Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 600/2014-T
Data da decisão: 2015-06-09  IRC  
Valor do pedido: € 20.840,62
Tema: IRC – juros compensatórios; métodos indiretos
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – RELATÓRIO

 

A, Lda, contribuinte n.º …, com sede na Rua …, doravante designada Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º n.º 1 a) e 10.º n.º 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios n.ºs 2011… e 2011…, relativas aos períodos de 2007 e 2008.

 

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 05-08-2014.

 

  1. Nos termos do disposto nos artigos 5.º, n.º 2, al. a), 6.º, n.º 1 e 11.º. n.º 1, al. a) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 19-09-2014 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

  1. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 13-11-2014.

 

  1. Atenta a circunstância de, no caso, não se verificar qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada.

 

  1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

  1. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

  1. O processo não enferma de nulidades.

 

  1. As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são, em súmula, as seguintes:

 

Alegações da Requerente

           

11.1 A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de “comércio a retalho de carne e produtos à base de carne”.

 

11.2 Através da Ordem de Serviço n.º OI…, de 28 de Junho de 2010, foi objeto de inspeção externa aos exercícios de 2007 e 2008.

 

11.3 Em resultado desta inspeção foram efetuadas correções, por presunção, nos montantes globais de vendas de €111.121,07, em 2007, e €29.423,91, em 2008.

 

11.4 Concluído o procedimento de revisão da matéria coletável, nos termos do artigo 91.º da LGT, foi a ora Requerente notificada da liquidação adicional de IRC, IVA e juros compensatórios no valor de €20.043,66 e 4.443, 89, relativos aos períodos de 2007 e 2008, respectivamente.

 

11.5 O pedido apresentado ao tribunal incorpora, essencialmente, três questões: (i) o não preenchimento dos pressupostos de tributação por métodos indiretos; (ii) mudança do critério de tributação; e, por fim, (iii) a adequação do critério adotado.

 

11.6 Quanto ao preenchimento dos pressupostos de tributação por métodos indiretos, a Requerente alega que as irregularidades detetadas (“falta de registo na máquina ou balança eletrónica das verbas recebidas por terminal de multibanco”) não constituem motivo suficiente para por em causa a credibilidade da contabilidade.

 

11.7 A mudança do critério de tributação – acréscimos das diferenças entre apuros diários e depósitos no sistema bancário versus tributação com base no critério de rentabilidade do sector CAE – é ilegal por não ter sido revogado o primitivo ato de fixação. 

 

11.8 O critério adotado da média (versus mediana) das rentabilidades também não é o mais adequado; é manifesta a superioridade da mediana sobretudo, quando estamos perante o caso de milhares de contribuintes cadastrados no mesmo CAE.

 

11.9 Do exposto conclui-se que a tributação é ilegal por violação do artigo 90.º da LGT e por inadequação do critério utilizado em violação do artigo 84.º do mesmo diploma legal.

 

 

Resposta da Requerida

 

12.1 Na Resposta, a título prévio, a Requerente alega a exceção de incompetência do tribunal arbitral para conhecer da ilegalidade da determinação da matéria tributável por recurso à aplicação de métodos indiretos, como decorre do pedido apresentado.

 

12.2 Com efeito, o disposto no artigo 2.º do RJAT, Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, sobre as competências dos tribunais arbitrais, deve atender ao estabelecido no artigo 4.º do mesmo diploma que estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende da portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça…”. 

 

12.3 Em conformidade, a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, estabelece no seu artigo 1.º, a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais.

 

12.4 No artigo 2.º da Portaria exceciona-se a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais no que se refere a “Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão.

 

12.5 Em suma, atentos ao disposto nos artigos 2.º e 4.º do RJAT, bem como da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, conclui-se que a AT não se encontra vinculada à jurisdição arbitral relativamente a atos de determinação da matéria coletável por métodos indiretos, e bem assim, à decisão do procedimento de revisão.

 

12.6 Esta não vinculação da AT consubstancia uma exceção dilatória que se traduz na incompetência absoluta do tribunal, devendo determinar-se a absolvição da entidade requerida da instância, atento o disposto no artigos 278.º, n.º 1, al. a), 576.º, n.º 1 e n.º 2, e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT.

 

12.7 Sem conceder, a Requerida impugna também o pedido apresentado.

 

12.8 Quanto à alegada falta de verificação dos pressupostos da tributação por métodos indiretos, a Requerida afirma que, do relatório de inspeção ficou claro que a contabilidade da Requerente não dispunha de todos os elementos que permitissem a “comprovação e quantificação direta e exata dos factos indispensáveis à correta determinação da matéria coletável de qualquer imposto”, nomeadamente a não existência dos apuros diários de vendas de parte dos talhos (só foram apresentadas as vendas de três dos seis talhos); falta de controlo sobre os valores registados nas máquinas; irregularidades na organização e contabilização das despesas gerais e consequente validação do IVA dedutível).

 

12.9 Resulta da análise do relatório de inspeção que a AT demonstrou e provou de forma clara e irrefutável a prática pela Requerente de vendas sem a emissão do correspondente suporte documental e consequente registo contabilístico, bem com do recebimento de valores por multibanco, os quais não davam sequer origem a qualquer registo.

 

12.10 Relativamente à mudança e inadequação do critério adotado para a fixação da matéria coletável, os critérios definidos no n.º 1 do artigo 90.º da LGT não são taxativos mas exemplificativos.

 

12.11 Neste sentido, a ora Requerida especificou, nos termos do n.º 4 do artigo 77.º da LGT, os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação direta da matéria coletável e indicou os critérios utilizados na avaliação da matéria coletável.

 

12.12 Por último, a aplicação da média do sector de atividade foi discutida, em sede de revisão oficiosa, pelos peritos, tendo a aplicação do rácio de média da margem bruta sobre as vendas da unidade orgânica sido aceite pela AT porque o valor dos acréscimos à matéria tributável do IRC em relação aos dois exercícios analisados, supera os valores das vendas recebidas por multibanco; e as margens brutas de comercialização utilizadas consubstanciam-se nas margens no setor de atividade onde se insere o contribuinte e no distrito de Aveiro.

 

12.14 Assim, o método presuntivo eleito é adequado e está fundamentado nos factos concretamente apurados, recaindo sobre a Requerente o ónus de da prova do excesso, o que não logrou provar.

 

12.15 Em face do exposto, mostra-se evidente a falta de fundamentação do pedido, pelo que deve improceder.

 

Tudo visto, cumpre proferir decisão final.

 

A. MATÉRIA DE FACTO

 

A.1. Factos dados como provados

 

1-A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de “comércio a retalho de carne e produtos à base de carne”.

 

2-Pela Ordem de Serviço n.º OI…, de 28 de Junho de 2010, a Requerente foi objeto de inspeção externa aos exercícios de 2007 e 2008.

 

3-Em resultado desta inspeção foram efetuadas correções, por presunção, nos montantes globais de vendas de €111.121,07, em 2007, e €29.423,91, em 2008.

 

4-A Requerente apresentou, em 21 de Abril de 2011, pedido de revisão da matéria coletável, nos termos do artigo 91.º, sem que, no seu final, tenha havido acordo.

 

5-Em consequência, foi a Requerente notificada das liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios n.ºs 2011… e 2011…, nos montantes de €17.364,31 e € 3.476,21 relativas aos períodos de 2007 e 2008, respectivamente.

 

6-A Requerente impugnou esta liquidação mediante a apresentação de reclamação graciosa, em 07/12/2011.

 

7-Notificada do indeferimento da reclamação graciosa, interpôs recurso hierárquico, indeferido, por despacho da Diretora de Serviços de IRC, em 31/03/2014.

 

Não há factos não provados com relevo para a apreciação do mérito da causa.

 

B. DO DIREITO

 

B1 Da exceção de incompetência do tribunal arbitral

 

Conforme conclusões apresentadas pela Requerente, são três as questões colocadas ao tribunal: “os pressupostos de tributação por métodos indiretos; mudança do critério de tributação e adequação do método adotado.”

 

Na resposta, a Requerida invoca a exceção de incompetência do tribunal arbitral para conhecer da ilegalidade da determinação da matéria tributável por recurso à aplicação de métodos indiretos, nos termos requeridos.

 

A violação das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, pelo que o seu conhecimento precede qualquer outra matéria.

Cumpre, assim, apreciar a exceção invocada.

 

A arbitragem em matéria tributária foi introduzida no nosso ordenamento jurídico pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT). Trata-se, conforme n.º 2 do artigo 4.º do referido RJAT, de um meio alternativo de resolução de conflitos em matéria tributária que funciona no CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa.

 

Nos termos do n.º do art.º 2.º do RJAT, a competência dos referidos tribunais arbitrais compreende: a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de atos de determinação da matéria tributável, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.

 

Do cotejo legal resulta que a competência destes tribunais restringe-se, no essencial, à atividade conexionada com atos de liquidação de tributos, ficando de fora, entre outros, a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou revogação de isenções ou benefícios fiscais, atos que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação, apreciação de litígios no âmbito dos processos de execução fiscal ou processos contraordenacionais.

 

O âmbito da competência dos tribunais arbitrais obedece, num segundo plano, aos exatos termos em que a Autoridade Tributária e Aduaneira se vinculou a esta jurisdição, conforme expressamente definido no n.º 1 artigo 4.º do RJAT: A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. Ou seja, não basta o enquadramento no artigo 2.º do RJAT, é necessário também que a AT se tenha vinculado para que o tribunal arbitral seja competente para conhecer determinado litígio.

 

Esta vinculação foi concretizada na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, que no seu artigo 2.º estabelece, com interesse para os presentes autos, o seguinte:

 

Artigo 2.º

Objecto da vinculação

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam -se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

(…)

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

(…)

 

Deste modo, embora a al. b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT inclua nas competências dos tribunais arbitrais a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria coletável (por métodos indiretos), tal competência foi expressamente excluída pela al. b) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

Ora, o pedido da Requerente enquadra-se expressamente nesta exclusão: não preenchimento dos pressupostos legais de aplicação de métodos indiretos e não adequação dos critérios definidos para a determinação da matéria coletável, no âmbito do processo de revisão.

 

No caso, o ato de liquidação do imposto impugnado mais não é que a materialização dos pressupostos e critérios definidos no âmbito da determinação por métodos indiretos da matéria tributável e objeto de revisão prévia obrigatória, nos termos do artigo 91.º da LGT. Este procedimento de revisão da matéria coletável constitui, aliás, condição de impugnação do ato de liquidação, caso não exista acordo entre as partes.

 

Ou seja, os atos de liquidação ora impugnados são a consequência direta da decisão do procedimento de revisão que indeferiu as pretensões do Requerente, decisão expressamente excluída do conhecimento dos tribunais arbitrais.

 

Como se refere na Decisão do CAAD, de 22 de Outubro de 2012, no âmbito do processo n.º 52/2012-T, “Se assim não se entendesse, tal significaria permitir, através da referida apreciação dos actos de liquidação, o julgamento de uma pretensão relativa “a actos de determinação da matéria colectável (…) por métodos indirectos” expressamente vedada pela Portaria de Vinculação, em concreto pelo artigo 2.º, alínea b) supra citado.

Aliás tal apreciação, a ser admitida (o que, reitera-se, não se afigura ser o caso), teria de ficar restrita a vícios formais relativos aos actos de liquidação, uma vez que a matéria substantiva e a sua fundamentação, estando abrangidas pelo procedimento de revisão e respectiva decisão, não podem ser conhecidas pelos tribunais arbitrais.”[1]

 

Pelo exposto, conclui-se pela procedência da exceção suscitada pela Requerida, não podendo, pois, este Tribunal Arbitral conhecer, ratione materiae, do mérito do pedido.

 

A procedência da exceção dilatória conduz à absolvição da Requerida da instância, nos termos dos artigos 278.º, n.º 1 e n.º 2 e 577.º, al. a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º n.º 1 al. e) do RJAT.

 

*

D. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente a exceção de incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria, e consequentemente rejeitar o pedido de pronúncia arbitral, absolvendo-se a Requerida da instância.

 

E. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 20.840,62, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

F. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.224,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi integralmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa,

9 de Junho de 2015

 

 

O Árbitro

 

 

(Amândio Silva)

 

 

 



[1] No mesmo sentido, vide a Decisão do CAAD, de 14 de maio de 2012, no processo n.º 17/2012-T.