Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 755/2024-T
Data da decisão: 2025-02-25  IRC  
Valor do pedido: € 67.218,30
Tema: IRC; dedução de gastos; ónus da prova; operações simuladas
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 SUMÁRIO:

 

Se a AT logrou ilidir a presunção de veracidade que resulta do artigo 75.º da LGT, demonstrando a existência de indícios sérios de que o sujeito passivo participou num esquema de operações simuladas, negando com esses fundamentos o direito à dedução em IRC, nos termos do artigo 23.º, n.º 1,  do CIRC, é ao sujeito passivo que incumbe o ónus da prova de demonstrar a veracidade de tais operações, nos termos do artigo 74.º da LGT, sob pena de não serem  dedutíveis os gastos titulados pelas faturas a elas  referentes.

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Rui Duarte Morais, Francisco Nicolau Domingos e Jónatas Machado, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

1. A..., LDA., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., Felgueiras,  contribuinte n.º...,  veio, na sequência da decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2021... e da decisão (de indeferimento) da reclamação graciosa n.º ...2021..., deduzida esta contra o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2020..., de 2016, segmento da desconsideração de gastos, no montante de 58 971,93€, e da liquidação de juros compensatórios, no montante de 8 246,37 €, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente, requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral, com vista à declaração de ilegalidade das referidas decisões de indeferimento e, mediatamente, do ato tributário antecedente que delas foi objeto.

 

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, apresentado em 14 de junho de 2024, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, no dia 17 de junho de 2024, e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”), no dia 21 de junho de 2024.

 

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação, em 5 de agosto de 2024, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

4. O Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 26 de agosto de 2024, tendo sido a Requerida notificada, no dia 30 de agosto de 2024, para apresentar a sua resposta.

 

5. A Requerida apresentou, em 30 de setembro de 2024, resposta e juntou aos autos o processo administrativo (“PA”). Defendeu-se sustentando que as operações constantes das faturas da B..., Lda. (“B...”), identificadas no Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), e inscritas como gastos pela Requerente, em 2016, não correspondem a efetivas prestações de serviços.

 

6. A reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT realizou-se no dia 12 de novembro de 2024, tendo sido inquirida a testemunha “C...”. O Tribunal Arbitral coletivo notificou, ainda, as partes para querendo apresentarem alegações finais simultâneas, no prazo de 15 dias.

 

7. A Requerente e a Requerida apresentaram alegações finais em 4 e 5 dezembro de 2024, respetivamente, tendo mantido a sua posição inicial.

 

 

II. POSIÇÕES DAS PARTES

 

8. A Requerente defende que os atos impugnados são ilegais, pois: (i) há nulidade da liquidação e de todo o procedimento por violação do princípio da participação; (ii) verifica-se violação dos artigos 74.º, n.º 1 e 75.º, da Lei Geral Tributária (“LGT”); e (iii) as operações colocadas em crise pelo RIT são verdadeiras.

 

9. Defende, quanto à violação do princípio da participação, o seguinte:

 

  1. Nunca foi informada sobre quais as firmas das empresas alegadamente envolvidas, a montante, no esquema de “faturação falsa”;

 

  1. Essa omissão ou não identificação de entidades terceiras, cuja atividade foi determinante para a correção tributária na sua esfera jurídica, inviabilizou a capacidade de participar e influenciar a formação da vontade da AT;

 

  1. Em resumo, a referida factualidade configura uma violação do princípio da participação no procedimento e, por isso, os atos em crise deverão ser anulados.

 

 

10. A Requerente defende, também, que a Requerida violou os artigos 74.º e 75.º da LGT, pois a AT não demonstrou a existência de factualidade suscetível de abalar a presunção de veracidade de que gozam as declarações dos contribuintes, na medida em que:

 

  1. A inspeção tributária alicerçou o entendimento de que há faturas emitidas pelo fornecedor “B...” que não titulam operações reais com base, essencialmente, em factos respeitantes a entidades externas ao sujeito passivo inspecionado (a Requerente);

 

  1. O “III” do RIT relata precisamente as relações entre a “B...” e as empresas com quem esta se relaciona (sem qualquer referência às relações com a Requerente);

 

  1. Já em “III.1” e “III.2” o RIT limita-se, igualmente, a transcrever parte das conclusões extraídas da inspeção efetuada à “B...”, sem qualquer referência às relações que possam existir com a aqui impugnante;

 

  1. Os elementos recolhidos no âmbito dos referidos procedimentos inspetivos, à “B...” e demais sociedades não identificadas, são insuficientes para sustentar as conclusões da AT. Ou seja, independentemente dos indícios recolhidos junto dos emitentes das faturas, a AT deveria ter confrontado essas conclusões com a situação específica do destinatário da fatura.

 

11. Alega, em terceira linha, que as operações colocadas em causa são verdadeiras, com os seguintes argumentos:

 

  1. As faturas em causa encontram-se emitidas na forma legal, com suporte informático e controlo através do SAFT;

 

  1. O meio de pagamento utilizado foi a transferência bancária, correspondendo a cada fatura uma nota de liquidação;

 

  1. Os produtos adquiridos foram objeto de controlo à entrada do armazém;

 

  1. A “B...” dispõe de instalações para o exercício da sua atividade e possuía, em 2016, uma viatura apta para o transporte de mercadorias;

 

  1. Os serviços que contratou à “B...” foram a costura e colagem de pedaços de espuma, pois não consegue realizar, isoladamente, este tipo de trabalho;

 

  1. A realização da referida operação somente exige máquinas de costura e mão-de-obra, não exigindo, assim, uma estrutura empresarial complexa;

 

  1. O serviço prestado pela “B...” visa a preparação de matéria-prima que ficará armazenada para imputação a uma posterior encomenda;

 

  1. O referido serviço é igualmente por si realizado, não sendo de imputar a uma encomenda de palmilhas, pois trata-se da preparação da matéria-prima;

 

  1. Em suma, as operações constantes das faturas emitidas pela sociedade “B...”, no exercício de 2016, correspondem a efetivas prestações de serviços e, como tal, são fiscalmente dedutíveis em IRC, nos termos do previsto no artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”).

 

12. Acrescenta que, se os atos tributários são ilegais, tem direito ao reembolso da quantia indevidamente paga (67 218,30 €). Arroga-se, ainda, no direito ao recebimento de juros indemnizatórios, perante a existência de erro “imputável aos serviços”.

 

13. A Requerida apresentou resposta, na qual sustenta, quanto à violação do princípio da participação no procedimento, o seguinte:

 

  1. A Requerente nunca alegou a violação do referido princípio, e do contraditório, pelo facto de lhe ter sido omitida a identificação das empresas que se situavam a montante do esquema de “faturação falsa”, quer durante o procedimento de inspeção, como também em sede de reclamação graciosa;

 

  1. O facto de a AT não ter dado a conhecer à Requerente a identidade das entidades a montante da cadeia de faturação da sociedade “B...” não constituiu uma violação do princípio da participação no procedimento e não a impossibilitou de exercer o contraditório.

 

14. A Requerida defende, ainda, que não há violação dos artigos 74.º, n.º 1 e 75.º, da LGT,  na medida em que:

 

  1. No âmbito do procedimento inspetivo, os Serviços de Inspeção Tributária solicitaram diversos elementos que evidenciassem a realização das operações, nomeadamente, (i) a descrição dos serviços/bens subcontratados/adquiridos à “B...”, (ii) a correspondência trocada entre as sociedades, (iii) as faturas emitidas pela referida sociedade (“B...”), (iv) os documentos de transporte entre as sociedades e, por último, (v) as faturas emitidas pela Requerente correlacionadas com os serviços subcontratados à “B...”;

 

  1.  A Requerente limitou-se a remeter o ficheiro SAFT-T respeitante à faturação emitida para os clientes, documentos que não permitiram estabelecer uma correlação entre a suposta subcontratação e a fatura emitida ao cliente. No que respeita à existência de contactos prévios nada remeteram;

 

  1. A falta de junção de elementos para provar a materialidade das operações verificou-se, igualmente quando a Requerente exerceu o direito de audição no âmbito da inspeção tributária, na reclamação graciosa, no recurso hierárquico e no pedido de pronúncia arbitral;

 

  1. Não é verdadeira a afirmação de que a atuação da AT, para alicerçar as correções empreendidas, se baseou exclusivamente em indícios externos recolhidos junto de entidades terceiras, pois os próprios elementos da contabilidade da Requerente continham indicadores suficientes de que as faturas em causa não titulavam operações efetivas;

 

  1. É, assim, evidente que, verificando-se o preenchimento das alíneas a) e b), do n.º 2, do artigo 75.º da LGT, a Requerente não pode prevalecer-se da presunção de veracidade prevista no n.º 1 do referido artigo, para justificar a dedutibilidade dos gastos titulados pelas faturas colocadas em crise durante o procedimento inspetivo. Competindo-lhe, assim, fazer a prova da materialidade dos serviços, não o tendo feito, legitimada fica a atuação da AT plasmada na liquidação de IRC impugnada;

 

  1. Se foi cumprido o ónus probatório pela AT, competia à Requerente cumprir o ónus da prova relativamente ao direito à dedução dos gastos titulados pelas faturas emitidas pela “B...”;

 

  1. A Requerente não conseguiu reunir elementos suficientes da relação jurídica material;

 

  1. Os Serviços de Inspeção Tributária lograram recolher uma série de indícios internos (junto da Requerente) e externos (junto de terceiros) que permitiram concluir, com um juízo de probabilidade elevada, que as operações constantes das faturas emitidas pela “B...” (identificadas no RIT) à Requerente, em 2016, não correspondem a efetivas prestações de serviços;

 

  1. As operações colocadas em causa pelo RIT são efetivamente simuladas.

 

 

15. Conclui sustentando que, estando a pretensão anulatória votada ao insucesso, incluindo o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, por não se verificar qualquer erro “imputável aos serviços”, os atos tributários manter-se-ão na ordem jurídica.

 

 

III. SANEAMENTO

 

16. O Tribunal Arbitral coletivo foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido, que foi tempestivamente apresentado nos termos dos artigos 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

17. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT.

 

18. O processo não enferma de nulidades, nem existem outras exceções ou questões prévias que cumpram conhecer que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

IV. MATÉRIA DE FACTO

 

4.1. Factos provados

 

19. Com base nos elementos constantes dos autos dão-se como provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente foi objeto de ação inspetiva em relação ao exercício de 2016, titulada pela Ordem de Serviço n.º OI2020... .

(PA)

 

  1. Na inspeção referida no número anterior foram realizadas, nomeadamente, correções em sede de IRC, com a desconsideração da dedução de 262 097,50 € no exercício de 2016, respeitantes à subcontratação de serviços à “B..., Lda., pelo facto de corresponderem a operações simuladas.

(PA)

 

  1. O Relatório de Inspeção Tributária concluiu que:

 

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS  À MATÉRIA COLETÁVEL

Conforme já foi referido, o SP, no ano de 2016, realizou supostas operações comerciais com a sociedade B... .

A sociedade B... encontrava-se coletada pela prestação de serviço de fabrico de calçado (corte, costura, montagem, acabamento e embalamento) que basicamente subcontratava a outros operadores, nomeadamente a sociedade C.

No decurso do procedimento de inspeção à sociedade B... concluiu-se que a faturação emitida pela sociedade C, a título da prestação de serviços, correspondeu a negócios simulados.

Por sua vez, a sociedades C teve como principal “fornecedor” a sociedade B.

Apesar das sociedades C e B terem sido cumpridoras das suas obrigações fiscais, verificou-se que as mesmas se limitaram a emitir faturas de prestações de serviços que, por sua vez, foram supostamente subcontratadas a outras entidades que também não dispunham de estrutura para realizar essas operações, nem cumpriam com as suas obrigações fiscais, pelo que as operações realizadas por estas firmas (A e A1) foram também consideradas como negócios simulados.

A cadeia de faturação entre os vários operadores económicos, atrás relatada, teve por base um esquema de fraude fiscal, que consistia na criação de sociedades instrumentais (uma delas incumpridora) a montante da B...- controladas por esta – que permitiam a dedução a jusante do IVA nas entidades utilizadoras da faturação:

 

(…)

Em conclusão, as faturas emitidas pelas sociedades B..., C e B que tiveram subjacente subcontratações efetuadas às firmas A e A1, foram consideradas operações simuladas, conforme se passa a fundamentar:

 

III.1. – Procedimento de Inspeção à B...  (fornecedor do SP)

De acordo com o Relatório Final de Inspeção de 2020-01-19, realizado pela Direção de Finanças do Porto, ao abrigo da Ordem  de Serviço OI2019..., concluiu-se pela existência de negócios simulados entre a B... e os seus principais fornecedores:

 

(...)

 .

III.3.3 – Conclusão

 

Tendo presente que as faturas emitidas pela sociedade B... para o SP têm como descritivo serviços prestados no âmbito da fabricação de calçado – os quais se encontrariam relacionados com um conjunto de operações (corte, costura, montagem, acabamento, …) – quer pela B..., quer pelas firmas identificadas na cadeia a montante também como subcontratadas umas das outras, isso implicaria necessariamente, para todas as entidades que surgem como emitentes dessa faturação, os seguintes pontos a observar:

 

 

III. 3.1 – Fatores produtivos na vertente das entidades subcontratadas na origem da cadeia de faturação

 

 

- A necessidade de capacidade instalada (instalações, equipamento, organização empresarial,…);

 

- A necessidade de capital humano para as operações de transformação das matérias-primas inerentes à fabricação do calçado, ao qual acresce a especialização dos funcionários para esses trabalhos;

 

- A necessidade de um planeamento organizacional como suporte às prestações de serviços subcontratadas, desde o programa fabril a partir da data da encomenda, como seja: a entrada dos materiais para manufaturar, da posterior entrega do produto acabado/semiacabado, do controle dessas quantidades, do controle de qualidade, das necessidades de transporte daí decorrentes, da movimentação e controle financeiro inerente à globalidade da atividade;

 

Em síntese, verificou-se a falta destes requisitos no universo das entidades identificadas como prestadores de serviços e, nessa conformidade, fica patente a inverosimilhança das operações comerciais que tiveram como último destinatário a entidade  inspecionada, com suporte na fatura emitida pela B... .

 

III.3.2 – Na vertente do SP

 

- A necessidade de se verificar um conjunto de fatores que induzisse para a efetivação dos negócios colocados em crise, o que não se verificou no âmbito da análise dos suportes documentais associados à faturação de B...rececionada pelo SP, ao que acresce a falta de controle interno decorrente do processo de fabricação fora das suas instalações.

 

Em síntese, fica patente a falta de comprovação das operações por inexistência de detalhes considerados fundamentais no âmbito da estrutura organizacional e da política comercial de subcontratação , uma vez que tais operações não se relacionam com bens transacionáveis, pelo que se impõe um controle interno devidamente implementado de forma  a ter em conta: a encomenda e a sua realização, a saída das matérias-primas e a entrada de produtos transformados, a observação e interligação dos prazos (encomenda e disponibilidade de execução por parte da empresa subcontratada, entrega das matérias-primas e a receção dos produtos manufaturados, o controle de qualidade, os materiais excedentes, os materiais que foram adicionados pelo subcontratado no decorrer do processo de fabricação), o controle de qualidade, a conjugação dos transportes em todo o processo, entre outras situações.

 

III.3.3 – Factos apurados

 

- As firmas tidas como prestadoras de serviços não origem da cadeia de faturação, a montante da B..., incluindo a própria, não possuem as exigência acima elencadas(fatores produtivos na vertente da entidade subcontratada) para se poder admitir que estejam inseridas num qualquer processo produtivo na área da fabricação de calçado.

 

- No âmbito do SP, enquanto utilizador das faturas emitidas pela B..., apesar da documentação exibida e dos suportes financeiros pretensamente relacionados, verificou-se a falta de outros requisitos tidos como essenciais na comprovação das operações de subcontratação, nomeadamente:

 

- Correspondência (via postal ou via eletrónica), uma vez que não se mostra viável que uma encomenda de um serviço prestado, com aplicação de materiais fornecidos pelo SP, não tenha sido exibida um qualquer suporte documental de detalhe e da especificidade do trabalho a realizar;

 

- Não existir evidências em cada operação relacionadas com os prazos de entrega dos  materiais para  transformação e da sua posterior execução em toda a cadeia de faturação;

 

- Inexistência de ordens de fabrico relacionadas com a execução do tipo de serviço sob encomenda, no âmbito do controle interno das operações a subcontratar fora das próprias instalações;

 

- Falta de exibição de suporte documental do protótipo (sapato/bota) a executar no âmbito do serviço a prestar;

 

- Da evidente falta de logística para efeitos do controle de qualidade dos produtos manufaturados no universo das empresas que surgem em todo o processo de fabricação;

 

- Da falta de critério relacionado com os transportes (proprietário das viaturas a utilizar e custos inerentes), quer em relação às necessidades que decorrem dos materiais para transformação nos supostos prestadores de serviços, quer em relação às unidades após fabricação com destino às instalações do SP.

 

- As singularidades verificadas, após análise do conteúdo das faturas emitidas pelos operadores envolvidos e as que foram rececionadas pelo SP revelam que as operações cingiram-se apenas à base documental e nunca à concretização de algum negócio comercial.

Neste contexto, verificou-se a falta de um conjunto de requisitos tidos como necessários em processos produtivos de subcontratação e, nessa conformidade, fica patente a inverosimilhança das operações comerciais que tiveram como último destinatário a entidade inspecionada, com suporte na faturação emitida pela B... .

 

 

III. 3. 4 – Correções tributárias IVA e IRC

 

(…)

Em sede de IRC, e pelo facto das operações serem consideradas simuladas, o gasto contabilizado no montante de € 262 097, 50 não é aceite fiscalmente, nos termos do artigo 23.º do CIRC.

 

 

  1. A Requerente foi notificada, através do ofício 2020..., de 27 de outubro de 2020, para exercer o seu direito de audição relativamente ao teor da proposta de RIT.

(PA)

 

  1. A Requerente exerceu o direito de audição no dia 10 de novembro de 2020, no qual não aceita o conteúdo do RIT.

(PA)

 

  1. Na sequência da referida inspeção, foi emitida a liquidação de IRC n.º 2020... (nota de cobrança 2020...), no montante de 58 971, 93 €, acrescida da liquidação de 8 246, 37 € de juros compensatórios.

(PA)

 

  1. A Requerente pagou, em 21 de janeiro de 2021, 67 218,30 €, valor respeitante às liquidações de IRC e de juros compensatórios descritas no número anterior.

(Documento  junto pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral)

 

  1. A Requerente apresentou, em 28 de janeiro de 2021, reclamação graciosa contra as referidas liquidações.

(PA)

 

 

  1. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 13 de outubro de 2021.

(PA)

 

  1. A Requerente apresentou, em 15 de novembro de 2021, recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

(PA)

 

  1. O recurso hierárquico foi expressamente indeferido por despacho de 10 de fevereiro de 2024, notificado por carta datada de 18 de março de 2024.

(PA)

 

  • A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral a 14 de junho de 2024.

(PA)

 

  1. A Requerente faz palmilhas anatómicas.

 (Depoimento da testemunha C...)

 

  • As palmilhas referidas são feitas por termo moldagem com o uso de uma máquina quase totalmente automática a que tem de ser fornecida continuamente matéria-prima.

 (Depoimento da testemunha C...)

 

  • A matéria-prima, constituída por forros e espumas, é moldada pela máquina.

(Depoimento da testemunha C...)

 

  1. É grande a diversidade de formatos e tamanhos das palmilhas.

 

(Depoimento da testemunha C...)

 

  1. As palmilhas são feitas com base em quadrados de matéria-prima, que têm de ser cortados.

(Depoimento da testemunha C...)

 

  1. A Requerente não consegue produzir quadrados em quantidade suficiente para aproveitar toda a capacidade da máquina.

(Depoimento da testemunha C...)

 

  1. As partes dos quadrados que sobram depois de cortados são suscetíveis de serem aproveitadas, com colagem e costura.

(Depoimento da testemunha C...)

 

  1. A Requerente realizava o trabalho referido no facto anterior.

(Depoimento da testemunha C...)

 

  1. Não foi apresentada à inspeção tributária qualquer correspondência trocada entre a Requerente e a “B...”.

(PA)

 

 

ii) Factos não provados

 

20. Com base nos elementos constantes dos autos dão-se como não provados os seguintes factos:

  1. A preparação dos quadrados destinados a serem utilizados na máquina de fabricação das palmilhas é imprescindível para o seu funcionamento.

 

  1. No ano de 2016, a Requerente encomendava à “B...” a preparação dos referidos quadrados quando tinha grandes encomendas, de forma a poder manter sempre o fornecimento da máquina automática.

 

  1. As espumas que constituem a base dos quadrados eram enviadas à “B...” que as cortava e fazia o aproveitamento das sobras.

 

  1. Os serviços realizados pela “B...” aumentavam as quantidades disponíveis para utilização na máquina automática.

 

  1. A Requerente deixou de fazer encomendas à “B...” em meados do ano de 2020, quando teve conhecimento, através de uma inspeção tributária, de que a AT suspeitava que a “B...” estava envolvida num esquema de faturas falsas.

 

  1. No ano de 2016 a B... efetuou transportes de mercadorias para a Requerente.

 

 

 

16. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

21. O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos que interessam à decisão da causa e identificar os factos provados e não provados, não tendo de se pronunciar quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT.

 

22. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

23. Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos, a prova testemunhal no segmento a que respeita a factos que não são controvertidos entre as partes, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, nos quais se descreve a fonte utilizada para que se os dê como assentes.

 

24. Não se deram como provadas, nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

 

17. Fundamentação da matéria de facto não provada

 

25. A Requerente arrolou uma testemunha com o objetivo de provar os factos que este Tribunal Arbitral coletivo não deu como assentes. Afirma a jurisprudência[1] quanto à prova testemunhal:

 

A prova testemunhal sendo um dos meios de prova admissível em direito não se basta se não se ancorar em outra prova objetiva e mais segura, por exemplo, assente em documentos registados na contabilidade da empresa (nosso sublinhado), como atas ou acordos, consabido que no âmbito da contabilidade e fiscalidade os factos esteiam-se no campo documental, (princípio da documentação artigo 23.º, n.º1, 115.º e 121.º do CIRC) sendo a prova testemunhal complementar, atendendo, nomeadamente, ao seu caráter mais volátil, naturalmente, ligada às contingências da incerteza e inconstância desta prova.

 

26. No caso sub iudice inexistem quaisquer documentos, para além das faturas-recibo e transferências financeiras, que atestem a materialidade das operações alegadamente contratadas à “B...”. Em bom rigor, não se afigura verosímil à luz das regras da experiência comum que para gastos no valor de 262 097,50€ não existisse, nomeadamente, qualquer suporte documental  que atestasse o pedido das prestações de serviços, as suas especificações, e o valor médio por hora, que alicerçasse a contratação da “B...” para a prestação dos serviços inscritos nos gastos considerados como respeitantes a operações simuladas.

 

27. Em resumo, por tal somatório de razões, os factos não foram dados como assentes.

 

 

 

 

V. MATÉRIA DE DIREITO

 

28. A Requerente defende que os atos impugnados são ilegais, pois (i) há “nulidade” da liquidação e de todo o procedimento, por violação do princípio da participação; (ii) verifica-se a violação dos artigos 74.º, n.º 1 e 75.º, da LGT;  e (iii) as operações colocadas em crise pelo RIT são verdadeiras. Vejamos.

 

 

  1. Questão da violação do princípio da participação no procedimento

 

 

 

 

29. A Requerente advoga que a omissão ou não identificação de entidades terceiras no RIT, cuja atividade foi determinante para as correções tributárias, na sua esfera jurídica, inviabilizou a capacidade de participar e influenciar na formação da vontade da AT.

 

30. A Requerida defende, por seu turno, que a questão não foi colocada na reclamação graciosa ou no recurso hierárquico, mas somente no pedido de pronúncia arbitral e, paralelamente, o facto de a AT não ter dado a conhecer à Requerente a identidade concreta das entidades a montante da cadeia de faturação da sociedade “B...” não constitui uma violação do princípio da participação.

 

31. Assinala a doutrina[2] quanto à possibilidade de invocar fundamentos na impugnação judicial não elencados na reclamação graciosa:

 

Na impugnação judicial subsequente a reclamação graciosa ou recurso hierárquico interposto da respetiva decisão, poderão ser invocados quaisquer vícios do ato de liquidação e não apenas os invocados na reclamação ou no recurso hierárquico. Desde logo, o artigo 99.º do CPPT, ao proclamar que “constitui fundamento da impugnação qualquer ilegalidade”, aponta no sentido de não haver qualquer restrição aos vício[s] do ato que podem ser invocados.

 

32. O Tribunal Arbitral adere à referida posição doutrinal e, assim, impõe-se analisar se a AT violou o princípio da participação no procedimento com fonte no supra vertido.

 

33.  O artigo 267.º, n.º 5, da Constituição da Républica Portuguesa (“CRP”) prevê que: O processamento da atividade administrativa será objeto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.(nosso sublinhado)

 

34. A presente garantia constitucional legitima a participação dos cidadãos nas decisões administrativas que lhes digam respeito. É nessa linha que o artigo 60.º da LGT prevê o direito de audiência no procedimento tributário, não só relativamente à matéria de facto, como também à matéria de direito. O exercício do direito de audição pelo contribuinte não exclui o exercício de quaisquer outros mecanismos de defesa previstos na lei, nem afasta outros direitos ou garantias da sua esfera jurídica.

 

35. No caso sub iudice, o contribuinte foi notificado para o exercício do referido direito, como resulta do probatório, no dia 27 de outubro de 2020. Direito esse que efetiva e concretamente exerceu no dia 10 de novembro de 2020, sem ter referido que, de algum modo, o seu direito se encontrava comprimido pela omissão da identidade concreta das entidades a montante da cadeia de faturação da sociedade “B...”. Assim, não se verifica uma violação do princípio da participação.

 

36. O teor do direito de audição apresentado pela Requerente, no âmbito do RIT, evidencia que bem conhecia a matéria de facto respeitante, nomeadamente, às entidades a montante da cadeia de faturação da sociedade “B...”. Para além do mais, como a Requerida bem assinala nas suas alegações finais:

 

[i]nclusivamente tendo-lhe sido apresentado o projeto de relatório sem a indicação da firma daquelas empresas, para efeitos de participação no procedimento, [a Requerente] não suscitou quaisquer questões sobre o seu conteúdo – de resto, ainda que não constem as firmas das empresas, o conteúdo do RIT da Inspeção à B... é transcrito no RIT da inspeção à Requerente. Nem, quando notificada do RIT e liquidações ora impugnadas, a Requerente fez uso do mecanismo previsto no artigo 37.º do CPPT para suprir qualquer insuficiência da notificação. Também em sede de reclamação graciosa, entre as várias questões apontadas pela Requerente, o desconhecimento da firma daquelas empresas nunca foi indicado como causa de limitação do seu direito ao contraditório e participação na decisão. Por outro lado, em momento algum os Serviços de Inspeção negaram à Requerente o acesso àquela informação.

 

37. O Tribunal Arbitral coletivo adere ainda, atenta a pertinência para o caso sub iudice, ao segmento do voto de vencido proferido no âmbito do processo 162/2022-T, de 19 de dezembro de 2022, com o seguinte teor:

 

A Requerente sabia, por via do RIT, que havia problemas a montante na cadeia produtiva. Admite-se no contexto comunitário deste imposto que se um sujeito passivo adquiriu bens ou serviços quando sabia ou devia saber que, com essa aquisição, participava numa operação implicada numa fraude ao IVA cometida a montante, tal tem como consequência que se pode considerar que esse sujeito passivo participou nessa fraude, ficando necessariamente em causa o seu benefício do direito a dedução.

Claro que se não sabia, devia saber, porque estava a lidar com empresas sem estrutura instalada e é sua a responsabilidade por essa indagação.(…)

[s]abia ou devia saber – se tinha procedido às verificações que podiam ser razoavelmente exigidas a qualquer operador económico – que a operação em que participava estava ligada a uma fraude.”

E não consta do processo que a Requerente tenha feito essa indagação, que razoavelmente pudesse ser solicitada a qualquer operador económico a qual, aliás, estava perfeitamente ao seu alcance. (…)

O melhor interesse das empresas parceiras de negócio passa sempre pela melhor cooperação entre elas, razão pela qual sempre deveria a Requerente ter indagado junto da B... quais eram os seus fornecedores, sendo que aliás em princípio a matéria-prima adquirida pela Requerente sempre teria que ser lá entregue.

Estranha-se que o não tenha feito.

 

38. Em resumo, o sujeito passivo participou no procedimento inspetivo e exerceu o contraditório e, como tal, não há violação do princípio da participação no procedimento.

 

 

  1. Questão da violação do artigo 74.º, n.º 1 e 75.º da LGT e da materialidade das operações

 

 

 

39. A Requerente alega, a este propósito, que AT não demonstrou a existência de factualidade suscetível de abalar a presunção de veracidade de que gozam as declarações dos contribuintes. Já a Requerida defende que não há qualquer violação dos referidos normativos, como também as operações colocadas em causa pelo RIT são simuladas. Vejamos.

 

40. O artigo 74.º, n.º 1, da LGT dispõe que: O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. É à AT a quem cabe, assim, o ónus da prova da verificação dos pressupostos legitimadores da sua atuação e cabe ao contribuinte provar os factos que são o suporte das pretensões e direitos que invoca.  É esta a posição da jurisprudência[3] quando observa que:

 

Em consequência, cabe à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação, para o que deve provar os factos constitutivos de que legalmente depende a decisão administrativo-tributária com certo conteúdo e com certo sentido. Pelo seu lado, cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca. 

 

41. Acrescentando ainda a jurisprudência[4] quanto à intensidade do referido ónus, no que respeita a operações simuladas, o seguinte:

 

II - Para que a AT proceda à correção do lucro tributável por desconsideração dos custos suportados por faturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efetivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. artigo 240.º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.

III - Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar esses custos, factualidade essa que tem de ser suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito de deduzir os custos ao lucro tributável) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus da prova de que as operações se realizaram efetivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.” (nosso sublinhado)

 

42. Já o artigo 75.º do LGT dispõe que:

 

1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.

2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:

a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;

b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações;

c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objetivos da atividade de base técnico-científica previstos na presente lei.

d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A.

3 - A força probatória dos dados informáticos dos contribuintes depende, salvo o disposto em lei especial, do fornecimento da documentação relativa à sua análise, programação e execução e da possibilidade de a administração tributária os confirmar. 

 

 

 

43. O artigo 75.º, n.º 1, da LGT estabelece, assim, presunções legais de veracidade das declarações apresentadas pelos contribuintes à AT e dos dados que constam da sua contabilidade, caso se encontrem de acordo com a legislação comercial e fiscal. Deste modo, nos casos de a AT não demonstrar a falta de correspondência entre o teor das referidas declarações, contabilidade ou escrita e a realidade, o seu conteúdo dever-se-á considerar como verdadeiro.

 

44. Já se as declarações, contabilidade ou escrita apresentarem omissões, erros e inexatidões ou indícios fundados de que não refletem a matéria tributável real do sujeito passivo, deixam de valer aquelas presunções.

 

45. O artigo 75.º da LGT não é aplicável ao caso sub iudice, na medida em que a contabilidade da Requerente apresenta erros, inexatidões e indícios fundados de que as faturas objeto de correção não correspondem a operações reais e, paralelamente, existiram pedidos de elementos no âmbito do procedimento inspetivo aos quais a Requerente não deu qualquer resposta (v. o n.º 2, alínea a) e b) do sobredito artigo).

 

46. Atentas as considerações expostas, importa aferir se, na situação concreta, a AT satisfez o ónus de demonstração de factos indiciadores de divergência entre as faturas e a realidade subjacente e, em caso afirmativo, se, por seu turno, a Requerente logrou apresentar prova da materialidade das operações documentadas por aquelas faturas.

 

47. O Tribunal Arbitral coletivo entende que a AT conseguiu demonstrar indícios de que, notoriamente, as operações colocadas em crise (faturação da B...) não são reais, por inexistência de correspondência por via postal ou eletrónica de encomenda de um serviço com determinadas especificações, suporte documental com a identificação dos prazos de entrega,  inexistência de ordens de fabrico relacionadas com a execução, falta de logística para o controlo de qualidade  e a inexistência de critério quanto aos transportes, com a alocação de viaturas aos fornecedores de serviços que o RIT coloca em crise, e com, após a transformação, o transporte com destino às instalações da Requerente.

 

48. Se é certo alguns dos sobreditos factos não respeitam à Requerente, esta não estava em posição de os ignorar, desde logo, pelo volume de gastos respeitantes às putativas operações, a saber, 262 097,50€. A Requerente assumiu, durante o RIT, que o único fornecedor que prestou serviços com a natureza dos gastos colocados em crise foi a própria “B...”.  A referida realidade não se coaduna com as regras da experiência comum, mais concretamente, perante um serviço que assume ser simples, não fez qualquer auscultação ao mercado.

 

49. Não pode, ainda, deixar de se destacar que a Requerente não contradita a factualidade que consta do RIT respeitante ao universo “B...” que é típica de um sistema de faturação falsa, e.g., a circunstância de a sociedade “B” e “C” terem a mesma atividade, as mesmas instalações em determinado período temporal e a titularidade da gerência ser de vários membros de uma família.

 

50. As incongruências descritas no RIT não foram esclarecidas, não só perante os documentos que a Requerente aportou para os autos, como também através da prova testemunhal. Não assiste razão à Requerente relativamente à suscitada invalidade dos atos tributários com fundamento na violação das regras do ónus da prova (artigo 74.º da LGT) e da presunção de veracidade que assiste às declarações dos contribuintes, nos termos do artigo 75.º do mesmo diploma.

 

51. A AT demonstrou os pressupostos da sua atuação, sem que a Requerente tivesse, por seu turno, comprovado a materialidade das aquisições das prestações de serviços nas quais alicerça a pretensão de dedução fiscal dos gastos inerentes. Termos em que se decide pela improcedência do pedido de declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e da autoliquidação de IRC, no segmento impugnado.

 

iii)Questão da restituição do imposto pago e da condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios

 

52. A questão da restituição do imposto que a Requerente alega no pedido de pronúncia arbitral ter sido indevidamente pago e a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios são de conhecimento prejudicado, na medida em o Tribunal Arbitral coletivo manteve na ordem jurídica os atos objeto da impugnação arbitral.

 

 

VI. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

 

 

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, nessa medida, manter na ordem jurídica os atos de indeferimento do recurso hierárquico, da reclamação graciosa e da autoliquidação de IRC;

 

  1. Julgar improcedente o pedido de restituição do imposto;

 

 

  1. Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios;

 

  1. Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

VII. VALOR DO PROCESSO

           

Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), fixa-se ao processo o valor de 67 218,30 €.

 

VIII. CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de 2448 €, a suportar pela Requerente, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 25 de fevereiro de 2025

 

Os árbitros

 

 

 

Rui Duarte Morais

 

 

Francisco Nicolau Domingos (relator)

 

 

 

Jónatas Machado

 

 

 

 

 



[1] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 8 de julho de 2021, proferido no âmbito do processo n.º 00873/11.1BEPRT.

[2] Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, volume II, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, p. 127.

[3] Decisão arbitral n.º 236/2014-T, de 4 de maio de 2015.

[4] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de fevereiro de 2019, proferido no Processo n.º 01424/05.2BEVIS.