Sumário: Tendo a Autoridade Tributária anulado administrativamente o ato de liquidação impugnado ainda antes da constituição do tribunal arbitral, verifica-se a impossibilidade superveniente da lide, que constitui causa de extinção da instância nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
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Em 08 de outubro de 2024 o contribuinte A..., NIF..., residente no ..., ..., ...-... Serpa, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral Singular com designação do árbitro pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.
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No pedido de pronúncia arbitral pretendia a Requerente que o Tribunal Arbitral declarasse a ilegalidade e consequente anulação parcial do ato tributário de liquidação de IRS nº 2024..., referente ao ano de 2023 e efetuado o respetivo reembolso dos montantes de imposto liquidado e pago em excesso de € 982,09, acrescido de juros indemnizatórios.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 17 de outubro de 2024.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea a) e b) e artigo 6.º, n.º 1 do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 23.12.2024.
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O Tribunal proferiu um despacho em 27 de dezembro de 2024, ordenando a notificação da AT para apresentar a sua resposta.
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O Requerente apresentou um requerimento em 03.01.2025, retificando o valor que entende que lhe deve ser restituído.
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A Requerida apresentou a sua resposta em 04.02.2025.
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Na sua resposta a Requerida veio invocar a inutilidade superveniente da lide em virtude da anulação administrativa do ato impugnado.
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O Requerente foi convidado para se pronunciar através de despacho proferido em 12.02.2025 e veio referir, em 19.02.2025, que considera “o litígio resolvido”, devendo a AT ser condenada nas custas processuais.
II – SANEAMENTO
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.
As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo é o próprio.
Suscitando-se a questão-prévia da inutilidade da lide, será esta apreciada prioritariamente.
III. MATÉRIA DE FACTO
III.1. Factos provados
Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:
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O Contribuinte foi notificado da liquidação de IRS n.º 2024 ... (datada de 25/09/2024), referente ao ano de 2023.
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O Requerente procedeu ao pagamento da liquidação impugnada.
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O Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral em 08.10.2024.
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A Requerida foi notificada da apresentação do pedido de pronúncia arbitral em 17.10.2024.
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O ato impugnado foi anulado e foi reconhecido o direito do contribuinte aos juros indemnizatórios por despacho de 16.12.2024, da Subdiretora-Geral para os Impostos sobre o Rendimento Singular.
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No dia 19.12.2024 a Requerida comunicou ao Presidente do CAAD a anulação do auto impugnado.
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No dia 20.12.2024 a Requerente foi notificada da comunicação da Requerida.
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No dia 22.12.2024 o Requerente informou que mantinha o interesse no prosseguimento do procedimento em curso.
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O Tribunal Arbitral foi constituído em 23.12.2024.
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A Requerida apresentou a sua resposta em 04.02.2025.
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Em 19.02.2025 o Requerente informou que considera “o litígio resolvido”, devendo a AT ser condenada nas custas processuais .
Os factos que constam dos números 1 a 11 são dados como assentes pela análise do procedimento arbitral, pela análise dos documentos juntos pelo Requerente (docs. 1 a 10 do pedido de constituição do Tribunal) e pela posição assumida pelas partes em relação à matéria de facto.
III.2. Factos não provados
Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos alegados relevantes para a apreciação da competência material do Tribunal e do mérito da causa foram considerados provados.
IV. DIREITO
IV.1.Impossibildade da lide
O ato tributário sindicado, que constitui o objeto do pedido de pronúncia arbitral no presente processo, foi anulado e foi reconhecido o direito do contribuinte aos juros indemnizatórios por despacho de 16.12.2024, da Subdiretora-Geral para os Impostos sobre o Rendimento Singular.
O artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, dispõe o seguinte: “A instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
A impossibilidade da lide ocorre em caso de morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objeto do processo ou por extinção de um dos interesses em conflito.
A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.
À data da constituição do tribunal arbitral (23.12.2024) a lide já era inútil porque o ato tributário já havia sido anulado previamente (16.12.2024). Pelo que, na verdade não estamos perante uma inutilidade superveniente da lide, mas sim de uma inutilidade originária.
Em qualquer dos casos, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide traduz-se, assim, numa impossibilidade ou inutilidade jurídica, cuja determinação tem por referência o estatuído na lei.
Segundo José Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha[1], “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.
Volvendo ao caso concreto, temos que a AT satisfez por inteiro e de modo voluntário as pretensões que o Requerente formulou nestes autos.
Nessa medida, os resultados que o Requerente visava com o presente processo arbitral foram já integralmente atingidos, pelo que a decisão arbitral que, normalmente, seria proferida, conhecendo do mérito das pretensões deduzidas, se afigura destituída de qualquer efeito útil, pelo que não se justifica a sua prolação.
No caso em apreço, a legalidade da liquidação não pode ser apreciada porque o ato tributário foi anulado antes da constituição do tribunal arbitrário. Destarte, verifica-se uma impossibilidade da lide.
Sem necessidade de maiores considerações, julga-se, pois, verificada a impossibilidade da lide que determina a extinção da instância arbitral (art. 277º, al. e) do CPC).
IV.2. Custas processuais
A Requerida foi notificada do pedido de constituição do Tribunal Arbitral no dia 17.10.2024.
No dia 16.12.2024 o ato sindicado foi anulado. A anulação administrativa não ocorreu dentro do prazo de 30 dias previsto no art. 13º, n.º 1 do RJAT, contados nos termos do previsto nos no art. 87º do CPA (art. 3ºA, n.º1 do RJAT).
De acordo com o regime geral em matéria de custas, a impossibilidade ou inutilidade da lide é imputável à Requerida, que anulou o ato tributário ilegal após a apresentação do pedido de pronúncia arbitral pela Requerente, tendo a respetiva comunicação aos autos ocorrido após o decurso do prazo de 30 dias previsto no artigo 13.º, n.º 1 do RJAT, solução que se extrai do cotejo dos artigos 4.º, n.º 5 do RCPAT, 12.º, n.º 2 do RJAT, e 527.º e 536.º, n.º 3 do CPC, neste último caso por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
As custas devem, por isso, ser totalmente imputáveis à Requerida.
V. DECISÃO
Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se julgar extinta a instância por impossibilidade da lide e condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
Fixa-se o valor do processo em €982,09, indicado pelo Requerente e não contestado pela Requerida, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €306,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 26 de fevereiro de 2025.
O Árbitro
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(André Festas da Silva)
[1] Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 555