneiras de Importação/Documentos Administrativos Únicos (DAI/DAU) com averbamento do número de movimento de caixa.
- Circunstância que é regular, atento o facto de este se caracterizar enquanto um imposto sujeito a repercussão legal, conforme regime inserto no artigo 37.º do Código do IVA.
- Além disso, impõe-se que atentemos à circunstância de haver faturas que contêm parcelas sob a designação “Descontos” as quais carecem, em absoluto, do descritivo da respetiva natureza, incidência e conteúdo.
- Até porque, os operadores que podem ter assumido a qualidade de sujeitos passivos, têm vindo igualmente a suscitar a questão da legalidade das liquidações de CSR, com referência ao mesmo período, juntando em apoio da sua pretensão as DIC, DUC e prova do pagamento do ISP/CSR.
- E o mesmo se diga, no geral, quanto às tabelas constantes de 75.º a 109.º do PPA e dos mesmos documentos, porquanto consubstanciam tão-só meras tabelas descontextualizadas, não se podendo comprovar de que sistema e meio/aparelho informático foram extraídos/retirados, nem a veracidade dos dados que delas constam, não existindo qualquer identificação das liquidações a montante e dos montantes alegadamente repercutidos a jusante, não podendo ser consideradas como prova bastante, quer para efeitos de identificação das liquidações, quer para comprovar o montante que a Requerente alega ter suportado a título de CSR.
- E, relativamente ao montante alegadamente suportado a título de CSR, num total de 1.405,26 €, cumpre, ainda, impugná-lo por outra razão.
- É impossível na fase da cadeia logística em que a Requerente se encontra, determinar a unidade tributável para efeitos de determinação da CSR e, consequentemente, saber, a eventual parte da CSR incluída no preço pago pelo combustível adquirido.
- Não é oferecida, pela Requerente, prova suficiente, perante o que apenas se pode concluir que não logra a Requerente fazer prova do que afirma, designadamente sobre o alegado facto de ter adquirido e pago combustível e, consequentemente, ter suportado integralmente o encargo do pagamento da CSR, que as fornecedoras de combustível alegadamente repercutiram nas respetivas faturas.
- Ainda que existisse repercussão legal no âmbito dos IEC, que não é o caso, sempre teria a Requerente que identificar os atos de liquidação de ISP/CSR referentes ao combustível (quantidade global/total) introduzido no consumo (através de uma determinada DIC), ao qual seria de imputar a parte de combustível vendida pelas fornecedoras à Requerente, o que só pode ser feito pelo sujeito passivo, ou sujeitos passivos, que, ao processar a DIC ou Documento Administrativo Único (DUC)/Declaração Aduaneira de Importação (DAU /DAI), procedeu/procederam à introdução no consumo.
- Face ao supra exposto, conclui-se que a Requerente não logra fazer prova do que alega, designadamente sobre o alegado facto de terem os fornecedores repercutido integralmente o valor da CSR pago por sujeitos passivos de ISP/CSR e de ter a Requerente suportado integralmente esse encargo, por via da repercussão legal da CSR no preço dos combustíveis adquiridos, enquanto consumidor final.
- Não se podendo dar como provada a alegada repercussão da CSR, devendo funcionar plenamente as regras do ónus da prova, não se dando como provados os alegados factos invocados no pedido arbitral, sendo que, nos termos do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova de factos constitutivos de direito recai sobre quem os invoque.
- Cabendo aos sujeitos passivos no âmbito das suas relações comerciais (ao abrigo do direito civil) proceder, ou não, à transferência da carga fiscal para outrem (os seus clientes), tendo em conta as consequências para a sua atividade, designadamente, em termos do aumento de preços para o consumidor final, e que, de acordo com a lei da procura, poderá redundar numa diminuição da quantidade procurada e do lucro obtido.
- A este propósito, assume particular relevância o Acórdão do TJUE de 20 de outubro de 2011, proferido no âmbito do Processo C-94/10 do TJUE, atinente a matéria de reembolso e repercussão no âmbito dos impostos especiais sobre o consumo.
- Efetivamente, ainda que a repercussão económica viesse a ser provada no âmbito do presente processo, entende o TJUE que um Estado-Membro se pode opor a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma ação civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil.
- Concluindo-se, de acordo com a jurisprudência do TJUE, que, ainda que se verificassem os pressupostos legais e processuais, e se considerasse efetuada a prova da repercussão económica da CSR, o Estado-Membro, pode recusar/opor-se a um pedido de reembolso, apresentado pelo comprador repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma ação civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo, tal como ocorre no direito nacional.
- Pelo que, nessa medida, se impugna igualmente o alegado pela Requerente no pedido arbitral.
- Mais se refira que, se impugna para os devidos efeitos legais o invocado no pedido arbitral que esteja em contradição com o teor da presente Resposta, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 574.º do CPC.
No que respeita ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios
- Conforme estabelecido no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.
- No entanto, no âmbito do presente caso, há que considerar que o pedido arbitral foi efetuado na sequência do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado no dia 05.01.2024, junto da AT.
- Por este motivo, atente-se ao disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que consagra um critério especial para os casos em que seja apresentado pedido de revisão oficiosa da liquidação, dispondo que: “são também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: (…) c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.”.
- Nesta matéria, já decidiu o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 20.05.2020 (Neves Leitão), Processo 0630/18.4BALSB no sentido de que,
“(…) formulado pelo sujeito passivo o pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação e vindo o ato a ser anulado, ainda que em processo arbitral instaurado após o indeferimento tácito daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano, contado da apresentação do pedido de revisão, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, e não desde a data do pagamento indevido do imposto (…)”.
- Deste modo, seguindo a abundante e consolidada jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, mormente a vertida nos Acórdãos de 28.01.2015, no Processo n.º 0722/14, de 11.12.2019, no Processo n.º 058/19.9BALSB, de 20.05.2020, no Processo n.º 05/19.8BALSB, de 26.05.2022, no Processo n.º 159/21.3BALSB, entende-se que os juros indemnizatórios só serão devidos depois de decorrido um ano após a apresentação dos pedidos de revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento do imposto:
- No mesmo sentido se tem vindo a pronunciar o tribunal arbitral,
- Nestes termos, dado que no caso concreto o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 05.01.2024, só haveria lugar, em sintonia com a jurisprudência citada, ao pagamento de juros indemnizatórios um ano após a apresentação daquele pedido, face ao estabelecido na alínea c), do n.º 3, do artigo 43.º da LGT, pelo que, tendo o PPA sido apresentado em 05.07.2024, antes de decorrido o prazo de um ano, não há lugar ao seu pagamento.
- Face a todo o exposto, deve o Tribunal arbitral decidir como aqui propugnado pela Requerida, no sentido da improcedência do pedido de anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, bem como da anulação parcial da(s) liquidação(ões) de ISP/CSR, não havendo, consequentemente, lugar ao reembolso da CSR alegadamente repercutida, nem ao pagamento de juros indemnizatórios.
Conclui, requerendo que deverá:
-
Ser extinta a instância arbitral, e absolvida da mesma a Requerida, face à verificação da exceção da incompetência em razão da matéria, e/ou da exceção da ilegitimidade processual, e/ou da exceção da ineptidão da petição inicial/pedido arbitral,
-
Caso assim não se entenda, ser a Requerida absolvida do pedido, face à verificação da exceção de caducidade do direito de ação, e/ou da exceção de falta de legitimidade substantiva;
Ou, caso assim não se entenda,
-
Ser o pedido de pronúncia arbitral julgado totalmente improcedente, por infundado e não provado.
.A Requerida juntou o processo administrativo
D. AUSÊNCIA DE RESPOSTA DA REQUERENTE À MATÉRIA DE EXCEPÇÃO
A Requerente devidamente notificada para responder à matéria de excepção, não o fez, nem apresentou, posteriormente, alegações para que foi notificada
E. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
- As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
- Em virtude de terem sido deduzidas excepções pela Requerida, relativas.à competência do presente Tribunal Arbitral em razão da matéria, à ilegitimidade da Requerente, à ineptidão do PPA por falta de objecto e à caducidade do direito de acção, impõe-se o conhecimento prioritário das mesmas, a que se procederá mais adiante, a título de questões prévias
- O processo não enferma de nulidades.
- Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
-
MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provados os seguintes factos:
1. A Requerente adquiriu, no período compreendido entre Janeiro de 2020 e Dezembro de 2022, no âmbito da sua atividade comercial, 12.659,98 litros de gasóleo rodoviário, sobre os quais incidiram CSR, no montante de 1.405,26 euros, às sociedades de distribuição de combustíveis identificadas nos autos, conforme facturas juntas como anexos 1, 2 e 3.
-
A Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa junto da Alfândega do Freixieiro no dia 05/01/2023, não tendo sido dado despacho pela Requerida.
5. A Requerente deduziu o Pedido de Pronúncia Arbitral em 05/07/2024.
A.2. Factos dados como não provados
Provado apenas que a Requerente juntou facturas dos seus fornecedores de combustível, relativas a gasóleo rodoviário adquirido por si e sobre as quais terá incidido CSR, no momento da introdução no consumo, pelos respectivos sujeitos passivos formais.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada
Os factos dados como provados estão baseados no processo administrativo, nos documentos indicados relativamente a cada um deles e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não tenha sido questionada, ou são reconhecidos pela Requerida na forma como elaborou a Resposta.
-
DO DIREITO
Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar.
Em primeiro lugar, o Tribunal Arbitral decidiu não proceder à notificação das “gasolineiras” para efeitos de confirmarem se repercutiram o encargo com o CSR subjacente ao combustível fornecido à Requerente para a esfera jurídica desta, por não ter considerado fazê-lo para efeitos da decisão da causa.
As orientações arrogadas pelo Requerente e pela Requerida e a sua fundamentação estão expostas, em síntese, nos pontos B e C do Relatório desta Decisão Arbitral.
Face à similitude da matéria de facto e dos argumentos jurídicos esgrimidos pelas Partes, seguiremos, mutatis mutandis, a Decisão Arbitral, que, como árbitro singular, proferimos em 06/09/2024, no Processo nº 142/2024-T
A Requerente manifestou a sua discordância com os actos tributários relacionados com a liquidação de CSR, inicialmente perante a Requerida e, invocando o indeferimento tácito da Reclamação Graciosa que deduziu, apresentou perante o CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral, nos termos acima enunciados
A Requerida veio apresentar Resposta, defendendo-se invocando diversas excepções, e, também, por impugnação.
A verificarem-se as excepções, e dado que a procedência de uma excepção dilatória determinará a absolvição da Requerida da instância, atento o disposto nos arts. 576º, nº 1 e 577º, alínea a) do CPC, aplicável por força do art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT, inicia-se a análise das questões pela apreciação das excepções suscitadas pela Requerida, para, seguidamente, caso o Tribunal Arbitral se pronuncie pela improcedência das mesmas, se analisarem os vícios invocados pela Requerente, susceptíveis de determinar a ilegalidade e a consequente anulação dos actos tributários contestados (art. 89º do CPTA e art. 278º e 608º do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, nº 1, alíneas d) e e) do RJAT).
A Requerida suscitou, com efeito, e por esta ordem, as seguintes excepções:
a) Incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria
- por a CSR não configurar um imposto, nos termos e para os efeitos do art. 2º, nº 1 do RJAT;
- por os tribunais arbitrais constituidos no âmbito do CAAD serem incompetentes para conhecer actos de repercussão.
b) Ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, uma vez que só os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago.
c) Ineptidão da petição inicial
- Falta de objecto;
- Ininteligibilidade do pedido e contradição entre este e a causa de pedir.
d) Caducidade do direito de acção.
Uma vez que a competência deste Tribunal Arbitral para conhecer do pedido precede logicamente as restantes excepções e a sua verificação está ligada às questões suscitadas com a excepção da ilegitimidade da Requerente (art. 608º, nº 1 do CPC, aplicável ex vi art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), impõe-se o conhecimento prioritário das excepções de incompetência material do Tribunal Arbitral e da ilegitimidade da Requerente, o que se passará a fazer.
Verificando-se que a matéria em apreço, no que é relevante para a decisão da causa, foi versada no processo de Arbitragem Tributária nº 62/2024, cujo acórdão arbitral foi recentemente publicado em 04/07/2024 e foi por nós subscrito, seguiremos de perto, e no essencial, os termos da sua fundamentação no sentido da decisão da procedência, ou não, de alguma das excepções identificadas no parágrafo anterior.
Passemos, então, à análise das questões que se colocam, nos termos que foram indicados:
-
Excepção de incompetência material por a CSR não ser um imposto
A primeira questão a decidir é a alegada excepção de incompetência em razão da matéria por a CSR não ser um imposto, isto é, de se saber se a CSR é um imposto ou se, sendo uma contribuição (como entende a AT), ainda assim está dentro do perímetro de jurisdição atribuída legalmente aos Tribunais Arbitrais do CAAD e está compreendida no âmbito de vinculação que foi fixado para a AT pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (que “Vincula vários serviços e organismos do Ministério das Finanças e da Administração Pública à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa”, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do RJAT).
Sobre a possibilidade de haver processos arbitrais sobre contribuições e a natureza da CSR existe vasta jurisprudência nem sempre coincidente. Por este tribunal aderir à tese da natureza de imposto da CSR, passamos a seguir, em especial a orientação consignada na Decisão arbitral proferida no processo n.º 847/2023-T, a qual, por merecer a nossa adesão, passamos a transcrever.
“Uma vez que a competência dos tribunais arbitrais a constituir no âmbito do CAAD está estabelecida no artigo 2.º do RJAT e abrange (al. a) do seu n.º 1) a “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, mas o proémio do n.º 2 da já citada Portaria n.º 112-A/2011 circunscreveu – ao menos literalmente – tal vinculação às “pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida”, tem-se discutido se as pretensões referentes a “contribuições” podem ser objecto de apreciação por tais tribunais. Aliás, uma parte da Resposta da AT é dedicada a defender que “independentemente do nomen iuris ou da natureza jurídica da CSR, a verdade é que não é, por definição, um imposto e, portanto, o CAAD não tem competência para decidir sobre esta matérias”.
“Uma variante desta tese, inicialmente triunfante na decisão do processo n.º 31/2023-T, prevaleceu, depois, nas decisões dos processos n.os 372/2023-T, 508/2023-T, 520/2023-T, 675/2023-T e 876/2023-T.
Tem, porém, uma particularidade: em situações em que as Requerentes não são sujeitos passivos da relação tributária (já não assim quando o são), chega à mesmíssima solução, em termos materiais, das teses que, por caminhos não coincidentes, recusam conhecer de mérito – quer por diagnosticarem falta de legitimidade das Requerentes (decisões dos processos n.os 296/2023-T, 332/2023-T, 375/2023-T, 408/2023-T, 409/2023-T, 438/2023-T, 466/2023-T, 467/2023-T, 490/2023-T, 537/2023-T e 604/2023-T), quer por identificarem ineptidão da petição inicial (decisões dos processos n.os 364/2023-T, 467/2023-T e 537/2023-T).
Na verdade, com qualquer desses fundamentos, a AT é absolvida da instância e as custas arbitrais recaem sobre as Requerentes – exactamente como na corrente (certo que mais ampla, por abranger também situações em que os requerentes são os próprios sujeitos passivos da relação tributária) que nega a competência relativa dos Tribunais do CAAD para arbitrar as questões referentes à CSR (invocando o que parece ser uma presunção judicial iuris et de iure de falta de vinculação da AT).
“Na sua resposta às excepções, a Requerente defendeu, invocando doutrina vária, a “necessária inclusão deste tributo na categoria das contribuições especiais, sujeitas, por lei, ao regime dos impostos, e, nessa medida, totalmente arbitrável nos termos do RJAT e respetiva portaria de vinculação” até porque “a CSR é exigida com o duplo propósito de remunerar a entidade responsável pela gestão da rede rodoviária nacional, imputando aos – repercutindo nos – utilizadores dessa rede os respetivos custos”.
“Concluía que “a CSR consubstancia uma prestação devida pelo grupo de presumíveis utilizadores da rede rodoviária nacional (identificados por via do seu consumo de combustível) na medida em que essa utilização dê origem a presumíveis maiores despesas de gestão da respetiva rede rodoviária, preenchendo, também por esta via, o conceito de contribuição especial”.
“Entende o presente Tribunal, com a jurisprudência do CAAD já citada, que a CSR era um imposto (mal) disfarçado de contribuição. Como se escreveu no Sumário da decisão do processo n.º 629/2021-T, “Uma parcela de um imposto especial de consumo não deixa de ser um imposto especial de consumo por o legislador lhe atribuir uma narrativa (de resto oscilante entre a compensação de custos e a contrapartida de benefícios) e lhe providenciar uma consignação orgânica (mormente se a entidade que dela beneficia deixa de ter como função única providenciar a suposta contrapartida que justificaria a alteração de género)”.
“Nessa decisão, os argumentos usados para caracterizar a CSR como imposto foram essencialmente os seguintes (negritos no original, *notas suprimidas):
- histórico:
“A Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (“Regula o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E.”) criou a CSR por desdobramento do ISP – que é, indiscutivelmente, um imposto especial de consumo. Como se escrevia no artigo 7.º dessa lei, sob a epígrafe “Fixação das taxas do ISP”,
“As taxas do ISP são estabelecidas por portaria conjunta nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo, por forma a garantir a neutralidade fiscal e o não agravamento do preço de venda dos combustíveis em consequência da criação da contribuição de serviço rodoviário”.
“(…) a única diferença entre os € 525,1 milhões que o ISP perdeu e os € 525,1 milhões que a CSR ganhou em 2008 residiu na alteração da sua designação e na sua afectação. Enquanto imposto especial de consumo louvava-se na cobertura de um custo: os custos ambientais que o preço dos combustíveis não internalizavam (uma externalidade). A partir do momento em que uma parte – arbitrária – da receita gerada pelo ISP passou a ter a designação de CSR, passou (parece – mas contra o já referido pelo legislador*) a louvar-se no benefício proporcionado aos causadores do custo”.
- conceptual:
“Procurando identificar os critérios de distinção das taxas, das contribuições financeiras*, das contribuições especiais e dos impostos”, a A. [Suzana Tavares da Silva, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013] recorre, para a delimitação dos contornos das contribuições financeiras, aos critérios desenvolvidos pelo Tribunal Constitucional Alemão:
“1) incidir sobre um grupo homogéneo; 2) manter uma proximidade com a obrigação tributária e as suas finalidades; 3) corresponder a uma relação encargo/benefício capaz de demonstrar que as receitas geradas são fruídas pelos membros do grupo” (p. 91).”
“(…)”.
“a CSR apresenta diferenças muito significativas em relação ao comum das contribuições financeiras, sejam elas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas” de regulação ou as “grandes contribuições” que foram surgindo a título transitório e se vão mantendo (Contribuição sobre o Sector Bancário, Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético - CESE, Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica, …).
“Em primeiro lugar, nessas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas de regulação” e “contribuições”, o sujeito passivo é o contribuinte (na CESE há mesmo uma proibição da sua repercussão), enquanto que na CSR um e outro são diferentes: o sujeito passivo (quem tem de entregar o imposto ao Fisco) é o introdutor dos produtos no mercado e o contribuinte (quem tem de suportar a exacção fiscal) é o adquirente dos combustíveis (incluindo, como a já citada jurisprudência arbitral evidencia, adquirentes de combustíveis que nada têm a ver com a utilização das estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal).
“Em segundo lugar, o nexo grupal – que faria das contribuições financeiras uma espécie de taxas colectivas – não se estabelece com os sujeitos passivos da CSR, mas sim com terceiros não participantes na relação tributária. (…)
“Em terceiro lugar, enquanto nas contribuições para a segurança social, quotas para associações públicas, “taxas de regulação” e “contribuições” é a pertença ao grupo que permite de imediato a identificação do devedor – sendo a indução de um custo ou a obtenção de um benefício presumida a partir dessa inclusão nele – na CSR não há nenhum grupo prévio a que se possa imputar o pagamento: é porque se paga a CSR que se supõe que se integra o grupo. (…)
“Em quarto lugar, o princípio da equivalência – a que se recorre para conferir unidade de sentido às contribuições financeiras*, equiparando-se o pagamento feito à repartição, tendencialmente idêntica (ou, pelo menos, com base em características dadas e estáveis), dos custos especificamente gerados pelo grupo homogéneo (ou dos benefícios auferidos pelo grupo homogéneo, como nas “taxas” das autoridades reguladoras, ou, forçando mais ou menos a nota, nas tais “grandes contribuições”) – assume na CSR uma ligação a um índice variável: o do consumo dos “grandes combustíveis rodoviários”*. Com a agravante de o presumido benefício não ter uma relação directa com esse índice variável: por um lado, as vias da Rede Rodoviária Nacional (que foram concessionadas, em 2007, à EP - Estradas de Portugal, E.P.E.) não são a totalidade das estradas nacionais (além das auto-estradas concessionadas, e da rede municipal – urbana e rural –, o Plano Rodoviário Nacional prevê a transferência para as autarquias das estradas que não estejam nele incluídas). Noutras palavras: a utilidade proporcionada pela circulação nas estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal não é segmentável da que é proporcionada pelas demais; por outro lado, uma fracção crescente dos utilizadores dessa sub-parcela das vias de circulação automóvel – a rede rodoviária nacional – não fica sujeita a essa “contribuição”: o dos utilizadores dela com veículos eléctricos ou velocípedes. (…)
“Em quinto lugar, e não obstante – como já referido – não ser bom critério determinar a natureza de um tributo a partir da sua consignação material ou orgânica*, certo é que a EP - Estradas de Portugal, E.P.E. só gastava o dinheiro em estradas (e no mais necessário a poder fazê-lo, incluindo as suas despesas correntes), mas, com a fusão, em 2015, com a Rede Ferroviária Nacional - REFER E.P.E. para dar origem à Infraestruturas de Portugal, isso deixou de ser assim”.
“E, em termos de índices da natureza da CSR,
- doutrinal:
“- na recolha de Casalta Nabais Estudos sobre a Tributação dos Transportes e do Petróleo, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 42-43, refere-se, a propósito da CSR (e de outras figuras aí referidas), “estarmos perante tributos que, atenta a sua estrutura unilateral, se configuram como efectivos impostos, muito embora dada a titularidade activa das correspondentes relações tributárias (e o destino da sua receita), tenham clara natureza parafiscal”. Como o A. escreve em Direito Fiscal, 11.ª ed, Almedina, Coimbra, 2021, pp. 53-54, “o critério para a distinção entre os tipos de tributos [reporta-se] exclusivamente à estrutura da relação tributária, ao tipo de relação que se estabelece entre os respetivos sujeito ativo e passivo, e não à titularidade activa dessa relação (…) É, pois, a estrutura bilateral da relação jurídica, em que assentam tanto as taxas como as contribuições financeiras, que revela a natureza comutativa destes tributos, os quais, porque concretizam uma efectiva troca de utilidades económicas, têm por base […] uma legitimidade económica. / O que vale também relativamente à titularidade da receita dos tributos. De facto, esta titularidade, até porque esta para além da relação tributária integrando [-se …] numa relação financeira a constituir-se a jusante da relação tributária, nada pode dizer sobre o tipo de tributo”
“(…)”.
“Filipe de Vasconcelos Fernandes, ob. cit., p. 116, sublinha que “o nexo bilateral que subjaz ao respetivo facto tributário [tem] caráter derivado, já que resulta de uma presunção de benefício ou utilidade na esfera dos sujeitos passivos, por pertencerem ou integrarem, num determinado intervalo de tempo, um grupo, tendencialmente homogéneo de interesses”, e desdobra este, na página seguinte, numa “homogeneidade de interesses” – que, segundo informa, na literatura alemã por vezes se designa por “homogeneidade de grupo” – e numa “responsabilidade de grupo (…) que se deve ao facto de os sujeitos passivos deste tipo de tributo partilharem um ónus ou responsabilidade de custeamento ou suporte da atividade pública que não pode atribuir-se isoladamente, mas apenas em face daquela que é a respetiva inserção no grupo a que efetivamente pertencem”.”
E,
- jurisprudencial:
“apenas DUAS das 19 decisões do CAAD que a Requerente invoca (na sua Resposta às excepções) para afirmar que tais tribunais arbitrais têm aceite a sua jurisdição sobre a CSR o poderiam substanciar (as dos processos n.os 483/2014-T e 147/2015-T8, que autonomizaram o seu tratamento), sendo as demais resultantes da consideração indiferenciada da CSR com o imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP).
O mesmo se diga para a jurisprudência dos Tribunais superiores, ainda que estes não tenham de cuidar da delimitação da sua competência em função da natureza do tributo, e se não conheçam decisões suas sobre a CSR.
Também não é indiferente que o Tribunal de Contas, a pp. 90 do seu Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2008 (https://erario.tcontas.pt/pt/actos/parecer-cge/2008/pcge2008-v1.pdf ), tenha considerado o seguinte:
“Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança”.
“No mesmo sentido pode ver-se, por exemplo, a argumentação da decisão do processo n.º 644/2022-T (que, neste ponto, foi parcialmente reproduzida na decisão do processo n.º 467/2023-T):
“Afigura-se a este tribunal que a CSR, não obstante um nomen iuris que pareceria integrá-la na categoria das “contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (art. 165º, 1, i) da CRP), preenche todos os requisitos de conteúdo pecuniário, carácter coactivo, unilateralidade, definitividade, ausência de cariz sancionatório, tendo como credor o Estado ou outros entes públicos, e a afectação à realização de fins públicos – que definem um imposto.
“Essa qualificação não se modifica pela circunstância de surgirem algumas correspectividades como a da obtenção de receitas para financiamento da utilização de vias públicas – pois as contribuições que assentam no especial desgaste de bens públicos são impostos, como estabelece o art. 4º, 3 da LGT.
“Falta à CSR o carácter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou colectiva que é necessária à contribuição financeira. O seu regime não determina, para o sujeito activo respectivo, qualquer dever de prestar específico, qualquer contraprestação exigível pelo contribuinte, o que significa que tem o carácter unilateral de um verdadeiro imposto (quando muito, alguma “paracomutatividade”, referente à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários – mas não a correspectividade bilateral estrita de uma taxa, sem uma contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo, como sucede numa taxa).
“Basta percebermos que, enquanto a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal (inicialmente, Estradas de Portugal), sendo esta a entidade titular da correspondente receita, os sujeitos passivos da contribuição são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários, e, portanto, não são os destinatários da actividade da Infraestruturas de Portugal.
“Na sua concepção, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos, e é devida pelos sujeitos passivos do ISP, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo.
“Trata-se, assim, de um imposto de receita consignada (a consignação, desacompanhada de qualquer comutatividade, não subverte a sua natureza), e esta conclusão reforça-se com a posição veiculada pelo Tribunal de Contas na Conta Geral do Estado de 2008
“(…)”.
“Lembremos, por fim, que a CSR nasceu, com a Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, como um mero desdobramento do ISP, e, sobre este último, nem o nomen iuris permite dúvidas sobre a respectiva natureza”.
“Evidentemente, sendo a CSR um imposto, a questão da competência do presente Tribunal Arbitral deixa de ser controvertida, e fica prejudicada a indagação de saber se as questões relativas às contribuições se incluem no âmbito da jurisdição dos Tribunais arbitrais do CAAD – e, ou, no da vinculação da AT à sua jurisdição.”
Termos em que improcede a alegada excepção de incompetência material.
Excepção de incompetência dos tribunais arbitrais para sindicarem actos de repercussão
Como vimos, a Requerente dirige o pedido tendente à anulação de actos de liquidação de IEC liquidadas e pagas pelas mencionadas empresas que foi paga por si através do alegado mecanismo de repercussão.
Embora a Requerente reconheça que são sociedades cujo objeto social consiste na exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos, os sujeitos passivos do ISP e da CSR, ao introduzirem no consumo produtos sujeitos aos mesmos, arroga a sua legitimidade no alegado mecanismo de repercussão.
Para a Requerente foi esta a suportar efectivamente o custo associado à CSR e ISP, como se comprova pelas facturas juntas, visando atacar de facto os actos de repercussão em causa.
Como ficou consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 847/2023-T, “emergem no âmbito da CSR, necessariamente, duas tipologias distintas de atos tributários:
-
os atos de liquidação de CSR, emitidos pela AT com base nas DIC apresentadas pela fornecedora de combustível (…)
-
os atos de repercussão da CSR liquidada (…)”.
“em matéria de CSR a relação estabelecida entre cada uma da Requerente e o respetivo fornecedor de combustível não se traduz apenas numa relação privada entre empresas, à qual a administração tributária é estranha, mas, igualmente, como vem sendo apontado pela doutrina e pela jurisprudência, numa relação jurídico-tributária de repercussão legal, onde se inclui, obviamente, a AT (Requerida)”.
“Seja isso assim ou não – e já se verá que desinteressa discuti-lo em sede arbitral – o certo é que, como os Colectivos que decidiram os processos n.os 296/2023-T, 332/2023-T, 409/2023-T, 466/2023-T e 490/2023-T – o presente Tribunal Arbitral entende que não tem competências para apreciar directamente – e sem mais – actos de repercussão. Ainda que se possam integrar numa relação tributária complexa, tais actos ocorrem a jusante dos actos de liquidação e a competência que o legislador atribuiu aos tribunais arbitrais esgota-se – no que ao caso importa– na sindicância dos actos de liquidação. Isso decorre directamente das normas legais, mas corresponde também ao ensinamento da doutrina: Alberto Xavier, distinguindo a substituição tributária da repercussão, escrevia que nesta temos “um devedor de imposto, que é do mesmo passo contribuinte, e um terceiro que não desempenha qualquer papel na obrigação tributária”.
“Para Leite de Campos/Benjamim Rodrigues/Lopes de Sousa, entre o terceiro repercutido “e o sujeito activo não existe vínculo jurídico, no sentido de que o repercutido não é devedor do sujeito activo. A sua obrigação não nasce da realização do facto tributário, mas sim da realização de um facto ao qual a lei liga o direito de o sujeito passivo de repercutir e a correlativa obrigação do repercutido de reembolsar o sujeito passivo quando este exerça o seu direito. Daqui decorre, nomeadamente, que as relações entre o sujeito passivo e o repercutido inadimplente se regem pelo Direito privado”.
“Sendo isso assim em tese geral, face ao elenco das competências dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, e que constam dos artigos 2.º a 4.º do RJAT, nem sequer é preciso discutir a natureza jurídica desses actos de repercussão porque, qualquer que seja, não estão contemplados na única potencial norma atributiva de competência a este Tribunal: a da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT: “A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”.
“Quer dizer que este Tribunal se declara liminarmente incompetente para apreciar o primeiro pedido da Requerente (declarar a ilegalidade dos actos de repercussão da CSR consubstanciados nas facturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário adquiridos pela Requerente).
“Tal não impede que, por via do seu segundo pedido (o de que o Tribunal declare a ilegalidade das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela AT com base nas DIC submetidas pela respectiva fornecedora de combustível), a Requerente possa ainda obter uma pronúncia de mérito da jurisdição arbitral. Isso, porém, depende de outra indagação:
A possibilidade de os tribunais arbitrais sindicarem actos de liquidação (inerentemente ligados a actos de repercussão) por solicitação dos repercutidos.
“Numa passagem do seu Manual, Sérgio Vasques afirma que “Se o repercutido estará à margem da relação tributária, não estará por isso à margem do direito.”, referindo que a LGT lhe reconhece o direito “à reclamação, recurso, impugnação ou pronúncia arbitral”.
“Qualquer que seja a posição a adoptar em tese geral – e, salvo disposição legal em contrário, não há razões para pôr em causa a possibilidade de os contribuintes de facto serem admitidos a invocarem perante os Tribunais a ilegalidade dos impostos que efectivamente pagaram –, tem de se ter em conta o quadro legislativo, e este foi invocado pela AT na sua Resposta para pôr em causa a possibilidade de a repercutida poder vir pedir a revisão de liquidações que lhe eram alheias. Fê-lo a coberto do argumento da ineptidão do PPA por não incluir “a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido arbitral”, como expressamente exigido na alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT; mas fê-lo igualmente com base numa alegada restrição legal do círculo de sujeitos que podem solicitar o reembolso da CSR, fazendo a equiparação desses pedidos de reembolso a pedidos de revisão.
“apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago”.
“Isto porque, defendeu,
“no âmbito dos impostos especiais sobre o consumo, encontra-se previsto no CIEC um regime específico, e, conforme referem Sérgio Vasques e Tânia Carvalhais Pereira: “O reembolso por erro corresponde, materialmente, à revisão do ato tributário, com fundamento em erro dos serviços, previsto no artigo 78º da LGT, aqui com um prazo mais curto de 3 anos” (In “Os Impostos Especiais de Consumo”, Editora Almedina, 2016, a págs. 364).
“De facto, o n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (diploma que criou a CSR), determina a aplicação do CIEC (e da LGT e do Código de Procedimento e Processo Tributário - CPPT) à “liquidação, cobrança e pagamento” da CSR, pelo que sempre teria de se aplicar o disposto no n.º 2 do artigo 15.º do CIEC, o qual estabelece que “apenas podem solicitar o reembolso do imposto pago, os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto”.
“Acrescentando a Requerida que
“Prevê o CIEC normativos legais que se fundamentam no regime próprio dos impostos especiais de consumo, designadamente, por se tratarem de impostos monofásicos, que incidem apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez”.
“Em todo o caso, concluía (invocando o Acórdão do TJUE de 20 de Outubro de 2011, proferido no âmbito do processo C-94/10),
“ainda que a repercussão económica viesse a ser provada no âmbito do presente processo, entende o TJUE que um Estado-Membro se pode opor a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma ação civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil”.
“O Tribunal entendeu ser incompetente para se pronunciar sobre a declaração de ilegalidade da repercussão (o primeiro pedido da Requerente) –, porque esta é subsequente e exterior ao acto tributário, decorrendo de uma relação de direito privado e porque não cabe no âmbito dos actos da AT que o legislador lhe permitiu sindicar –, mas entende que tem obviamente competência para se pronunciar sobre o segundo pedido da Requerente – a declaração de ilegalidade do acto tributário. Ser competente, porém, apenas preenche o pressuposto processual referente ao Tribunal, não o que é respeitante à Requerente. A questão é: pode ela suscitar a revisão das liquidações de CSR em que não teve intervenção – e que, aliás, não consegue identificar – ainda que apenas na medida em que tais liquidações contendam com os pagamentos por ela feitos? Rectius: pode ela, supondo que todo o iter procedimental que desembocou no PPA cumpre os requisitos (o que ainda teria de se apurar) – pode a Requerente, perguntava-se, suscitar a revisão das liquidações conjuntas (e acumuladas) de ISP e CSR no segmento estrito que invoca dizer-lhe respeito?
“A questão está em saber se, portanto, no quadro processual que ficou descrito nos Factos Provados, pode este Tribunal declarar a ilegalidade das “liquidações de CSR praticadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira com base nas DIC submetidas pela respetiva fornecedora de combustível”, ainda que delimitando o âmbito da ilegalidade de tais liquidações pela correspondência aos “atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário adquiridos pela Requerente no decurso do período compreendido entre abril de 2019 e dezembro de 2022” – uma vez que, em tudo o que as exceda, não foi formulada qualquer pretensão arbitral.
“Na decisão pioneira proferida no processo n.º 408/2023, escreveu-se:
“Infere-se do articulado da Requerente que esta legitima a sua intervenção processual do facto singelo de lhe ter sido repercutida a CSR pelas empresas distribuidoras de combustíveis, caracterizando-se no artigo 29.º do ppa como um “consumidor” de combustíveis, sobre o qual “recai, nos termos da lei, o encargo daquele tributo.
Contudo, importa, antes de mais, salientar que a repercussão económica não é, por si só, atributo de legitimidade processual, pois o artigo 9.º do CPPT requer a demonstração de um interesse legalmente protegido, i.e., que mereça a tutela do direito substantivo. Além de que a Requerente não tem a qualidade de “consumidor” de combustíveis, no sentido de consumidor final sobre o qual recai ou deve recair o encargo do tributo, na lógica da repercussão económica que subjaz nomeadamente aos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”)”
“(…)"
“A confirmar-se a natureza “pacífica” de tal entendimento – o que não é relevante apurar para os presentes autos – tal permitiria considerar legítima a determinação legislativa do artigo 6.º da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro (“Altera o Código dos Impostos Especiais de Consumo, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e o Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de maio, transpondo as Diretivas (UE) 2019/2235, 2020/1151 e 2020/262”) ao atribuir natureza interpretativa à “redação conferida pela presente lei ao artigo 2.º do Código dos IEC”. Isto porque, dada a proibição constitucional da retroactividade de disposições fiscais que abranjam os elementos essenciais dos impostos (artigo 103.º da Constituição), só nesse caso é que tal alteração (a introdução do inciso “sendo repercutidos nos mesmos” – sendo os “mesmos” os “contribuintes” onerados segundo o “princípio da equivalência”, “na medida dos custos que (…) provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública”) seria verdadeiramente interpretativa e, portanto, constitucionalmente legítima.
“Ora, como também se referiu, qualquer que seja, em tese geral, a possibilidade de o repercutido invocar a ilegalidade das liquidações que originam a repercussão, no âmbito dos impostos especiais de consumo há uma norma que o veda e que o legislador manteve incólume ao longo das 25 alterações que, em 24 anos, introduziu no CIEC: a do n.º 2 do artigo 15.º (epigrafado “Regras gerais do reembolso”), assim redigida:
“Podem solicitar o reembolso os sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respectivo imposto”.
Por sua vez, as disposições relevantes desse artigo 4.º (epigrafado “Incidência subjectiva”), para as quais tal norma remete, têm a seguinte redacção:
“1 - São sujeitos passivos de impostos especiais de consumo:
a) O depositário autorizado, o destinatário registado e o destinatário certificado;
(…)
2 - São também sujeitos passivos, sem prejuízo de outros especialmente determinados no presente Código:
-
A pessoa que declare os produtos ou por conta da qual estes sejam declarados, no momento e em caso de importação”.
“Desde a redacção inicial destas normas, dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, também a única alteração substancial registada foi o aditamento (pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de Dezembro) do “destinatário certificado” entre os sujeitos passivos identificados à cabeça da norma sobre “Incidência subjectiva”. Quer dizer que nenhum legislador – nem mesmo o que entendeu atribuir natureza interpretativa à alusão à tipicidade da repercussão dos impostos especiais de consumo – considerou necessário, para o que ora importa, alargar o círculo dos “sujeitos passivos” para lá do “destinatário certificado”.
“Ou seja: só os sujeitos passivos aí identificados – e só quando preencham requisitos adicionais – podem suscitar questões sobre, como se escreve no n.º 1 desse artigo 15.º, “o erro na liquidação”. Só eles, portanto, podem ser titulares de um interesse tutelado pela lei – designadamente para accionarem a revisão oficiosa.
“O mesmo se escreveu na decisão do processo n.º 364/2023-T:
“é o art. 9.º, 1 e 4 do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, 1 do RJAT, que define a legitimidade activa no processo arbitral tributário, e lá não se prevê que essa legitimidade se possa perder por efeito de uma repercussão que propiciasse a identificação de um interesse, concorrente ou exclusivo, na esfera de um “repercutido” que não seja o sujeito passivo.
(…)
“A conjugação do art. 9º, 1 e 4 do CPPT com o art. 18º, 3 da LGT dissipa quaisquer dúvidas sobre a ilegitimidade processual da Requerente: têm essa legitimidade os contribuintes, e contribuinte é o “sujeito passivo” na relação tributária, a pessoa singular ou colectiva, património ou organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.
“Não sendo a Requerente sujeito passivo do ISP, de acordo com a norma de incidência subjectiva constante do art. 4.º, 1, a), do CIEC, não é responsável pelo pagamento da CSR, por força do disposto nos arts. 4.º, 1, e 5.º, 1, da Lei n.º 55/2007 – não sendo consequentemente, na qualidade de contribuinte directo, titular da relação jurídica tributária, e parte legítima no processo (art. 9º, 1 do CPTA).
(…)
“Querendo isto dizer, muito pragmaticamente, que só os sujeitos passivos aí identificados, e só quando preencham requisitos adicionais, podem suscitar questões sobre erros na liquidação”.…)”.
“E nem se diga que tal orientação é contrária ao Direito da União, porquanto, como ficou consignado, mais uma vez, na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 847/2023-T, “Sobre a possibilidade de certos interessados serem impedidos de contestar a legalidade de certos tributos (em geral ou numa específica jurisdição) já o TJUE referiu que
“na ausência de regulamentação comunitária em matéria de repetição de impostos nacionais indevidamente cobrados, cabe à ordem jurídica interna dos Estados-Membros designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais dos recursos judiciais destinados a assegurar a protecção dos direitos de que os cidadãos gozam com base no direito comunitário.
“38. Por razões de segurança jurídica, os Estados-Membros estão, em princípio, autorizados a limitar, a nível nacional, o reembolso de impostos indevidamente cobrados. Contudo, estas limitações devem respeitar o princípio da equivalência, nos termos do qual as disposições nacionais devem aplicar-se de maneira idêntica às situações puramente nacionais e às situações reguladas pelo direito comunitário, e o princípio da eficácia, que impõe que o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária não se torne praticamente impossível ou excessivamente difícil”.
“Daqui resulta que, na lógica do Direito da União, nada impede que o legislador nacional limite (e não apenas na jurisdição arbitral, embora por maioria de razão nesta, dada a sua competência por atribuição), os modos e as condições de, e os interessados na, obtenção da declaração de ilegalidade dos actos de liquidação por razões ligadas à prevalência do Direito da União – designadamente excluindo a possibilidade de quem quer que seja que não tenha tido intervenção neles suscitar a avaliação dessa desconformidade.
“Diga-se, mas apenas como obiter dictum, que tal opção legislativa, que tem de se admitir justificada face à impraticabilidade de se gerir um sistema, digamos, “aberto” (como o que resultaria dos números indicados acima), foi aliás, no que diz respeito à contrariedade de tais liquidações com o Direito da União, considerada justificável no despacho do TJUE no Processo n.º C-94/10, desde que o “comprador possa exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil”.
“Se essa condição está ou não preenchida no caso não cabe, evidentemente, a este Tribunal apurar: tal perquisição só poderia ocorrer aquando da aferição da conformidade do sistema legal de recuperação de montantes pagos a título de CSR com o Direito da União (na fase da decisão sobre o fundo), e o Tribunal já concluiu que a Requerente não está em condições de o poder levá-lo a confrontar-se com tal questão (como o poderiam fazer os sujeitos passivos da relação tributária).”
Conclusão sobre a legitimidade da Requerente e sobre as demais questões enunciadas
“Concluindo-se que o presente Tribunal Arbitral é incompetente para se pronunciar sobre o primeiro pedido da Requerente (porque não pode pronunciar-se sobre actos subsequentes aos, e autónomos dos, actos de liquidação), e resultando da lei que a Requerente é parte ilegítima para suscitar o segundo (questionar os actos de liquidação da CSR que pudessem ter alguma ligação com os ditos actos de repercussão), conclui-se que a Requerida terá de ser absolvida da instância, ficando prejudicados todos os passos seguintes no iter cognoscitivo acima delineado, incluindo as questões de constitucionalidade e o pedido de reenvio prejudicial suscitado pela Requerente na sua “réplica” (que só poderiam ser abordadas depois de se estabelecer a competência do Tribunal e a legitimidade da Requerente).
“Não se opinando sobre o mérito, ficam igualmente prejudicados os pedidos de “restituição” e de pagamento de juros indemnizatórios.”
As considerações transcritas são plenamente transponíveis para o caso dos autos.
Sublinha-se apenas que também não assiste razão à Requerente quando alega, entre o mais, que “(…) o interesse da Requerente sempre terá necessariamente de se qualificar como um interesse legalmente protegido para efeitos do disposto nos artigos 9.º, n.º 1, do CPPT e 65.º da LGT, na medida em que está em causa o reembolso de um imposto, suportado pelo mesmo, que já foi considerado ilegal pelo TJUE e pelos tribunais nacionais. (…) num Estado de Direito, vigora o princípio da tutela jurisdicional efetiva, segundo o qual a todo o direito ou interesse legal protegido tem de corresponder um meio procedimental ou processual adequado a fazê-lo reconhecer e a prevenir a sua violação” (artigos 20.º e 268.º, n.º4, da CRP).
Ora o direito à tutela judicial efectiva, em regra, não põe em causa as regras sobre a legitimidade processual activa, a menos que se demonstre que as normas que configuram essa legitimidade processual sejam inconstitucionais.
O que não vem demonstrado. Pelo contrário, ficou demonstrado que a configuração da CSR constitui um imposto conforme ao direito Constitucional e ao direito da União, porquanto a sua configuração jurídica cabe na liberdade de conformação infra constitucional do legislador ordinário.
O mesmo acontece com a liberdade do legislador para estabelecer que a legitimidade activa para impugnar as liquidações dos IEC, sejam as sociedades fornecedoras (a Requerente reconhece, aliás, que são “os sujeitos passivos formais” - Ponto 73.º do Pedido).
Como vimos, a Requerente tenta fundamentar a sua legitimidade processual activa num alegado mecanismo de repercussão legal que, ao não ser previsto pela Lei n.º 55/2007, não pode ser subvertido pelos tribunais a menos que se considerem inconstitucionais as normas pertinentes, o que, reitera-se, não vem demonstrado.
Neste sentido, pode ler-se na Decisão arbitral proferida no processo n.º 467/2023-T, citando a Decisão arbitral proferida no processo n.º 375/2023-T, que:
“44. compreende-se que o legislador não tenha adoptado um conceito irrestrito de legitimidade activa, rodeando-se de algumas cautelas, atentas as dificuldades práticas que uma tal abertura suscitaria, quer na ligação entre o acto de liquidação do imposto, a determinação da sua efectiva repercussão (económica) e a determinação do seu quantum; quer ainda no potencial desdobramento/duplicação de devoluções de imposto indevidas: simultaneamente ao sujeito passivo e ao(s) múltiplos repercutido(s) económicos da cadeia de valor. Ou seja, o mesmo imposto poderia ser restituído a diversos intervenientes, de forma dificilmente controlável e mapeável, com manifesto prejuízo para o Estado, em colisão com os princípios da igualdade e da praticabilidade.
“45. Por fim, não se diga que as ora Requerentes ficaram desprovidas de tutela, pois nada impede o ressarcimento, através de uma acção civil de repetição do indevido instaurada contra os seus fornecedores, se reunirem os devidos pressupostos, nos termos declarados pelo Acórdão do Tribunal de Justiça, de 20 de outubro de 2011, no processo C-94/10, Danfoss A/S (pontos 24 a 29). Nesta perspectiva, está acautelada a observância do princípio fundamental da tutela jurisdicional efetiva (vd. artigo 20.º da Constituição).”
De tudo quanto se deixou exposto, pode concluir-se que o presente Tribunal Arbitral é incompetente para se pronunciar sobre o pedido da Requerente, uma vez que está impedido de apreciar, no presente caso, actos subsequentes e autónomos dos actos de liquidação, resultando da lei que a Requerente é parte ilegítima para questionar os actos de liquidação de CSR, que pudessem ter alguma ligação com os actos de repercussão, pelo que a Requerida deve ser absolvida da instância (art. 278º, nº 1, alínea a) do CPC, aplicável por força do art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), ficando prejudicados todos os passos seguintes no iter cognoscitível acima delineado.
Sendo assim, fica prejudicado, como se disse, o conhecimento das questões de mérito, e, consequentemente, o pedido de restituição da quantia paga e o pagamento de juros indemnizatórios.
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DECISÃO
Termos em que decide este Tribunal Arbitral:
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Julgar este Tribunal Arbitral incompetente para se pronunciar sobre o pedido de declaração de ilegalidade dos actos de repercussão da CSR, consubstanciados nas facturas referentes ao gasóleo rodoviário adquirido pela Requerente, durante o período indicado no PPA.
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Julgar a Requerente parte ilegítima para suscitar a declaração de ilegalidade das liquidações de CSR em causa, efectuadas pela Requerida, com base nas DIC submetidas pelas respectivas fornecedoras de combustível.
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E, consequentemente, absolver a Requerida da instância e condenar a Requerente nas custas do processo.
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Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em 1.405,26 euros, nos termos do artigo 97º-A, nº 1, a), do Código de Procedimentos e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 29º do RJAT e do nº 2 do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária
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Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 306,00 euros, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12º, nº 2, e 22º, nº 4, ambos do RJAT, e artigo 4º, nº 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
(Esta decisão foi redigida pela ortografia antiga)
Lisboa,10 de Fevereiro de 2025
O Árbitro
(José Nunes Barata)