Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 834/2024-T
Data da decisão: 2025-02-27  IVA  
Valor do pedido: € 744.799,65
Tema: IVA. Locação Financeira. Métodos de dedução parcial: afetação real e pro rata. Artigo 23º. do CIVA. Ofício Circulado nº. 30108 de 30 de janeiro de 2009 da Área de Gestão Tributária do IVA.
Versão em PDF

SUMÁRIO:

1. O art.º 173º, nº. 2, alínea c) da Diretiva IVA foi adequadamente transposto pelo art.º 23º, nº.s 2 e 3 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, permitindo à Autoridade Tributária e Aduaneira a imposição do método de afetação real previsto no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009 da área de Gestão Tributária do IVA (coeficiente de imputação específico), no caso de instituições de crédito que desenvolvam simultaneamente atividades de Leasing.

2. É ao sujeito passivo que compete alegar e demonstrar que, no seu caso concreto, a utilização dos bens ou serviços mistos não foi sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos.

 

DECISÃO ARBITRAL

I - Relatório

  1. Em 2 de julho de 2024, A..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, doravante abreviadamente designada por “Requerente”, com o número de identificação fiscal ... e sede na ..., n.º..., ..., Lisboa, veio, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral sendo objeto do pedido de pronúncia arbitral a (i)legalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa (cf. Documento 1) apresentada pela Requerente com vista à contestação do ato tributário de (auto)liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), referente ao ano 2022, materializada na declaração periódica de imposto com referência a dezembro do ano em apreço, no montante de € 744.799,65 (setecentos e setenta e quatro mil setecentos e noventa e nove euros e sessenta e cinco cêntimos) e a consequente declaração de (i)legalidade daquele ato de (auto)liquidação de IVA (cf. Documento 2).

 

  1. A Requerente é representada no âmbito dos presentes autos pela sua mandatária, Drª. ..., e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT) é representada pelos juristas, Drº. ... e Drº. ... .
  2. A Requerente não utilizou da faculdade prevista no art.º 6º. nº. 2, alínea b), do RJAT e o Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros, os quais aceitaram a nomeação, ao que as partes não se opuseram.
  3. O Tribunal Arbitral foi constituído no dia 10 de setembro de 2024, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme comunicação da constituição do tribunal arbitral que se encontra junta aos presentes autos.
  4. No dia 15 de outubro de 2024, depois de notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua Resposta e o Processo Administrativo, tendo-se defendido por impugnação.
  5. Em 22 de outubro de 2024, o Tribunal lavrou o seguinte Despacho:

“Entende este tribunal que a prova testemunhal é dispensável, seja porque as questões que subsistem são essencialmente de direito, seja porque, nos termos do art. 393º do Código Civil, havendo documentos, a prova testemunhal teria necessariamente de cingir-se à interpretação do contexto desses documentos, não podendo incidir nos factos que esses documentos provam.

 

Pelo que se dispensa a reunião do art. 18º do RJAT, podendo as partes apresentar alegações escritas, a Requerente no prazo de 10 dias contados da notificação do presente despacho, e a Requerida no prazo de 10 dias contado da notificação das alegações da Requerente, ou da falta de apresentação das mesmas.

 

Nos termos do art. 21º, 1, do RJAT, a decisão final será proferida e comunicada até 10 de Março de 2025, devendo a Requerente pagar o remanescente da taxa de arbitragem até essa data, dando cumprimento ao disposto no art. 4º, 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.”

  1. Em 26 de outubro, a Requerente apresentou requerimento por intermédio do qual pugna pela inquirição das testemunhas arroladas no PPA, o que faz ao abrigo do princípio do contraditório e da cooperação, considerando que tal prova se revela absolutamente necessária para a boa decisão da causa.
  2. Em resposta, por requerimento de 30 de outubro, a entidade Requerida, invocando que estamos apenas perante questões de direito, manifesta a sua oposição à produção de prova testemunhal, para requerer, caso assim não se entenda:

“… o aproveitamento de prova do processo n.º 549/2022-T, referente ao mesmo tema, ao mesmo Requerente, e à mesma testemunha, dispensando as partes e o tribunal de uma indesejada repetição de uma diligência no âmbito de um processo onde, como se disse e repete, não há controversão quanto a factos.”

  1.  Em 31 de outubro, a Requerente apresentou as suas alegações escritas, tendo em requerimento autónomo mas da mesma data, reforçado a sua vontade de que se procedesse à inquirição da testemunha arrolada no PPA, e manifestando a sua oposição à pretensão da Requerida no sentido de, admitindo o Tribunal a produção de prova testemunhal, fosse aproveitada aquela que tinha sido produzida no âmbito do Proc. nº.  549/2022-T, referente ao mesmo tema, à mesma Requerente e à mesma testemunha.
  2. Face a esta situação, em 14 de novembro, o Tribunal proferiu o seguinte Despacho:

“Atento o teor dos requerimentos apresentados pela Requerente em 28 de Outubro e 4 de Novembro de 2024, não obstante a relevância das objecções formuladas pela Requerida no seu requerimento de 30 de Outubro de 2024, e até a sua sugestão de aproveitamento de prova produzida noutro processo, o tribunal ficou convencido de que a testemunha poderá apresentar dados novos com relevância para o apuramento dos factos.

Assim sendo, fica sem efeito o que foi determinado no Despacho de 22 de Outubro de 2024, e determina-se a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, no próximo dia 18 de Dezembro de 2024, às 10:00, nas instalações do CAAD.”

  1. O que veio a acontecer no dia 22 de outubro, conforme a respetiva ata, que se encontra junta aos autos, tendo as Pares sido notificadas, para em 10 dias, apresentarem de modo sucessivo, começando pela Requerente, as suas alegações, o que apenas a Requerente fez em 9 de janeiro de 2025.

 

II – A POSIÇÃO DA Requerente

  1. A Requerente identifica o pedido arbitral por intermédio do qual suscita a pronuncia sobre a legalidade da autoliquidação de IVA relativamente ao ano de 2022, pela qual a Requerente procedeu à dedução do imposto por si incorrido em recursos de utilização mista.

 

  1. “Em concreto, peticiona a Requerente a correção das declarações periódicas do ano 2022, no que tange à dedução do IVA incorrido em recursos de utilização mista relativos aos contratos de locação financeira por si celebrados, em virtude de no cálculo da percentagem de dedução terem sido (incorretamente) desconsiderados os valores respeitantes às amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira.”, tudo face à aplicação do disposto no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA, o que, no entender da Requerente:

“…originou uma dedução de IVA inferior àquela a que a Requerente tinha direito, nos termos da legislação aplicável, com a consequente entrega de um valor de prestação tributária em excesso.”

  1.  enquanto que a Requerente apurou uma percentagem de dedução definitiva, para o ano de 2022, de 8%, “Diferentemente, caso nas autoliquidações em causa se tivesse procedido à inclusão dos valores relativos às amortizações financeiras do leasing no cálculo da percentagem de dedução referente ao ano 2022 - tal percentagem ascenderia a 21% (ao invés de 8%).”
  2. O que quantifica da seguinte forma:

“E, aplicando a percentagem de dedução de 21% ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista durante o ano 2022 (no montante de € 5.772.668,51), a Requerente teria o direito a deduzir adicionalmente IVA no valor de € 744.799,65”, autoliquidação essa que por esta via pretende ver anulada.

  1. Assim concluindo:

“Tal montante consubstancia uma prestação tributária entregue em excesso pela Requerente e deve, por isso, ser-lhe restituída, acrescida de juros indemnizatórios desde a data de apresentação das declarações periódicas do ano 2022 até ao pagamento do imposto em causa à Requerente, dado que o erro aqui em análise é total e exclusivamente imputável à AT, conquanto o mesmo decorreu da aplicação de instruções (normas regulamentares) e entendimentos por esta divulgados.”

  1. Atendendo a que a Requerente adquire recursos que são simultaneamente utilizados em operações que conferem o direito à dedução e em operações que não conferem esse direito, a mesma encontra-se abrangida por diferentes regimes de dedução do IVA.
  2. Quando foi possível identificar uma conexão direta e exclusiva entre a aquisição dos bens e serviços (inputs) e as operações ativas (ouputs) a Requerente aplicou, para efeitos do exercício do direito à dedução, o método da imputação direta (Vd. o n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA), como é o caso da aquisição de bens objeto de contratos de locação financeira mobiliária, com dedução integral do IVA.
  3. Por outro lado, a Requerente não deduziu qualquer IVA referente às aquisições de bens e serviços utilizados exclusivamente na realização de operações que não conferem o direito à dedução.
  4. “Por outro lado, nas situações em que a Requerente identificou uma conexão direta, mas não exclusiva, entre determinadas aquisições de bens e serviços e operações por si realizadas, e conseguiu determinar critérios objetivos do nível/grau de utilização efetiva, aplicou o método da afetação real, em harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA.” (Vg. encargos associados à aquisição de Terminais de Pagamento Automático).
  5. Finalmente, e é a matéria que está em causa nos presentes autos:

“…para determinar a medida de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afetos indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas (recursos de “utilização mista”), a Requerente aplicou o coeficiente de imputação específico definitivo do ano 2022, em conformidade com os ditames da AT constantes no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30 de janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA.”

  1. E tal aconteceu desse modo, porquanto “…não foi possível à Requerente proceder à aplicação do método da afetação real, na medida em que tal implicaria uma clara distinção dos bens e serviços adquiridos para cada tipologia de operações, o que é inexequível nas aquisições de recursos que são utilizados no âmbito do desenvolvimento de todas as operações efetuadas pela Requerente - nomeadamente, e a título de exemplo, os consumos de eletricidade, de água, de papel, de material informático (hardware e software), de telecomunicações, entre outros.”
  2. Assim, apesar de a Requerente ter aplicado o coeficiente de imputação específico definido pela própria Autoridade Tributária, veio mais tarde a constatar que a referida percentagem de dedução se encontrava viciada por erro no regime jurídico aplicável ao seu direito à dedução, já que, se nos seus cálculos a Requerente tivesse incluído os montantes respeitantes às amortizações financeiras do leasing, não aplicando as restrições impostas pelo referido Ofício Circulado, a sua percentagem de dedução definitiva apurada para o ano em causa seria de 21%, contrariamente aos 8% efetivamente deduzidos.
  3. Tal provocou, no seu entender, a entrega de uma prestação tributária em excesso, mais concretamente no montante de € 744.799,65, o que legitimou a apresentação da respetiva Reclamação Graciosa, cujo indeferimento deu origem ao presente PPA.

 

  1. A Requerente entende ser de extrema relevância dar a conhecer ao Tribunal toda a tramitação do processo de Leasing, desde a apresentação de uma proposta por parte do cliente, passando pela análise de risco, culminando esta fase na assinatura do contrato.
  2. Refere de seguida a entrega do bem locado e a apresentação de uma proposta de seguro, o que gera diversas interações internas e externas, a que se acrescenta o processo de legalização da viatura, o pagamento de impostos, etc.
  3. Refere-se, ainda, à participação da Requerente na tramitação dos assuntos relacionados com infrações rodoviárias, cedências de posição contratual e o termo dos contratos ou o exercício do direito de opção de compra.
  4. Face ao exposto, a Requerente conclui:

“Afigura-se, desta forma, inequivocamente demonstrado que os procedimentos adotados pela Requerente no âmbito do segmento da locação financeira integram um universo significativo de atividades atinentes à disponibilização dos bens locados.”.

  1. E, desse modo:

“…a Requerente incorreu em erro relativamente ao regime jurídico que rege o exercício do direito à dedução do imposto vertido nos recursos de utilização mista por si adquiridos, o que originou uma entrega em excesso de imposto ao Estado, no montante total de € 744.799,65, que lhe deverá ser restituída.”

  1. Quanto à matéria de Direito, a Requerente referencia a posição da Autoridade Tributária, que defende que o apuramento da percentagem de dedução definitiva em causa foi realizado em total sintonia com a orientação administrativa supra referenciada, o que está em perfeita concordância com as normas de direito comunitário e de direito interno aplicáveis.
  2. Por seu turno, a Requerente sustenta a sua posição começando pelo seu enquadramento nos normativos comunitários, nomeadamente da Diretiva IVA, para remeter, no âmbito do direito interno, para o CIVA:

“A dedução do IVA incorrido com base na afetação real dos bens ou serviços adquiridos está prevista nos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º Código do IVA, admitindo-se a respetiva aplicação:

a) Se o sujeito passivo optar pelo método da afetação real; ou

b) Por imposição da AT, se a aplicação do método do pro rata conduzir a distorções significativas na tributação.”

 

  1. E aqui, a Requerente apela à aplicação, ao caso concreto, dada a semelhança fáctica, embora os regimes de IVA (português e inglês) sejam diferentes, da jurisprudência do TJUE, principalmente a que resulta Acórdão Volkswagen, porquanto:

“…a situação da Requerente encontra paralelo direto e identidade fáctica com a jurisprudência mais recente do TJUE no caso Volkswagen – efetivo consumo pela Requerente de recursos de utilização mista para a disponibilização dos bens objeto de locação –, pelo que os valores relativos às amortizações financeiras dos contratos de leasing não podem deixar de ser incluídos no apuramento da percentagem de dedução da Requerente.”

  1. E termina a Requerente, a título subsidiário, com um pedido de Reenvio Prejudicial, “…na medida em que não seja claro para o presente Tribunal o alcance das normas da Diretiva IVA que possam, em seu juízo, interferir com a boa solução deste caso, deverá então o Tribunal promover o reenvio prejudicial, das questões que entenda suscitar, para o TJUE, relativamente à consideração do valor das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira do cálculo da percentagem de dedução aplicada ao IVA incorrido nos recursos de utilização mista.”
  2. A que acrescenta um pedido de pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43º. da LGT; porquanto:

“A AT incorreu em erro ao emitir o Ofício Circulado n.º 30108, sancionado por despacho do Diretor-geral, de 30 de janeiro de 2009;

 ▪ Tal erro é imputável à referida entidade;

 ▪ Demonstra-se, na presente petição, a existência de tal erro; e, por último,

 ▪ Do erro incorrido pela AT resultou o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

III – a POSIÇÃO DA Requerida.

  1. Na sua Resposta, a entidade Requerida começa por salientar que o tema em discussão nos presentes autos referente ao direito à dedução em sede de IVA, decorrente de atividades mistas, no segmento de locações financeiras de veículos, é matéria que se encontra pacificamente uniformizada em diversa jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, referenciando Acórdãos ali identificados, transcrevendo desde logo o seguinte:

“«O artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como a do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos»”

  1. Depois de referir que o que está em causa nos presentes autos é o facto de se saber se os gastos gerais são essencialmente consumidos na disponibilização de veículos, operação que a Requerida considera meramente instrumental face ao financiamento em causa, refere-se que, com base no art.º 23º. nº. 4 do CIVA, a Requerente pretende considerar a parcela de capital – que compõe a par do juro e do IVA, a renda de locação financeira – na fração do numerador.
  2. Posição com a qual a entidade Requerida não concorda porquanto a mesma “… configurará uma dupla dedução de IVA concernente à mesma realidade – a compra do veículo e o posterior reembolso parcelar pelo locatário ao locador, através das rendas mensais.”
  3. Contudo, a Requerida entende que a discussão em causa nos presentes autos é exclusivamente de direito e que a apreciação e ponderação jurídica sobre se a parcela do capital deve ou não concorrer na fração do numerador, em nada está relacionada com o facto de se apurar se os custos gerais são mais consumidos nos atos de financiamento e de gestão de contratos de locação financeira, ou se, pelo contrário nos atos de disponibilização de veículos.
  4. “Isso porque a parcela do capital, que é reembolsada parcelarmente pelos locatários ao Banco: 1) não representa o trabalho – e os consumos indiferenciados decorrentes desse trabalho - da Requerente, no âmbito da locação financeira;

 2) nem tem previsto na sua composição qualquer montante cujo propósito seja o de reembolsar o Banco dos custos indiferenciados cuja percentagem de IVA aqui reclama;”

  1. A Requerida melhor identifica o que está em causa nos presentes autos do seguinte modo:

“Acontece que em causa está a aplicação de dois métodos forfetários concorrentes – o método pro-rata versus ofício-circulado (pro-rata mitigado) – os quais não contemplam qualquer tipo de prova, porquanto resultam antes de um método automático, criado pelo legislador (ou, no caso, imposto pela Administração Tributária) precisamente e também pela dificuldade de produção de prova inerente aos gastos que são consumidos tanto por atividades de crédito sujeitas como isentas de IVA.”

  1. A Requerida identifica os pontos que considera que estão em questão e que para si ambos merecem resposta negativa:

A primeira:

“- Saber se o artigo 23.º, n.º 2 do CIVA, ao permitir que a Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – art. 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços.»

A segunda:

 “- Saber se os custos os em que incorre a Requerente com os contratos de locação financeira são sobretudo determinados pelos inputs decorrentes dos actos de financiamento e gestão dos ditos contratos;”

  1. A ambas a entidade Requerida entende que deve ser dada resposta positiva.
  2. Temos, assim, que o referenciado do Ofício-Circulado n.º 30103, de 2008-04-23, refere o seguinte:

“"(…) no caso de utilização da afetação real, obrigatória ou facultativa, e ainda segundo o n. 2 do artigo 23. º, os critérios a que o sujeito passivo recorra para determinar o grau de afetação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação".”

  1. Face ao seu teor a Requerida conclui que:

“A aplicação do coeficiente de imputação específico é o único que se mostra adequado ao apuramento da percentagem de dedução, afastando as distorções na tributação, estando de acordo com o direito comunitário e as normas de direito interno (nomeadamente, artigo 173.º e 174.º da Diretiva IVA, e o artigo 23.º do CIVA), salvaguardando o princípio da neutralidade.”

  1. Considerando que este Oficio-Circulado se enquadra no âmbito dos poderes conferidos à Administração Tributária, no âmbito do alínea b) do nº. 3 do artigo 23º. do CIVA.
  2. Concretizando que, no caso concreto dos autos, estamos perante operações de locação financeira mobiliária, pretendendo-se aferir da legalidade da exclusão do cálculo da percentagem de dedução da parte do valor da renda de locação que corresponde à amortização financeira, apenas considerando na fórmula em causa o montante de juros e outros encargos faturados.
  3. Constituindo a locação financeira uma prestação de serviços sujeita a IVA (nº. 1 do art.º 4º. do CIVA) a Requerida quer salientar que a renda paga em função desse contrato constituindo o pagamento do serviço de concessão doe financiamento ao locador, é composta de duas partes:

i). Capital ou amortização financeira, que constitui o reembolso da quantia emprestada e

ii). juros, acrescidos de eventuais encargos, que constituem a remuneração do locador.

  1. A Requerida entende que, porque o locador exerceu o direito à dedução integral do montante do IVA liquidado pelo fornecedor do bem objeto de locação financeira, deve ser excluído do cálculo da percentagem de dedução a parte da amortização financeira incluída na renda.

Referindo que só a incidência do IVA sobre a totalidade do valor da renda permite garantir que o Estado recupera o valor do imposto que foi deduzido pelo sujeito passivo, a Requerida conclui que:

“É apenas aquele valor diferencial (que, genericamente, corresponde a juros) que se encontra conexo com os custos de aquisição de recursos utilizados indistintamente em operações com e sem direito à dedução.

  1. De outro modo, entende a Requerida, permitia-se um aumento artificial da percentagem de dedução do IVA suportado com a generalidade dos bens e serviços de utilização mista.
  2. E este comportamento da Autoridade Tributária, entende a Requerida, está conforme com as nomas internas e comunitárias aplicáveis ao caso concreto
  3. Em seu auxílio, analisa detalhadamente o teor e as conclusões nesse sentido que podem ser extraídas do Acórdão “Banco Mais” a que corresponde o Proc. C-183/13 do TJUE.
  4. A questão aí em causa, semelhante à dos autos, foi suscitada junto do TJUE pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do Proc. Nº. 052/19.0BALSB:

“Esta decisão perfila-se numa longa lista de Acórdão do STA, que teve origem na jurisprudência assente no aludido Acórdão “Banco Mais”, proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, que considerou que o artigo 17º, nº 5, terceiro parágrafo, alínea c) da Sexta Directiva:

 “…deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e denominador a fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão de reenvio verificar.”

  1. Sobre esta matéria já se pronunciou em repetidas vezes o STA, destacando a Requerida o Acórdão que foi proferido no âmbito do Proc. nº. 01075/13, 2ª. Secção:

“Os Bancos, cujo tipo de negócio passe também pela celebração de contratos de Leasing e ALD, v.g. de veículos automóveis devem incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito daqueles seus contratos, que corresponde aos juros”

  1. A Requerida entende que esta forma de determinação do critério de imputação especial em nada ofende o princípio da legalidade, discorrendo vastamente sobre esta posição.
  2. Mais adiante a Requerida refere que face à redação do art.º 23.º, n.º 2 do CIVA, pode-se concluir que o legislador quis conferir, e conferiu mesmo, poderes à AT para impor condições especiais num método de apuramento de pro rata geral, para daí extrair o seguinte raciocínio:

“se a AT pode impor ao sujeito passivo condições especiais quando este tenha optado pela dedução com base em critérios “objectivos”, e esses critérios podem ter que ser alterados por imposição de condições especiais por parte da AT - com o objectivo de evitar distorções significativas da tributação –, por maioria de razão faz sentido que a AT também o possa fazer no âmbito do método do pro rata geral ou aquando da utilização de critérios de imputação específica.”

  1. Depois de alguns acórdãos contraditórios, a Requerida refere um Acórdão do STA, uniformizador de jurisprudência (Proc. nº. 0101/19, de 20.01.2021), para ela própria concluir do seguinte modo:

“Ou seja, atendendo ao facto de poderem ser impostas condições especiais para efeitos da aplicação do método da afectação real – no limite, caso a caso -, o qual não se concretiza apenas por recurso a um mecanismo legalmente estanque conforme parece querer sugerir o Tribunal arbitral, permitindo antes recorrer a critérios de imputação específica – desde que verificadas as tais «condições especiais» -, o STA concluiu que o ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108/2009 não tem apenas cabimento na lei comunitária; também tem cabimento na lei interna, na qual encontra a devida autorização – na redacção do n.º 2 do artigo 23.º do CIVA.”

  1. “Em suma, essa autorização legislativa de aplicação de um critério específico para apuramento do direito à dedução do IVA quando em causa custos mistos, encontra-se devidamente salvaguardada pela letra e espírito da lei, patente no artigo 23.º, n.º 2 do CIVA, pelo que não viola nem o princípio da legalidade, nem o da reserva de lei.”
  2. Vejamos, agora, a posição da Requerida relativamente aos custos que aqui estão em causa.
  3. E quanto a isso refere:

“A ora Requerente alega, ao longo da sua p.i., que incorre num montante significativo de despesas para o apoio na disponibilização das viaturas, designadamente call centers, software, bem como através dos recursos inerentes aos e balcões que possui em território nacional.”

  1. Contudo, diz a Requerida:

“Apesar de afirmar o quão significativos são esses custos no conjunto total de custos da sua actividade, nunca os chega a quantificar, menos ainda justifica o motivo porque esses custos permitem, em sua perspectiva, a alteração da percentagem dedução de IVA que reivindica.”

  1. É essa quantificação que o STA determina que se faça, quando manda baixar os autos à 1ª. Instância, a fim de:

 «descortinar se a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos.»

  1. E a Requerida realçava na sua Resposta que a Requerente não juntou ao processo prova documental bastante para tornar possível essa quantificação (não se sabendo a posição da Requerida quanto a este aspeto, após a inquirição da testemunha arrolada, porquanto a mesma não apresentou alegações finais).
  2. Importava apurar se essa utilização de bens de ou serviços de utilização mista foi ditada pela disponibilização dos veículos ou pelas operações de financiamento, resultantes do contrato de Leasing?
  3. A Requerente entende como predominante a primeira e a Requerida entende como esmagadora a segunda.
  4. Face a essa situação a Requerida observa:

“Assim pensa e litiga a Requerente para, sustentando-se na jurisprudência do TJUE e do STA, fazer concorrer a parcela da amortização do capital no campo do numerador, a fim de achar uma percentagem dedutível de IVA superior à obtida através da utilização do método de imputação específica, presente no Ofício-Circulado.”

 

  1. E face à análise que faz desta situação, a Requerida entende que os atos que consomem os recursos (custos comuns) durante a vigência do contrato de locação financeira mobiliária são puros atos de gestão da locação financeira e de sobrevivência do financiamento concedido ao locatário durante a totalidade do período de vigência do contrato.
  2. E demanda a Requerida este Tribunal nos seguintes termos:

“Aqui chegados, basta que esse Tribunal dê como NÃO PROVADO que a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrente foi sobretudo determinada pela disponibilização dos veículos para que, à semelhança do que foi decidido no âmbito dos processos n.º 709/2019-T e 759/2019-T, se decrete a total improcedência da acção.”

  1. Com base nos factos que possam ser dados como provados, a Requerida manifesta a sua posição pela improcedência deste PPA, passando de seguida à apreciação das questões de direito.
  2. E, relativamente a essas questões volta a referir que as mesmas já obtiveram resposta dada pelo STA “…ao consignar que a norma do artigo 23.º, n.º 2 do CIVA, ao permitir que a Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – art. 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efec.tuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços.»
  3. Contudo, no entender da Requerida, existe outra questão que importa responder, e que é assim colocada:

“Existe, por fim, outra questão que ganha relevo, que se prende com a aferição sobre se os gastos mistos despendidos tanto com a gestão e financiamento dos contratos como com a disponibilização dos respectivos veículos se encontram totalmente reflectidos na taxa de juro estipulada entre locador e locatário, assim como reflectidos acessoriamente nas comissões debitadas ao cliente durante o período útil de vida do contrato de locação financeira.”

  1. E a entidade Requerida entende que sim, sendo esses custos refletidos nos clientes nas taxas de juro e também nas comissões que lhes são cobradas.

“Ora, salvo o devido respeito, de acordo com o Ofício-Circulado 30.108, de 30-01-2009, ponto 9, tanto as taxas de juro aplicadas, como as comissões e encargos, excluídas de imposto sobre o valor acrescentado, são todos eles valores que se perfilam no numerador do critério de imputação específico, para o apuramento da proporção, em percentagem, do montante do IVA a que à Requerente é permitido deduzir, por conta dos custos mistos incorridos no acto de gestão e financiamento do contrato.”

  1. Para, quanto a este aspeto, a Requerida concluir:

“Deste modo, caso venha esse Tribunal aceitar a tese de que o valor da renda correspondente ao capital financiado pelo Banco deve também ser somado no numerador tanto ao produto das comissões como ao produto das taxas de juro, tal decisão consubstanciará, salvo o devido respeito, a promoção e a legitimação de uma inflação inaceitável de dedução do IVA inerente aos custos incorridos com os contratos de locação financeira.”

 

“Isso por que, todos esses custos, como se disse e repete, já se encontram reflectidos nos montantes que, seja isso a título de comissões, seja isso a título de taxas de financiamento, são cobrados aos clientes durante a duração do contrato,”

 

“Montantes que são tomados em linha de conta no numerador aquando da aplicação do critério de imputação específico previsto no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30-01-2009 e que, por isso, já concorrem para o apuramento da percentagem de dedução em sede de IVA,”

 

Dispensando que o valor da renda correspondente ao capital seja tido em conta no numerador, uma vez que os custos comuns se encontram refletidos nos juros e comissões e não no valor do capital

  1. Tudo isto já refletido no citado Acórdão “Banco Mais” do TJUE, quando conclui que:

“«Não se opõe a que um Estado‑Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.»

  1. Que, aliás, está em sintonia com o Acórdão do STA tirado no Procº. nº. 052/19.0BALSB, de 04.03.2020, que refere que:

“«Por outras palavras, e como já se consignou no Acórdão deste STA proferido a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, “a circunstância de o Tribunal de Justiça ter considerado que a Administração Tributária poderia criar um sistema específico para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista não significa que, perante a legislação nacional tal sistema específico seja pura e simplesmente admitido, em todas as situações, como não o é, de resto, face à legislação comunitária. Resulta, de modo inequívoco, do acórdão do Tribunal de Justiça que tal situação será excepcional, quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos – aqueles que obtêm enquadramento na actividade exercida pelo banco e que não confere direito à dedução de imposto, por se tratar de actividade isenta.»”

  1. A Requerida cuida de dar conta ao Tribunal que, para além da taxa de juro que cobra aos clientes, a Requerente também lhes debita uma vasta panóplia de comissões, muitas das quais a compensam dos custos comuns por si suportados.
  2. Alertando para a dificuldade ou omissões que a Requerente manifesta na prova da realização dos custos comuns, a Requerida entende que, mesmo que tal fosse feito, ainda assim “…todos esses atos se qualificavam como de financiamento e gestão de contratos”, por contrapartida a disponibilização de viaturas.

 

“E nem diga a Requerente que o TJUE (no caso Volkswagen) deixou já bem claro que o facto de a remuneração ocorrer apenas por via da cobrança de juros é irrelevante para efeitos do direito à dedução do IVA, devendo a componente do capital influenciar o pro rata.”, porquanto nesse Acórdão estava em causa uma sociedade financeira do Reino Unido – que também realiza operações de leasing – mas cujo regime de IVA é diferente do português.

 

  1. Aqui chegados, a Requerida faz consagrar o seguinte:

“Já se concluiu e julgamos ser pacífico que os custos inerentes ao período de vida útil de um veículo, no âmbito de um contrato de locação financeira, se qualificam como custos com a gestão do dito contrato.”

  1. E, por outro lado:

“E concluiu-se que todos esses custos, resultantes das vicissitudes dos contratos, abundantemente elencados supra, bem como atendendo ao período de vida útil em que vão ocorrendo, constituem o grosso das despesas durante período contratual em vigor.”

 

 

 

  1. O que é sustentado por jurisprudência do STA já citada, que permite à Requerida concluir do seguinte modo:

“Assim, salvo o devido respeito, de acordo com o Ofício-Circulado 30.108, de 30-01-2009, ponto 9, tanto as taxas de juro aplicadas, como as comissões e encargos, excluídas de imposto sobre o valor acrescentado, são todos valores que se perfilam no numerador do critério de imputação específico, para o apuramento da proporção, em percentagem, do montante do IVA a que à Requerente é permitido deduzir, por conta dos custos mistos incorridos no acto de gestão e financiamento do contrato.”

  1. A Requerida entende que se se considerar que “…valor da renda correspondente ao capital financiado pelo Banco deve também ser somado no numerador tanto ao produto das comissões como ao produto das taxas de juro, tal decisão consubstanciará … … … uma duplicação de dedução do IVA inerente aos custos incorridos com os contratos de locação financeira.”

 

“Isso por que, todos esses custos, como se disse e repete, se encontram já reflectidos nos montantes que, seja isso a título de comissões, seja isso a título de taxas de financiamento, são cobrados aos clientes durante a duração do contrato (para além das despesas que contratualmente e como é de lei são imputadas ao cliente final).”

 

“Montantes que são tomados em linha de conta no numerador aquando da aplicação do critério de imputação específico previsto no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30-01-2009 e que, por isso, concorrem para o apuramento da percentagem de dedução em sede de IVA”

 

  1. Em abono da sua posição invoca a seguintes Decisões arbitrais:

Proc. nº. 927/2019-T, Proc. nº. 576/2020-T, Proc. nº. 637/2020-T, o voto de vencido do Dr. António Lima Guerreiro no Proc. nº. 259/2022, pelo que:

“Tudo visto e ponderado, deve esse Tribunal acolher o entendimento jurídico patente na uniformização de jurisprudência do STA, nomeadamente nos Acórdãos 101/19; 84/19; 87/20; 32/20; 63/20 e o 113/20, 74/21.0BALSB, 75/21.9BALSB, 89/21.9BALSB, 118/21.6BALSB, 66/21.0BALSB, 48/20.9BALSB, 38/20.1BALSB, 128/20.0BALSB e nos demais processos decididos pelo STA, disponibilizados em www.dgsi.pt, sobre a matéria e que certamente são do conhecimento deste Tribunal”

 

  1. Termina a Requerida manifestando a sua oposição ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, solicitando a final que o PPA seja julgado improcedente e consequentemente a Autoridade Tributária absolvida de todas os pedidos.

 

IV - Saneamento

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

Não são levantadas exceções que cumpra apreciar.

 

V - Matéria de Facto

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos, bem como o depoimento da testemunha inquirida, o qual se revelou credível e rigoroso, proferido por quem tem conhecimento direto da realidade fática, mas incapaz de satisfazer as necessidades de prova da Requerente quanto à imputação dos custos comuns pela atividade de aquisição de viaturas e da gestão do processo na lógica do financiamento dessa aquisição.

 

O Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).

 

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral e Resposta da Requerida), à prova documental junta aos autos e ao depoimento da testemunha arrolada, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. Factos dados como provados

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade comercial com sede em território nacional, configurando uma instituição de crédito, abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31 de dezembro.
  2. A Requerente realiza operações financeiras enquadráveis na isenção constante da alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA, que não conferem direito à dedução deste imposto (v.g. operações de financiamento/concessão de crédito e operações relativas a pagamentos).
  3. A Requerente realiza operações financeiras que conferem direito à dedução deste imposto [cf. a alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA], nomeadamente operações de locação financeira mobiliária, locação de cofres e custódia de títulos.
  4. A Requerente configura-se, para efeitos de IVA, como um sujeito passivo nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, encontrando-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do mesmo diploma.
  5. A Requerente caracteriza-se por ser um sujeito passivo "misto", uma vez que exerce atividades que conferem direito à dedução e também realiza operações no âmbito da atividade financeira, a qual é isenta do imposto nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, procedendo ao apuramento do IVA de cada período com recurso ao disposto no artigo 23.º do mesmo diploma.
  6. A Requerente adquire recursos que são utilizados simultaneamente em operações que conferem o direito à dedução e operações que não conferem tal direito, pelo que a atividade prosseguida pela Requerente encontra-se abrangida por distintos regimes de dedução do IVA incorrido.
  7. Relativamente às situações em que a Requerente identificou uma conexão direta e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações ativas (outputs) por si realizadas, aplicou, para efeitos de exercício do direito à dedução, o método da imputação direta, ao abrigo do preceituado no n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA.
  8. É o que sucede no âmbito da aquisição de bens objeto dos contratos de locação financeira mobiliária – v.g. a aquisição de uma viatura para subsequente locação financeira –, relativamente aos quais foi deduzido, na íntegra, o IVA incorrido, em virtude de tais bens estarem diretamente ligados a operações tributadas, realizadas a jusante pela Requerente – a locação financeira –, que conferem direito à dedução.
  9. Em idêntico sentido, nas aquisições de bens e serviços utilizados exclusivamente na realização de operações que não conferem direito à dedução, a Requerente não deduziu qualquer montante de IVA.
  10. Nas situações em que a Requerente identificou uma conexão direta, mas não exclusiva, entre determinadas aquisições de bens e serviços e operações por si realizadas, e conseguiu determinar critérios objetivos do nível/grau de utilização efetiva, aplicou o método da afetação real, em harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA.
  11. Encontram-se neste caso, os encargos especificamente associados à aquisição de Terminais de Pagamento Automático – (“TPA’s”).
  12. Para determinar a medida de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afetos indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas (recursos de “utilização mista”), a Requerente aplicou o coeficiente de imputação específico definitivo do ano 2022, em conformidade com os ditames da AT constantes no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30 de janeiro de 2009, da Área de Gestão Tributária do IVA.
  13. Relativamente a estes encargos comuns (recursos de utilização mista) não foi possível à Requerente proceder à aplicação do método da afetação real, na medida em que tal implicaria uma clara distinção dos bens e serviços adquiridos para cada tipologia de operações, o que é inexequível nas aquisições de recursos que são utilizados no âmbito do desenvolvimento de todas as operações efetuadas pela Requerente - nomeadamente, e a título de exemplo, os consumos de eletricidade, de água, de papel, de material informático (hardware e software), de telecomunicações, entre outros.
  14. Na sequência de uma revisão de procedimentos relativa à sua atividade, a Requerente constatou, no seu entender, que o cálculo da referida percentagem de dedução se encontrava viciado por erro no regime jurídico aplicável ao seu direito à dedução, porquanto se no cálculo da referida percentagem de dedução a Requerente tivesse incluído os montantes respeitantes às amortizações financeiras do leasing, não aplicando as restrições consagradas pela AT no seu Ofício Circulado n.º 30108, a percentagem de dedução definitiva apurada para o ano em causa seria de 21%.
  15. A Requerente procedeu à entrega das declarações periódicas de IVA referentes ao período de janeiro a dezembro do ano 2022, em que foi determinada uma prestação tributária a entregar ao Estado no montante de € 744.799,65 (setecentos e quarenta e quatro mil setecentos e noventa e nove euros e sessenta e cinco cêntimos).
  16. A Requerente apresentou Reclamação Graciosa da autoliquidação de IVA do último período do ano de 2020, na medida em que, por força da aplicação dos critérios estabelecidos no Oficio-Circulado n.º 30.108, de 30 de janeiro de 2009, não considerou no cálculo da percentagem de dedução definitiva prevista no artigo 23.º do CIVA o valor das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira.
  17. A Requerente apurou uma percentagem de dedução inferior àquela que segundo o seu entendimento seria a correta face às disposições legais em vigor, e que de acordo com os seus cálculos ascendia a 21% (em vez do que originariamente apurou, 8%), o que, em sua perspetiva, se consubstanciou na entrega de prestação tributária (IVA) em excesso.
  18. A Requerente solicita que o ato tributário de autoliquidação daí decorrente seja anulado, na parte referente ao IVA que resulta da divergência de aplicação daquelas percentagens aos bens e serviços com utilização mista
  19. A Requerente solicita a restituição da importância acima mencionada, bem como o pagamento dos juros indemnizatórios respetivos, que considera serem devidos desde a data da apresentação da declaração periódica relativa ao período de Dezembro de 2020 até à restituição do imposto pago em excesso, com base no pressuposto de que a responsabilidade do alegado erro na autoliquidação é imputável à AT, por decorrer da aplicação de instruções administrativas emanadas por esta e que a Requerente considera ilegais.
  20. Não se conformando quer com a sobredita decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, quer com o ato de autoliquidação de imposto contestado no âmbito da mesma, a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.
  21. O imposto impugnado encontra-se pago por autoliquidação.

 

  1.  Factos dados como não provados.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram, como acima se referiu, escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, não existindo outra factualidade alegada que seja relevante para a correta composição da lide processual com exceção do facto da Requerente não ter devidamente quantificado os custos mistos.

 

Ou seja, com relevância para a questão a decidir, ficou por provar a proporção, mesmo em termos aproximados, entre custos de disponibilização de veículos e custos de financiamento e de gestão de contratos, incorridos no âmbito dos contratos de Leasing, que evidenciasse alguma preponderância quantitativa de qualquer dos custos.

 

VI - Do Direito

A título introdutório entende o presente Tribunal que deve, desde já, referir que se reserva, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) (Vide Acórdão do Pleno da 2.ª Secção do STA, de 07.06.1995, Recurso n.º 5239), artigos 607.º, n.º 2 e 3 do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 123.º, 1.ª parte, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicáveis ao processo arbitral tributário por força do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o direito de apreciar apenas os argumentos formulados pelas partes que entende pertinentes para a apreciação da questão aqui em causa, o que fará depois de ter identificado as partes e o objeto do litígio, ter enunciado as questões decidendas, e, depois de fundamentar a decisão discriminando os factos provados e os não provados,  mais, indicando, interpretando e aplicando as normas jurídicas correspondentes e, por fim, apresentando a sua conclusão final (decisão).

 

Vejamos,

 

a). Questão decidenda

  1. O que está em causa no presente processo:

i). Saber se o artigo 23.º, n.º 2 do CIVA, ao permitir que a Administração Tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada na Diretiva do IVA – art.º 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta diretiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços.»

 

Ou seja:

«O artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como a do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos»

ii). Saber se os custos em que incorre a Requerente com os contratos de locação financeira são sobretudo determinados pelos inputs decorrentes dos atos de financiamento e gestão dos ditos contratos.

 

Ora, vejamos,

 

b). Legislação aplicável

Diretiva 2006/112/CE, de (Diretiva IVA)

CAPÍTULO 2

Pro rata de dedução

Artigo 173.o

1.   No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.o, 169.o e 170.o, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.o e 175.o, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo.

2.   Os Estados–Membros podem tomar as medidas seguintes:

a) Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade, se tiver contabilidades distintas para cada um desses sectores;

b) Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores;

c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;

d) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo do n.o 1, relativamente a todos os bens e serviços utilizados nas operações aí referidas;

e) Estabelecer que não seja tomado em consideração o IVA que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o respectivo montante for insignificante.

Artigo 174.o

1.   O pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes:

a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos 168.o e 169.o;

b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.

Os Estados–Membros podem incluir no denominador o montante das subvenções que não sejam as directamente ligadas ao preço das entregas de bens ou das prestações de serviços referidas no artigo 73.o.

2.   Em derrogação do disposto no n.o 1, no cálculo do pro rata de dedução não são tomados em consideração os seguintes montantes:

a) O montante do volume de negócios relativo às entregas de bens de investimento utilizados pelo sujeito passivo na sua empresa;

b) O montante do volume de negócios relativo às operações acessórias imobiliárias e financeiras;

c) O montante do volume de negócios relativo às operações referidas nas alíneas b) a g) do n.o 1 do artigo 135.o, se se tratar de operações acessórias.

3.   Quando façam uso da faculdade prevista no artigo 191.o de não exigir a regularização em relação aos bens de investimento, os Estados–Membros podem incluir o produto da cessão desses bens no cálculo do pro rata de dedução.

 

Código do Imposto sobe o Valor Acrescentado

Artigo 19.º

Direito à dedução 

1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:

a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;

b) O imposto devido pela importação de bens;

c) O imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços abrangidos pelas alíneas e), h), i), j), l), m) e n) do n.º 1 do artigo 2.º

 

Artigo 20.º

Operações que conferem o direito à dedução

1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

b) Transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em:

I) Exportações e operações isentas nos termos do artigo 14.º;

II) Operações efectuadas no estrangeiro que seriam tributáveis se fossem efectuadas no território nacional;

III) Prestações de serviços cujo valor esteja incluído na base tributável de bens importados, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 17.º;

IV) Transmissões de bens e prestações de serviços abrangidas pelas alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 e pelos n.os 8 e 10 do artigo 15.º;

V) Operações isentas nos termos dos n.os 27) e 28) do artigo 9.º, quando o destinatário esteja estabelecido ou domiciliado fora da Comunidade Europeia ou que estejam directamente ligadas a bens, que se destinam a ser exportados para países não pertencentes à mesma Comunidade;

VI) Operações isentas nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro.

2 - Não confere, porém, direito à dedução o imposto respeitante a operações que dêem lugar aos pagamentos referidos na alínea c) do n.º 6 do artigo 16.º

 

Artigo 23.º

Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista

1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.

3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:

a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas;

b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.

4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.

5 - No cálculo referido no número anterior não são, no entanto, incluídas as transmissões de bens do activo imobilizado que tenham sido utilizadas na actividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo.

6 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efectuada nos termos do n.º 2, calculada provisoriamente com base nos critérios objectivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afectação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efectuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.

7 - Os sujeitos passivos que iniciem a actividade ou a alterem substancialmente podem praticar a dedução do imposto com base numa percentagem provisória estimada, a inscrever nas declarações a que se referem os artigos 31.º e 32.º

8 - Para determinação da percentagem de dedução, o quociente da fracção é arredondado para a centésima imediatamente superior.

9 - Para efeitos do disposto neste artigo, pode o Ministro das Finanças, relativamente a determinadas actividades, considerar como inexistentes as operações que dêem lugar à dedução ou as que não confiram esse direito, sempre que as mesmas constituam uma parte insignificante do total do volume de negócios e não se mostre viável o procedimento previsto nos n.os 2 e 3.

 

Doutrina Administrativa

Ofício-circulado n.º 30108, da Área de Gestão Tributária do IVA, de 30 de janeiro de 2009,

 “7. Face à atual redação do artigo 23.º, a afetação real é o método que, tendo por base critérios objetivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é suscetível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de atividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do nº.2 do artigo 23º do CIVA, a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das atividades.

 9. Na aplicação do método da afetação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade deLeasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA.”

 

c). Decisão

  1. Em causa nos presentes autos está uma questão de direito e uma questão de facto.
  2. Efetivamente, a Requerente pretende ver apreciada uma questão de direito que consiste no facto de entender que não se retira da legislação comunitária, nem da legislação interna  (artigo 23.º do Código do IVA, nem dos artigos 173.º e 174.º da Diretiva IVA)  base legal que confira à AT o poder de impor uma fórmula de cálculo da percentagem de dedução ou pro rata distinta da que consta do artigo 23.º, n.º 4 do Código do IVA (que transpõe o artigo 174.º da Diretiva), ou uma afetação real que não seja baseada em critérios objetivos, discordando que o coeficiente de imputação específico possa ser considerado como tal.  
  3. A questão de facto tem a ver com a prova que a Requerente pretende fazer de que o consumo de recursos de utilização mista (ou “promíscuos”) pela atividade de leasing foi sobretudo determinado pela disponibilização dos bens objeto de locação e não tanto pela componente de financiamento e gestão dos contratos de locação.
  4. É assim que a questão é colocada, nomeadamente pelo Acórdão do CAAD proferido no âmbito do Procº. 549/2022 – T de 22 de setembro de 2023, que aqui seguimos e respeitosamente transcrevemos:
  5. “Situando-se o tema no âmbito de apreciação do método de dedução (parcial) do IVA nos recursos de utilização mista das instituições de crédito que desenvolvem as atividades de leasing e ALD em simultâneo com as atividades de concessão de crédito, o referenciado Acórdão recordo que tal assunto já foi objeto de duas pronúncias no Tribunal de Justiça, nos processos Banco Mais, C-183/13, de 10 de julho de 2014, e Volkswagen, C-153/17, de 18 de outubro de 2018, a que acresce o profuso debate na jurisprudência nacional da última década.”
  6. Admitindo desse modo:

“É assim considerável o lastro adquirido nesta matéria, pelo que as questões de direito suscitadas foram já aprofundadas e clarificadas pelo Tribunal de Justiça, no que respeita à interpretação do Direito da União Europeia, em concreto da Diretiva IVA, e pelo Supremo Tribunal Administrativo, em relação ao direito interno, destacando-se neste último caso dois importantes e recentes acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferidos nos processos n.ºs 084/19.8BALSB e 0101/19.1BALSB, de 24 de fevereiro de 2021 e de 20 de janeiro de 2021, respetivamente.”

  1. Ora consta-se que:

“…, todos no sentido da admissibilidade do coeficiente de imputação específica consagrado no n.º 9 do Ofício-circulado n.º 30108, à luz do Direito da União Europeia e da legislação nacional. E o mesmo vem sucedendo com Acórdãos do Pleno do mesmo STA mais recentes, como é o caso do Acórdão de 22 de Março último, prolatado no processo n.º 142/21.9BALSB, e do Acórdão de 23 de Março de 2022, também do Pleno, aí referenciado.

  1. Reconhece, contudo, que a jurisprudência arbitral que se pronunciou inicialmente sobre esta matéria propendia para a inadmissibilidade do mencionado coeficiente de imputação específica, em linha com a argumentação dos sujeitos passivos colocados em idêntica posição.
  2. Entendem tais decisões que se se estaria perante um terceiro método, sem cabimento no artigo 23.º do Código do IVA, resultando, desse modo, violado o princípio da legalidade tributária.
  3. Contudo, também ao nível do CAAD as coisas se alteraram, tudo, por “culpa” do Acórdão para uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de março de 2020, no processo n.º 7/19.
  4. Assistiu-se, assim, refere o Acórdão que vimos seguindo,  “…a uma inflexão no sentido das decisões arbitrais, de que são exemplos as proferidas nos processos n.º 709/2019- T, de 13 de setembro de 2020, n.º 759/2019-T, de 5 de setembro de 2020, e n.º 927/2019-T, de 21 de setembro de 2020, concluindo-se que “a norma do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA, ao permitir que a Administração Tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada no artigo 173.º, n.º 2, alínea c) da Diretiva 2006/112/CE, correspondendo à sua transposição para o direito interno”
  5. Por isso, tal como nessa Decisão arbitral, tendo ficado de fora uma das questões que também está em causa no presente processo, importaria apenas cuidar da segunda, o que, recorde-se é a seguinte:

- Saber se os custos os em que incorre a Requerente com os contratos de locação financeira são sobretudo determinados pelos inputs decorrentes dos atos de financiamento e gestão dos ditos contratos. Podendo, ainda, acrescentar-se a necessidade de dar resposta à questão de saber a quem cabe o ónus dessa prova.

  1. E aqui seguimos de perto a Decisão preferida no âmbito do Proc. 478/2023-T, de 22 de abril, onde se consagra deste logo que:
  2. “…, o método pro rata que a Requerente pretende aplicar traduzir-se-ia no incremento significativo da percentagem de dedução, sem que o mesmo tivesse qualquer conexão com um presumível consumo equivalente de recursos nos gastos mistos pela actividade de leasing: pelo que se verifica a condição de que o método do pro rata é, em abstracto, passível de causar, na situação concreta em análise, um acréscimo injustificado do nível de dedução do IVA nos recursos de utilização mista, resultante da consideração da componente de capital da renda de leasing (que, em princípio, não tem conexão directa com esses gastos) no cômputo da percentagem de dedução – acompanhada, em simultâneo, da não-consideração do capital mutuado, relativo à restante actividade financeira, por forma a que as realidades sejam equivalentes e comparáveis.
  3. Começa, assim, por se constatar que da aplicação do método pretendido pela Requerente resulta um acréscimo de dedução de IVA, o que é aceite e reconhecido pelas partes e que está na origem da apresentação do presente PPA.
  4. Continua o agora citado Acórdão constatando que “…o critério em análise é um critério de natureza objectiva, embora aproximativo, característica que é, aliás, comum aos outros critérios objectivos habitualmente aceites e aplicados no método da afectação real, como o número de pessoas afectas às actividades, o número de horas/homem incorridas, ou os metros quadrados ocupados, entre outros.
  5. Para concluir que apesar de objetivos, tais critérios são meramente aproximativos da realidade, sem espelharem de modo rigorosos essa mesma realidade.
  6. Aliás:

“Uma exigência de rigor milimétrico representaria a impossibilidade de aplicar a afectação real, pois nenhum dos referidos critérios garante a exacta medida de consumo dos recursos por cada uma das operações, com e sem direito à dedução, e traduziria uma interpretação de um rigor formalista incompatível com o princípio da neutralidade do imposto.”

  1. Ora, tal situação, porque tais objetivos seriam sempre dificilmente alcançáveis, não poderia “… viabilizaria a dedução de imposto em montante consideravelmente superior ao correspondente ao consumo (aproximado) dos bens e serviços pelas operações que conferem direito à dedução, transformando imposto não-dedutível em imposto efectivamente deduzido pelo sujeito passivo.”
  2. Para adiantar em seguida que:

“Em todo o caso, e ainda quanto à comprovação da “preponderância de custos”, e à deslocação do foco para o plano dos factos, ela resulta precisamente da circunstância de o critério de imputação específica ser enquadrável no método da afectação real, uma modalidade do cálculo de dedução que se pretende que espelhe fielmente a parte real das despesas efectuadas com bens ou serviços de utilização mista que seja imputada a operações que conferem o direito à dedução – resultando daí uma exigência de rigor probatório superior à que se associará a um método residual de pro rata, até porque tem que se atender, suplementarmente, aos objectivos de prevenção ou reparação de distorções na tributação.

  1. Continuando:

“Ou seja, aqui a alegação da preponderância de “custos de disponibilização” defronta-se com uma exigência acrescida de comprovação (mas não o rigor milimétrico), dada:

 a) a sua implausibilidade, ditando as regras da experiência comum que uma sociedade financeira se dedicará mais, senão exclusivamente, ao financiamento e gestão dos contratos de leasing e ALD, não se tendo por verosímil, até prova em contrário, que prepondere aquilo que, numa síntese de várias alegações produzidas, se poderia caracterizar como uma “assessoria comercial” dos retalhistas do sector automóvel – em aberta sobreposição com funções próprias destes retalhistas, quando plausivelmente essas funções deveriam considerar-se residuais na actividade de uma sociedade financeira.

 b) o facto de se tratar uma segunda tentativa para se tentar afastar a consideração exclusiva dos juros para efeitos do cálculo de dedução, quando deixou se se aceitar a invocação, para esse efeito, de uma componente “amortização”, porque essa não é uma remuneração da actividade do locador, mas o pagamento parcelar do custo de aquisição do bem locado, in casu, viaturas automóveis, ou seja, o reembolso gradual e progressivo do preço da viatura que, findo o contrato, passará previsivelmente para a esfera jurídica do locatário – devendo reservar-se à entrada “juros (e outros encargos)” a função de única remuneração da actividade do locador. Isto porque, relembremo-lo, para efeitos de determinação da dedutibilidade dos gastos mistos, a comparação entre as diversas contraprestações da actividade financeira da locadora apenas será proporcional e equilibrada se tiver exclusivamente em conta a componente de juros e outros encargos, excluindo a do capital, que, em princípio, não apresenta conexão com esses gastos mistos, e apenas com o input de aquisição do veículo, já deduzido integralmente pelo método da imputação directa.

  1. Aqui chegados importa salientar que o valor da renda tributada em IVA relativo à parte do reembolso do capital usado para a aquisição dos bens dados em locação, ou amortização financeira contribui diretamente para a dedução integral do IVA incorrido na aquisição desses bens – bens que são recursos específicos e exclusivos da locação.
  2. Ou seja:

“Com efeito, ao IVA liquidado na renda pelo locador, a aqui Requerente, é totalmente subtraído o IVA incorrido com a aquisição dos bens, pelo que, sendo o contrato de locação executado até ao seu termo, o IVA liquidado na componente da amortização financeira da renda é totalmente absorvido e compensado pelo IVA deduzido com a aquisição dos bens locados.”

  1. Por seu turno “…a  parte sobrante, ou seja, juros e outros encargos, é aquela parte da renda que visa remunerar os gastos gerais da actividade de locação – pelo que é a componente da renda remanescente ao capital que há-de reflectir a ponderação, por parte do sujeito passivo, dos gastos que este calcula suportar na operação, e da sua margem financeira.”
  2. É esta componente dos juros e outros encargos que representa, em suma, a única remuneração económica dos gastos da actividade de leasing, como aliás é patenteado pelas normas contabilísticas e de tributação do imposto sobre o rendimento que incidem sobre esta actividade.
  3. Sintetizando, este Acórdão do CAAD refere:

“…do ponto de vista da adequação, em abstracto, do método de determinação da dedutibilidade dos gastos mistos, a comparação entre as diversas contraprestações da actividade da Requerente apenas é proporcional e equilibrada se tiver em conta a componente de juros e outros encargos, e já não a do capital, que não apresenta conexão com esses gastos mistos, e apenas tem conexão com o input de aquisição dos bens dados em locação, cujo IVA é deduzido integralmente pelo método da imputação directa.

  1. Posto isto, o Acórdão que temos vindo a acompanhar, faz, e do seguinte modo, uma incursão nas matérias contabilísticas:

“Convirá ainda realçar, para efeitos de apuramento da “afectação real”, que só a parcela das rendas, registada nas respectivas contas de proveitos, constitui proveito contabilístico da sociedade locadora, integrando o “volume de negócios” que serve de base ao apuramento do pro rata, nos termos do art.º 23º, 4 do CIVA; sendo que a componente de amortização financeira das rendas, correspondente à aquisição do bem locado, não reveste, pelo contrário, a natureza de proveito, nos termos do art.º 42º do CIVA.

  1. Dispõem os §§ 32 e 33 das NCRF 9:

 “32. Os locadores devem reconhecer os activos detidos sob uma locação financeira nos seus balanços e apresentá-los como uma conta a receber por uma quantia igual ao investimento líquido na locação.

 33. Substancialmente, numa locação financeira todos os riscos e vantagens inerentes à propriedade legal são transferidos pelo locador, e por conseguinte os pagamentos da locação a receber são tratados pelo locador como reembolso de capital e rendimento financeiro para reembolsar e recompensar o locador pelo seu investimento e serviços.”

  1. Para daqui extrair as seguintes conclusões:

“O que confirma que, também na vertente contabilística, o mero reembolso do capital mutuado não é rendimento do locador, ao contrário do rendimento financeiro que visa remunerar o locador pelo seu serviço.”

  1. E entra agora na matéria do ónus da prova, o que começa por fazer do seguinte modo:

“Assim, como vem insistindo a recente jurisprudência do STA posterior ao acórdão para uniformização de jurisprudência de 4 de Março de 2020, quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não-reconhecimento das deduções declaradas pelo sujeito passivo, caberá a este a prova dos factos constitutivos do direito à dedução, demonstrando que, no seu caso concreto – dadas as reais especificidades do seu negócio, detalhadamente comprovadas –, a utilização dos bens ou serviços mistos não foi sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos.

Ou seja: é de aplicar o entendimento sedimentado na jurisprudência do STA, de que, quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não-reconhecimento das deduções declaradas pelo sujeito passivo, cabe a este a prova dos factos constitutivos do direito à dedução.”

  1. Apesar de se entender que tal ónus cabe indiscutivelmente ao sujeito passivo de imposto que invoca um superior direito à dedução de um imposto, cuida o Acórdão que acompanhamos de saber se tal caberia, de algum modo, à própria Autoridade Tributária.
  2. A Resposta é claramente negativa.
  3.  Particularizando:

“Concretamente, no que respeita à indispensabilidade de uma demonstração casuística, por parte da AT, dos pressupostos factuais que subjazem à aplicação do coeficiente de imputação específico, colocando-se a questão de saber se, à luz das regras que estabelecem o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos dos direitos que as partes se arrogam (v. artigo 74.º da LGT), aquela teria que “invocar e demonstrar no procedimento ou nos autos a factualidade que permitisse formular um juízo (de facto) sobre se a utilização dos bens ou serviços é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos” (cfr. Acórdão do STA no Proc. n.º 0101/19.1BALSB), há que relembrar que, quando o acto de liquidação adicional de IVA se fundamente no não-reconhecimento das deduções declaradas pelo sujeito passivo, cabe a este a prova dos factos constitutivos do direito à dedução.

  1. Concluindo assim que é sobre a Requerente que recai tal ónus, e não sobre a Requerida, ou seja:

“ É ao sujeito passivo que compete alegar e demonstrar que, no seu caso concreto, a utilização dos bens ou serviços mistos não foi sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos. Neste sentido se pronuncia, de igual modo, o STA, que reputa tal solução adequada “também porque o sujeito passivo, dada a sua proximidade com a fonte produtora, está mais bem posicionado para expor as especificidades do seu negócio.” (Proc. n.º 0101/19.1BALSB).

  1. Aqui chegados importa saber se, no âmbito do presente processo, a Requerente atingiu esse desiderato, nomeadamente face à documentação que juntou aos autos e às declarações da testemunha inquirida.
  2. Quanto à prova documental, a Requerente juntou o Despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa e a Declaração Periódica de IVA do mês de dezembro de 2022, manifestamente insuficientes para atingir tal desiderato.
  3. Por seu turno, relativamente ao depoimento da testemunha inquirida, o Tribunal já se pronunciou, no sentido de que o mesmo se revelou credível e rigoroso, proferido por quem tem conhecimento direto da realidade fática, mas incapaz de satisfazer as necessidades de prova da Requerente quanto à imputação dos custos comuns pela atividade de aquisição de viaturas e da gestão do processo na lógica do financiamento dessa aquisição.
  4. Razão pela qual concluímos não ter o Requerente produzido a necessária prova para atingir os objetivos a que se propunha.
  5. Mas também aderimos de pleno a uma outra posição defendida no Acórdão tirado no Proc. nº. 478/2023-T de 22 de abril, que vimos citando, no sentido de concluir que talvez nunca a Requerente pudesse alcançar “…dada a índole peculiar da locação financeira, um contrato no qual, e ao contrário do que é regra na locação comum, os riscos, encargos, e responsabilidades relativas ao bem correm pelo lado do locatário, não obstante não ser ele o proprietário – ficando o locador, na locação financeira, numa posição extensamente exonerada: por exemplo, não corre por conta dele o risco do perecimento ou deterioração do bem, correndo pelo locatário a obrigação de segurar o bem; não cabe ao locador realizar reparações do bem, mas sim ao locatário; cabe ao locatário, não ao locador, defender a integridade do bem e o respectivo gozo, e, no limite, recorrer a acções possessórias; o locador não responde pelos vícios do bem, nem pela sua inadequação aos fins do contrato; as despesas de transporte, seguro, montagem, instalação e reparação do bem, assim como as necessárias à sua eventual devolução ao locador ficam a cargo do locatário, salvo estipulação em contrário; como assim também o risco de perda e deterioração do bem (veja-se todo este regime no Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, que sucedeu ao Decreto-Lei n.º 171/79, de 6 de Junho, revogando este).
  6. Com base nesta particular análise do regime jurídico da locação financeira o Acórdão conclui que:

“Em suma, na locação financeira, não obstante o facto de o locador ser o proprietário, este fica quase totalmente desligado e desresponsabilizado das obrigações que normalmente oneram um proprietário, e mesmo daquelas que oneram um locador – pelo que materialmente os custos genuinamente correspondentes à “disponibilização” dos bens locados praticamente se cingirão à aquisição desses bens, tudo o resto se concentrando em custos de financiamento e gestão dos contratos.”

  1. Atribuindo especial relevância ao facto de que:

“… na locação financeira não existem prestações positivas (de “fazer” ou de “dar”) do locador para com o locatário, em relação directa com o bem: o locador limita-se a fornecer os meios financeiros que habilitam o locatário a ter acesso ao bem e a usá-lo, não sendo sequer comum que a locadora venha a ter, num qualquer momento, o domínio do veículo, ou qualquer papel na utilização quotidiana dos veículos locados, ou nas diversas vicissitudes respeitantes a essa utilização – remetendo-se o locador, até nos termos do quadro legal referido, à posição de mero financiador, de mero mutuante.

  1. Remetendo, de seguida, para a importância no comissionamento no âmbito desta atividade, particularizando que:

“E é por isso mesmo que quaisquer despesas que nasçam de um desvio a esse estado de coisas é recoberto – nos termos de um preçário fornecido aos locatários – por “comissões” que são contrapartida dessas despesas, devolvendo o seu suporte ao locatário. Circunstância que ao mesmo tempo esclarece que, sendo essas comissões pagas separadamente, elas não são incorporadas na componente da renda correspondente a juros e outros encargos, que, essa sim, fica a constituir a única contraprestação específica da locação – ou seja, é devida independentemente de quaisquer vicissitudes da locação, e resulta da mera execução do contrato, do mero acesso do locatário ao bem locado, pela duração estipulada no contrato.

  1. E continuamos a acompanhar o referido Acórdão, agora nas suas conclusões, que fazemos nossas.
  2. Primeira:

“…o Ofício-Circulado n.º 30108 não constitui uma mera interpretação administrativa do art. 23º do CIVA, contendo antes uma normação prescritiva, legalmente habilitada, no exercício da faculdade ou prerrogativa de determinar “condições especiais”, pelo n.º 2 do referido artigo 23º; impondo, com os fundamentos contemplados no n.º 8 do Ofício, a adopção de um determinado coeficiente de imputação específico – de forma não-arbitrária, antes determinada por um propósito de prevenção de distorções significativas na tributação, que ocorreriam se se insistisse num rácio desligado da comparabilidade económica, isto é, se se apontasse para um cálculo assente numa presunção do consumo de recursos pelas diversas actividades, quando as realidades que constituem o termo de comparação são objecto de métricas distintas (se se tivesse em conta a componente do capital, que, em princípio, não apresenta conexão com os gastos mistos e apenas com o input de aquisição do veículo, já deduzido integralmente pelo método da imputação directa, estaríamos a comparar realidades diversas, nomeadamente juros de financiamentos concedidos no contexto da atividade geral, com juros e capital do leasing).

Sendo que, nos termos preconizados na orientação administrativa, para que a comparação das operações tenha “coerência” e traduza uma proporção adequada, quer a actividade financeira, quer a actividade de leasing, substancialmente equiparáveis numa perspectiva económica, devem considerar apenas a respectiva remuneração, isto é, os juros.

  1. Segunda:

“Conclui-se também que a aplicação da directriz administrativa contida no OfícioCirculado n.º 30108 não carece da mediação de um acto administrativo em matéria tributária, cabendo a demonstração de não estarem preenchidos os respectivos pressupostos (a mencionada falta de coerência das variáveis utilizadas, causadora de distorções significativas na tributação) aos sujeitos passivos que invocam o direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 74º, 1 da LGT: na prática, a demonstração de que a utilização mista dos bens e serviços foi também, e manifestamente, determinada pela disponibilização dos bens – e não somente a demonstração de que foram incorridos alguns custos por conta da referida disponibilização.

  1. Terceira:

“Em contrapartida, impõe-se a conclusão de que o Ofício-Circulado n.º 30108 se limita a concretizar a previsão legal e é desprovido de carácter inovatório – não constituindo, esse Ofício-Circulado, o parâmetro de validade da autoliquidação, cujo suporte é o art.º 23º, 2 e 3 do CIVA.

  1. Quarta:

“Havendo norma permissiva a nível do direito da União e do direito nacional, como o estabelece a jurisprudência constante e uniformizada dos tribunais superiores, não se verifica violação do princípio da legalidade. Não se descortinando qualquer divergência face à orientação estabelecida pelo TJUE e pelo STA, não ocorre violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva. E não se suscita qualquer dúvida que possa ser resolvida pela via do reenvio prejudicial: pelo contrário, o TJUE já se pronunciou abundantemente, firmemente, e consolidadamente, nesta matéria.

  1. Conclusão final:

“Pelos motivos expostos, julga-se não verificado o vício de ilegalidade alegado pela Requerente, em virtude de o critério de imputação específico consagrado no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, ter suporte legal no artigo 23.º, 3 e 2 do CIVA, sendo conforme ao direito da União Europeia, em concreto ao disposto no art. 173.º, 2, c) da Directiva IVA e ao princípio da neutralidade fiscal, da efectividade, da proporcionalidade e da igualdade de tratamento entre Estados-Membros.

 

Neste pressuposto, e porque considerámos não-provada a alegação da Requerente, de que a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Requerente foi predominantemente dedicada, em termos de gastos, à disponibilização dos veículos, improcede totalmente o pedido de pronúncia que deu origem a este processo arbitral….”

  1. Ficam, igualmente, prejudicadas todas as pretensões da Requerente que dependessem da procedência do pedido, incluindo as relativas a juros indemnizatórios.
  2. Por fim, importa esclarecer que na fundamentação da decisão, e em obediência ao princípio geral consagrado no art.º 8º, nº. 3 do Código Civil, seguimos de perto as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.os 709/2019-T, 759/2019-T, 887/2019-T, 927/2019-T, 278/2020-T, 292/2020-T, 576/2020-T, 637/2020-T, 804/2021-T, 549/2022-T, 558/2022-T, 126/2023-T e 455/2023-T do CAAD e esta última que transcrevemos e seguimos de perto tirada no Proc. nº. 478/2023-T, de 22 de abril.

 

VII - DECISÃO

De harmonia com o exposto, decide-se:

a). Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente absolvição da Autoridade Tributária do pedido;

b). Julgar igualmente improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

VIII - Valor do Processo

[1]Fixa-se o valor do processo em € 744.799,65 (setecentos e quarenta e quatro mil setecentos e noventa e nove euros e sessenta e cinco cêntimos) nos termos artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

IX - Custas

Fixa-se o montante das custas em € 10.710,00 (dez mil setecentos e dez euros) a cargo da Requerente, nos termos do artigo 5º., nº. 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela II Anexa.

 

Notifique-se.

Lisboa, 27 de fevereiro de 2025

 

Os Árbitros

 

 

Fernando Araújo

 

 

Jorge Carita (relator)

 

 

Martins Alfaro

 

 



[1] De acordo com o Despacho de Retificação de 2025-02-27