Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 158/2024-T
Data da decisão: 2025-02-21  IVA  
Valor do pedido: € 122.622,64
Tema: IVA – Isenção – Gestão de Fundos de Investimento – Imposto incluído em fatura – Pedido de correção do IVA pelo repercutido do imposto – Condições – Meio processual.
Versão em PDF

Consultar versão completa em PDF

CAAD: Arbitragem Tributária CAAD: Arbitragem Tributáriaº: 139A – Liquidações julho a março de 2019  - Artigo 18.º do CLista I e verba 3.1 da Lista II, ambas

Sumário: I O pedido de anulação parcial de autoliquidações de IVA por alegado erro de enquadramento jurídico-tributário dos serviços prestados e faturados, só é admissível depois de promovida a correção das faturas em que é feita a menção do IVA considerando o disposto no artigo 203º, da Diretiva IVA II – Quando o valor tributável de uma operação ou o imposto correspondente são alterados por qualquer motivo, incluindo inexatidão, deve ser emitido documento retificativo da fatura – artigo 29º-7, do CIVA III – Deve ser liminarmente rejeitado um pedido de retificação do valor do IVA autoliquidado quando as faturas que estão na base da repercussão não se mostram alteradas em conformidade.

 

Acordam neste Tribunal Coletivo os árbitros José Poças Falcão (Presidente), Pedro Guerra Alves e A. Sérgio de Matos  (Adjuntos):

 

I – RELATÓRIO

 

A...– Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Coletivo, S.A. (doravante abreviadamente designada por “Requerente”), com o número de identificação fiscal ... e sede na ..., n. º ..., ..., ...-... Lisboa veio pedir a constituição de Tribunal Arbitral tendo por objeto a, citando, “(...) (i)legalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, datada de 24 de outubro de 2023, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) no âmbito do processo n.º ...2023... (...)apresentada pela Requerente com vista à contestação dos atos tributários de (auto)liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) efetuados pelas entidades que prestaram à Requerente serviços de administração e gestão de fundos de investimento, durante o período compreendido entre janeiro de 2021 e dezembro de 2022, concretizados através da submissão das Declarações Periódicas referentes a tais períodos, pelas entidades prestadoras dos referidos serviços, no âmbito dos quais a Requerente suportou um montante de IVA superior ao legalmente devido e, por conseguinte procedeu ao pagamento de imposto em excesso no montante de € 122.622,64 (...)”.

 

À luz do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Ulterior e oportunamente, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 16-4-2024.

 

Para o efeito notificada, a Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu ao requerimento inicial apresentado, contestando-o, por exceção e por impugnação, concluindo pela sua total improcedência.

 

A Requerente respondeu, por escrito, à matéria da exceção, na sequência e em consequência da notificação para esse efeito por força do despacho de 21-5-2024.

 

A reunião do Tribunal com as partes prevista no artº 18º, do RJAT foi dispensada, sem oposição das partes, por ser reconhecida a sua inutilidade no caso.

 

As partes apresentaram alegações escritas finais.

 

Houve prorrogação do prazo previsto no artigo 21º, do RJAT. para a prolação e notificação da decisão

 

Posição da Requerente

 

No essencial, alega a Requerente para fundamentar o pedido:

  •  É uma sociedade anónima, cujo capital social, inteiramente realizado, é de € 600.000,00, tendo sido constituída em 3 de abril de 2008 e encontra-se registada na Comissão dos Mercados dos Valores Mobiliários (“CMVM”) na qualidade de intermediário financeiro autorizado desde 29 de outubro de 2009.
  • Enquanto responsável pela administração de três fundos de investimento imobiliário e duas SIC[1] - ulterior e abreviadamente “Fundos”- , compete-lhe nomeadamente, adquirir, construir, arrendar, transacionar e valorizar bens imóveis e comprar, vender, subscrever ou trocar valores mobiliários, e bem assim praticar os demais atos necessários à correta administração e desenvolvimento dos mesmos.
  • Em observância com a política de investimento definida, compete à Requerente a boa administração, gestão e representação dos organismos sob a sua alçada e, bem assim, selecionar os valores que devem constituir os referidos organismos, adotando a prudência requerida para defesa e promoção dos referidos organismos e dos seus participantes.
  • No contexto da sua atividade de gestão e administração dos mencionados organismos, nomeadamente de investimento imobiliário, a Requerente externalizou parte dos serviços necessários e indispensáveis à gestão e administração do portfólio de ativos que integram o património dos referidos organismos de investimento.
  • importa salientar que a Requerente incorre em custos referentes à aquisição de serviços necessários e indispensáveis à referida atividade de gestão, concretamente:
  • serviços de gestão operacional destinados à gestão de fundos de investimento imobiliários;
  • serviços de tesouraria, faturação, contabilidade, auditoria e revisão legal de contas;
  • serviços de assessoria jurídica e legal;
  • serviços de consultoria na área de sistemas de informação.
  • Nos termos do contrato celebrado entre as partes (que aqui se junta enquanto Documento 2), os serviços de gestão operacional destinados à gestão de fundos de investimento imobiliários são prestados pela B... (anteriormente e à data de celebração do referido contrato denominada C...-Lda.), uma empresa especializada na gestão operacional – “asset management” - tendo em vista a otimização dos processos operacionais referentes aos ativos que integram a carteira dos organismos sob gestão da Requerente, nomeadamente no que concerne especificamente ao mercado imobiliário (cf. página 2 do Documento 2), pelo que os presentes serviços não poderão ser utilizado para outra tipologia de organismos.
  • No quadro da gestão dos Fundos de Investimento, a B... direciona os seus serviços nas múltiplas tarefas que incorporam a gestão operacional destes organismos conforme resulta do Anexo I presente na página 21 do Documento 2, designadamente:
  • gestão da relação com o Participante dos Fundos;
  • análise do orçamento e reporte dos Fundos;
  • acompanhamento e gestão das entidades contratadas pelos Fundos;
  • gestão e acompanhamento do fundo de comum de reserva do Condomínio.
  • Deste modo, os serviços prestados pela B... à Requerente passam pela gestão operacional e valorização dos ativos, especialmente imobiliários, que compõem a carteira dos organismos geridos pela Requerente, na sua componente prática e relacional, bem como na sua vertente orçamental.
  • Neste contexto, e considerando que a B... cobra à Requerente uma remuneração por tais serviços (nos termos estabelecidos no ponto 3 do contrato celebrado entre as parte, junto como Documento 2), a Requerente incorre em custos relacionados com a gestão dos Fundos de Investimento Imobiliário geridos por si.
  • Ora, tendo a entidade B... enquadrado a prestação dos referidos serviços, enquanto uma operação sujeita a IVA e dele não isenta, emitiu as faturas e liquidou o imposto à Requerente, durante os anos 2021 e 2022, à taxa normal de 23% (cf. exemplos de faturas junta em anexo ao presente Pedido de Pronúncia Arbitral como Documento 3).
  • Por forma a cumprir as obrigações necessárias à gestão e administração dos Fundos, a Requerente recorre a empresas especializadas em serviços de tesouraria, faturação, contabilidade, auditoria e revisão legal de contas – I..., J... e K... (nos termos estabelecidos nos contratos celebrados entre as partes, que aqui se juntam enquanto Documento 4).
  • No quadro da gestão e administração dos fundos de investimento, a I..., J... e K... prestam à Requerente os seguintes serviços:
  • emissão de faturas e cumprimento das demais obrigações de faturação;
  • validação, integração e registo de pagamentos e despesas bancárias;
  • lançamento e conferência do imobilizado;
  • verificação dos pressupostos legais e cumprimento das obrigações de reporte para com o Estado e entidades reguladoras;
  • cumprimento de obrigações fiscais e declarativas;
  • consolidação de contas;
  • revisão legal das contas;
  • auditoria das contas.
  • Deste modo, as entidades supra referidas cobram, mensalmente, à Requerente uma remuneração pela prestação da totalidade dos referidos serviços.
  • Tendo tais prestadores enquadrado os referidos serviços, para efeitos de IVA, enquanto uma operação sujeita a IVA e dele não isenta, emitiram as correspondentes faturas à Requerente e liquidaram o imposto, durante os anos 2021 e 2022, à taxa normal de 23% (cf. exemplos de faturas juntas em anexo ao presente Pedido de Pronúncia Arbitral como Documento 5).
  • No âmbito da sua atividade de gestão e administração de organismos de investimento, a Requerente adquire adicionalmente serviços de assessoria jurídica necessários à atividade por si desempenhada enquanto Sociedade Gestora, conforme exemplo de proposta de serviços e honorários nesta sede junta enquanto Documento 6
  • No quadro da gestão e administração dos fundos de investimento, as entidades contratadas pela Requerente prestam os seguintes serviços:
  • apoio na conversão jurídica de Organismos de Investimento Coletivo;
  • apoio jurídico na constituição de Organismos de Investimento Coletivo;
  • serviços de assessoria legal na área fiscal;
  • aconselhamento jurídico continuado;
  • redação e revisão da documentação legal necessária à luz do quadro normativo aplicável;
  • apoio nos contactos com a CMVM;
  • assessoria relativa a processos de transferência de Organismos de Investimento Coletivo, entre outras.
  • Neste âmbito, a M... emitiu as correspondentes faturas à Requerente com liquidação de imposto à taxa normal de 23% (cf. exemplos de faturas juntas enquanto Documento 7).
  • Ainda no quadro do exercício das suas funções e obrigações necessárias para a boa gestão e administração dos organismos, mormente os fundos por si geridos, a Requerente adquire à L... serviços de consultoria na área de sistemas de informação (nos termos estabelecidos nos contratos celebrados entre as partes, que aqui se juntam enquanto Documento 8).
  • No quadro da gestão e administração dos fundos de investimento, a L... presta à Requerente os seguintes serviços:
  • planeamento da estratégia dos sistemas e tecnologias de informação;
  • apoio na melhoria da eficiência dos processos, disponibilidade e qualidade da informação;
  • planeamento dos sistemas e infraestruturas necessários ao para o suporte dos objetivos estratégicos;
  • gestão da estrutura informática ao nível de equipamentos e aplicações;
  • garantia da operacionalidade dos sistemas (administração e gestão de dados, segurança e suporte geral da organização);
  • gestão dos acessos à infraestrutura informática, entre outros.
  • As entidades supra referidas cobram, mensalmente, à Requerente uma remuneração pela prestação da totalidade dos referidos serviços.
  • Ora, tendo tais prestadores enquadrado os referidos serviços, para efeitos de IVA, enquanto uma operação sujeita a IVA e dele não isenta, emitiu as correspondentes faturas à Requerente e liquidou o imposto, durante os anos 2021 e 2022, à taxa normal de 23%.
  • Em suma: tanto os serviços de gestão operacional destinados à gestão de fundos de investimento imobiliários, bem como os serviços de tesouraria, faturação, contabilidade, auditoria e revisão legal de contas, assessoria jurídica e legal e serviços de consultoria na área de sistemas de informação supra referidos, possuem como finalidade única e exclusiva a garantia de uma gestão efetiva e ativa dos Organismos de Investimento Imobiliário que se encontram sob a alçada da Requerente.
  • Neste âmbito, configurando as referidas prestações de serviços realizadas pelos vários prestadores supra elencados à Requerente como operações sujeitas a IVA mas dele isentas (cf. subalínea g) da alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA), não deveriam tais serviços ter sido faturados com liquidação de IVA, sendo os mesmos, no entender da Requerente, subsumíveis à mencionada isenção, enquanto serviços de “administração ou gestão de fundos de investimento”.
  • Em concreto, relativamente aos períodos de tributação compreendidos entre janeiro de 2021 e dezembro de 2022, as entidades acima melhor descritas faturaram à Requerente as remunerações devidas por esta enquanto contrapartidas dos serviços de gestão e administração dos Fundos de Investimento Imobiliário prestados à Requerente, cuja base tributável totaliza o montante global de € 533.141,91, tendo aquelas entidades liquidado o respetivo IVA, à taxa normal de 23%, imposto este que ascendeu a € 122.622,64, conforme exemplos de faturas emitidas por ambas as entidades juntas em anexo como Documento 3, Documento 5 e Documento 7 e montantes detalhados na Tabela infra:

 

Período

Gestão operacional

Contabilidade, faturação, ROC e auditoria

Assessoria jurídica e legal

Consultoria de sistemas de informação

Total IVA incorrido

2021 e 2022

69.103,50

36.869,00

11.358,98

1.311,00 

122.622,64

Valores em euros

  • Conforme já mencionado, na (auto)liquidação de IVA relativa aos períodos de tributação compreendidos entre janeiro de 2021 e dezembro de 2022, concretizada através da apresentação das Declarações Periódicas referentes a tais períodos pelas referidas entidades prestadoras de serviços e objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral, a Requerente suportou indevidamente o montante de IVA supra referido, na medida em que tais serviços (de administração e gestão dos fundos de investimento imobiliário por si administrados) foram incorretamente enquadrados como prestações sujeitas a IVA e dele não isentas.
  • A entrega ao Estado de prestação tributária em excesso colide, veementemente, com o princípio da neutralidade que rege o sistema comum do IVA - “a trave mestra da mecânica do imposto”.
  • Tendo identificado o referido lapso de enquadramento em sede de IVA, e constatando que os serviços tendentes à gestão e administração dos fundos de investimento imobiliário apresentam um nexo direto e intrínseco com as funções legal ou contratualmente obrigatórias para a gestão de carteira e/ou gestão de fundos de investimento, assumindo-se como funções específicas e essenciais e formando um conjunto distinto nos termos gerais da subalínea g) da alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA, a Requerente constatou que deveria ter sido aplicada a isenção de IVA à totalidade dos valores que lhe foram faturados pela B...,  I..., J..., K..., M... e L... durante o período compreendido entre janeiro de 2021 e dezembro de 2022, conforme adiante melhor explanará
  • E, uma vez que a liquidação do imposto em causa faturado, e, por conseguinte, repercutido à ora Requerente se apresenta em desconformidade com a legislação nacional e comunitária do IVA, conclui-se que, com referência aos períodos de tributação em apreço, a Requerente suportou mais imposto do que deveria, considerando que deveria ter sido aplicada a referida isenção de IVA aos serviços sub judice.
  • Neste sentido, após a constatação do erróneo enquadramento em IVA que se encontrava a ser aplicado aos serviços adquiridos pela Requerente e ora escrutinados e, tendo sido alertada pela própria AT para o efeito[2], a mesma encetou junto dos fornecedores em apreço todos os esforços para que estes procedessem à substituição das faturas e à inerente emissão de novas faturas que passassem a refletir o correto enquadramento em IVA, i.e., aplicação da isenção deste imposto, acompanhadas da correspondente devolução à ora Requerente do IVA indevidamente pago.
  • Todavia, apesar de a Requerente ter levado a cabo as diligências necessárias para o efeito, designadamente ter endereçado cartas aos fornecedores em apreço (para o efeito, remete-se cópia das referidas cartas enquanto Documento 9), bem como ter efetuado diversos contatos telefónicos, tal pretensão não acolheu concordância junto dos mesmos, que expressaram recusa em corrigir as faturas, conforme respostas aqui juntas enquanto Documento 10.
  • De notar que, a manter na ordem jurídica as liquidações de IVA ora reclamadas, a Requerente ficará onerada com uma carga de imposto que não seria por si devida, ficando ainda o Estado numa flagrante e ilegítima situação de enriquecimento sem causa, pelo que é da mais elementar justiça que se proceda à anulação das liquidações em apreço.
  • Adicionalmente, cumpre esclarecer que a ora Requerente nunca deduziu qualquer montante respeitante à tipologia de serviços que nesta sede se questiona o enquadramento em IVA, conforme se encontra refletido nas respetivas Declarações Periódicas de IVA (cf. Documento 11).
  • Deste modo, e por forma a repor na ordem jurídica tal neutralidade, peticiona-se, nesta sede, e com a fundamentação que se apresenta de seguida, a anulação (parcial) das liquidações de IVA efetuadas pelas entidades prestadoras, durante os anos 2021 e 2022, de serviços de gestão e administração de Fundos à Requerente, no montante global de € 122.622,64.

Posição da Requerida (AT)

Na Resposta apresentada, considera a Requerida que se verifica a exceção de ilegitimidade “material” ativa porquanto, em síntese, a Requerente enquanto repercutida no que respeita ao pedido formulado pela mesma, alegando, para o efeito, não ser a Requerente  sujeito na relação jurídico tributária da qual resultaram os atos em apreço – cf. pontos 13 e 14 da sua Resposta.

Além de que, no caso, a fundamentação da Requerente se estriba em alegado  erro seu na liquidação de imposto aquando da emissão de faturas que foram emitidas, registadas e, que determinaram que a Requerente enquanto destinatária dos serviços, suportasse o imposto daquelas constante de forma que a retificação do imposto liquidado nas faturas, a verificar‐se o direito a tal retificação, sempre o teria de ser através dos art.º 78.º e seguintes, do CIVA – Cfr ponto 15 da Resposta -, retificação essa facultativa e  que  não seria a favor do Estado, mas antes e sim, do sujeito passivo,  cabendo a este e não ao repercutido “(...) o direito de decidir pela regularização ou não de tal imposto (...)” – Cfr pontos 16 e 17, da Resposta.

Conclui depois a Requerida no sentido de que que “deve ser julgada verificada a exceção perentória inominada, de conhecimento oficioso, de ilegitimidade material do Requerente (artigos 576.º, n.ºs 1 e 3 e 579.º do CPC, aplicável ex vi artigo artigo 29.º, n.º 1 e) do RJAT)” ‐ cf. ponto 23 da sua Resposta.

Reitera depois, no essencial as razões os fundamentos invocados  na decisão de rejeição  da reclamação graciosa (RG) apresentada pela Requerente,  designadamente, que não considera demonstrado que os serviços em apreço, de que foi destinatária a Requerente, “correspondam à externalização dos serviços específicos de gestão de fundos”; por outro lado, aquela decisão de rejeição liminar da reclamação graciosa, fundou-se na impropriedade do meio usado pela Requerente para fazer valer a sua pretensão “por não se encontrarem preenchidos os pressupostos legalmente previstos para o efeito, não se vislumbrando que seja admissível a sua convolação noutro qualquer meio impugnatório” [ponto 96 da Informação nº 172-ISC/2023, de 2923-10-2024, que sustentou a citada rejeição liminar.]; por outro lado, também se fundamentou o despacho de rejeição da RG na falta de prova de que a Requerente tivesse solicitado às prestadoras a regularização do imposto nos termos do artº 78º-3, do CIVA, com a inerente correção das faturas no sentido de nelas constar a justificação para a aplicação da isenção do imposto nos termos do nº 5, do artigo 36º, do CIVA e, ademais, na exclusiva disponibilidade do exercício de regularização do IVA pela prestadora do serviço [pontos 43 e 91 da Informação nº 172-ISC/2023, de 24-102023; daí que, não se verificando a correção das faturas inexatas, se concluiu pela inexistência de fundamento legal para a anulação das autoliquidações ora sub judice.

 

Resposta da Requerente relativa à sobredita  defesa por exceção

Contrariando a tese da parte contrária, a Requerente alegou estar legitimada no seu pedido, não como sujeito passivo do imposto mas como entidade com manifesto interesse em agir nos termos do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, considerando que  o repercutido tem um interesse legalmente protegido, pelo que, também nos termos do artigo 9.º do CPPT, terá direito de agir em processo, conforme sucede in casu,

Nesta senda e em linha com o supra exposto, o disposto no  artigo 65.º da LGT quando  dispõe que «[t]êm legitimidade no procedimento os sujeitos passivos da relação tributária e quaisquer pessoas que provem interesse legalmente protegido»

Alega ainda que o n.º 1 dos artigos 20.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa, em conjugação com os artigos 9.º, 18.º e 95.º LGT, e com o n.º 1 do artigo 9.º CPPT, conferem a possibilidade ao repercutido e habilitam‐no para reclamar, recorrer ou impugnar, contanto que este possua um direito ou interesse legalmente protegido, in casu, a carga tributária que a Requerente suportou indevidamente, não devendo o mesmo ver‐se impedido de o fazer, em reconhecimento do princípio constitucional de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.

Acrescenta ainda que disporá de legitimidade para impugnar, reclamar, recorrer e de lançar mão a todas as garantias processuais para defesa dos seus direitos e legítimos interesses que tenham sido lesados por aplicação do mecanismo da repercussão, não sendo correto afirmar, como faz a AT,  que o repercutido não assume qualquer ligação com a relação tributária subjacente, sendo certo que se estabelece um dever na esfera do sujeito passivo, de repercussão do imposto, e consequentemente se impõe ao repercutido o dever de o suportar,estando a relação de repercussão intrinsecamente conexa com a obrigação tributária em causa.

Não só existe suporte legal para demonstrar a legitimidade da ora Requerente, “(...)como a própria AT já deixou claro, numa situação semelhante em que se questionava a legitimidade processual do repercutido (cfr Ponto 36 da Instrução de Serviço n.º 60131/2019 – Reclamações Graciosas – Verba 17 da TGIS – Legitimidade e meio procedimental adequado) que «[o] repercutido que seja titular de uma interesse legalmente protegido que tenha sido ofendido por uma liquidação (indevida) de imposto do selo, deve efectuar uma reclamação graciosa necessária antes de deduzir a impugnação judicial, nos termos do artigo 131.º, n.º1, do CPPT», possibilidade esta que, de resto, tem sido pacificamente aceite pela jurisprudência nacional.

Reitera ainda o “(...)entendimento propugnado pelo TJUE, no âmbito do seu Acórdão de 7 de setembro de 2023, prolatado no âmbito do processo C‐453/22 nos termos do qual este Tribunal analisou a admissibilidade e bem assim a legitimidade que o adquirente de bens/serviços repercutido para despoletar junto da Administração Fiscal Alemã um pedido de reembolso relativo a montantes de IVA indevidamente faturados pelo fornecedor e a este pagos (...)” na consideração de que “se o reembolso do IVA se tornar impossível ou excessivamente difícil (…), o princípio da efetividade pode exigir que o adquirente do bem em questão possa requerer o reembolso diretamente às autoridades tributárias. Por conseguinte, os Estados‐Membros devem prever os instrumentos e as vias processuais necessárias para permitir ao referido adquirente recuperar o imposto indevidamente faturado, de modo a que o princípio da efetividade seja respeitado”

Depois de outras considerações e citações jurisprudenciais na linha da rejeição da tese de ilegimidade material defendida pela parte contrária, conclui a Requerente a sua resposta à matéria da exceção de ilegitimidade, alegando e pedindo que a Requerente “(...) dispõe de legitimidade para reclamar nesta sede, enquanto repercutido legal, a (i)legalidade da decisão de indeferimento que recaiu sobre a Reclamação Graciosa apresentada e a consequente anulação dos atos de (auto)liquidação de IVA subjacentes à mesma, com as devidas consequências legais, em virtude da sua manifesta ilegalidade (...)”

 

Alegações finais

Nas  alegações finais, apresentadas por escrito, as partes mantiveram, no essencial, as posições assumidas anteriormente, nos  articulados apresentados e citados.

Saneamento

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente para apreciar o litígio.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são, como a seu tempo se demonstrará melhor, legítimas[3] (artigos 4º e 10º-2, do RJAT; artigo 1º, da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março e 30º, do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, do RJAT.

Não se evidenciam nulidades.

 

Apreciando o mérito do pedido

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

De facto

A - Factos provados

Com base nos elementos que constam do processo (processo administrativo, factos consensualizados pelas partes e documentos incorporados nos autos e que não foram impugnados), consideram-se provados os seguintes factos, relevantes para a decisão:

  1. A Requerente é uma sociedade anónima, cujo capital social, inteiramente realizado, é de € 600.000,00,  constituída em 3 de abril de 2008 e registada na Comissão dos Mercados dos Valores Mobiliários (“CMVM”) na qualidade de intermediário financeiro autorizado desde 29 de outubro de 2009;
  2. Enquanto responsável pela administração de três fundos de investimento imobiliário e duas SIC[4], compete-lhe nomeadamente e em representação dos participantes, adquirir, construir, arrendar, transacionar e valorizar bens imóveis e comprar, vender, subscrever ou trocar valores mobiliários, e bem assim praticar os demais atos necessários à correta administração e desenvolvimento dos mesmos.
  3. Em observância da política de investimento definida, compete à Requerente a boa administração, gestão e representação dos organismos sob a sua alçada e, bem assim, selecionar os valores que devem constituir os referidos organismos, adotando a prudência requerida para defesa e promoção dos referidos organismos e dos seus participantes;
  4. No contexto da sua atividade de gestão e administração dos mencionados organismos, nomeadamente de investimento imobiliário, a Requerente externalizou parte dos serviços necessários e indispensáveis à gestão e administração do portfólio de ativos que integram o património dos referidos organismos de investimento.
  5. A Requerente incorre em custos referentes à aquisição de serviços necessários e indispensáveis à referida atividade de gestão, concretamente:
  • serviços de gestão operacional destinados à gestão de fundos de investimento imobiliários;
  • serviços de tesouraria, faturação, contabilidade, auditoria e revisão legal de contas;
  • serviços de assessoria jurídica e legal;
  • serviços de consultoria na área de sistemas de informação.
  1. Nos termos do contrato celebrado entre as partes (Documento 2), os serviços de gestão operacional destinados à gestão de fundos de investimento imobiliários são prestados pela B... (anteriormente e à data de celebração do referido contrato denominada C..., Lda.), uma empresa especializada na gestão operacional – “asset management” - tendo em vista a otimização dos processos operacionais referentes aos ativos que integram a carteira dos organismos sob gestão da Requerente, nomeadamente no que concerne especificamente ao mercado imobiliário (cf. página 2 do Documento 2);
  2. No quadro da gestão dos Fundos de Investimento, a B... direciona os seus serviços nas múltiplas tarefas que incorporam a gestão operacional destes organismos conforme resulta do Anexo I presente na página 21 do Documento 2, designadamente:
  • gestão da relação com o Participante dos Fundos;
  • análise do orçamento e reporte dos Fundos;
  • acompanhamento e gestão das entidades contratadas pelos Fundos;
  • gestão e acompanhamento do fundo de comum de reserva do Condomínio.
  1. Deste modo, os serviços prestados pela B... à Requerente passam pela gestão operacional e valorização dos ativos, especialmente imobiliários, que compõem a carteira dos organismos geridos pela Requerente, na sua componente prática e relacional, bem como na sua vertente orçamental.
  2. Neste contexto, e considerando que a B... cobra à Requerente uma remuneração por tais serviços (nos termos estabelecidos no ponto 3 do contrato celebrado entre as parte, junto como Documento 2), a Requerente incorre em custos relacionados com a gestão dos Fundos de Investimento Imobiliário geridos por si.
  3. Tendo a entidade B... enquadrado a prestação dos referidos serviços, enquanto uma operação sujeita a IVA e dele não isenta, emitiu as faturas e liquidou o imposto à Requerente, durante os anos 2021 e 2022, à taxa normal de 23% (cf. exemplos de faturas junta em anexo ao presente Pedido de Pronúncia Arbitral como Documento 3).
  4. Por forma a cumprir as obrigações necessárias à gestão e administração dos Fundos, a Requerente recorre a empresas especializadas em serviços de tesouraria, faturação, contabilidade, auditoria e revisão legal de contas – I..., J... e K...(nos termos estabelecidos nos contratos celebrados entre as partes, que aqui se juntam enquanto Documento 4).
  5. No quadro da gestão e administração dos fundos de investimento, a I..., J... e  K...prestam à Requerente os seguintes serviços:
  • emissão de faturas e cumprimento das demais obrigações de faturação;
  • validação, integração e registo de pagamentos e despesas bancárias;
  • lançamento e conferência do imobilizado;
  • verificação dos pressupostos legais e cumprimento das obrigações de reporte para com o Estado e entidades reguladoras;
  • cumprimento de obrigações fiscais e declarativas;
  • consolidação de contas;
  • revisão legal das contas;
  • auditoria das contas.
  1. As entidades supra referidas cobram, mensalmente, à Requerente uma remuneração pela prestação da totalidade dos referidos serviços.
  2. Tendo tais prestadores enquadrado os referidos serviços, para efeitos de IVA, enquanto uma operação sujeita a IVA e dele não isenta, emitiram as correspondentes faturas à Requerente e liquidaram o imposto, durante os anos 2021 e 2022, à taxa normal de 23% (cf. exemplos de faturas juntas em anexo ao presente Pedido de Pronúncia Arbitral como Documento 5).
  3. No quadro da gestão e administração dos fundos de investimento, as entidades contratadas pela Requerente prestam os seguintes serviços:
  • apoio na conversão jurídica de Organismos de Investimento Coletivo;
  • apoio jurídico na constituição de Organismos de Investimento Coletivo;
  • serviços de assessoria legal na área fiscal;
  • aconselhamento jurídico continuado;
  • redação e revisão da documentação legal necessária à luz do quadro normativo aplicável;
  • apoio nos contactos com a CMVM;
  • assessoria relativa a processos de transferência de Organismos de Investimento Coletivo, entre outras.
  1. Neste âmbito, a M... emitiu as correspondentes faturas à Requerente com liquidação de imposto à taxa normal de 23% (cf. exemplos de faturas juntas enquanto Documento 7).
  2. Adicionalmente, mas ainda no quadro do exercício das suas funções e obrigações necessárias para a boa gestão e administração dos organismos, mormente os fundos por si geridos, a Requerente adquire à L... serviços de consultoria na área de sistemas de informação (nos termos estabelecidos nos contratos celebrados entre as partes, que aqui se juntam enquanto Documento 8).
  3. No quadro da gestão e administração dos fundos de investimento, a L... presta à Requerente os seguintes serviços:
  • planeamento da estratégia dos sistemas e tecnologias de informação;
  • apoio na melhoria da eficiência dos processos, disponibilidade e qualidade da informação;
  • planeamento dos sistemas e infraestruturas necessários ao para o suporte dos objetivos estratégicos;
  • gestão da estrutura informática ao nível de equipamentos e aplicações;
  • garantia da operacionalidade dos sistemas (administração e gestão de dados, segurança e suporte geral da organização);
  • gestão dos acessos à infraestrutura informática, entre outros.
  1. As entidades supra referidas cobram, mensalmente, à Requerente uma remuneração pela prestação da totalidade dos referidos serviços...
  2. ... tendo tais prestadores enquadrado os referidos serviços, para efeitos de IVA, enquanto uma operação sujeita a IVA e dele não isenta, emitiram as correspondentes faturas à Requerente e liquidaram o imposto, durante os anos 2021 e 2022, à taxa normal de 23%.
  3.  Relativamente aos períodos de tributação compreendidos entre janeiro de 2021 e dezembro de 2022, as entidades acima melhor descritas faturaram à Requerente as remunerações devidas por esta enquanto contrapartidas dos serviços de gestão e administração dos Fundos de Investimento Imobiliário prestados à Requerente, cuja base tributável totaliza o montante global de € 533.141,91, tendo aquelas entidades liquidado o respetivo IVA, à taxa normal de 23%, imposto este que ascendeu a € 122.622,64, conforme exemplos de faturas emitidas por ambas as entidades juntas em anexo como Documento 3, Documento 5 e Documento 7 e montantes detalhados na Tabela infra:

Período

Gestão operacional

Contabilidade, faturação, ROC e auditoria

Assessoria jurídica e legal

Consultoria de sistemas de informação

Total IVA incorrido

2021 e 2022

69.103,50

36.869,00

11.358,98

1.311,00 

122.622,64

Valores em euros

  1. Na (auto)liquidação de IVA relativa aos períodos de tributação compreendidos entre janeiro de 2021 e dezembro de 2022, concretizada através da apresentação das Declarações Periódicas referentes a tais períodos pelas referidas entidades prestadoras de serviços e objeto do presente Pedido de Pronúncia Arbitral, a Requerente suportou (indevidamente) o montante de IVA supra referido, na medida em que tais serviços (de administração e gestão dos fundos de investimento imobiliário por si administrados) foram (incorretamente) enquadrados como prestações sujeitas a IVA e dele não isentas.
  2. Após a constatação do, alegadamente, erróneo enquadramento em IVA que se encontrava a ser aplicado aos serviços adquiridos pela Requerente e ora escrutinados a Requerente encetou junto dos fornecedores em apreço, esforços para que estes procedessem à substituição das faturas e à inerente emissão de novas faturas que passassem a refletir o correto enquadramento em IVA, i.e., aplicação da isenção deste imposto, acompanhadas da correspondente devolução à ora Requerente do IVA alegada e indevidamente pago;
  3. Todavia, apesar de a Requerente ter levado a cabo as diligências para o efeito, designadamente ter endereçado cartas aos fornecedores em apreço (Cfr cópias das referidas cartas enquanto Documento 9), bem como ter efetuado alguns contatos telefónicos, tal pretensão não acolheu concordância junto dos mesmos, que expressaram as suas razões para não aceitar corrigir as faturas, designadamente as expressas nas comunicações escritas de 19-10-2023 (J...), de 21-11-2023 (K...), de 15-11-2023 (L...), de 21-11-2023 (I...), 19-10-2023 (B...), 13-11-2023 (M...) - cfr (Documento 10, junto com o pedido de pronúncia arbitral);
  4. A Requerente apresentou reclamação graciosa (Proc nº ...2023...) tendo por objeto os sobreditos atos tributários de autoliquidação de IVA respeitantes aos períodos de imposto compreendidos entre janeiro de 2021 e dezembro de 2022 no âmbito do instituto de repercussão (Cfr Doc 1, junto pela Requerente e processo administrativo instrutor);
  5. Por despacho de 24-10-2023 do Chefe de Divisão da Unidade de Grandes Contribuintes, foi determinada a rejeição liminar do pedido objeto da citada reclamação graciosa, com fundamento na Informação nº 172-ISC/2023 de que consta o seguinte:

“(...)V.II. – Apreciação

30. A pretensão controvertida na Reclamação Graciosa em apreço, consubstancia-se na anulação parcial das autoliquidações de IVA, subjacentes às declarações periódicas de IVA, referentes aos períodos de tributação compreendidos entre janeiro de 2021 e dezembro de 2022, submetidas pelas entidades B..., Unipessoal, Lda.; I..., SA; J...- Sociedade deRevisores Oficiais de Contas, Lda.; K...,S.A.; M...– Sociedade de Advogados, SRL e L... Unipessoal,Lda., decorrente da verificação de um alegado erro no enquadramento jurídico-tributário das prestações de serviços de Asset Management; tesouraria, faturação, contabilidade, auditoria e revisão legal de contas; assessoria jurídica e legal, e consultoria na área de sistemas de informação de tributação compreendidos entre janeiro de 2021 e dezembro de 2022, submetidas pelas entidades B..., Unipessoal, Lda.; I..., SA; J...- Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, Lda.;K...– Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, S.A.;M...– Sociedade de Advogados, SRL e L...– Unipessoal, Lda., decorrente da verificação de um alegado erro no enquadramento jurídico-tributário das prestações de serviços de Asset Management; tesouraria, faturação, contabilidade, auditoria e revisão legal de contas; assessoria jurídica e legal, e consultoria na área de sistemas de informação,que determinou que estas, alegadamente, liquidassem indevidamente, à Reclamante, a importância global de € 122.622,64, que pretende ver-lhe restituída.

31. Analisando a petição submetida pela A..., bem como os fundamentos invocados, verifica-se que a questão principal que se apresenta nestes autos assenta em aferir sobre a suscetibilidade do exercício do direito à correção do IVA considerado como indevidamente liquidado, bem como, na interpretação do teor da subalínea g), da alínea 27, do artigo 9.º do CIVA, e da possibilidade deenquadramento na mesma das operações acima referidas.

32. Posto isto, importa, a título prévio, aferir sobre o preenchimento respetivos dos pressupostos processuais, em concreto, a tempestividade, legitimidade, e bem assim, a suscetibilidade do recurso ao procedimento de Reclamação Graciosa como meio de lograr obter as pretensões formuladas em

sede de petição.

33. No que se refere à legitimidade, ressalva-se que inexiste de fundamento para o alegado pela Reclamante, não podendo concordar-se com o que invoca nos pontos 8.º a 17.º da petição de Reclamação Graciosa.

34. A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas (cf. artigo 37.º do CIVA).

35. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo.

36. No caso do IVA estamos perante a denominada repercussão obrigatória ou legal.

37. Ora, conforme refere a Reclamante, da conjugação do disposto no n.º 1 do artigo 20.º e 205.º da CRP,com os artigos 9.º, 18.º, n.º 4, alínea a) e 95.º da LGT, bem como, do artigo 9.º do CPPT, resulta que ao repercutido é conferido o direito de reclamar, recorrer e impugnar.

38. De facto, este, muito embora não seja o sujeito passivo de imposto, é titular de um direito ou interesse legalmente protegido, dado que foi ele que procedeu ao pagamento do IVA liquidado e entregue ao Estado.

39. Este é o entendimento defendido pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, e com o qual concordamos

40. Sucede, porém, que, se é verdade que se reconhece à Reclamante a legitimidade para contestar o montante imposto alegadamente liquidado e pago em excesso, não podemos esquecer qual o alcance que o legislador teve em vista ao consagrar na alínea a) do n.º 4 do artigo 18.º da LGT, esse mesmo

direto.

41. Conforme refere Bruno Botelho Antunes, no âmbito do IVA “o direito do repercutido previsto no art. 18.º, n.º 4 al.) a, da LGT foi consagrado para fazer face a situações em que, o sujeito passivo, após ter sido instado pelo repercutido para retificar o imposto que lhe foi liquidado em excesso, não agiu nesse sentido. Nessa base, consagrou-se a possibilidade de o repercutido reaver o seu dinheiro diretamente do Estado (…)”.

42. Ora, dos factos alegados, bem como dos elementos disponibilizados, não resulta que a mesma tenha solicitado às mencionadas entidades com quem contratos a prestação dos serviços em análise, a mencionada regularização.

43. De acordo com o disposto no artigo 203.º da Diretiva IVA, o imposto “(…) é devido por todas as pessoas que mencionem esse imposto na fatura.”

44. Nesse mesmo sentido, na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º, o CIVA qualifica como sujeito passivo de imposto “as pessoas singulares ou coletivas que, em fatura, mencionem indevidamente IVA”, desde que a mesma reúna os requisitos previsto no n.º 5 do artigo 36.º do CIVA.

45. Para efeitos de IVA, do disposto resulta que, a simples menção do IVA em tais documentos, determina que o respetivo emitente fique enquadrado nas regras de incidência subjetiva, impendendo sobre ele a obrigação de entregar ao Estado, o imposto liquidado, ainda que indevidamente, e seja qual for o motivo. Por esse facto, passa a ser considerado devedor de imposto, tendo que cumprir o disposto no n.º 2 do artigo 27.º do CIVA.

[[[Veja-se nesse sentido, entre outros, os Acórdãos do STA, proferidos no âmbito dos processos n.º 12.102, de 04 de julho de 1990, n.º 1898/02, de 02 de julho de 2003 e n.º 957/03, de 01 de outubro de 2003 (Cfr BRUNO BOTELHO ANTUNES, A Relação Jurídica Tributária e a Repercussão Tributária, Coimbra, Almedina, p. 188]].

46. De facto, como refere Xavier de Basto“cada fatura com menção de imposto constitui ´um cheque sobre o tesouro´, pois atribui ao destinatário que seja sujeito passivo, o direito a deduzir o IVA nela contido.”

47. Só assim se consegue garantir o funcionamento da mecânica do imposto.

48. A razão de ser desta obrigação radica no facto dessas mesmas faturas conterem IVA dedutível por parte da entidade a favor da qual foram emitidas, sendo necessário assegurar que o imposto delas constante tenha dado entrada nos cofres do Estado.

49. Acresce que, o n.º 7 do artigo 29.º do CIVA dispõe que “quando o valor tributável de uma operação ou o imposto correspondente sejam alterados por qualquer motivo, incluindo inexatidão, deve ser emitido documento retificativo da fatura”.

50. Ora, para que seja admissível a correção do erro no IVA liquidado, anulando-o, deviam, as faturas emitidas nas quais foi incluído IVA a 23%, ser regularizadas nos termos legais, no sentido de eliminar a alegada menção indevida, o que não sucedeu.

51. Ou seja, como referido, impunha-se que fosse seguido o procedimento estabelecido no artigo 78.º doCIVA, cujo n.º 1 determina que “as disposições do artigo 36.º e seguintes devem ser observadas sempre que, emitida a fatura, o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto venham a

sofrer retificação por qualquer motivo.”

52. Face à factualidade descrita, constata-se que a pretensão do sujeito passivo consubstancia-se na regularização do imposto alegadamente liquidado indevidamente pelas entidades prestadoras dos. serviços em causa, porquanto as consideram como estando sujeitas a IVA e dele não isentas, quando na realidade, segundo o entendimento propugnado pela Reclamante, as mesmas estariam abrangidas pela norma de isenção da subalínea g), da alínea 27, do artigo 9.º do CIVA.

53. Do exposto decorre que o que está em causa nos autos é o exercício do direito à regularização do imposto a favor dos sujeitos passivos, matéria que indubitavelmente está na sua disponibilidade.

54. O direito à dedução, assim como a sua regularização não se consubstancia num poder-dever imposto aos sujeitos passivos, mas numa faculdade, sendo exemplo disso, os diversos casos previstos no artigo 78.º do CIVA, onde se estabelece essa possibilidade no caso de se tratar de correção a favor

dos contribuintes.

55. Nesse sentido, a omissão da alegada regularização do imposto liquidado, não configura sequer a prática de um erro, mas uma opção legitima dos sujeitos passivos, não podendo a AT substitui-se aos mesmos no seu exercício.

56. Ademais, importa realçar que a liquidação do imposto nos termos em que foi realizada correspondeu à vontade das partes, que por acordo e no âmbito da liberdade contratual que lhes assiste, fizeram constar essa mesma intenção nas propostas contratuais/contratos celebrados, juntos pela A... com o seu articulado (cfr Xavier de Basto, A harmonização fiscal na CEE, Ciência e Técnica Fiscal n.º 362, p. 44 e, entre outros, os Acórdãos do STA, proferidos no âmbito dos processos n.º26636, de 24 de abril de 2002; n.º 555/12, de 26 de setembro de 2021; do TCA SUL, proferidos no âmbito dos processos n.º 4711/11, 17 de janeiro, n.º 7111/13, de 04 de junho de 2015 e n.º 0807/15, de 27 de janeiro de 2016.

57. Sem prescindir, no pressuposto de estarmos perante a existência de um erro, importa realçar que o mesmo jamais se poderia reportar às mencionadas autoliquidações, mas sim a atos prévios às mesmas - as faturas emitidas pela entidades prestadoras dos serviços, onde se materializou a

liquidação do imposto que a Reclamante alega ser ilegal.

58. Com efeito, as autoliquidações não estão erradas porquanto devem refletir as faturas emitidas e osrespetivos registos contabilísticos efetuados pelo sujeito passivo.

59. Sucede que, no que concerne a este ponto, deve ter-se em consideração os prazos de caducidade das regularizações de imposto, previstos no CIVA, em normas especiais dotadas de carater imperativo.

60. O CIVA, ao contrário do que sucede com outros impostos autoliquidados, contem diversas normas referentes à regularização do imposto que têm de ser articuladas com aquelas que preveem garantias impugnatórias dos sujeitos passivos.

61. O IVA é um imposto plurifásico, cuja liquidação se processa em todas as fases de produção e distribuição, ou seja, fracionando-se por todos os operadores que participam nesse circuito. Funcionando através do denominado método de crédito de imposto, indireto subtrativo, ou das faturas, o que significa que a qualquer um dos sujeitos passivos integrados na cadeia referida é conferido o direito à dedução do imposto suportado a montante.

62. Este princípio encontra-se consagrado no n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro (Diretiva IVA), e concretizado no seu artigo 73.º, transposto para o nosso ordenamento jurídico, através do artigo 16.º do CIVA, onde se determina no seu n.º 1 que “o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.” É sobre este valor que irá incidir o IVA, à taxa aplicável ao caso, no momento em que ocorrer o facto gerador e a respetiva exigibilidade.

63. Sucede que, as operações subjacentes a esta cadeia, por vezes, sofrem vicissitudes que implicam que os sujeitos passivos procedam à regularização do imposto liquidado ou deduzido.

64. No caso de autoliquidação, a mesma é efetuada com base nos registos contabilísticos que tiveram como base os correspondentes documentos de suporte, em regra, uma fatura, concretizando-se com a entrega da declaração periódica.

65. Após o envio da mesma, qualquer alteração constitui uma regularização do imposto.

66. Tais correções podem incidir, designadamente, sobre o facto tributário, a fatura, o registo contabilístico ou a declaração periódica.

67. Trata-se de uma matéria objeto de regulamentação autónoma quer a nível da Diretiva IVA (artigo 90.º), quer a nível interno (artigo 78.º do CIVA), onde se definem os diversos tipos de erros e os procedimentos tendentes à sua regularização.

68. Ora, ao contrário do que que acontece com a regularização do imposto inicialmente deduzido, onde se prevê a nível comunitário um direito geral dos sujeitos passivos a essa regularização, de acordo com a disciplina a definir pelos diversos Estados Membros, no caso do imposto liquidado em excesso,

a Diretiva IVA já não contempla um direito geral similar.

69. Posto isto, cumpre classificar o erro invocado pela Reclamante.

70. Face ao caso concreto, e tendo em consideração a situação fática descrita, os argumentos tecidos e os documentos disponibilizados pela Reclamante, constata-se que estarmos perante uma situação enquadrável no âmbito do n.º 3 do artigo 78.º do CIVA, que se refere às regularizações decorrentes

de inexatidão nas faturas.

71. Tanto mais se tivermos em consideração o conceito lato de fatura inexata adotado pelo legislador.

72. Nesse sentido trazemos à colação a doutrina defendida por João Canelhas Duro que refere que, «perante a utilização de um conceito vago como “fatura inexata”, o aplicador deve procurar a densificação conceptual que mais se adequa à natureza da norma em apreço e à estrutura logica do sistema jurídico. Ora pela leitura do n.º 3 do art.º 78.º constata-se que o erro em questão é suscetível de originar tanto imposto liquidado em excesso como imposto liquidado por defeito. Desta forma, não se aceita que seja afastada a possibilidade desse erro na liquidação ter origem numa errada configuração jurídica da operação titulada pela fatura, sendo quase sempre, de direito, precisamente, o erro que origina incorreções de imposto liquidado.».

73. Reiterando esse entendimento, veja-se a fundamentação constante na decisão que recaiu sobre pedido de pronúncia arbitral submetido ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e proferida no âmbito do processo n.º 350/2015-T, onde de forma exemplar esclarece-se que:“(…) Assim, sendo correta a ligação – decorrente do próprio texto da norma do artigo 78.º/1 do Código do IVA – entre as inexatidões passíveis de correção nos termos daquele n.º 1 e do subsequente n.º 3, e o artigo 36.º/5 do código do IVA, considera-se que o referido regime – dos n.ºs 1 e 3 do artigo 78.º - será aplicável às retificações de inexatidões nas menções impostas por aquele n.º 5, independentemente da causa de tais inexatidões, ou seja, de estas serem devidas a um errado enquadramento do direito ou dos factos, a dolo de fraude, a negligência, inépcia, desleixo, ou qualquer outra causa ou motivação. Não se vislumbra, efetivamente, qualquer fundamento material para distinguir, como se faz na decisão ora em análise, os casos em que “o sujeito passivo indica uma taxa de IVA incorreta”, intencionalmente, por estar errado no enquadramento que faz da operação, de todos os restantes casos em que tal ocorra, sem querer ou propositadamente. Com efeito, como se apontou já, julga-se que a limitação temporal consagrada no artigo 78.º/3 do Código do IVA tem subjacente a necessidade de assegurar à Requerida uma dilação suficiente para, dentro do prazo de caducidade dos tributos, proceder às fiscalizações e correções que, em função das retificações operadas, se tornem necessárias. Ora, a verdade é que tal necessidade se verifica precisamente com a mesma intensidade, quer a retificação se dê porquanto o sujeito passivo procedeu, nas faturas que emitiu, a um errado enquadramento de direito da operação tributável em que interveio, quer aquela se dê por qualquer outro motivo, não se detetando, ao contrário do que alega a Reclamante, qualquer injustiça (…)”.

74. Pelo que, salvo melhor entendimento, estar-se-á perante uma situação de inexatidão de fatura relevante para efeitos de passível correção nos termos do n.º 1 e 3 do artigo 78.º do CIVA, quando o valor tributável da operação, ou o respetivo imposto nela mencionado, não forem os corretos, face

aos factos apurados e ao direito aplicável.

75. Abrangendo não só os casos em que um dos requisitos a que a mesma se encontra adstrita não está observado (por exemplo, não haver menção à taxa de IVA aplicável ou ao imposto liquidado), bem como quando um de tais requisitos esteja incorretamente observado, como seja, o imposto liquidado não seja o correto. E isto independentemente de quaisquer motivações subjetivas das partes envolvidas.

76. Determina o n.º 3 do mencionado preceito legal que “nos casos de faturas inexatas que já tenham dado lugar ao registo referido no artigo 45.º, a retificação é obrigatória quando houver imposto liquidado a menos, podendo ser efetuada sem qualquer penalidade até ao final do período seguinte àquele a que respeita a fatura a retificar, e é facultativa, quando houver imposto a mais, mas apenas pode ser efetuada no prazo de anos”. (sublinhado nosso).

77. Embora a referida regularização seja uma faculdade conferida aos sujeitos passivos, sempre que os mesms optem por efetuá-la, é necessário o cumprimento do previsto no n.º 4 e 5 do mesmo artigo,os quais determinam que:

“(…)

4 - O adquirente do bem ou destinatário do serviço que seja um sujeito passivo do imposto,  se tiver efectuado já o registo de uma operação relativamente à qual o seu fornecedor ou prestador de serviço procedeu a anulação, redução do seu valor tributável ou rectificação para menos do valor facturado, corrige, até ao fim do período de imposto seguinte ao da recepção do documento rectificativo, a dedução efectuada.

5 - Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução. (…)”

78. De notar que, o previsto no n.º 5 supratranscrito, tem como objetivo evitar que o sujeito passivo fornecedor regularize, a seu favor imposto inicialmente deduzido pelo seu cliente, sem que este (adquirente), proceda à correção do correspondente valor, a favor do Estado.

79. Nesse sentido, impunha-se que as faturas emitidas pela B..., Unipessoal, Lda.; I..., SA; J...- Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, Lda.; K...– Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, S.A.; M...–Sociedade de Advogados, SRL e L...– Unipessoal, Lda., nas quais incluíram IVA à taxa de 23%, fossem corrigidas, nos termos legais, para que passasse a constar das mesmas a menção e justificação para a aplicação da isenção de imposto nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 36.º do CIVA, que entende, a Reclamante, ser o enquadramento legalmente correto.

80. Não se verificando tais requisitos, inexistirá fundamento legal para a anulação das autoliquidações em questão, por as mesmas estarem em conformidade com as normas legais aplicáveis.

81. E nem se diga que a tal obsta a circunstância de as operações em causa, face ao quadro legal defendido pela Reclamante, não serem sujeitas a tributação.

82. Na verdade, como já ressalvado, quando muito, esse facto determinava não a ilegalidade das autoliquidações, mas da liquidação efetuada no documento de suporte emitido, que segundo o sujeito passivo, menciona erradamente o IVA, cuja retificação se impunha, repondo, assim, a verdade fiscal.

83. A autoliquidação deve estar em conformidade com o IVA liquidado pelo sujeito passivo na sua faturação e respetiva contabilização, sob pena de ilegalidade.

84. Assim sendo, não padecem as autoliquidações objeto do presente procedimento de qualquer ilegalidade, estando conformes às normas que lhes estão subjacentes.

85. Tendo sido liquidado o imposto em causa, de acordo com o documento de suporte respetivo, terá entregue, precisamente, o imposto que era devido, e não em excesso.

86. Pelo que, decorrendo o prazo de 2 anos, sem essa correção prévia, o referido erro considera-se sanado, ficando vedada a possibilidade de se obter, por esta via, o mencionado efeito (a anulação do IVA liquidado em excesso).

87. De facto, sendo o imposto constante na fatura de montante superior ao devido, enquanto não for retificado, o mesmo é devido.

88. Conforme refere João Canelhas Duro (,Obra citada, p. 330) por referência ao disposto no n.º 5 do artigo 97.º do CIVA “(…)num cenário de possível regularização de faturas inexatas efetuadas nos termos do n.º 3 do art. 78.º,tendo passado o prazo de regularização a favor do sujeito passivo previsto nesta norma, de nada adiantará lançar mão dos mecanismos tendentes à reclamação ou impugnação da autoliquidação, porquanto tais mecanismos não procederão se, no prazo de regularização, tais faturas não foram devidamente corrigidas e, naturalmente, para além dos restantes procedimentos legais, se não for regularizado o imposto eventualmente deduzido em excesso pelo adquirente (…).”.

89. O procedimento de regularização visa não só permitir que o sujeito passivo recupere o valor do IVA entregue indevidamente, como igualmente, faculta a regularização do imposto deduzido, uma vez, cumpridos os requisitos legalmente previsto.

90. Trata-se de uma questão que do ponto de vista jurídico não se apresenta como de particular dificuldade, limitando-se a uma interpretação do disposto no n.º 3. 4 e 5 do artigo 78.º do CIVA, os quais não se revelam de especial complexidade.

91. Mais uma vez se refere que dos autos não resulta que tal tenha sucedido. Pelo contrário, do alegado pela Reclamante é patente que nada foi feito no sentido de regularizar os documentos que considera padecerem de erro na sua emissão. Veja-se o que refere no artigo 48.º da petição de Reclamação Graciosa, do qual decorre que a A... tem perfeito conhecimento de qual o procedimento a seguir nos casos como o presente.

92. A limitação temporal constante do n.º 3 do artigo 78.º do CIVA, encontra-se relacionada com o prazo geral de caducidade do direito à liquidação de tributos previsto no artigo 45.º da LGT, permitindo à AT fiscalizar e proceder à eventuais correções, que em função das retificações realizadas se mostrem necessárias.

93. Decorre do artigo 184.º da Diretiva IVA, e de vasta jurisprudência comunitária, a consagração de um direito geral dos sujeitos passivos à regularização do imposto inicialmente realizada, a qual ficando sujeita à disciplina consagrada por cada Estado-Membro, não pode deixar de ser efetuada dentro de um prazo razoável, entendendo-se que com o regime acima definido fica salvaguardada esta garantia.

94. O direito à regularização não é absoluto, encontrando-se sujeito a determinados requisitos, nomeadamente, temporais, o que significa que tem de ser exercido nos prazos previstos na lei, os quais se impõem por força do princípio da segurança e certeza jurídicas.  (...)

95.  Cumprindo salientar que, no que concerne à questão do prazo de 2 anos para efeito de regularização do imposto, é hoje entendimento assente do TJUE, que o mesmo mostra-se razoável, não colocando em causa o princípio da efetividade e da neutralidade, ao contrário do que invoca a Reclamante. 

96. Face ao exposto, o pedido de Reclamação Graciosa carece de base legal, não se mostrando como meio processual idóneo para fazer valer a pretensão da Reclamante, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos legalmente previstos para o efeito, não se vislumbrando que seja admissível a sua convolação noutro qualquer meio impugnatório.

97. Em consequência, fica precludida a apreciação do mérito/legalidade das demais questões colocadas, em concreto, a aferição da suscetibilidade das operações em causa se enquadrarem, para efeito de tributação em sede de IVA, no âmbito da norma de isenção contante da subalínea g), da alínea 27 do artigo 9.º do CIVA, e bem, sobre o quantum e respetiva comprovação do imposto alegadamente liquidado em excesso.

VI. Exercício de Audição Prévia

98. Através de ofício, com data de 18 de setembro de 2023, foi a Reclamante, notificada do projeto de decisão, e convidada a exercer o seu direito de participação nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 60.º da LGT.

99. Decorrido o prazo concedido para o exercício do referido direito, nem o contribuinte, por um lado, carreou para os autos quaisquer elementos que colocassem em causa o nosso anterior projeto, nem os serviços apuraram razões que impedissem a convolação em definitivo desse mesmo projeto.

VII. CONCLUSÃO

Em conformidade com o anteriormente exposto e compulsados todos os elementos dos autos, designadamente o nosso anterior "Projeto de Decisão", mantendo-se as conclusões de facto e de direito deste constantes, deverá o pedido formulado ser objeto de rejeição liminar, ao abrigo do preceituado no n.º 1 do art.º 109.º do CPA, ex vi da al. d) do art.º 2.º do CPPT, promovendo-se, em consequência, o arquivamento do mesmo, com todas as consequências legais (...)”

 

Factos não provados

Não está provado:

 - que a Requerente nunca tivesse deduzido qualquer montante de IVA respeitante à tipologia de serviços mencionados supra;

- que os serviços a que aludem os factos provados correspondam à externalização apenas de serviços específicos da gestão dos Fundos e...

... – assim tivessem sido exclusivamente consumidos na totalidade em atividades específicas da gestão dos Fundos.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relembra-se preliminarmente que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 659.º, n.º 2 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT]. É esta a jurisprudência há muito consolidada (cf, v. g.,  Acórdão do STA de 14-3-2018, no Proc nº 0716/13/2ª Secção, assim sumariado: “(...) é entendimento pacífico e corrente que o Tribunal não tem de apreciar ou conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes tenham produzido. Isto porque uma coisa são as questões submetidas ao tribunal e outra são os argumentos que se usam na sua defesa. Sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando assim o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes(...)”.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito [cfr. artigo 511.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi  artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

 

À luz do exposto, o quadro factual relevante no caso sub juditio é o que se deixou descrito.

Para o estabelecer, ponderou o Tribunal as posições das partes nos respetivos articulados bem como todo o acervo documental incorporado no processo e não impugnado,  incluindo o processo administrativo instrutor junto pela AT, tudo analisado criticamente pelo Tribunal.

Ponderou ainda o Tribunal que, no âmbito do direito fiscal, o ónus probatório não tem a dimensão subjetiva doutros ramos do direito, mas sim objetiva, no sentido de que o que interessa para a decisão do mérito da causa, quer no procedimento administrativo quer no processo judicial, é o que relevar da verdade dos factos alcançada, independentemente da parte que tenha o ónus de tal prova, atenta a predominância do princípio do inquisitório constante dos art.ºs 99.º da LGT e 13.º do CPPT.

Ponderou ainda, final e  igualmente o Tribunal que, pese embora não estar legalmente estabelecido o efeito cominatório decorrente da não impugnação específica de factos alegados, a verdade é que, não contestados, consideram-se provados, especialmente se não estiverem em contradição com a defesa como um todo, como acontece no caso sub juditio.

É  a esta luz que, em conjugação com a prova documental, o Tribunal considerou provados os factos supra elencados, alegados e não contestados, impugnados ou postos de algum modo em causa pela parte contrária.

Ou, dito doutro modo:  tendo em consideração o exposto e as posições assumidas pelas partes e a prova documental apresentada e não reciprocamente impugnada,  consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, sendo que as questões controvertidas são essencialmente jurídicas ou de direito adentro dum quadro factual apresentado como pacífico.

Quanto aos factos não provados, ponderou o Tribunal que se revela duvidoso que a Requerente não tenha deduzido o IVA liquidado ora objeto de impugnação na medida em que, ocorrendo essas liquidações entre janeiro de 2021 e dezembro de 2022, não tenha a Requerente quando, em outubro de 2023, envia as comunicações aos seus fornecedores a pedir a substituição das faturas emitidas por outras a refletir a peticionada isenção de IVA.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO (cont.)

O Direito

Como abordagem preliminar para a fundamentação jurídica, recorde-se o que há muito vem sendo o entendimento da Jurisprudência quanto ao dever de apreciação dos argumentos apresentados pelas partes e que se traduz na não obrigatoriedade de os Tribunais os apreciarem (Cfr., inter alia, Ac do Pleno da 2.ª Secção do STA, de 7-6-1995 (Recurso nº  5239, in DR – Apêndice,  de 31 de Março de 1997, pgs. 36-40 e Ac do STA – 2ª Sec – de 23 -4-1997, in Diário da República – Apêndice,  de 9-10-1997, p. 1094).  O Tribunal tem assim tão só apenas o dever de decidir o litígio de harmonia com o pedido e à luz da Lei e do Direito, após julgamento da matéria de facto.

 

O objeto do pedido

O objeto destes autos reconduz-se a sindicar, em primeira linha,  a invocada (i)legalidade “(...)da decisão de indeferimento (mais exatamente “rejeição liminar”) da Reclamação Graciosa, datada de 24 de outubro de 2023, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) no âmbito do processo n.º ...2023... (...) apresentada pela Requerente com vista à contestação dos atos tributários de (auto)liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) efetuados pelas entidades que prestaram à Requerente serviços de administração e gestão de fundos de investimento, durante o período compreendido entre janeiro de 2021 e dezembro de 2022, concretizados através da submissão das Declarações Periódicas referentes a tais períodos, pelas entidades prestadoras dos referidos serviços, no âmbito dos quais a Requerente suportou um montante de IVA superior ao legalmente devido e, por conseguinte procedeu ao pagamento de imposto em excesso no montante de € 122.622,64 (...)”.

 

Está desenhado supra um quadro factual que se pode traduzir essencialmente do seguinte modo:

  1. Foram emitidas  faturas várias e documentadas relativas a serviços prestados à  Requerente, com autoliquidação de IVA à taxa normal, com consequentes apresentações de declarações periódicas de IVA refletindo os valores autoliquidados;
  2. Ulteriormente, a Requerente, alegando que deveria ter sido aplicada às operações faturadas a isenção de IVA prevista no artigo 9º, nº 27), alínea g), do CIVA, por cartas que endereçou aos seus fornecedores, pediu-lhes, invocando o enquadramento das respetivas operações na isenção de IVA prevista na subalínea  g) da alínea 27) do artigo 9º, do Código do IVA, pediu a anulação das faturas que haviam sido emitidas e que incluíam IVA à taxa de 23%, com substituição das mesmas por outras espelhando a respetiva isenção, com consequente restituição do IVA “(...)indevidamente suportado pela A... (...)” [indicando o respetivo valor a restituir] – cfr cópias das cartas (Doc 9, junto com a petição inicial].
  3. Não logrando obter a solicitada anulação/substituição das faturas, a Requerente optou por apresentar reclamação graciosa do teor acima resumido,  alegando erro (de Direito) nas autoliquidações de IVA e considerando que as emitentes das sobreditas faturas não as retificaram no que concerne ao IVA nos termos pretendidos pela Requerente (Cfr Doc 1, junto com a petição inicial).
  4. A citada reclamação graciosa veio a ser liminarmente rejeitada por despacho de 24-10-2023 fundamentado na Informação  nº 172-ISC/2023.

 

As questões a decidir

Importa qualificar, em primeiro lugar, onde se enquadra legalmente a situação invocada pela Requerente traduzida na alegada errada tributação das operações em sede de IVA, objeto das faturas em causa e que espelharam a tributação à taxa normal de IVA (23%) quando, segundo a Requerente e legalmente repercutida, pretende que deveriam ser isentas de IVA e, outra questão, se o meio processual utilizado para a correção das faturas de modo a espelharem a isenção de IVA tem, no caso, suporte legal.

Vejamos:

              Dispõe o artigo 78º-3, do CIVA, que “(...) nos casos de faturas inexatas que já tenham dado lugar ao registo referido no artigo 45º, a retificação é obrigatória quando houver imposto liquidado a menos (...) e é facultativa, quando houver imposto liquidado a mais, mas apenas pode ser efetuada no prazo de dois anos (...)”.

                  Todavia é o sujeito passivo de IVA e não o repercutido desse imposto, que tem legitimidade para requerer a regularização do imposto em caso de erro e, no caso,  o direito à retificação do IVA repercutido deveria seguir o disposto nos artigos 78º e seguintes, do Código do IVA, referentes ao IVA já liquidado, uma vez que a Requerente manifestamente fundamenta a pretensão na existência de erro, de direito,  na liquidação do imposto aquando da emissão das faturas emitidas e registadas e que determinaram que a Requerente, destinatário dos serviços titulados por essas faturas, suportasse imposto superior ao que alegadamente seria devido.

              Ora a regularização, pelos sujeitos passivos é, todavia, uma faculdade destes quando – como é o caso -, se traduza em liquidação alegadamente superior à devida.

              Assim é que dispõem os nºs 4 e 5, do citado artigo 78º, do CIVA:

                            4 – O adquirente do bem ou destinatário do serviço que seja um SP do imposto, se tiver efetuado já o registo de uma operação relativamente à qual o seu fornecedor ou prestador de serviço procedeu à anulação, redução do seu valor tributável, ou retificação para menos do valor faturado, corrige, até ao fim do período do imposto seguinte ao da receção do documento retificativo, a dedução efetuada;

                                               5 – Quando o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto sofrerem retificação para menos, a regularização a favor do SP só pode ser efetuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respetiva dedução (...)”

                       

                  Com o citado nº 5, preveniu o legislador a regularização do imposto pelo SP, fornecedor do bem ou prestador do serviço, regularizando a seu favor o imposto inicialmente deduzido pelo seu cliente, sem que este (adquirente), tivesse procedido à correção correspondente do valor, a favor do Estado.

 

              Pois bem, e descendo ao caso dos autos, impunha-se que as faturas citadas e documentadas,  emitidas, abreviando os nomes,  pela B..., I..., J..., K..., M..., e L..., que incluíam IVA à taxa normal de 23%, fossem corrigidas nos termos legais supra, de forma a que delas passasse a constar o motivo justificativo da não aplicação do imposto, nos termos exigidos pelo artigo 36º-5/e), do CIVA.

              Assim é que, não preenchidos estes requisitos a consequência só pode ser a de que não haverá fundamento legal para a anulação das autoliquidações na medida em que estas se revelam conformes à Lei aplicável, ainda que se possa eventualmente considerar que, na realidade, as operações em causa possam não ser sujeitas a tributação em sede de IVA.

              Ou seja: verificada, por hipótese, esta última circunstância, a consequência nunca poderia ser a ilegalidade das autoliquidações mas antes a ilegalidade dos documentos de suporte a montante, ou seja, as faturas emitidas quando mencionam, segundo a Requerente e repercutida, por erro, a incidência de IVA à taxa de 23%, erro que então, se reconhecido, deveria ser corrigido de molde a, alegadamente, repor a verdade e a legalidade fiscais.

 

              Assinale-se, en passant, que o artigo 135º-1, al. g) da Diretiva IVA, estabelece que os Estados-Membros isentam de IVA as operações de “gestão de fundos comuns de investimento, tal como definidos pelos Estado-Membros”, sendo nesta linha o disposto internamente na alínea 27) do artigo 9º, do CIVA quando estabelece que estão isentos de imposto “a administração ou gestão de fundos de investimento”.

                  O TJUE interpretou tal isenção com o alcance de abranger as “prestações de serviços fornecidas por terceiros a sociedades de gestão de fundos comuns de investimento, como tarefas fiscais que consistem em assegurar que os rendimentos do Fundo, obtidos pelos participantes, são tributados de acordo com a lei nacional (...) desde que tenham um nexo intrínseco com a gestão de fundos comuns de investimento e sejam exclusivamente fornecidos para efeitos de gestão desses fundos, independentemente de serem totalmente externalizados” – Cfr nº 68, do do Acórdão do TJUE de 17-6-2021, proferido nos Processos K-58/20 e DBKAG, C-59/20.

              Ora, no caso dos autos, as faturas em que se materializam as autoliquidações incluem menção do IVA à taxa de 23% e, manifestamente, não foram objeto de correção ou regularização.

              Tanto basta para que seja devido o IVA liquidado e repercutido, independentemente de ser ou não aplicável a isenção. Isto porque, por força do artigo 203º, da Diretiva IVA, este imposto é devido “por todas as pessoas que mencionem esse imposto numa fatura”, mesmo que essa menção seja indevida conforme confirmou o TJUE no acórdão de 31-1-2023, proferido no processo C-643/11, quando refere que o IVA mencionado numa fatura, é devido por quem faz tal menção “(...), independentemente da existência efetiva de um operação tributável (...)”  – Cfr artigo 2º-1, do CIVA.

 

              Do exposto retira-se desde já uma clara ou evidente conclusão: a de que a autoliquidação de IVA pelo repercutido deste imposto, tem, sob pena de ilegalidade, de obrigatoriamente se harmonizar ou estar em conformidade com o IVA liquidado pelo sujeito passivo e fornecedor dos bens ou prestador dos serviços.

 

              Não pode assim deixar de se reconhecer, com a AT, no despacho de rejeição liminar da reclamação graciosa e na Resposta apresentada nestes autos, que o imposto em causa, maxime as autoliquidações de IVA, não revelam erro passível de permitir a correção que foi peticionada, sendo o meio utilizado inidóneo para a finalidade pretendida.

 

              Para além disso, não se demonstra tão pouco terem sido feitas todas as diligências necessárias no sentido da correção das faturas emitidas pelos fornecedores da Requerente e que as diligências feitas foram todas as que deveriam e poderiam ser feitas e, para além disso, não depararam com recusa expressa e absolutamente definitiva relativamente à possibilidade de os sujeitos passivos procederem à alteração das faturas, salvo no caso da fornecedora L..., que comunicou, por mail de 15-11-2023, a impossibilidade de correção decorrente do facto  de  os  anos de 2021 e 2022 estarem encerrados(...)”  não sendo possível alterar as faturas solicitadas (...)” – Cfr Doc 9, junto pela Requerente com a petição inicial e elenco dos factos não provados.

Ou seja e concluindo: o pedido formulado na Reclamação Graciosa carece efetivamente de base legal, não se mostrando o meio utilizado pela Reclamante e ora Requerente como o idóneo  para fazer valer a pretensão para além de como sumariamente se procurou demonstrar não se encontrarem preenchidos os pressupostos legalmente previstos para o efeito.

Assim é que, não resultando demonstrados outros pressupostos legais, factuais e processuais, revelam-se válidos os fundamentos invocados no despacho de rejeição liminar da reclamação, que assim deverá ser mantido.

Mantendo-se esse despacho na ordem jurídica, fica precludida a apreciação do mérito/legalidade das demais questões colocadas nestes autos, designadamente e em concreto, a aferição da suscetibilidade das operações em causa se enquadrarem, para efeito de tributação em sede de IVA, no âmbito da norma de isenção contante da subalínea g), da alínea 27 do artigo 9.º do CIVA, mantendo-se igualmente os atos de liquidação e repercussão do IVA.

 

Reenvio prejudicial

Não  se suscitando ao Tribunal dúvida alguma sobre o alcance das normas a aplicar à situação sub juditio, não se justifica o reenvio prejudicial, à luz do preceituado no artigo 267.º do TFUE.

 

III – DECISÃO

 

Em consequência do exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Manter na ordem jurídica o despacho de rejeição liminar da reclamação graciosa supra identificada;
  2. Não conhecer das demais questões suscitadas no processo e do mérito do pedido formulado pela Requerente;
  3. Absolver a Requerida da instância e
  4. Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

  • Valor do processo: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do CPC e artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €122.622,64.
  • Custas: Fixa-se o montante das custas em €3.060,00 (tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária), ficando o respetivo pagamento a cargo da Requerente conforme decidido supra (artigo 22º-4, do RJAT).

 

                  Lisboa e CAAD, 21-2-2025

 

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José Poças Falcão

(Presidente)

 

Pedro Guerra Alves

(Árbitro Adjunto)

                                                                                        

Sérgio de Matos

(Árbitro Adjunto)

 

 



[1] De referir: i) D... – Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado; ii) Fundo de Investimento Imobiliário Fechado E...; iii) F...– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado; iv) G...– SICAFI, S.A.; e H..., S.A.

[2] Cf. pontos 42 e 91 da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa nesta sede impugnada e aqui junta enquanto Documento 1.

[3] Na Resposta a AT invoca a exceção de “ilegitimidade material da Requerente”. Todavia e como melhor se verá a seu tempo na fundamentação da decisão, o conceito de ilegitimidade material envolve apreciação do mérito do pedido, designadamente a sua procedência ou improcedência em resultado da apreciação das provas produzidas. Ou seja: a legitimidade (legitimatio ad causam) deve ser configurada como um pressuposto processual e não como condição de procedência do mérito da ação. O que vale por dizer que a determinação da legitimidade não deve envolver um juízo de procedência ou de improcedência da pretensão formulada, mas “apenas” uma análise da “fisionomia da relação material litigiosa (apenas a fisionomia, não o seu mérito ou a sua real ou efetiva existência), tal como ela é configurada ou desenhada unilateralmente, na petição inicial, pelo autor”, subscrevendo-se, deste modo,  a posição centenária de Barbosa de Magalhães, segundo a qual “é à relação jurídica, que o autor apresenta – e não à que virá a ser constatada pela sentença – que deve atender-se para a determinação da legitimidade das partes; não sendo assim, essa determinação só poderia fazer-se depois do julgamento do mérito do pedido”. Considerando estas reflexões à luz do quadro desenhado pela concreta causa de pedir e pedido definidos no requerimento de pronúncia arbitral, apenas pode concluir-se que a Requerente, face ao disposto nos artigos 9.º do CPPT e 18.º, n.º 4, da LGT, goza de legitimidade para contestar a decisão de rejeição liminar da RG e as liquidações.

 

[4] De referir: i) D...– Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado; ii) Fundo de Investimento Imobiliário Fechado E...; iii)F...– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado; iv)G...– SICAFI, S.A.; e H...– Imobiliária, S.A.