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SUMÁRIO:
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O artigo 63.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento colectivo (“OIC”) não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
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Os n.ºs 1 e 10 do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, ao limitarem o regime neles previsto a organismos de investimento colectivo constituídos segundo a legislação nacional, estabelecem uma discriminação arbitrária, susceptível de configurar uma restrição à livre circulação de capitais no espaço da União Europeia, proibida pelo artigo 63.º do TFUE.
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RELATÓRIO
A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito norte-americano, com o número de contribuinte português..., com sede em..., ..., ..., Nova Iorque, Estados Unidos da América (doravante designado de “Requerente”), vem, nos termos e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) incidentes sobre os pagamentos de dividendos relativos ao ano de 2021, bem como a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa, relativa ao período de 2021, autuada com o n.º ...2022..., na parte em que a mesma manteve na ordem jurídica a retenção na fonte de IRC referente aos meses de Maio e de Setembro do ano de 2021, entregue através das guias n.º ... (2021-05), no montante de € 203.986,70, e n.º ... (2021- 09), no montante de € 181.771,01, tal como o direito a juros indemnizatórios pelo pagamento do imposto indevidamente suportado/retido na fonte a calcular nos termos do disposto nos artigos artigos 43.º, n.º 1, da LGT, e a condenação da Administração Tributária nas custas do processo arbitral.
a) Tramitação
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Requerida.
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O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que os ora signatários foram nomeados pelo CAAD em 14 de Outubro de 2024.
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As partes, devidamente notificadas, não manifestaram intenção de os recusar, tendo o Tribunal ficado constituído em 22 de Novembro de 2024.
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O Requerente não arrolou testemunhas e juntou à petição diversos documentos.
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Tendo este Tribunal exarado despacho, a 23 de Novembro de 2024, a notificar o dirigente máximo do Serviço da Autoridade Tributária para no prazo de 30 dias apresentar Resposta, a 9 de Janeiro de 2025 veio a AT apresentar a sua Resposta.
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Por despacho de 12 de Janeiro de 2025 foi prescindida a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, dado não ter havido lugar à produção de prova constituenda nem tendo sido invocada matéria de excepção, dando-se às partes a faculdade de produzirem alegações escritas, no prazo de quinze dias a partir da notificação do despacho, sendo que se concedeu à Requerida a faculdade de, caso assim o entendesse, juntar as suas alegações com carácter sucessivo relativamente às produzidas pelo sujeito passivo.
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Em 4 de Fevereiro de 2025 o Requerente apresentou as suas alegações.
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Em 11 de Fevereiro de 2025 a Requerida veio apresentar as suas alegações.
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O litígio
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Alega o Requerente, resumidamente, que a não sujeição dos OIC residentes sobre os dividendos auferidos e a sujeição dos OIC não residentes a uma taxa de retenção na fonte de 25% importa um tratamento discriminatório, vedado pelas liberdades de prestação de serviços e de circulação de capitais, previstas nos artigos 56.º e 63.º do TFUE, o qual resulta num vício de inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 8.º n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
Nesta conformidade, o regime previsto nos artigos 94.º, n.º 1, alínea c), 94.º n.º 3, alínea b), 94.º, n.º 4, e 87.º, n.º 4, todos do Código do IRC (“CIRC”), por ser discriminatório face ao disposto no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais ("EBF"), não deve ser aplicado no caso concreto do Requerente por violar o primado do Direito da União Europeia e as liberdades fundamentais.
Termos em que conclui que os dividendos de fonte portuguesa por si auferidos não devem ser tributados em sede de IRC, ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, sob pena de tal consubstanciar uma discriminação injustificada entre OIC residentes e não residentes em Portugal, contrária ao princípio da livre circulação de capitais ínsito no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia ("TFUE") e, consequentemente, ao princípio do primado do Direito da União Europeia consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da CRP.
Como alega, “21.º Em primeiro lugar e com enorme relevância para a discussão da questão material ora controvertida, importa referir que em sede de outro processo arbitral que correu termos junto deste centro de arbitragem (processo n.º 93/2019-T), foi decidido o reenvio de questões prejudiciais para análise do TJUE, em tudo idênticas às que se colocam nos presentes autos, tendo o processo corrido termos junto do TJUE sob o n.º C-545/19.
22.º Ora, no passado dia 17.03.2022 foi conhecido o veredito do TJUE no processo que correu termos sob o n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN), no qual o TJUE se pronunciou, de acordo com a pretensão do Requerente no processo, sobre o regime português de tributação de dividendos auferidos por OIC1 .
(…)
33.º Em particular no acórdão FII Group Litigation o TJUE deixou claro, que “(…) não pode ser aplicada uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo artigo 56.º CE, nem mesmo nas relações com os países terceiros” (cfr. processo C-446/04, de 12.12.2006).
(…)
38.º Assim, entende o Requerente que o regime interno que impõe a aplicação de retenção na fonte a dividendos distribuídos a um OIC não residente – como o Requerente –– (enquanto prevê que os dividendos distribuídos a OIC residentes estejam isentos dessa retenção) é claramente incompatível com o Direito da UE, pelo que se impõe a anulação dos referidos atos de retenção na fonte de IRC objeto destes autos.
(…)
76.º Considerando que uma das questões suscitadas pelo Requerente se prende com a incompatibilidade do artigo 22.º do EBF com o Direito da EU requer-se – caso este Tribunal entenda que a questão controvertida carece de interpretação pelo órgão jurisdicional comunitário – ao abrigo do artigo 267.º do Tratado, o reenvio prejudicial da presente questão para apreciação do TJUE, tudo com as demais consequências legais.”
Neste contexto, invoca jurisprudência do TJUE e arbitral proferida em situações similares.
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A AT, na sua Resposta, não invoca excepções e na defesa por impugnação alega, essencialmente, que os dividendos de fonte portuguesa auferidos pelo Requerente em 2021 não podem beneficiar do regime previsto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, na medida em que é um OIC não residente e sem estabelecimento estável em Portugal.
Como, essencialmente, alega, “3- Tal regime não é aplicável ao reclamante - pessoa coletiva constituída de acordo com a legislação norte-americana -, por falta de enquadramento com o disposto no n.º 1 do art.º 22.º do EBF, conforme entendimento sancionado superiormente. Vejamos,
4- Efetivamente, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) pronunciou-se sobre tal exclusão, através do acórdão proferido no processo n.º C – 545/19 de 17 de março de 2022, do qual resulta que « O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.»
5- De notar que o legislador prevê no n.º 10 do art.º 22.º do EBF uma dispensa (e não uma isenção) da obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos OIC constituídos e que operem de acordo com a legislação nacional (n.º 1).
6- Todavia, não cabe à AT. invalidar ou desaplicar o direito nacional em consequência de decisões do TJUE, substituindo-se ao legislador para além daquilo que possa considerar-se uma interpretação razoável.”
(…)
14. Ou seja, a sujeição a Imposto do Selo, a par da tributação autónoma prevista no artigo 88.º n.º 11 do CIRC (ex vi do artigo 22.º, n.º 8, do EBF), serão então a contrapartida da não sujeição a IRC dos lucros distribuídos, prevista no n.º 3 do artigo 22.º do EBF.”
No tocante aos juros indemnizatórios peticionados, invoca a Requerida que, “31. Fazendo apelo à jurisprudência supra mencionada, é entendimento da Requerida que a AT não pode afastar a aplicação da lei vigente, no caso dos autos o art. 22º do EBF, ainda que tendo por base decisões do Tribunal Constitucional ou do TJUE , as quais serão feitas cumprir, se for essa a situação, mediante recurso dos interessados aos Tribunais, porém a condenação ao pagamento de juros indemnizatórios terá o seu enquadramento legal na alínea d) do nº 3 do art. 43º da LGT com termo inicial de contagem a partir do trânsito em julgado da decisão arbitral.
32. De igual modo entende-se que também não é defensável o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do indeferimento, expresso ou tácito, da reclamação graciosa,”
11. Nas suas alegações o Requerente reproduz, no essencial o invocado no PPA, aditando quanto aos juros indemnizatórios que, “109. Sucede que, como resulta igualmente de jurisprudência do STA, nomeadamente do acórdão proferido em 08.03.2017, processo n.º 01019/14, “[s]obre o denominado “erro imputável aos serviços” tem a jurisprudência desta secção uniforme e reiteradamente afirmado que o respectivo conceito compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e que essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro (Vide, entre outros, os seguintes Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 12.02.2001, recurso nº 26.233, de 11.05.2005, recurso 0319/05, de 26.04.2007, recurso 39/07, de 14.03.2012, recurso 01007/11 e de 18.11.2015, recurso 1509/13, todos in www.dgsi.pt.).”
110. Por outro lado, como tem afirmado o TJUE com relevante unanimidade, “[c]omo diversas vezes afirmou o Tribunal de Justiça, a referida obrigação de não aplicar uma legislação nacional contrária ao direito da União incumbe não só aos órgãos jurisdicionais nacionais mas também a todos os órgãos do Estado, incluindo as autoridades administrativas, encarregados de aplicar, no âmbito das respetivas competências, o direito da União (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de junho de 1989, Costanzo, 103/88, EU:C:1989:256, nº 31; de 9 de setembro de 2003, CIF, C 198/01, EU:C:2003:430, nº 49; de 12 de janeiro de 2010, Petersen, C 341/08, EU:C:2010:4, nº 80; e de 14 de setembro de 2017, The Trustees of the BT Pension Scheme, C 628/15, EU:C:2017:687, nº 54)”. “Daqui resulta que o princípio do primado do direito da União impõe não só aos órgãos jurisdicionais, mas a todas as instâncias do Estado Membro que confiram plena eficácia às normas da União” (cfr. o acórdão do TJUE de 04.12.2018 no processo n.º C-378/17).
111. Também a doutrina nacional se tem pronunciado no mesmo sentido. A este respeito, refere Miguel Gorjão Henriques que “(…) indubitavelmente, a dimensão clássica do princípio é aquela que, com clareza, nos enuncia Rostane MEHDII, ao salientar que o juiz e a administração têm a obrigação de «excluir» as regras internas adoptadas em violação da legalidade comunitária” (vd. Direito da União, Almedina, 8.ª edição, 2017, pág. 365).
112. Alinhada com a jurisprudência do STA e a doutrina está igualmente a jurisprudência arbitral, que tem sido unânime no mesmo sentido (vejam-se, entre outras, as decisões arbitrais nos processos n.ºs 486/2022-T, 116/2022-T, 135/2022-T, 558/2020-T, 550/2019-T e 529/2019-T).
(…)
115. Tendo por referência o exposto no pedido de pronúncia arbitral e nas presentes alegações, parece que não existem dúvidas que o pedido de juros indemnizatórios tem por fundamento a norma do n.º1 do artigo 43.º da LGT.
116. O imposto foi indevidamente retido por erro imputável aos serviços, uma vez que esta retenção na fonte resulta da não aplicação da isenção prevista nos termos do artigo 22.º do EBF, Deivid ao diferente tratamento que é conferido entre OIC residentes e não residentes.
117. Assim, não procede o argumento de que não há direito a juros indemnizatórios por falta de fundamentação legal.”
12. Nas suas alegações a Requerida reproduz, no seu essencial o que já consta da sua Resposta.
II. SANEAMENTO
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O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
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O objecto principal do processo reporta-se à declaração de ilegalidade de actos de retenção na fonte, razão pela qual se verifica a competência deste tribunal arbitral, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
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As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
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O processo não enferma de nulidades e não foram identificadas questões prévias relativas ao pedido principal.
III. QUESTÕES DECIDENDAS
Conforme vimos, a questão decidenda consiste fundamentalmente em determinar se, como pretende o Requerente no seu PPA, se verificam os pressupostos necessários para que seja declarada quer a ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, quer a ilegalidade das retenções na fonte em IRC suportadas no exercício de 2021.
IV. PROVA
IV.1 - Factos provados
Em face das posições das partes expressas nos articulados, bem como dos documentos integrantes do processo administrativo, julgam-se como provados os seguintes factos pertinentes para a decisão da causa:
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O presente pedido de pronúncia arbitral vem apresentado contra o indeferimento expresso da reclamação graciosa autuada com o n.º ...2022..., na parte em que a mesma manteve na ordem jurídica a retenção na fonte de IRC referente aos meses de Maio e de Setembro do ano de 2021, entregue através das guias n.º ... (2021-05), no montante de € 203.986,70, e n.º ... (2021- 09), no montante de € 181.771,01, pagas, respectivamente, pelos substitutos tributários B... (NIF...) e C... (NIF...), tudo num total de € 385.757,71.
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O Requerente é um fundo de investimento constituído e a operar de acordo com direito norte-americano, sendo um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal, e sem qualquer estabelecimento estável no país (cfr. certificado de residência fiscal emitido pelas Autoridades Fiscais norte-americanas, relativo ao ano de 2021, que se junta como documento n.º 1).
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O Requerente é gerido pela D..., sociedade residente, para efeitos fiscais, nos Estados Unidos da América (“EUA”).
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O Requerente detém investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal.
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No ano de 2021 o Requerente era detentor de participações sociais na sociedade residente em Portugal E...– SGPS, S.A.
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Em 2021, o Requerente, na qualidade de accionista da aludida sociedade residente em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos.
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Os dividendos recebidos no decorrer do ano de 2021 foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, prevista no n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC.
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O Requerente efectuou pedidos de reembolso do imposto retido na fonte em excesso face à taxa prevista no Acordo para Evitar a Dupla Tributação (“ADT”) celebrado entre Portugal e os Estados Unidos da América (correspondente a 10%, atenta a taxa prevista no ADT para os dividendos ser de 15%), através da entrega do formulário Modelo 21 RFI, relativos aos pagamentos de dividendos do período relevante.
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O Requerente já obteve o reembolso do imposto retido na fonte em excesso, ascendendo o valor objecto do presente pedido a 15% do valor bruto dos rendimentos auferidos em Portugal, correspondente à taxa prevista no ADT, nos seguintes termos:
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O Requerente suportou, em Portugal, no ano de 2021 a quantia total de imposto de € 385.757,71 (cfr. documentos n.ºs 2 e 3).
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Em 20.12.2022, o Requerente apresentou, ao abrigo do disposto no artigo 132.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e no artigo 137.º do CIRC, reclamação graciosa para apreciação da legalidade dos actos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2020 e 2021, na qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação directa do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal (cfr. cópia que se junta como documento n.º 4).
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Em 28.05.2024 (carta registada de 24.05), o Requerente foi notificado da decisão final da reclamação graciosa apresentada (cfr. documento n.º 5 que se junta).
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Na parte relativa ao pedido de reembolso de imposto retido na fonte no pagamento de dividendos no período de 2021 a reclamação graciosa foi indeferida, com base no entendimento de que “(…) não cabe à AT invalidar ou desaplicar o direito nacional em consequência de decisões do TJUE, substituindo- 6 se ao legislador para além daquilo que possa considerar-se uma interpretação razoável.” (cfr. § 6 da decisão final de indeferimento).
IV.2- Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão que se considerem como não provados.
IV.3 Fundamentação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º7, do CPPT, a prova documental e o PPA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
V. DO MÉRITO
Encontrando-se a aludida matéria de facto dada como provada, importa seguidamente determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões supra.
Como vimos, no caso em apreço o Requerente alega que sofreu retenções na fonte, a título definitivo, à taxa de 25%, as quais ocorreram no estrito cumprimento dos dispositivos legais mencionados, muito embora tais actos tributários de retenção na fonte se reputem de ilegais pela sua desconformidade com o Direito Europeu, o que implica, desde logo, a sua anulação e consequente reembolso do montante indevidamente retido acrescido dos respectivos juros indemnizatórios.
Neste contexto, como faz notar o Requerente, o TJUE produziu jurisprudência clara a concluir pela ilegalidade das diferenças desfavoráveis de tratamento, fiscais ou outras, comparativamente com o tratamento de OIC residentes, sendo que, quaisquer dúvidas que, não obstante a referida jurisprudência, pudessem subsistir relativamente à comparabilidade entre os OIC residentes em território nacional e os OIC residentes noutro Estado membro da União Europeia, foram definitivamente superadas por força do Acórdão AllianzGIFonds AEVN do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 17 de Março de 2022 (Processo n.º C-545/19).
Com efeito, do regime acolhido no artigo 22.º do EBF, constata-se existir uma diferença de tratamento dos OIC, constituídos e a operar ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, residentes em Portugal, por comparação com os OIC não residentes em Portugal, constituídos e a operar ao abrigo da Directiva 2009/65/CE, na medida em que os dividendos de fonte portuguesa pagos aos primeiros não são sujeitos a retenção na fonte nem tributados em sede de IRC, ao passo que os dividendos de fonte portuguesa pagos a OIC não residentes são tributados em sede de IRC mediante retenção na fonte liberatória.
A questão que vem colocada foi respondida pelo TJUE no aludido Acórdão proferido no âmbito do Processo C-545/19, Caso AllianzGI-Fonds AEVN, que se encontra disponível para consulta em https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=AED083FA8FA02CE95E7517CE8B347E6D?text=&docid=256021&pageIndex=0&doclang=pt&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=422856, que damos como reproduzido.
As questões prejudiciais colocadas ao TJUE no Processo n.º 93/2019-T, de 9 de Julho de 2019, que deu origem ao pedido de reenvio ao TJUE, poderiam ser suscitadas de forma idêntica nos presentes autos.
Como o TJUE começou por salientar, no aludido Processo, “Uma vez que as questões são submetidas à luz tanto do artigo 56.° TFUE como do artigo 63.° TFUE, há que determinar, a título preliminar, se e, sendo caso disso, em que medida uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é suscetível de afectar o exercício da livre prestação de serviços e/ou a livre circulação de capitais.”
Ora, como o TJUE decidiu, “O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”
Com efeito, como o TJUE conclui, “Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes,” (cfr. Caso AllianzGI-Fonds AEVN, Proc. C-545/19, parágrafo 38).
Isto é, em conformidade com a decisão do TJUE, o regime previsto nos artigos 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b), n.º 4 e 87.º n.º 4, do CIRC, ao prever que os rendimentos obtidos em Portugal estão sujeitos a retenção na fonte liberatória a uma taxa de 25% (enquanto se prevê uma isenção de tributação aplicável, nos termos do artigo 22.º do EBF, a dividendos auferidos por OIC residentes), não é compatível com o princípio da livre circulação de capitais.
De salientar que a análise da forma como os proveitos gerados na esfera do OIC são distribuídos e tributados na esfera dos seus investidores é irrelevante para efeitos de apreciação da natureza discriminatória da legislação portuguesa e da factualidade em apreço, dado esta prever um tratamento fiscal autónomo e distinto para os OIC (residentes e não residentes) e os respetivos detentores de participações nos OIC.
Acresce que, tal como concluiu o TJUE, “a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas [tributações autónomas] não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.” (cfr. Caso AllianzGI-Fonds AEVN, Proc-545/19, parágrafo 57).
Igualmente não se considera que uma tributação autónoma, com natureza anti-abuso, expressa e intencionalmente dirigida a entidades residentes em território português, seja considerada como parte integrante das regras gerais de tributação dos OIC residentes em Portugal.
De notar ainda que, como o TJUE concluiu, “a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C‑338/11 a C‑347/11, EU:C:2012:286, n.º 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.º 93)” (cfr. Caso AllianzGI-Fonds AEVN, Proc. C-545/19, parágrafo 79).
Como conclui, “[a] necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal”, que é em tudo idêntico ao caso dos presentes autos arbitrais (cfr. Caso AllianzGI-Fonds AEVN, Proc. C-545/19, parágrafo 81).
Ora, o AllianzGI-Fonds AEVN: i) É um OIC constituído e a operar ao abrigo das Directivas 2009/65/CE e 2011/61/EU, com sede noutro Estado-Membro da União Europeia; ii) Auferiu rendimentos de capitais de fonte portuguesa sujeitos a tributação em sede de IRC, através de retenção na fonte liberatória, nos termos dos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.º 1, alínea c), 3, alínea B), e 87.º, n.º 4, do CIRC, não tendo beneficiado do regime previsto no artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do EBF; iii) Não conseguiu obter um crédito de imposto relativo ao imposto suportado em Portugal, na medida em que se encontra isento de imposto sobre as sociedades no seu Estado de residência.
Ademais, como faz notar o Requerente, o tratamento discriminatório ora em análise já foi amplamente analisado, quer pelo TJUE , quer pelos Tribunais nacionais. Tal como faz notar, a jurisprudência arbitral nacional, em concreto, as Decisões Arbitrais n.º 528/2019-T, de 27 de Dezembro de 2019 n.º 548/2019-T, de 26 de Junho de 2020, n.º 11/2020-T, de 6 de Novembro de 2020, n.º 68/2020-T, de 25 de Janeiro de 2021, n.º 926/2019-T, de 19 de Outubro de 2020, n.º 922/2019-T,de 11 de Janeiro de 2012 e n.º 32/2021-T, de 5 de Novembro de 2021, militam nesse sentido, sendo os factos similares.
Mas são diversas as Decisões similares, nomeadamente, as exaradas nos Processos n.º 90/2019-T, de 23 de Julho de 2019, n.º 549/2019-T, de 20 de Abril de 2020, n.º 922/2019-T, de 11 de Janeiro de 2021, n.º 32/2021-T, de 5 de Novembro de 2021, n.º 215/2021-T, de 16 de Dezembro de 2021, n.º 133/2021-T, de 21 de Março de 2022, n.º 625/2020-T, de 28 de Março de 2022, n.º 675/2020-T, de 28 de Março de 2022, n.º 547/2019-T, de 24 de Abril de 2022, n.º 132/2021-T, de 26 de Abril de 2022, n.º 593/2021-T, de 26 de Abril de 2022, n.º 821/2021-T, de 26 de Abril de 2022, n.º 717/2021-T, de 27 de Abril de 2022, n.º 368/2021-T, de 28 de Abril de 2022, n.º 566/2020-T, de 2 de Maio de 2022, n.º 576/2019-T, de 8 de Maio de 2022, n.º 28/2021-T, de 18 de Maio de 2022, n.º 623/2021-T, de 24 de Maio de 2022, n.º 734/2021-T, de 7 de Junho de 2022, n.º 641/2020-T, de 13 de Julho de 2022, n.º.721/2019-T, de 14 de Julho de 2022, n.º 620/2021-T, de 14 de Julho de 2022, n.º 121/2022-T, de 15 de Julho de 2022, n.º 99/2019-T, de 22 de Julho de 2022, n.º 711/2021-T, de 22 de Julho de 2022, n.º 746/2021-T, de 26 de Setembro de 2022, n.º 640/2020-T, de 3 de Outubro de 2022, n.º 34/2021-T, de 18 de Novembro de 2022, n.º 440/2022-T, de 22 de Novembro de 2022, n.º 45/2022-T, de 23 de Fevereiro de 2023, n.º 505/2022-T, de 9 de Março de 2023, nº 439/2022-T, de 10 de Março de 2023, n.º 661/2022-T, de 14 de Abril de 2023, n.º 660/2022-T, de 16 de Junho de 2023, n.º 765/2022-T, de 21 de Junho de 2023, n.º 801/2022-T, de 3 de Julho de 2023, n.º 638/2023-T, de 19 de Março de 2024, n.º 924/2023-T, de 27 de Maio de 2024, n.º 1003/2023-T, de 6 de Maio de 2024, n.º 66/2024-T, de 13 de Maio de 2024, n.º 818/2023-T, de 24 de Junho de 2024, n.º 367/2024-T, de 5 de Julho de 2024, n.º 480/2024-T, de 8 de Julho de 2024, n.º 381/2024-T, n.º 307/2024-T, de 28 de Julho de 2024, de 6 de Agosto de 2024, n.º 310/2024-T, de 3 de Setembro de 2024,
n.º 11/2023-T, de 31 de Agosto de 2023, n.º 712/2024, de 6 de Dezembro de 2024, n.º 861/2024 T, de 23 de Dezembro de 2024, relativos todos eles a casos idênticos ao do ora Requerente.
Acresce que, recentemente, o próprio Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) veio emitir um Acórdão uniformizador no sentido acima referido, concluindo que “a interpretação do art.º 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o art.º 22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 7/2024, de 26 de Fevereiro).
Destarte, constatando-se, como começámos por enfatizar, que as questões prejudiciais objecto de reenvio para o TJUE no aludido processo são em tudo idênticas às que se colocam nos presentes autos, e tendo em vista o princípio do primado do Direito da União Europeia, conclui-se pela total procedência do presente pedido.
VI. DO REENVIO PREJUDICIAL PARA O TJUE
Neste contexto, peticiona o Requerente que, “150.º (…) caso se suscitem dúvidas de que, com a anulação do acto tributário de retenção na fonte objecto da reclamação graciosa n.º ...2024..., o Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde a data da retenção na fonte sub judice, e estando em causa uma questão de interpretação de Direito da União Europeia que assume decisiva relevância para a questão sub judice, deverá suspender-se a presente instância e submeter-se a interpretação das normas em referência ao Tribunal de Justiça da União Europeia, competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação do Direito Comunitário, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE, devendo, nesse caso, esse Douto Tribunal Arbitral convidar as partes para se pronunciarem sobre a questão prejudicial a colocar perante o Tribunal de Justiça da União Europeia.”
Em conformidade com as conclusões emanadas do Acórdão Schwarze (Proc. 16/65, de 1 de Dezembro de 1965), o reenvio prejudicial é "um instrumento de cooperação judiciária ... pelo qual um juiz nacional e o juiz comunitário são chamados, no âmbito das competências próprias, a contribuir para uma decisão que assegure a aplicação uniforme do Direito Comunitário no conjunto dos estados membros."
Como se salienta nas RECOMENDAÇÕES à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2012/C 338/01, JO C 338/1, de 6.11.2012),
“O reenvio prejudicial é um mecanismo fundamental do direito da União Europeia, que tem por finalidade fornecer aos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros o meio de assegurar uma interpretação e uma aplicação uniformes deste direito em toda a União.”
É doutrina oficial do TJUE, a partir do Acórdão Cilfit (Proc. 283/81 de 6 de Outubro de 1982), que a obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação pode ser dispensada quando:
i) a questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal;
ii) o Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma;
iii) o juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.
Ora, é nosso entendimento de que se verifica no caso sub judice o preenchimento destas condições.
De facto, pode-se afirmar que o acto em questão é claro, encontrando-se devidamente aclarado pela jurisprudência do TJUE de forma firme ou por meio de jurisprudência consolidada.
Termos de acordo com os quais concluímos que a questão a resolver não carece de esclarecimento, não permanecendo dúvidas sobre a exacta interpretação das normas ora em apreço, não se verificando no caso concreto os pressupostos de reenvio para o TJUE.
VII. DO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Peticiona o Requerente que, tendo sido pago, na totalidade, o imposto alegadamente devido, através das retenções na fonte efectuadas, estando em causa a declaração de ilegalidade da legislação nacional, maxime, do n.º 1 do artigo 22.º do EBF, por violação do disposto no artigo 63.º do TFUE, e, reflexamente, do n.º 4 do artigo 8.º, da CRP, há que reconhecer o seu direito a juros indemnizatórios, desde o momento em que os actos foram praticados.
Nestas circunstâncias, preconiza a jurisprudência dos nossos tribunais superiores que deve encontrar-se preenchido o pressuposto do “erro imputável aos serviços” que o artigo 43.º, n.º 1, da LGT, reclama para o nascimento da obrigação de juros indemnizatórios.
Como se refere no Acórdão do STA, no Processo n.º 049/16, de 10 de Maio, que acompanhamos: “Foi esta a solução sustentada pelo citado acórdão de 02-12-2015, do Pleno desta Seção, Proc. 01524. Como se escreveu no acórdão deste STA, de 30-05-2012, proc. 410:
“Diz o n.º 1 do art. 43.º da LGT, ao abrigo da qual foi proferida a condenação ora recorrida: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Ou seja, quando um acto de liquidação de um tributo for declarado em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial viciado por erro imputável aos serviços e do qual tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, há direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, «[a] utilização da expressão «erro» e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito.
Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão «erro» tem um âmbito mais restrito do que a expressão «vício».
Por outro lado, é usual utilizar-se a expressão «vícios» quando se pretende aludir genericamente a todas as ilegalidades susceptíveis de conduzirem à anulação dos actos, como é o caso dos arts. 101.º (arguição subsidiária de vícios) e 124.º (ordem de conhecimento dos vícios na sentença) ambos do CPPT.
Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão «erro» tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 5 ao art. 61.º, pág. 531..)
O mesmo Autor explica as razões por que a LGT restringiu o direito a juros indemnizatórios aos casos de anulação por vício substancial e já não o reconheceu relativamente aos vícios de forma ou incompetência que determinem a anulação do acto: o reconhecimento de um vício destes últimos tipos «não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.
Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito.
Por isso, se pode justificar que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada através da fixação de juros indemnizatórios a favor daquele.”
Tal como se faz notar no Processo n.º 712/2024, de 6 de Dezembro de 2024, “38. O facto de se tratar de actos de retenção na fonte, não praticados directamente pela AT, não afasta essa imputabilidade, pois, ilegalidade da retenção a fonte, quando não é baseada em informações erradas do contribuinte, não lhe é imputável, mas sim «aos serviços», devendo entender-se que se integra neste conceito a entidade que procede à retenção na fonte, na qualidade de substituto tributário, que assume perante quem suporta o encargo do imposto o papel da Administração Tributária na liquidação e cobrança do imposto (cf. CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, página 256 e ANA PAULA DOURADO, Direito Fiscal – Lições, 2016 (reimpressão)).
39. O Pleno do Supremo Tribunal Administrativo uniformizou jurisprudência, especificamente para os casos de retenção na fonte seguida de reclamação graciosa, no acórdão de 29-06-2022, processo n.º 93/21.7BALSB, nos seguintes termos: “Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs. 1 e 3, da L.G.T.”
Igualmente se nos afigura que o pedido de juros indemnizatórios tem por fundamento a norma do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, tendo o imposto sido indevidamente retido por erro imputável aos serviços, não procedendo o argumento de que não há direito a juros indemnizatórios por falta de fundamentação legal.
Neste contexto, entendemos igualmente que deve proceder o pedido de pagamento de juros indemnizatórios relativamente aos actos em causa no exercício de 2021, por se encontrarem verificados os respectivos requisitos, concluindo-se que o Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde 20 de Abril de 2023, data em que se formou a presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa nos termos do artigo 57.º, n.º 1, da LGT, com base no valor de € 385.757,71 e até integral reembolso ao Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
VIII. DECISÃO
Termos em que se decide este Tribunal Arbitral:
a) Julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos actos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos aos anos de 2021, acima identificados e dados como provados, num montante total de €385.757,71, declarando ilegal a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa autuada com o n.º ...2022..., na parte em que a mesma manteve na ordem jurídica a retenção na fonte de IRC referente aos meses de Maio e de Setembro do ano de 2021, entregue através das guias n.º ... (2021-05), no montante de € 203.986,70, e n.º ... (2021- 09), no montante de € 181.771,01, e, em consequência, anular os actos tributários impugnados ordenando a restituição das importâncias indevidamente retidas na fonte a título de IRC;
b) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios;
c) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar as custas do processo arbitral.
Valor da causa
Fixa-se o valor do processo em € 385.757,71 (trezentos e oitenta e cinco mil, setecentos e cinquenta e sete euros e setenta e um cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 306.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 24.º, n.º 4 do RJAT e 4.º, n.º 5, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 6.426,00 (seis mil, quatrocentos e vinte e seis euros) a cargo da Requerida.
Lisboa 17 de Fevereiro de 2025
O Árbitro Presidente
Fernanda Maçãs
Os Árbitros Vogais
Clotilde Celorico Palma
(Relatora)
João Taborda da Gama