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SUMÁRIO:
I – O prazo para liquidação do IMT resultante da caducidade do direito à isenção do imposto é de oito anos (artigo 35º, nº 1 do Código do IMT).
II - Entre 9 de março e 3 de junho de 2020 estiveram suspensos todos os prazos de prescrição e caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos tributários, por efeito do regime excecional de prazos consagrado aquando da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 (artigo 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, artigos 5º e 6º da Lei nº 4-A/2020, de 6 de abril e artigos 8º e 10º da Lei nº 16-A/2020, de 29 de maio).
III – Ao prazo de caducidade de 8 anos para a liquidação há que acrescentar-lhe o tempo de suspensão dos prazos determinado pelo regime excecional de prazos consagrado aquando da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 (artigo 6º da Lei nº 16/2020, de 19 de maio).
DECISÃO ARBITRAL
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RELATÓRIO
1. A..., LDA., titular do número único de matrícula e de pessoa coletiva..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Porto (doravante designada Requerente), no seguimento dos atos de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e dos respetivos juros compensatórios, com um valor total de 29 575,36 EUR, veio, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º e seguintes) e no artigo 99.º do Código do Procedimento e Processo Tributário (doravante, “CPPT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (PPA) contra os atos tributários impugnados, peticionando a respetiva anulação e a restituição das quantias indevidamente suportadas, acrescidas de juros indemnizatórios.
2. É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (de ora em diante designada Requerida, Autoridade Tributária ou AT).
3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi submetido pela Requerente em 09-04-2024 e aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 11-04-2024, tendo nesta data sido automaticamente notificado à AT, conforme por esta posteriormente confirmado em 16-04-2024.
4. A Requerente não procedeu expressamente à nomeação de árbitro.
5. Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT, foi a signatária designada árbitra do presente Tribunal Arbitral, tendo comunicado ao Conselho Deontológico do CAAD a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado.
6. As partes foram notificadas da nomeação, não tendo qualquer delas manifestado vontade de a recusar, tendo o Tribunal sido constituído em 24-06-2024, por despacho do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em harmonia com as disposições contidas no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.
7. Notificada em 24-06-2024, a AT apresentou a sua Resposta em 11-09-2024, defendendo-se por impugnação.
8. Por despacho de 07-10-2024, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, dispensando também a produção de alegações escritas.
9. Por despacho de 24-12-2024, o Tribunal Arbitral prorrogou o prazo para prolação da decisão arbitral nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT.
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POSIÇÕES DAS PARTES
II.1. Requerente
10. A Requerente foi constituída em 25-10-1982, sob a forma de sociedade por quotas de direito português.
11. A atividade da Requerente consiste, em termos genéricos, na prestação de serviços de construção civil, na compra e venda de bens imobiliários, incluindo a revenda dos adquiridos para esse fim, e no arrendamento de bens imóveis.
12. Em 18-07-2014, no âmbito da sua atividade, a Requerente adquiriu os seguintes imóveis (cfr. cópia da Escritura junta como Documento n.º 3):
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Prédio urbano inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ..., da freguesia de..., concelho de Viana do Castelo;
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Prédio urbano inscrito na respetiva matriz predial sob o artig..., da freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo;
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Prédio urbano inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ..., da freguesia de..., concelho de Viana do Castelo;
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Prédio urbano inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ..., da freguesia de..., concelho de Viana do Castelo; e
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Prédio urbano inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ..., da freguesia de..., concelho de Viana do Castelo.
13. Conforme resulta do disposto na escritura de compra e venda, a aquisição dos imóveis em apreço pela Requerente destinava-se a que os mesmos fossem posteriormente revendidos.
14. Neste sentido, beneficiou da isenção de IMT, nos termos do n.º 1 do artigo 7.º do Código do IMT.
15. Em 04-12-2015, por escritura de compra e venda, a Requerente vendeu os supramencionados imóveis, novamente para revenda (cfr. cópia da Escritura junta como Documento n.º 4).
16. Pelo que, a isenção de IMT caducou, nos termos do n.º 5 do artigo 11.º do Código do IMT, não tendo, por lapso, sido solicitada a respetiva liquidação, conforme o previsto no artigo 34.º do Código do IMT.
17. Não tendo cumprido a obrigação de liquidação do imposto na sequência da caducidade da referida isenção, em 05-01-2024 a Requerente foi notificada do Projeto de Liquidação de IMT nos termos do n.º 5 do artigo 11.º do Código de IMT e para, querendo, exercer o respetivo direito de audição (cfr. cópia da Notificação junta como Documento n.º 5).
18. Em 12-01-2024, a Requerente apresentou o Direito de Audição Prévia sobre o Projeto de Liquidação de IMT nos termos previstos no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (cfr. Direito de Audição Prévia junta como Documento n.º 6).
19. Por despacho de 24-01-2024 – o qual contém o parecer e conclusões sobre o exercício do direito de audição prévia e que fundamenta o direito à liquidação do imposto – a AT converteu em definitivo o projeto de liquidação, notificando a Requerente para proceder ao pagamento das liquidações de IMT (e de juros), respeitantes ao período de 2015, no montante global de 29 575,36 EUR (cfr Ofício n.º GPS2024... da Direção de Finanças do Porto, junto como Documento n.º 2).
20. Foi instaurado o respetivo processo de execução fiscal em 12-02-2024, e integralmente pago o referido montante em 23-02-2024 (cfr. Comprovativo de pagamento junto como Documento n.º 7).
21. Invoca a caducidade do direito à liquidação, referindo que:
a) Os imóveis adquiridos foram alienados novamente para revenda e, sendo devido imposto cuja liquidação não foi solicitada pela Requerente, dispunha a AT do prazo de 8 anos para efetuar a liquidação.
b) O início da contagem do prazo de caducidade ocorreu em 04-12- 2015 – data em que a isenção ficou sem efeito–, tendo a contagem do prazo de 8 anos terminado em 04-12- 2023;
c) Não é aplicável a suspensão do prazo de caducidade que ocorreu entre 9 de março de 2020 e 2 de junho de 2020 (prevista no n.º 3, do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março), porque, in casu, a AT veio notificar a ora Requerente do Projeto de Liquidação de IMT no dia 5 de janeiro de 2024 – fora do prazo geral de caducidade –, pelo que a este procedimento não se poderá aplicar o regime excecional da doença COVID-19;
d) É aplicável ao caso aqui em análise o prazo de caducidade de oito anos, previsto no disposto no artigo 35.º do Código do IMT;
e) “o regime excecional supra referido deixou de vigorar na ordem jurídica a partir de 3 de junho de 2020 (artigo 8.º da Lei n.º 16-A/2020, de 29 de maio)”.
f) A AT veio notificar a Requerente do Projeto de Liquidação de IMT em 05-01-2024 – fora do prazo geral de caducidade –, pelo que a este procedimento não se poderá aplicar o regime excecional da doença COVID-19, o qual deixou de vigorar na ordem jurídica a partir do dia 3 de junho de 2020.
g) O regime jurídico relativo à situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 não suspendeu o prazo de caducidade da liquidação dos impostos.
h) A AT só notificou validamente a Requerente em 24-01- 2024, 1 mês e 20 dias após o termo do prazo em que a notificação da liquidação deveria ter sido levada a cabo (04-12-2023).
II.2. Requerida
22. A AT defende a manutenção dos atos impugnados com base nos fundamentos a seguir sinteticamente elencados.
23. Constitui objeto dos presentes autos o ato de liquidação de IMT nº ..., no valor global de 29 575,36 EUR (22 400,00 EUR de imposto e 7 175,36 EUR de juros compensatórios), cuja emissão foi oficiosamente promovida pelo Serviço de Finanças de Vila do Conde, por caducidade da isenção de que beneficiou a Requerente, aquando da aquisição para revenda, em 18-07-2014, dos seguintes imóveis:
- prédio urbano, com destino terreno para construção, da freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, inscrito na respetiva matriz sob o artigo nº U-... .
- prédio urbano, com destino terreno para construção, da freguesia de..., concelho de Viana do Castelo, inscrito na respetiva matriz sob o artigo nº U-... .
- prédio urbano, com destino terreno para construção, da freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, inscrito na respetiva matriz sob o artigo nº U-... .
- prédio urbano, com destino terreno para construção, da freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, inscrito na respetiva matriz sob o artigo nº U-... .
- prédio urbano, com destino habitação, da freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, inscrito na respetiva matriz sob o artigo nº U-... .
24. Está em causa saber se o regime jurídico relativo à situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 suspendeu ou não o prazo de caducidade da liquidação dos impostos.
25. Os prazos de caducidade do direito de liquidação que estavam em curso no período de vigência do n.º 3, do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, estiveram suspensos entre 9 de março de 2020 e 2 de junho de 2020, pelo que, ainda não caducou o direito à liquidação do IMT que se mostra devido pelo facto de os prédios terem sido revendidos novamente para revenda.
26. A Requerente A..., Unipessoal, Lda. (supõe-se que a Requerida incorreu num lapso de escrita quanto à denominação da Requerente) é uma sociedade por quotas, cuja atividade consiste, em termos genéricos, na prestação de serviços de construção civil, na compra e venda de bens imobiliários, incluindo a revenda dos adquiridos para esse fim, e no arrendamento de bens imóveis.
27. No âmbito da sua atividade, em 18-07-2014, a Requerente adquiriu, por escritura de compra e venda, os prédios urbanos inscritos na respetiva matriz da freguesia de ... e, concelho de Viana do Castelo, sob os artigos n.ºs ..., ..., ..., ... e ..., acima referidos.
28. Aquando da referida aquisição, a Requerente declarou tratar-se de prédios destinados a revenda, pelo que, por força do disposto no n.º 1 do artigo 7.º do Código do IMT, tal aquisição ficou isenta de IMT.
29. Todavia, em 04-12-2015, a Requerente, por escritura pública de compra e venda, vendeu os referidos imóveis, novamente para revenda,
30. Pelo que, por força do disposto no n.º 5 do artigo 11.º do Código do IMT, caducou a isenção usufruída em 18-07-2014.
31. O início da contagem do prazo de caducidade ocorreu em 04-12-2015 – data em que a isenção ficou sem efeito.
32. Não tendo o contribuinte solicitado a devida liquidação de IMT na sequência da caducidade da isenção, como prevê o n.º 1 do artigo 34.º do Código do IMT,
33. O Serviço de Finanças de Vila do Conde, através do seu ofício, remetido por correio registado com Aviso de Recção (AR) (RL ... PT, de 06-12-2023), notificou a Requerente para solicitar, no prazo de 30 dias, a emissão das guias de IMT (projeto de liquidação) através dos ofícios n.º 2023..., de 04-12-2023 e 2023..., de 21-12-2023, para, querendo, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição prévia.
34. A Requerente foi notificada no dia 05-01-2024 (data da assinatura do AR).
35. A Requerente, em 11-01-2024, exerceu o seu direito de audição prévia, invocando a caducidade do direito de liquidação, alegando que a liquidação em apreço foi efetuada depois de expirado o prazo de caducidade de 8 anos, estabelecido no n.º 1 do artigo 35.º do Código do IMT.
36. Por despacho de 23-01-2024, do Chefe do Serviço de Finanças de Vila do Conde, em sede de resposta à audição prévia, indeferiu o alegado pela Requerente, tornando definitivo o projeto de liquidação, com o fundamento de que os prazos de caducidade do direito de liquidação que estavam em curso no período de vigência do n.º 3, do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, estiveram suspensos entre 9 de março de 2020 e 2 de junho de 2020 e, consequentemente, são alargados pelo período em que vigorou a suspensão, num total de 86 dias, pelo que ainda não caducou o direito à liquidação do IMT que se mostra devido pelo facto de os prédios terem sido revendidos novamente para revenda.
37. Tal decisão foi notificada no dia 25-01-2024 (data da assinatura do AR), à Requerente, pelo ofício n.º 2024..., de 23-01-2024, daquele Serviço de Finanças.
38. A Requerente foi igualmente notificada para proceder ao pagamento do IMT na importância de 22 400,00 EUR, acrescido de juros compensatórios no valor de 7 175,36 EUR, mediante guias a solicitar naquele Serviço de Finanças.
39. Não tendo a Requerente, dentro do prazo concedido, solicitado as referidas guias para pagamento,
40. Em 01-02-2024, o Serviço de Finanças de Vila do Conde oficiosamente procedeu à emissão da liquidação de IMT n.º..., no valor global de 29 575,36 EUR (22 400,00 EUR de imposto e 7 175,36 EUR de juros compensatórios), correspondente ao DUC ... .
41. Em 12-02-2024 foi instaurado o competente processo de execução fiscal com o n.º ...2024..., com vista à cobrança coerciva da mencionada importância em dívida.
42. Em sede da referida execução fiscal, em 23-02-2024, a Requerente procedeu ao pagamento do montante apurado na liquidação supra identificada.
43. Em 09-04-2024, a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral contra o referido ato de liquidação de IMT.
44. Nos termos do art.º 35.º do Código do IMT, conjugado com o art.º 45.º, n.º 1, in fine, da LGT O prazo de caducidade do direito à liquidação é de 8 anos, o qual teve início em 04-12-2015 - data em que os imóveis adquiridos foram alienados novamente para revenda - e terminaria na data em que a isenção caducou, em 04-12-2023.
45. Contudo, os prazos de prescrição e caducidade já iniciados, em curso ou que viessem a iniciar-se no período da Pandemia da Covid-19, foram abrangidos pelas suspensões dos prazos determinadas durante o decurso da situação excecional de resposta àquela situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2.
46. Tais medidas foram aplicadas pelo artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterado pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, e revogado pelo artigo 8.º da Lei n.º 16/2020, de 20 de maio, e depois também pelo estabelecido no artigo 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, que alterou a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e nos artigos 6.º e 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril.
47. A este respeito, foi emitida a Instrução de serviço n.º 60 505/2024 - Série I - Prazo de caducidade do direito à liquidação - Regime de suspensão da Lei n.º 1-A/2020, de 13 de março, segundo a qual o Regime Excecional da doença COVID-19 estabeleceu um prazo de suspensão de 86 dias para efeitos de caducidade da liquidação
48. No caso concreto, tendo os imóveis adquiridos sido alienados novamente para revenda, , o início da contagem do prazo de caducidade ocorreu em 04-12-2015 – data em que a isenção ficou sem efeito.
49. Por força da legislação excecional de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, os prazos de prescrição e caducidade já iniciados, em curso ou que viessem a iniciar-se no período da Pandemia da Covid-19, foram abrangidos pela suspensão do prazo.
50. E assim, ao prazo de caducidade deve acrescer 86 dias, número total de dias de suspensão determinada pelo regime de suspensão da Lei n.º 1-A/2020.
51. Pelo que, no caso em apreço, o prazo de caducidade do direito à liquidação apenas ocorreu em 28-02-2024.
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SANEAMENTO
52. O Tribunal Arbitral é materialmente competente, encontra-se regularmente constituído e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2 e 10.º do RJAT.
53. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
54. O processo não enferma de nulidades. Não há assim qualquer obstáculo à apreciação da causa. Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
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MATÉRIA DE FACTO
IV.1. Factos Provados
55. A Requerente é uma sociedade por quotas de direito português, que se dedica à prestação de serviços de construção civil, à compra e venda de bens imobiliários, incluindo a revenda dos adquiridos para esse fim, e ao arrendamento de bens imóveis.
56. Em 18-07-2014 adquiriu por compra, para revenda, os seguintes prédios:
57. Pelo que beneficiou da isenção do IMT nos termos do n.º 1 do artigo 7.º do Código do IMT.
58. Em 04-12-2015, a Requerente revendeu os referidos prédios, novamente para revenda, pelo que nos termos do nº 5 do artigo 11 do Código do IMT caducou o direito à isenção.
59. A Requerente não solicitou a liquidação do IMT, conforme previsto no nº 1 do artigo 34º do Código do IMT.
60. Em face disso:
a) Em 05-01-2024 a AT notificou a Requerente do Projeto de Liquidação e para exercer, querendo, o direito de audição prévia;
b) Em 12-01-2024 a Requerente exerceu o seu Direito de audição prévia;
c) Em 24-01-2024 a AT notificou a Requerente de que foi transformado em definitivo o Projeto de Liquidação acima referido;
d) Em 12-01-2024 foi instaurado Processo de Execução Fiscal;
e) Em 23-02-2024 a Requerente pagou o valor liquidado pela AT no montante de 29 575,36 EUR (22 400,00 EUR de IMT e 7 175,36 EUR de juros compensatórios).
IV.2. Factos Não Provados
61. Não se verificaram outros factos com relevância para a decisão da causa que não tenham sido considerados provados.
IV. 3. Fundamentação da matéria de facto
62. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe apenas apreciar e selecionar os factos que importam para a boa decisão da causa, e discriminar a respetiva matéria provada, nos termos do artigo 123.º, n.º 2 do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
63. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência e conhecimento, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC e regras gerais do CC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra estabelecida na lei é que o princípio da livre apreciação não domina na apreciação das provas produzidas.
64. Em concreto, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos alegados e não contestados pelas partes e na prova documental produzida nos autos.
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MATÉRIA DE DIREITO
V.1. Objeto e âmbito do processo
65. A questão decidenda diante deste Tribunal Arbitral consiste em apurar se ocorreu ou não a caducidade do direito à liquidação adicional do IMT, o que se reconduz a apurar se a este caso se aplica o regime jurídico relativo à situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento de infeção epidemiológica por SARS-CoV2 e da doença COVID-19.
V.2. Apreciação do Tribunal Arbitral
66. Durante a situação excecional decorrente da pandemia de COVID-19, o regime jurídico em Portugal previu a suspensão de prazos em matéria fiscal através de diversas normas legislativas que podem resumir-se como segue:
Período
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Início
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Fim
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Duração
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Retoma dos prazos
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Legislação
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1º Período
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09/03/2020
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03/06/2020
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86 dias
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03/06/2020
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Lei nº 1-A/2020, de 19 de março
Lei nº 4-A/2020, de 6 de abril
Lei nº 16/2020, de 29 de maio
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2º Período
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22/01/2021
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05/04/2021
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73 dias
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06/04/2021
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Lei nº 4-B/2021, de 1 de fevereiro
Lei nº 13-B/2021, de 5 de abril
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67. No que importa para o caso concreto:
a) O artigo 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de março estabelecia:
“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública.
2 - O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional.
3 - A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.
4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.”
b) O qual foi alterado pela Lei nº 4-A/2020, de 6 de abril, que estabelecia:
“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, a decretar nos termos do número seguinte.
2 – (...)
3 – (...)
4 – (...)”
68. A data de produção de efeitos do artigo 7º da Lei nº 1-A/2020 foi fixada em 09-03-2020 pelas seguintes normas:
a) Artigo 5º da Lei nº 4-A/2020 de 6 de abril:
“O artigo 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, deve ser interpretado no sentido de ser considerada a data de 9 de março de 2020, prevista no artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março (…) como a data de início de produção de efeitos das disposições do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.
b) Artigo 6º da mesma lei:
“1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a presente lei produz efeitos à data de produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março.
2 - O artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação introduzida pela presente lei, produz os seus efeitos a 9 de março de 2020, com exceção das normas aplicáveis aos processos urgentes e do disposto no seu n.º 12, que só produzem efeitos na data da entrada em vigor da presente lei.”
69. Por sua vez, o artigo 6º da Lei nº 16/2020, de 19 de maio, estabeleceu que -
“(…) os prazos de prescrição e caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão.”
70. E o artigo 8º da mesma Lei revogou o artigo 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de março -
“São revogados o artigo 7.º e os n.os 1 e 2 do artigo 7.º-A da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na sua redação atual.”
71. Fixando no seu artigo 10º que -
“A presente lei entra em vigor no quinto dia seguinte ao da sua publicação.”
72. Ou seja, com efeitos a partir de 09-03-2020 foram suspensos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais no âmbito de processos tributários, tendo a contagem dos prazos sido retomada em 03-06-2020, após o período de suspensão.
73. Tratou-se de um regime excecional e temporário de suspensão de prazos, incluindo os de prescrição e caducidade, relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, que tivessem de ser propostos durante a vigência da situação excecional.
74. Entre 09-03-2020 e 03-06-2020, ou seja, durante 86 dias, de acordo com o estabelecido pelo artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterado pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, e revogado pelo artigo 8.º da Lei n.º 16/2020, de 20 de maio.
75.Notando-se que nos termos do artigo 5.º desta última Lei, “os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão“, o que significa que ao prazo de caducidade aqui considerado acrescem mais 86 dias.
76. Tudo contabilizado, deverá considerar-se que ao prazo inicial que terminaria em 04-12-2023 se acrescentam 86 dias, assim se concluindo que a caducidade se consumaria em 27-02-2024.
77. Aplicando-se a presente suspensão dos prazos de caducidade a «todos os tipos de processos e procedimentos», aplica-se, também, ao procedimento de liquidação de tributos e, consequentemente, ao prazo de caducidade do direito à liquidação do IMT.
78. Veja-se neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, no processo 41/21.4T8CLB.G1:
“I - O art. 7º da Lei nº1-A/2020, de 19/03, que previa, nos seus nºs. 3 e 4, a suspensão generalizada dos prazos de caducidade (e de prescrição), foi revogado pelo art. 8º da Lei nº16/2020, de 29/05, com efeitos a partir de 03/06/2020, pelo que terminou aquela suspensão generalizada e tais prazos devem e tem que ser calculados como se a suspensão não tivesse tido lugar (o preceito que a previa deixou de existir do ordenamento jurídico).
II - Mas, por força do disposto no art. 6º da mesma Lei nº16/2020, aqueles prazos devem ser alargados por um período de tempo correspondente ao período da suspensão entre 09/03/2020 e 02/06/2020 (num total de 86 dias), não podendo aquele art. 6º ser interpretado no sentido de criar uma situação de duplicação do período de suspensão e do período de alargamento do prazo.”
79. Conclui-se, portanto, que os prazos de caducidade do direito à liquidação que estavam em curso de 9 de março de 2020 até 3 de junho de 2020 beneficiam desta suspensão e, consequentemente, são alargados pelo período em que vigorou a sua suspensão, num total de 86 dias.
80. Pelo que, o prazo de caducidade do direito à liquidação apenas ocorreu em 27-02-2024.
V.2. Juros indemnizatórios
81. O direito aos juros indemnizatórios encontra-se regulado no artigo 43.º, n.º 1 da LGT que, ao que importa, estabelece que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.
82. É a existência desse erro que não pode dar-se por verificada em face da conclusão sobre a legalidade do ato de liquidação de IMT
83. Portanto, tem de improceder o PPA quanto a juros indemnizatórios.
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DECISÃO
84. Face ao exposto, decide este Tribunal Arbitral:
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Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
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Condenar a Requerente nas custas do processo
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VALOR
85. Fixa-se o valor do processo em 29 575,36 EUR, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, interpretados em conformidade com o artigo 10.º, n.º 2, alínea e), do RJAT
VIII. CUSTAS
86. Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1 530,00 EUR, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente[1], nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4 e 5 do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 24 de fevereiro de 2025
A Árbitra Singular
Adelaide Moura
[1] De acordo com o Despacho de Retificação de 2025-02-24