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SUMÁRIO:
Ocorre inutilidade superveniente da lide e consequente extinção da instância se o Requerente obteve a plena satisfação do pedido em virtude da revogação pela AT, após a constituição do Tribunal Arbitral, do acto de liquidação contestado.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Raquel Franco e José Nunes Barata, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem o seguinte:
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RELATÓRIO
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A..., contribuinte fiscal número ..., com domicílio na Rua ..., n.º ..., no Porto (“Requerente”), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT” (alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º e alínea a), do n.º 1, e do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa que correu termos sob o n.º RG...2023..., datado de 20 de Junho de 2024, e do acto de liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2022..., datado de 2 de Julho de 2022, referente ao ano de 2021, no valor global de € 86.698,31 (oitenta e seis mil, seiscentos e noventa e oito euros e trinta e um cêntimos).
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral feito em 19 de Setembro de 2024 foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida”).
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O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral, os quais comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 6 de Novembro de 2024, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
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No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alegou que o acto de liquidação de IRS em questão padece de um erro na qualificação do facto tributário e de um erro na aplicação da lei. Em concreto, o Requerente enuncia que apurou menos-valias originadas em transacções de título mobiliários, em que a contraparte se encontrava localizada em territórios de tributação à taxa normal, que haviam sido emitidos por entidades localizadas em territórios de regime claramente mais favorável. Acrescenta o Requerente que essas transacções foram realizadas em bolsa, através do Banco Credit Suisse, tendo o respectivo preço sido formado pelo mercado de capitais. Acrescenta o Requerente que essas menos‑valias não foram consideradas dedutíveis, em sede de IRS, pela Requerida, por força do artigo 45.º, n.º 3, Código do IRS. Ora, observa o Requerente a propósito desta norma de carácter anti-abuso, atendendo à opacidade dos territórios com regime fiscal claramente mais favorável e à possibilidade de as entidades aí sedeadas poderem estar em relacionamento especial com o vendedor, que o propósito daquela norma é o de impedir que sejam criadas menos-valias fictícias em Portugal que sejam dedutíveis fiscalmente, por contrapartida da transferência de ganhos para os paraísos fiscais. Contudo, no caso em apreço, não existe qualquer transacção que o Requerente tenha realizado com entidades localizadas em paraísos fiscais das quais tenha resultado o apuramento de menos-valias. Como tal, ao confundir a sede da “contraparte” com a sede da “entidade emitente” dos títulos transaccionados, a Requerida violou o disposto no n.º 5 do artigo 43.º do Código do IRS, pelo que a sua actuação é ilegal e censurável. Peticionou, por fim, a anulação do acto de liquidação adicional de IRS contestado, com o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros compensatórios.
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Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 26 de Novembro de 2024.
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Em 28 de Novembro de 2024, foi a Requerida notificada para apresentar resposta nos termos do artigo 17.º do RJAT.
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Em 18 de Dezembro de 2024, a Requerida apresentou requerimento a informar os autos sobre a revogação do acto tributário cuja ilegalidade foi suscitada, pugnando ainda pela restituição do imposto indevidamente cobrado e o reconhecimento do direito ao recebimento de juros indemnizatórios.
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Em 2 de Janeiro de 2025, veio o Requerente informar que não tinha interesse na prossecução do processo arbitral, requerendo que fosse declarada a inutilidade superveniente do pedido de pronúncia arbitral e consequente extinção desta instância, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 13.º do RJAT, com a taxa de arbitragem a cargo da Requerida.
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Em 2 de Janeiro de 2025, foi dispensada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT bem como a apresentação de alegações, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT.
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SANEAMENTO
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O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo não enferma de nulidades.
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MATÉRIA DE FACTO
§1 – Factos provados
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Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerida emitiu o acto de liquidação de IRS n.º 2022..., de 02.07.2022, referente ao período de tributação de 2021, do qual resultou o montante total a pagar de € 86.698,31 (oitenta e seis mil, seiscentos e noventa e oito euros e trinta e um cêntimos), referente a IRS;
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O Requerente procedeu voluntariamente ao pagamento da liquidação dentro do prazo de pagamento voluntário;
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O Requerente apresentou, no dia 19 de Dezembro de 2022, reclamação graciosa;
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A Requerida proferiu despacho, datado de 20 de Junho de 2024, a indeferir a reclamação graciosa apresentada pelo Requerente;
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Em 19 de Setembro de 2024, o Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo;
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Em 20 de Setembro de 2024, foi enviado pelo CAAD um e-mail automático à Requerida a informar da entrada do pedido de constituição de Tribunal Arbitral e do número do processo que lhe foi atribuído, tendo a notificação sido confirmada por ... às 14h35m do dia 23 de Setembro de 2024;
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Em 26 de Novembro de 2024, foi constituído o Tribunal Arbitral;
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Por despacho de 16 de Dezembro de 2024, da Sra. Subdirectora-Geral Helena Pegado Martins, foi deferido o pedido do Requerente, com a consequente revogação do acto tributário cuja ilegalidade foi suscitada, anulando a liquidação contestada e determinando a restituição do imposto indevidamente cobrado a mais e o reconhecimento do direito ao recebimento de juros indemnizatórios pelo valor do imposto indevidamente pago;
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Em 2 de Janeiro de 2025, veio o Requerente informar que “uma vez notificado da revogação do ato impugnado por parte Requerida AT, vem requerer que seja declarada a inutilidade superveniente do pedido de pronúncia arbitral e consequente extinção desta instância, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 13.º do RJAT, com a taxa de arbitragem a cargo da Requerida”.
§2 – Factos não provados
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Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que se tenham considerados como não provados.
§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto
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Ao Tribunal Arbitral compete seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
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MATÉRIA DE DIREITO
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O acto de liquidação de IRS objecto de contestação pelo Requerente foi objecto de revogação pela Requerida após a constituição do Tribunal Arbitral. Em resultado da referida revogação, veio o Requerente informar que não tinha interesse na manutenção da instância, por considerar integralmente satisfeita a sua pretensão.
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Por conseguinte, inexiste nesta fase objecto processual sobre o qual deva pronunciar‑se o Tribunal Arbitral, de tal modo que carece de sentido útil a manutenção da instância. De resto, são as partes que, em resultado da revogação dos actos contestados, estão de acordo quanto à extinção da instância arbitral.
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Relativamente a esta temática, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, em 30 de Julho de 2014, no acórdão proferido no processo n.º 0875/14, nos seguintes termos: “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.
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Em idêntico sentido, referem Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555, que “(…) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.
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Em face do exposto, julga-se procedente a inutilidade superveniente da lide, por ter já obtido o Requerente a plena satisfação dos efeitos pretendidos com o seu pedido, determinando-se consequentemente a extinção da instância nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
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DECISÃO
Termos em que se decide:
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Julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e, em consequência, absolver da mesma a Requerida;
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Condenar a Requerida nas custas do processo.
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VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 86.698,31 (oitenta e seis mil, seiscentos e noventa e oito euros e trinta e um cêntimos).
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CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 2.754,00 (dois mil, setecentos e cinquenta e quatro euros), a suportar pela Requerida, já que foi esta que deu causa à presente acção, porque apenas comunicou a revogação do acto de liquidação após a constituição do Tribunal Arbitral, em conformidade com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 24 de Fevereiro de 2025
Os árbitros,
Carla Castelo Trindade
(Presidente e relatora)
(Raquel Franco)
(José Nunes Barata)
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