Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1149/2024-T
Data da decisão: 2025-02-24  IRS  
Valor do pedido: € 12.142,17
Tema: IRS. Inutilidade superveniente da lide. Extinção da Instância
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Sumário:

Ocorre inutilidade superveniente da lide e consequente extinção da instância se o Requerente obteve a plena satisfação do pedido em virtude da anulação integral pela AT, após a constituição do Tribunal Arbitral, do ato de liquidação impugnado.

 

DECISÃO ARBITRAL

O signatário, Manuel Lopes da Silva Faustino, que também usa Manuel Faustino, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente tribunal arbitral singular, decide o seguinte:

 

I. RELATÓRIO

  1. A..., contribuinte fiscal n.º..., fiscalmente representado pela B..., S.A., sociedade comercial por ações com o número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva..., com sede na Rua..., ...-... ..., (Requerente), na sequência da formação da presunção do indeferimento tácito da Reclamação Graciosa apresentada em 26 de março de 2024,  com vista à anulação do ato tributário de liquidação de IRS n.º 2023..., de 20-01-2023, com o valor de imposto apurado de € 10.724,75 e juros compensatórios pelo retardamento da liquidação de €1.417,42, realizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida ), relativo ao período de 2019, vem, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, no n.º 2 do artigo 5.º, no n.º 1do artigo 6.º e na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), no n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável ex vi da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, e, bem assim, nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade do indeferimento tácito da reclamação graciosa (objeto imediato) e da liquidação de IRS impugnada (objeto mediato).
  2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, que deu entrada no CAAD em 22 de outubro de 2024, foi aceite pelo Senhor Presidente em 23 do mesmo mês e ano e automaticamente notificado à Requerida.
  1. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 11 de dezembro de 2024, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
  1. No pedido de pronúncia arbitral o Requerente alega que, tendo a sua residência fiscal no Brasil, o ato de liquidação de IRS que impugna, padece do vício de violação de lei, por desrespeito do princípio da legalidade tributária. Em concreto, estando em causa uma alienação onerosa de ações por si detidas, embora em território português, esta só pode ser tributada no Brasil, de acordo com a Convenção de Dupla Tributação Internacional assinada e em vigor entre Brasil e Portugal, pela que a tributação em Portugal é ilegal. E, consequentemente, o ato de liquidação não pode subsistir na ordem jurídica portuguesa.
  1. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 02 de janeiro de 2025.
  1. Em 3 de janeiro de 2025, foi proferido despacho arbitral a determinar a notificação da Requerida para apresentar resposta, apresentar novos elementos de prova e juntar o Processo Administrativo (PA) nos termos do artigo 17.º do RJAT.
  1. Em 9 de janeiro de 2025, a Requerida apresentou requerimento a informar os autos sobre a revogação do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, anulando integralmente a liquidação contestada.
  2. Por despacho de 10 de janeiro de 2025, foi o Requerente notificado para se pronunciar sobre o prosseguimento do pedido arbitral, nada tendo dito. 

 

 

II. SANEAMENTO

  1. O Tribunal Arbitral coletivo foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo não enferma de nulidades.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

§1 –   Factos provados

  1. Analisada a prova documental apresentada pelo Requerente, produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
  1. Notificado para o efeito pela Direção de Finanças do Porto, o Requerente apresentou, em 19 de outubro de 2023, a declaração modelo 3 de IRS, para declarar a venda de valores mobiliários (ações) que, naquele ano, efetuou em território português (Cf. Doc. 5, anexo à RG junto sob o doc. 2);
  2. Na sequência, a Requerida emitiu o ato de liquidação de IRS n.º IRS n.º 2023..., de 20-10-2023, com o valor de imposto apurado de € 10.724,75 e juros compensatórios pelo retardamento da liquidação de €1.417,42 (cf. Doc. 2)
  3. O Requerente procedeu voluntariamente ao pagamento da liquidação dentro do prazo de pagamento voluntário (cf. Doc. 6);
  4. O Requerente remeteu tempestivamente, por correio registado, tendo-se como apresentada nessa data, em 26 de março de 2024, reclamação graciosa dirigida ao Chefe do Serviço de Finanças da...(Cf. Doc. 2 e comprovativos do registo postal e de e-mail);
  5. A Requerida não se pronunciou sobre a reclamação graciosa apresentada pelo Requerente, tendo-se constituído legalmente a presunção de indeferimento tácito em 26 de julho de 2024;
  6. Em 22 de outubro de 2024 o Requerente apresentou, tempestivamente nos termos legais, o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo;
  7. O Requerente, à data dos factos, era residente na República Federativa do Brasil, como comprovou através de certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades competentes (Cf. Doc. 7)
  8. Por despacho de 2 de janeiro de 2025, da Exma. Subdiretora-geral da AT, da área dos Impostos sobre o Rendimento, foi deferido o pedido do Requerente, com a consequente revogação do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, anulando a liquidação contestada (cf. Requerimento da Requerida de 9 de janeiro de 2025)

§2 –   Factos não provados 

  1. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que se tenham considerados como não provados.

§3 –   Fundamentação da fixação da matéria de facto

  1. Ao Tribunal Arbitral compete selecionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

  1. O ato de liquidação de IRS objeto de impugnação pelo Requerente foi objeto de anulação administrativa, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 165.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) pela Requerida após a constituição do Tribunal Arbitral. 
  2. Nada tendo o requerente dito sobre o prosseguimento da instância, inexiste nesta fase objeto processual sobre o qual deva pronunciar‑se o Tribunal Arbitral, de tal modo que carece de sentido útil a sua manutenção. 
  3. Relativamente a esta temática, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, em 30 de Julho de 2014, no acórdão proferido no processo n.º 0875/14, nos seguintes termos: “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.
  4. Em idêntico sentido, referem Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555, que “(…) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.
  5. Em face do exposto, procede a inutilidade superveniente da lide, por o Requerente ter já obtido a plena satisfação dos efeitos pretendidos com o seu pedido, determinando-se consequentemente a extinção da instância nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

DECISÃO

Termos em que se decide:

  1. Julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e, em consequência, absolver da mesma a Requerida;
  2. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

VALOR DO PROCESSO

Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 12.142,17 (doze mil cento e quarenta e dois euros e dezassete cêntimos).

CUSTAS

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 918,00 (novecentos e dezoito euros), a suportar pela Requerida, já que foi esta que deu causa à presente ação, porque apenas comunicou a revogação do ato de liquidação após a constituição do Tribunal Arbitral, em conformidade com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 24 de fevereiro de 2025

 

O Árbitro Singular,

 

(Manuel Faustino)