Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1056/2024-T
Data da decisão: 2025-02-24  IRS  
Valor do pedido: € 86.698,31
Tema: IRS – Inutilidade superveniente da lide – extinção da instância
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SUMÁRIO:

Ocorre inutilidade superveniente da lide e consequente extinção da instância se o Requerente obteve a plena satisfação do pedido em virtude da revogação pela AT, após a constituição do Tribunal Arbitral, do acto de liquidação contestado.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Raquel Franco e José Nunes Barata, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A..., contribuinte fiscal número ..., com domicílio na Rua ..., n.º ..., no Porto (“Requerente”), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT” (alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º e alínea a), do n.º 1, e do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa que correu termos sob o n.º RG...2023..., datado de 20 de Junho de 2024, e do acto de liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2022..., datado de 2 de Julho de 2022, referente ao ano de 2021, no valor global de € 86.698,31 (oitenta e seis mil, seiscentos e noventa e oito euros e trinta e um cêntimos).
  2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral feito em 19 de Setembro de 2024 foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida”).

 

  1. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral, os quais comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 6 de Novembro de 2024, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

  1. No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alegou que o acto de liquidação de IRS em questão padece de um erro na qualificação do facto tributário e de um erro na aplicação da lei. Em concreto, o Requerente enuncia que apurou menos-valias originadas em transacções de título mobiliários, em que a contraparte se encontrava localizada em territórios de tributação à taxa normal, que haviam sido emitidos por entidades localizadas em territórios de regime claramente mais favorável. Acrescenta o Requerente que essas transacções foram realizadas em bolsa, através do Banco Credit Suisse, tendo o respectivo preço sido formado pelo mercado de capitais. Acrescenta o Requerente que essas menos‑valias não foram consideradas dedutíveis, em sede de IRS, pela Requerida, por força do artigo 45.º, n.º 3, Código do IRS. Ora, observa o Requerente a propósito desta norma de carácter anti-abuso, atendendo à opacidade dos territórios com regime fiscal claramente mais favorável e à possibilidade de as entidades aí sedeadas poderem estar em relacionamento especial com o vendedor, que o propósito daquela norma é o de impedir que sejam criadas menos-valias fictícias em Portugal que sejam dedutíveis fiscalmente, por contrapartida da transferência de ganhos para os paraísos fiscais. Contudo, no caso em apreço, não existe qualquer transacção que o Requerente tenha realizado com entidades localizadas em paraísos fiscais das quais tenha resultado o apuramento de menos-valias. Como tal, ao confundir a sede da “contraparte” com a sede da “entidade emitente” dos títulos transaccionados, a Requerida violou o disposto no n.º 5 do artigo 43.º do Código do IRS, pelo que a sua actuação é ilegal e censurável. Peticionou, por fim, a anulação do acto de liquidação adicional de IRS contestado, com o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros compensatórios.

 

  1. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 26 de Novembro de 2024.

 

  1. Em 28 de Novembro de 2024, foi a Requerida notificada para apresentar resposta nos termos do artigo 17.º do RJAT.

 

  1. Em 18 de Dezembro de 2024, a Requerida apresentou requerimento a informar os autos sobre a revogação do acto tributário cuja ilegalidade foi suscitada, pugnando ainda pela restituição do imposto indevidamente cobrado e o reconhecimento do direito ao recebimento de juros indemnizatórios.

 

  1. Em 2 de Janeiro de 2025, veio o Requerente informar que não tinha interesse na prossecução do processo arbitral, requerendo que fosse declarada a inutilidade superveniente do pedido de pronúncia arbitral e consequente extinção desta instância, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 13.º do RJAT, com a taxa de arbitragem a cargo da Requerida.

 

  1. Em 2 de Janeiro de 2025, foi dispensada a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT bem como a apresentação de alegações, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT.

 

 

 

 

  1. SANEAMENTO

 

  1. O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. O processo não enferma de nulidades.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

§1 –   Factos provados

 

  1. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
  1. A Requerida emitiu o acto de liquidação de IRS n.º 2022..., de 02.07.2022, referente ao período de tributação de 2021, do qual resultou o montante total a pagar de € 86.698,31 (oitenta e seis mil, seiscentos e noventa e oito euros e trinta e um cêntimos), referente a IRS;
  2. O Requerente procedeu voluntariamente ao pagamento da liquidação dentro do prazo de pagamento voluntário;
  3. O Requerente apresentou, no dia 19 de Dezembro de 2022, reclamação graciosa;
  4. A Requerida proferiu despacho, datado de 20 de Junho de 2024, a indeferir a reclamação graciosa apresentada pelo Requerente;
  5. Em 19 de Setembro de 2024, o Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo;
  6. Em 20 de Setembro de 2024, foi enviado pelo CAAD um e-mail automático à Requerida a informar da entrada do pedido de constituição de Tribunal Arbitral e do número do processo que lhe foi atribuído, tendo a notificação sido confirmada por ... às 14h35m do dia 23 de Setembro de 2024;
  7. Em 26 de Novembro de 2024, foi constituído o Tribunal Arbitral;
  8. Por despacho de 16 de Dezembro de 2024, da Sra. Subdirectora-Geral Helena Pegado Martins, foi deferido o pedido do Requerente, com a consequente revogação do acto tributário cuja ilegalidade foi suscitada, anulando a liquidação contestada e determinando a restituição do imposto indevidamente cobrado a mais e o reconhecimento do direito ao recebimento de juros indemnizatórios pelo valor do imposto indevidamente pago;
  9. Em 2 de Janeiro de 2025, veio o Requerente informar que “uma vez notificado da revogação do ato impugnado por parte Requerida AT, vem requerer que seja declarada a inutilidade superveniente do pedido de pronúncia arbitral e consequente extinção desta instância, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 13.º do RJAT, com a taxa de arbitragem a cargo da Requerida.

 

§2 –   Factos não provados

 

  1. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que se tenham considerados como não provados.

 

§3 –   Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

  1. Ao Tribunal Arbitral compete seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. O acto de liquidação de IRS objecto de contestação pelo Requerente foi objecto de revogação pela Requerida após a constituição do Tribunal Arbitral. Em resultado da referida revogação, veio o Requerente informar que não tinha interesse na manutenção da instância, por considerar integralmente satisfeita a sua pretensão.

 

  1. Por conseguinte, inexiste nesta fase objecto processual sobre o qual deva pronunciar‑se o Tribunal Arbitral, de tal modo que carece de sentido útil a manutenção da instância. De resto, são as partes que, em resultado da revogação dos actos contestados, estão de acordo quanto à extinção da instância arbitral.

 

  1. Relativamente a esta temática, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, em 30 de Julho de 2014, no acórdão proferido no processo n.º 0875/14, nos seguintes termos: “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”.

 

  1. Em idêntico sentido, referem Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555, que “(…) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.
  2. Em face do exposto, julga-se procedente a inutilidade superveniente da lide, por ter já obtido o Requerente a plena satisfação dos efeitos pretendidos com o seu pedido, determinando-se consequentemente a extinção da instância nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

  1. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

  1. Julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e, em consequência, absolver da mesma a Requerida;
  2. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

 

Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 86.698,31 (oitenta e seis mil, seiscentos e noventa e oito euros e trinta e um cêntimos).

 

  1. CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 2.754,00 (dois mil, setecentos e cinquenta e quatro euros), a suportar pela Requerida, já que foi esta que deu causa à presente acção, porque apenas comunicou a revogação do acto de liquidação após a constituição do Tribunal Arbitral, em conformidade com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 24 de Fevereiro de 2025

 

Os árbitros,

 

 

 

Carla Castelo Trindade

(Presidente e relatora)

 

 

(Raquel Franco)

 

 

 

 

(José Nunes Barata)