Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 844/2024-T
Data da decisão: 2025-03-06   Outros 
Valor do pedido: € 781.106,56
Tema: Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário. Inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade tributária.
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SUMÁRIO:

  1. É ilegal a liquidação de Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário por inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria esse imposto, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24.07, por violação do princípio da igualdade tributária, ínsito no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, na dimensão de proibição do arbítrio.
  2. Os tribunais arbitrais em matéria tributária têm competência, quando seja o caso, para condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 2, e 100.º, da LGT, e do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, em conformidade com o artigo 24.º, n.º 1, alínea b), e n.º 5, do RJAT.
  3. Há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, da LGT, na sequência de decisão arbitral, transitada em julgado, que julgue a inconstitucionalidade da norma legislativa em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

A..., S.A. com o número único de matrícula, identificação fiscal e pessoa coletiva ..., com sede na ..., n.º..., ...-... Lisboa (“Requerente”), apresentou, em 05.07.2024, nos termos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”), bem como dos artigos 95.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e d), da Lei Geral Tributária (“LGT”), e 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), pedido de constituição de tribunal arbitral, com vista à apreciação da legalidade do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2024..., contra a liquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário (“ASSB”) efetuada através da guia n.º ..., e bem assim da legalidade desta liquidação.

É Requerida no pedido a Autoridade Tributária e Aduaneira.

Por decisão do Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa foram designados os signatários como árbitros no processo arbitral, tendo as nomeações sido aceites, no prazo e termos legalmente previstos.

Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de as recusar, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e nos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico.

Nestas circunstâncias, e em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 e n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 13.09.2024.

Por despacho do tribunal de 16.09.24, nos termos do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT, a Requerida foi notificada para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, e, no mesmo prazo, remeter ao Tribunal cópia do processo administrativo, o que esta fez em 17.10.2024.

Por despacho de 17.12.2024, o Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º, do RJAT, e concedeu às Partes prazo para apresentação de alegações finais escritas, tendo a Requerida apresentado as alegações em 20.01.2024. O Requerente não apresentou alegações.

 

II - POSIÇÃO DAS PARTES

 

  1. Da Requerente

 

Na sua petição inicial, alega a Requerente que:

  • A lei que aprova o imposto sofre de inconstitucionalidade por “desvio de poder tributário , o que se manifesta no facto de o legislador, aquando da criação do imposto, ter tentado fazê-lo passar por uma contribuição financeira acessória de outra contribuição – a Contribuição sobre o Setor Bancário (“CSB”) – quando tal não é possível, por o ASSB ser um imposto especial sobre o sector bancário, totalmente autónomo face à CSB;
  • Sendo que um imposto, pela sua própria natureza, não pode ser acessório ou adicional de uma contribuição financeira, pelo que a técnica legislativa mencionada e merecedora de censura, de tentar habilidosa e artificialmente ligar o ASSB à CSB, viola o procedimento legislativo e o princípio da legalidade fiscal que resulta da conjugação do disposto nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”);
  • O ASSB viola os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, na vertente de proibição do arbítrio, uma vez que não existe qualquer manifestação de capacidade contributiva - rendimento, património ou consumo - na base de incidência objetiva do ASSB, sendo um imposto que incide sobre passivos- maxime os depósitos dos clientes - e não sobre rendimento;
  • O facto de as operações praticadas pelas instituições bancárias estarem isentas de IVA não serve para validar o imposto do ponto de vista da do respeito pelo princípio da capacidade contributiva e, uma vez que essa isenção é um ónus e não uma vantagem;
  • O ASSB é um imposto inconstitucional na medida em que, incidindo apenas sobre as entidades do setor bancário sem que para isso se encontre uma justificação admissível, constitui uma discriminação violadora do princípio da igualdade, na sua vertente de proibição do arbítrio, pelo facto de o ASSB introduzir arbitrariamente uma discriminação entre o setor bancário e os demais setores de atividade económica e ainda por haver uma violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária, na medida em que não incide sobre indicadores possíveis de revelação dessa capacidade, como seja o rendimento, o consumo ou o património;
  • O ASSB é um imposto incompatível com o Direito suprapositivo, ie com os princípios básicos ordenadores da praxis social, ao tomar como base o passivo das entidades bancárias, o qual não manifesta capacidade contributiva;
  • O ASSB viola também o direito orçamental, uma vez que a Lei do Orçamento do Estado (“LOE”) Suplementar do ano de 2020 não respeita a regra da especificação e da não consignação das receitas públicas, como consta do artigo 17.º da Lei de Enquadramento Orçamental, uma lei de valor reforçado, em cumprimento do disposto nos artigos 105.º e 106.º da CRP;
  • Isto porque nem na LOE de 2020, nem na LOE Suplementar de 2020, há qualquer referência às receitas deste imposto especial, a ASSB, não sendo possível apurar com a devida segurança e a clareza necessária a caracterização, a natureza e a classificação da receita em causa;
  • Tal determina a nulidade das normas que queriam o ASSB e preveem a sua cobrança por violação do princípio da especificação das receitas;
  • O artigo 9.º do anexo VI da LOE Suplementar 2020, que criou o ASSB, quando dita que a receita do adicional de solidariedade sobre o setor bancário constitui receita geral do Estado, sendo integralmente consignado ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, viola o princípio de não consignação de receitas em violação da LOE; e
  • A observação das normas do ASSB conduziu a que o mesmo passivo tenha sido tributado quatro vezes há anos sucessivos, o que constitui uma tributação desproporcionada e exagerada.

 

  1. Da Requerida

 

Em síntese, a Requerida alega o seguinte, na sua resposta:

  • No âmbito da sua liberdade de conformação ou discricionariedade legislativa, o legislador entendeu dever sujeitar as instituições de crédito ao ASSB como forma de compensar a isenção de IVA aplicável aos serviços e operações financeiras por força do disposto no n.º 27 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e, com isso, reduzir a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais setores de atividade sujeitos e não isentos de IVA;
  • Sendo isso o que, claramente, resulta da norma do n.º 2 do artigo 1.º do Anexo VI da Lei n.º 27- A/2020, de 24 de julho, que aprovou o regime do ASSB, a qual, pela sua clareza, se transcreve ipsis verbis: “O adicional de solidariedade sobre o setor bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores”;
  • Ora, considerando que o IVA constitui, per se, uma das fontes de financiamento da Segurança Social, através da consignação de uma parcela da sua receita para essa finalidade (o denominado “IVA social”), a criação do ASSB como forma de contrabalançar a isenção de IVA associada aos serviços e operações financeiras, com a consequente consignação da sua receita ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), apresenta-se como uma opção natural e, certamente, coerente do legislador;
  • Ora, em razão da isenção de que a esmagadora maioria dos serviços e operações financeiras beneficia ao abrigo do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, o “IVA social” onera, pelo menos essencialmente, apenas os setores não financeiros.
  •  Ao que acresce ainda o facto de, desde 2011, todos os trabalhadores do setor bancário terem passado a integrar o regime geral de segurança social, incluindo-se aqui os trabalhadores de sucursais nacionais de bancos estrangeiros, que beneficiam do sistema de segurança social nos mesmos termos dos trabalhadores dos bancos nacionais;
  • Sendo, por isso, razoável e materialmente justificado que um setor reconhecidamente subtributado em matéria de fiscalidade indireta, como é o caso do setor financeiro e, em concreto, das instituições de crédito, seja, também ele, chamado a contribuir para o sistema de segurança social;
  • Contudo, essa isenção não é inócua, uma vez que não se limita a minimizar as dificuldades de determinação da base tributável, tendo ainda o efeito de beneficiar, em termos de carga fiscal, o exercício de atividades financeiras, de modo a evitar um aumento do custo do crédito ao consumo, tal como tem sido reiteradamente afirmado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), por exemplo, nos acórdãos de 19 de abril de 2007 (C 455/05, Velvet & Steel Immobilien, n.º 24), de 22 de outubro de 2009 (C 242/08, Swiss Re Germany Holding, n.º 49), de 10 de março de 2011 (C 540/09, Skandinaviska Enskilda Banken, n.º 21), de 26 de maio de 2016 (C 607/14, Bookit, n.º 55) e de 6 de outubro de 2022 (C 250/21, O. Fundusz Inwestycyjny Zamknięty reprezentowany przez O, n.º 41);
  • Aliás, este benefício é ainda mais patente no caso dos serviços e operações financeiras que, apesar de também estarem isentas de IVA, proporcionam o direito a dedução do imposto suportado a montante, em conformidade com o disposto na subalínea v), da alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA, por transposição da norma prevista na alínea c) do artigo 169.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (“Diretiva do IVA”);
  • E não se diga que a isenção aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras não representa, em bom rigor, um benefício efetivo para os sujeitos passivos, in casu, as instituições de crédito, por se tratar de uma isenção simples ou incompleta, ou seja, que não confere direito a dedução do imposto suportado a montante nas operações internas;
  • Desde logo porque admitir que a tributação em IVA dos serviços e operações financeiras, com a consequente possibilidade de dedução do IVA suportado a montante para a sua realização, é que seria benéfica para o setor bancário, aumentando o seu lucro, significaria, na prática, que a atividade deste setor não gera valor acrescentado em termos de resultado dos exercícios, o que não se crê, mesmo empiricamente, que seja verosímil;
  • Pelo que o entendimento de que o setor financeiro é, afinal, prejudicado com as isenções simples ou incompletas de IVA assenta numa lógica falaciosa;
  • Na verdade, em Portugal, somente uma parte diminuta da atividade financeira das instituições de crédito está sujeita a tributação indireta, mais concretamente em sede de Imposto do Selo, o qual, aliás, desde a reforma do Código do Imposto do Selo (“CIS”) levada a cabo pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, apresenta um mecanismo de funcionamento semelhante ao do IVA, porquanto o imposto é liquidado e entregue ao Estado pelo sujeito passivo e repercutido no adquirente;
  • Isto porque a isenção de IVA aplicável aos serviços e operações financeiras em que se consubstancia parte do negócio das instituições de crédito – designadamente, operações de receção de depósitos, concessão de crédito, cobrança de juros e comissões, e garantias – é, apenas em parte, colmatada pela incidência da verba 17 da Tabela Geral de Imposto do Selo (“TGIS”);
  • Porém, não só as taxas aplicáveis em sede de Imposto do Selo são substancialmente inferiores à taxa média do IVA, como não estão abrangidos, de resto, outros serviços e operações em que as instituições de crédito intervêm e que estariam sujeitas a IVA se não estivessem isentas, nomeadamente as transações financeiras e as locações financeiras;
  • Donde resulta possível inferir, desde logo, que a receita do Imposto do Selo incidente sobre os serviços e operações financeiras é, em termos comparativos, consideravelmente mais baixa do que aquela que seria arrecadada com a tributação, em sede de IVA, do valor acrescentado pela atividade bancária;
  • A justificação aduzida pelo legislador para sujeitar as instituições de crédito ao ASSB tem como fundamento material a ideia de justiça fiscal, mais concretamente de reposição da igualdade através da distribuição do esforço tributário entre os diversos operadores económicos, reduzindo-se assim a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e aquela, mais penosa, que onera os demais setores de atividade, atenta a isenção de IVA de que os serviços e operações financeiras beneficiam e que é apenas parcialmente colmatada, em matéria de fiscalidade indireta, pela tributação em sede de Imposto do Selo;
  • Pelo que as instituições de crédito são, também elas, chamadas a contribuir, na medida da sua capacidade contributiva, para as receitas públicas, mais especificamente para o financiamento do sistema de segurança social, tal como sucede, por exemplo, com os restantes setores de atividade através do denominado “IVA social”;
  • Podendo-se concluir que a criação do ASSB apenas violaria o princípio da igualdade se os setores não financeiros não estivessem sujeitos a uma tributação indireta equivalente ou, pelo menos, comparável;
  • O princípio da capacidade contributiva determina que a carga económica inerente ao imposto seja regulada de modo a acompanhar as variações de poder aquisitivo do sujeito passivo que se encontra adstrito ao pagamento do mesmo, sem nunca olvidar a finalidade do tributo;
  • O ASSB configura um imposto indireto;
  • O ASSB assume-se como um imposto que visa colmatar a ausência do IVA (também ele um imposto indireto) tendo como alvo um determinado setor que dele é isento, assumindo um recorte idêntico ao da CSB, no que toca à incidência objetiva - abarca operações registadas no passivo e instrumentos financeiros derivados fora do balanço;
  • E, dado que os sujeitos passivos do ASSB, são, grosso modo, instituições de crédito, conforme estatui o ante citado artigo 2.º do Regime do ASSB, afigura-se-nos como pouco provável, ou até mesmo inexequível, a escolha de um outro critério, mais adequado, por forma a alcançar a manifestação da capacidade contributiva destas entidades;
  • Uma vez que, essa mesma capacidade se revela nos efeitos incrementais da atividade desenvolvida, induzidos pelos fundos obtidos de variadas fontes, expressos no passivo das instituições qualificadas como sujeitos passivos;
  • O valor do passivo e o valor dos derivados fora do balanço são fatores que fatores que recaem, efetivamente, sobre a realidade económica relevante dos sujeitos passivos visados, o que permite mensurar, de forma rigorosa, a sua capacidade contributiva.

 

III - SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, todos do RJAT, e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (artigos. 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º , da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

O processo não enferma de nulidades, não tendo sido invocadas quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.

Pelo que nada obsta ao conhecimento do mérito do pedido.

IV - QUESTÕES A DECIDIR

São questões a decidir no presente processo:

  1. Saber se o regime do ASSB viola o princípio da igualdade tributária decorrente do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º, da CRP, ao incidir apenas sobre as entidades do setor bancário;
  2. Saber se o regime do ASSB viola o princípio da capacidade contributiva, ínsito no princípio da igualdade tributária, consagrado no artigo 13.º, da CRP, ao incidir sobre um conjunto de passivos dos bancos, não sendo o passivo de uma entidade nem rendimento, nem património, nem despesa;
  3. Saber se o regime do ASSB viola a regra da não consignação das receitas dos impostos, constante do artigo 16.º, da Lei de Enquadramento Orçamental (Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro);
  4. Saber se o regime do ASSB viola a regra da especificação orçamental das receitas e despesas do Estado, estabelecida no artigo 17.º, da Lei de Enquadramento Orçamental;
  5. Saber se a liquidação impugnada enferma do vício de tributação desproporcionada; e
  6. Saber se o regime do ASSB é incompatível com o Direito suprapositivo.

Aplicando-se o disposto no artigo 124.º, do CPPT (aplicável ao processo arbitral tributário por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT), não tendo sido arguidos vícios que possam conduzir à declaração de inexistência ou nulidade dos atos impugnados, não estabelecendo a Requerente uma relação de subsidiariedade entre os vícios arguidos, e devendo ser apreciados, em primeiro lugar, os vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, as questões serão apreciadas pela ordem em que estão indicadas.

 

V - FUNDAMENTAÇÃO

  1. MATÉRIA DE FACTO

Consideram-se provados os seguintes factos, com relevância para a apreciação de todas as questões a apreciar pelo tribunal:

  1. O Requerente é uma instituição de crédito residente em Portugal, do tipo previsto na alínea a) do artigo 3.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, e cujo objeto social consiste no exercício da atividade bancária, incluindo todas as operações compatíveis com essa atividade e permitidas por lei;
  2. Enquanto instituição de crédito, o Requerente ficou sujeito ao pagamento do ASSB, criado e disciplinado pelo artigo 18.º e pelo anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que procedeu à segunda alteração da Lei n.º 2/2020, de 31 de março (LOE para 2020, doravante designada por “LOE 2020”);
  3. Em 30 de junho de 2023, o Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB, devida em 2023, tendo por base o passivo apurado nas contas do ano de 2022, através da entrega da declaração Modelo 57;
  4. Nesse mesmo dia, o Requerente procedeu ao pagamento do imposto apurado na referida autoliquidação, no valor de 781.106,56 Euros;
  5. Em 31 de janeiro de 2024, o Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação de ASSB, tendo a mesma sido tramitado com o número de processo ...2024...;
  6. Em 02.04.2024, foi emitida decisão definitiva de indeferimento da reclamação graciosa; e
  7. Em 05.07.2024, a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral contra essa decisão de indeferimento da reclamação graciosa e contra a liquidação de ASSB subjacente.

Não existem outros factos alegados com relevância para a pronúncia que devam ser considerados provados ou não provados.

A apreciação da matéria de facto foi efetuada com base na prova documental junta ao processo, nomeadamente o processo administrativo junto pela Requerida.

 

  1. DISCUSSÃO DE DIREITO
  1. Natureza jurídica do ASSB

Antes de entrar na análise das questões controvertidas, importa declarar a total concordância do Tribunal Arbitral com a qualificação do ASSB como um imposto.

A natureza jurídica do tributo em causa poderia, efetivamente, suscitar dúvidas, uma vez que o mesmo foi concebido e é apresentado pelo legislador como um adicional à CSB. Sendo um adicional a um tributo qualificado pelo legislador como contribuição financeira, o ASSB teria, em princípio, a mesma natureza jurídica.

No entanto, para poder ser qualificado como contribuição financeira, o ASSB teria que ter a característica da comutatividade genérica ou grupal, o que exigiria que a receita do tributo fosse destinada a financiar despesas públicas que fossem, ou especialmente provocadas pela atividade dos sujeitos passivos do tributo, ou dirigidas a permitir ou melhorar as condições da atividade dos sujeitos passivos.

Tal comutatividade não se verifica no ASSB, uma vez que este incide sobre as instituições de crédito, suas sucursais e filiais, constituindo o seu produto uma receita geral do Estado, embora consignada ao financiamento da Segurança Social, através do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (artigo 9.º do regime jurídico do ASSB, constante do Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho). Não existindo, pois, qualquer comutatividade no tributo.

Assente, assim, que nos encontramos perante um imposto, podemos tratar de analisar as questões controvertidas, das quais depende a decisão da causa.

 

  1. Questão de saber se o ASSB viola o princípio da igualdade tributária decorrente do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º, da CRP, ao incidir apenas sobre as entidades do setor bancário

O princípio da igualdade tributária não se encontra reconhecido de forma autonomizada na CRP em vigor, mas decorre do princípio da igualdade consagrado no seu artigo 13.º (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional - “TC” - n.º 620/2015, de 03.12.2015, no processo n.º 305/2015, relator Conselheiro Cura Mariano).

A doutrina e a jurisprudência, e em especial a jurisprudência do TC, têm afirmado que o princípio da igualdade tributária comporta várias dimensões ou vertentes.

Uma dessas dimensões, a primeira a ser colocada em prática historicamente, é a dimensão formal, ou da igualdade perante a lei, que significa a aplicação da lei de imposto a todos os que dela sejam sujeitos passivos, uniformemente, i.e., sem distinções, privilégios ou discriminações (cfr. Acórdão do TC, em Plenário, n.º 142/85, de 30.07.1985, no processo n.º 75/83, relator Conselheiro Cardoso da Costa).

Já na sua dimensão material, ou de igualdade na lei, o princípio da igualdade tributária significa que o legislador está obrigado a tratar todos os cidadãos de modo igual. Se o não fizer, porque o princípio da igualdade tributária, nesta dimensão material, se configura como um direito fundamental, o ato que aplica a lei estará ferido de ilegalidade, podendo nessa medida ser sindicado pelos tribunais. Esta dimensão material do princípio da igualdade tributária comporta ainda várias subdimensões.

Assim, o princípio da igualdade tributária tem, desde logo, uma dimensão negativa, que significa a proibição do arbítrio e da discriminação (cfr. Acórdão do TC, 1.ª secção, n.º 545/2019, de 16.10.2019, no processo n.º 1067/2018, relatora Conselheira Fátima Mata-Mouros), por parte de todos os poderes públicos, mas em primeiro lugar do legislador, na feitura das leis fiscais.

Na sua dimensão material positiva, o princípio da igualdade tributária ainda se pode decompor em várias vertentes. Uma delas é a da generalidade ou universalidade, que se refere ao dever fundamental de pagar impostos e significa que todos os cidadãos (incluídas pessoas coletivas) se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos. Neste sentido, pode citar-se o Acórdão do TC n.º 348/97, de 29.04.1997, no processo n.º 63/96, relator Conselheiro Monteiro Diniz, em que se afirma: “No âmbito dos impostos fiscais que aqui interessa considerar (...), a sua repartição deve assim obedecer ao princípio da igualdade tributária, fiscal ou contributiva que se concretiza na generalidade e na uniformidade dos impostos, sendo que, como ensina Teixeira Ribeiro (...) "generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos, não havendo entre eles, portanto qualquer distinção de classe, de ordem ou de casta, isto é, de índole meramente política”.

A segunda vertente material da igualdade tributária é a da uniformidade, a qual pressupõe a generalidade da lei, e exige ainda que o dever de cada cidadão de pagar impostos seja aferido por um mesmo critério (Ibidem). No nosso ordenamento constitucional tributário, o critério de comparação (tertium comparationis) que serve para aferir a igualdade e a desigualdade tributárias é, por força dos atuais artigos 103.º e 104.º, da CRP, o da capacidade contributiva (Ibidem).

No caso sub judice está em causa, conforme alega a Requerente, o princípio da igualdade tributária na sua dimensão negativa de proibição do arbítrio, porquanto o ASSB aplica-se apenas às entidades do setor bancário.

Em primeiro lugar, importa observar que o princípio da igualdade na aceção de proibição do arbítrio, não significa absoluta uniformidade da lei tributária. O que se proíbe são “discriminações ou igualizações arbitrárias, usando critérios distintivos manifestamente irracionais ou “sem fundamento material bastante” (cfr. Acórdão do TC, Plenário, n.º 344/2019, de 04.06.2019, no processo n.º 673/2017, relator Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro).

Ora, o próprio legislador justifica a criação do ASSB dizendo (cfr. artigo 1.º,  n.º 2, do regime do ASSB) que “o adicional de solidariedade sobre o setor bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores.” Ou seja, o ASSB aplica-se apenas aos bancos porque visa compensar a isenção dos serviços bancários em IVA, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores de atividade.

Efetivamente, as operações financeiras bancárias, assim como as operações de seguro e resseguro (cfr. alínea 27 do artigo 9.º do CIVA), encontram-se isentas de IVA.

É algo nebulosa a razão pela qual, aquando da adoção, pelo Conselho das Comunidades Europeias, do sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, em 1967[1], foi tomada a decisão de isentar deste imposto os serviços financeiros e os de seguros. A maioria dos autores enfatizam as razões técnicas, relacionadas com a dificuldade em determinar o preço dos serviços financeiros.[2] Outros autores, porém, referem também razões políticas e históricas.[3] O que parece isento de dúvida é que não existe uma justificação extrafiscal por trás da isenção de IVA que se aplica aos serviços financeiros (bem como aos de seguro e resseguro) desde então até à atualidade. A isenção de IVA sobre as operações bancárias constitui assim não apenas uma rutura com o princípio da generalidade da lei fiscal, mas uma rutura que não se justifica por razões extrafiscais.

Ora, em princípio, se o princípio da uniformidade da lei de imposto admite, como vimos, exceções, e se ao abrigo dessa possibilidade foi concedida aos serviços bancários isenção de IVA, sem que para isso existam razões de extrafiscalidade que compensem os restantes cidadãos contribuintes por esse alívio fiscal, afigura-se lógico reconhecer ao legislador, dentro da sua ampla liberdade de conformação das leis, a liberdade de contrabalançar esse regime de exceção com outro regime de exceção, o qual poderia, até, justificar-se precisamente com o princípio da igualdade tributária.

Poderíamos dizer que estaríamos aqui, ainda, perante uma concretização do princípio da igualdade no sentido de se dar “tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais)” (cfr. Acórdão do TC n.º 232/2003, de 13.05.2003, no processo n.º 306/03, relator Conselheiro Rui Moura Ramos).

Sendo que a atividade financeira e as atividades de seguro e resseguro não podem ser tributadas em IVA por razões técnicas, que consistem numa impossibilidade de determinar o respetivo valor acrescentado, esta é uma desigualdade que justifica um tratamento desigual no âmbito do IVA e que justificaria um tratamento desigual que procurasse compensar essa não tributação.

Contudo, se a razão da criação do ASSB fosse realmente a que ficou descrita, para que o tributo pudesse ser compatível com o subprincípio da generalidade da lei fiscal, seria forçoso que todas as atividades que, por razões técnicas (não extrafiscais), não são abrangidas pelo IVA, como as operações de seguro e resseguro, ou outras, ficassem abrangidas pelo novo tributo, o que não acontece.

Uma vez que o legislador também não esclarece por que motivo apenas as atividades bancárias são abrangidas pelo novo imposto, há que concluir estarmos perante uma situação de arbítrio legislativo, proibido pelo princípio da igualdade tributária no princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei consagrado no artigo 13.º, da CRP.

Acresce que o TC já declarou a inconstitucionalidade do regime que instituiu o ASSB, por ofensa ao princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio, pelas razões seguintes (cfr. Acórdão n.º 592/2024, de 24.09.2024, no processo n.º 477/2023, relatora Conselheira Maria Benedita Urbano, citando o Acórdão n.º 469/2024, de 19.06.2024, no processo n.º 405/2023, relator Conselheiro José António Teles Pereira):

  1. O ASSB tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras e incide sobre instituições de crédito sediadas em território português e filiais ou sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português;
  2. Não obstante a similitude de incidência com a CSB, o ASSB não pode ser entendido como uma tributação acessória ou adicional do CSB, nem constitui uma contribuição de estabilidade financeira;
  3. A justificação apresentada não colhe, tendo em conta a natureza e efeitos da isenção de IVA nas operações financeiras;
  4. Não é possível determinar objetivamente o critério de diferenciação que conduziu o legislador a sujeitar as instituições de crédito a um imposto especial sobre o setor bancário, nem é possível discernir qual a sua real fundamentação;
  5. Não tem justificação que, simultaneamente, sejam excluídas outras categorias de atividades que se encontram igualmente isentas e que poderão revelar idêntica ou superior capacidade contributiva e se desconsidere: o caráter obrigatório de várias deduções; que a isenção simples não confere o direito à dedução do imposto a montante, e não representa, por isso, uma efetiva vantagem para o sujeito passivo, bem que essa isenção já é contrabalançada pelo imposto do selo;
  6. Assim, a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado”.

A mesma jurisprudência foi sufragada pelo TC no Acórdão n.º 507/2024, de 28.06.2024, no processo n.º 405/2023, relator Conselheiro José António Teles Pereira

Conclui-se, assim, pela inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o ASSB, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24.07, por violação do princípio da igualdade tributária, ínsito no artigo 13.º, da CRP.

Consequentemente, encontra-se ferida de ilegalidade a liquidação de ASSB impugnada, na medida em que aplicou tais normas.

Desta forma, concluindo-se pela ilegalidade da liquidação de ASSB em crise, por violação do princípio constitucional da igualdade tributária, na dimensão de proibição do arbítrio(artigo 13.º, CRP) por parte da lei que o cria, ficam prejudicadas todas as restantes questões elencadas como questões a apreciar.

 

  1. Juros indemnizatórios

Dispõe a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, que a “decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, (…) Restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

Tal dispositivo está em sintonia com o disposto no artigo 100.º, da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, no qual se estabelece que: “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que nos remete, nomeadamente, para o disposto no artigo 43.º, da LGT, e para o artigo 61.º, n.º 5, do CPPT.

Dispõe, por sua vez, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

O artigo 43.º, da LGT pressupõe que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial – ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.

Erro imputável aos serviços”, significa, de acordo com jurisprudência firmada e unânime, qualquer ilegalidade que fira o ato objeto do pedido (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo – “STA” -, 2.ª Secção, de 08.03.2017, no processo n.º 01019/14, relator Conselheiro Pedro Delgado), desde que não seja um erro formal. Ou seja, qualquer violação de lei por erro nos pressupostos de facto ou de direito.

O “erro imputável aos serviços” compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afetada pelo erro (cfr. Acórdão do STA, 2.ª Secção, de 14.03.2012, no processo n-º 01007/11, relatora Conselheira Dulce Neto).

No que diz respeito, concretamente, à verificação de “erro imputável aos serviços” em caso de violação de norma inconstitucional, com a entrada em vigor da alínea d) ao n.º 3 do artigo 43.º da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, deixou de ser discutível a possibilidade de atribuição de juros indemnizatórios em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução (cfr. Acórdão do STA, 2.ª Secção, de 12.02.2025, no processo n.º. n.º 01527/16.8BELRS, relatora Conselheira Anabela Russo).

Por seu turno, o artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, prescreve que os “juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos”.

Quanto à questão da competência do tribunal arbitral para condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, a questão foi decidida pelo Tribunal Central Administrativo-Sul (cfr, Acórdão de 12.06.2014, processo n.º 06224/12, relator Pedro Marchão Marques), em sentido afirmativo, nos seguintes termos:

“Continuando, vejamos agora a questão da suscitada incompetência para a condenação em juros indemnizatórios. Dispõe o n.º 5 do art. 24.º do RJAT que: “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Donde, contrariamente ao afirmado pelo Impugnante, a decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do ato tributário (cfr. conclusão G. supra). É que apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação, pode nele ser proferida condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios (ou indemnização por prestação de garantia indevida).

De igual modo, se deverá entender que os pedidos de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida são pretensões relativas a atos tributários (v.g. de liquidação ou de autoliquidação), que visam explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, consagrado no art. 24.º, n.º 1, al. b) do RJAT.

Pelo que, concluindo como Jorge Lopes de Sousa: “insere[-se] nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios e a fixação de indemnização por garantia indevida” (cfr. ob. cit., p. 116; sobre os juros indemnizatórios pode ver-se do mesmo Autor, Juros nas relações tributárias, in Problemas fundamentais do Direito tributário, Lisboa, 1999, p. 155 e s.).

Assim, nos processos arbitrais tributários há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 2, e 100.º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Pelo que, inserindo-se a decisão arbitral proferida de condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, contados entre a data do pagamento do IRS indevido e a data do reembolso, no leque de competências do tribunal arbitral, quanto a esta parte, tem a impugnação, também, que improceder.”

 

Não tem, pois, razão a Requerida ao alegar que a incompetência do Tribunal Arbitral para a condenar ao pagamento de juros indemnizatórios, sendo que estes são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT), sobre a quantia que a Requerente pagou, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

 

 

 

 

 

VI - DECISÃO

Pelo exposto, o Tribunal Arbitral decide:

  1. Declarar materialmente inconstitucional as normas consagradas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, por violação do princípio da igualdade tributária ínsito no artigo 13.º, da CRP, na dimensão de proibição do arbítrio;
  2. Julgar totalmente procedente o pedido de anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2024..., apresentada contra a liquidação do ASSB efetuada através da guia n.º ...;
  3. Julgar totalmente procedente o pedido de anulação da liquidação de Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário correspondente à guia n.º ...;
  4. Condenar a Requerida à restituição do imposto indevidamente pago; e
  5. Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, da LGT, e do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, sobre o montante de imposto indevidamente pago, desde a data do pagamento até à data da emissão da respetiva nota de crédito.

 

VII - VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do Código do Processo Civil, e 97.º-A, do CPPT, e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em 781.106,56 € (setecentos e oitenta e um mil, cento e seis euros e cinquenta e seis cêntimos).

 

VIII - CUSTAS ARBITRAIS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 11.322,00 € nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida.

Registe-se e notifique-se.

Notifique-se o Ministério Público nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional.

 

 

 

 

Lisboa, 6 de Março de 2025

 

Os Árbitros

 

 

(Carla Castelo Trindade – Árbitro presidente)

 

 

(Marisa Isabel Almeida Araújo – Árbitro vogal)

Com evolução de raciocínio face à matéria de juros

 

(Nina Aguiar - Árbitro vogal e relatora)

 

 



[1] Segunda Diretiva do Conselho 67/228/EEC de 11 de abril de 1967 sobre a harmonização da legislação dos Estados Membros relativa a impostos sobre o volume de negócios – Estrutura e procedimentos para a aplicação do sistema comum de um imposto sobre o valor acrescentado, JOCE 1303/67 14.04.67.

[2] Rita de La Feria, The EU VAT treatment of insurance and financial services (again) under review, EC Tax Review, 2007, 2, p. 74; Claus Bohn Jespersen, Intermediation of Insurance and Financial Services in European VAT, Wolter Kluwer Law & Business, 2011, p. 184;  Oskar Henkow, Financial activities in European VAT – A theoretical and legal research of the European VAT system and the actual and preferred treatment of financial activities, Kluwer Law International, 2008, p. 97.

[3] Claus Bohn Jespersen, op. cit., p. 182.