Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1070/2024-T
Data da decisão: 2025-01-23   Outros 
Valor do pedido: € 227.665,32
Tema: ASSB - Adicional de solidariedade sobre o setor bancário. Princípio igualdade e capacidade contributiva.
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SUMÁRIO:

 

 

 As normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.

 

Acórdão Arbitral

 

Os árbitros Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (árbitro presidente), Dr. Amândio Silva  e Prof. Doutor Gustavo Gramaxo Rozeira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

 

I - RELATÓRIO

 

A..., S.A., com o número único de matrícula, identificação fiscal e pessoa coletiva..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Lisboa, (doravante “Requerente”) apresentou, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”), pedido de anulação da liquidação de Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário (“ASSB”) n.º..., de onde consta o montante de ASSB de € 227.665,32.

O Requerente pede anda o reembolso daquela quantia, com juros indemnizatórios.

O pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 30-09-2024, foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

Em 18-11-2024, o Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação. O Tribunal Arbitral Coletivo ficou regularmente constituído em 06-12-2024.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu a improcedência dos pedidos.

Em 22-01-2025, foi proferido despacho arbitral no qual o Tribunal decide dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT bem como alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

 

              2. Matéria de facto

 

 

2.1. Factos Provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. O Requerente é uma instituição de crédito residente em Portugal, do tipo previsto na alínea a) do artigo 3.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, cujo objeto social consiste no exercício da atividade bancária;
  2. Enquanto Banco, o Requerente foi sujeito passivo do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, criado pelo artigo 18.º e pelo anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, que procedeu à segunda alteração da Lei n.º 2/2020, de 31 de Março (Lei do Orçamento do Estado para 2020, doravante designada por “LOE 2020”).;
  3. Em 20-06-2022, o Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB de 2022, no valor de € 227.665,32, através da entrega da declaração Modelo 57 (Documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. No dia 22-06-2022, o Requerente pagou o imposto apurado na autoliquidação (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. Em 30-04-2024, o Requerente apresentou reclamação graciosa da autoliquidação referida, que veio a ter o n.º ...2024... (processo administrativo);
  6. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 25-06-2024, proferido pelo Chefe de Divisão a Unidade dos Grandes Contribuintes, que manifesta concordância com uma informação, que consta do processo administrativo. em que se refere, além do mais, o seguinte:

12. Como referido, é pretensão da Reclamante ver anulado o ato tributário identificado, com a natural e respetiva restituição do locupletado, com fundamento na suposta inconstitucionalidade material do tributo designado por «Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário» (ASSB), através das suas diversas normas, introduzido no ordenamento jurídico-tributário pelo art.° 18.° da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, diploma que promove várias alterações ao Orçamento de Estado para 2020.

13. Faz-se notar que nenhum fundamento ou argumento avançado pela Reclamante respeita a ilegalidade por erro quanto aos pressupostos da aplicação das normas a que se refere o regime do ASSB, nem de interpretação ilegal pelos serviços na sua aplicação, ainda que com fundamento em inconstitucionalidade.

14. Disto isto, e a respeito da conformidade constitucional da ASSB ou das normas que integram o seu regime, ou de qualquer outra figura tributária diga-se, tem sido a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) não se pronunciar sobre o mérito e de facto nenhuma outra posição poderá ser tomada.

15. Com efeito, a AT, como órgão da administração pública sob direção do Governo, não tem

competências no foro da apreciação da conformidade constitucional de normas jurídicas, ou sequer da atividade legiferante, pelo que qualquer pronúncia decisória encontrar-se-ia ela mesma ferida de legalidade institucional.

16. Resulta pois do Decreto-Lei n.° 118/2011 de 15 de dezembro, diploma que aprova a orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira, no seu art.° 2.°, n.° 1, que «[a] AT tem permissão administrar os impostos, direitos aduaneiros e demais tributos que lhe sejam atribuídos, bem como exercer o controlo da fronteira externa da União Europeia e do território aduaneiro nacional, para fins fiscais, económicos e de protecção da sociedade, de acordo com as políticas definidas pelo Governo e o Direito da União Europeia», [sic]

 

17. O n.° 2 do mesmo preceito elenca as diversas atribuições ou tarefas que se configuram como administrativas incumbidas à AT, que no fundo aprofundam apenas o conceito de administração dos impostos referido no número anterior, e, naturalmente, nenhuma faz qualquer referência ao controlo legal ou constitucional de normas tributárias.

18. Isto porque o controlo legal ou constitucional de normas tributárias não se insere no escopo da função administrativa.

19. Essa função é sim assegurada pelo Tribunal Constitucional, conforme o disposto no art.° 280.° da Constituição da República Portuguesa (CRP) que veda essa matéria em exclusivo a este órgão, e claro, à própria Assembleia da República e ao Governo no exercício da sua função legislativa.

20. Acrescente-se também que a Administração Pública, da qual a AT faz parte, não goza das mesmas prerrogativas dos tribunais, isto é, de desaplicar uma norma jurídica em caso concreto com fundamento na sua inconstitucionalidade e que no fundo será sempre uma suposição até pronúncia por parte do Tribunal Constitucional, conforme o disposto na alínea a) do n.° 1 do art.° 280.° da CRP.

21. É de facto uma questão relativamente pacifica que na arquitetura jurídico-administrativa nacional que os órgãos administrativos, pelo dever de obediência (ao Governo) que lhes é imposto pela lei fundamental, não podem rejeitar a aplicação da lei com esse fundamento.

22. A este respeito, veja-se as considerações de Vieira de Andrade, da sua obra “Direito Constitucional”, Almedina, 1977, pág. 270:

«Este conflito [entre a constitucionalidade e o princípio da legalidade] não pode resolver-se através da prevalência automática do direito constitucional sobre o direito legal. Não é disso que se trata, porque o que está em causa é não a constitucionalidade da lei, mas o juízo que sobre essa constitucionalidade possam fazer os órgãos administrativos. Por um lado, a Administração não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade; por outro lado, a submissão da Administração à lei não visa apenas a protecção dos direitos dos particulares, mas também a defesa e prossecução de interesses públicos [...]. A concessão ao poder administrativo de ilimitados poderes para controlo da inconstitucionalidade das leis a aplicar levaria a uma anarquia administrativa, inverteria a relação Lei-Administração e atentaria frontalmente contra o princípio da divisão dos poderes, tal como está consagrado na nossa Constituição» [sic]

 

23. E no mesmo sentido vem João Caupers, na sua obra "Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição", Almedina, 1985, pág. 157.

 

«(...) a Administração não tem, em princípio, competência para decidir a não aplicação de normas cuja constitucionalidade lhe ofereça dúvidas, contrariamente aos tribunais, a quem incumbe a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional, demonstram-no as diferenças entre os artigos 207° [hoje, 204.°] e 266°, n° 2, da Constituição. Enquanto o primeiro impede os tribunais de aplicar normas inconstitucionais, o segundo estipula a subordinação dos órgãos e agentes administrativos à Constituição e à lei. Afigura-se claro que a diferença essencial entre os dois preceitos decorre exactamente da circunstância de se não ter pretendido cometer à Administração a tarefa da fiscalização da constitucionalidade das leis. O desempenho de tal função, por parte daquela tem de ser visto como excepcional» [sic]

 

24. Ora, não se encontrando prevista nas leis orgânicas da AT ou até do Ministério das Finanças a competência para o controlo legal ou constitucional de normas tributárias, nenhuma decisão nossa sobre o mérito do presente pedido poderá ser proferida sob pena de nulidade.

25. Deste modo, não obstante, possuirmos uma opinião vincada nesta matéria, qualquer pronúncia nossa, favorável ou não aos interesses da Reclamante, pecará sempre por inutilidade da mesma, razão pela qual nos abstemos de quaisquer demais considerações para além das já enunciadas.

 

26. Nestes termos, deverá ser assim rejeitada a pretensão formulada.

 

 

  1.  Em 26-09-2024, o Requerente apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não Provados

 

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

2.3 Fundamentação da Decisão de Facto

 

A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto assenta na prova documental junta aos autos pelas Partes e no processo administrativo.

Não há controvérsia sobre os factos relevantes para a decisão da causa.

 

3. Matéria de direito

 

Nos presentes autos é questionada a constitucionalidade do regime jurídico do adicional de solidariedade sobre o setor bancário (ASSB), criado pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/ 2020, de 29 de julho, que altera a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei n.º 2/2020, de 31 de março) e cujo regime jurídico consta do Anexo VI a essa Lei.

       O Requerente defende o seguinte, em suma:

– o ASSB é um imposto especial sobre o sector bancário;

– o ASSB é inconstitucional por desvio de poder e violação do princípio da legalidade fiscal constante do artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).

– o desvio do poder tributário na criação do ASSB manifesta-se de forma bem visível, uma vez que o legislador, aquando da criação deste imposto, o tentou fazer passar por uma contribuição financeira acessória de outra contribuição (no caso, a CSB);

– o ASSB é um imposto discriminatório incidente sobre o sector bancário, violador do princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.

– o ASSB é incompatível com o Direito suprapositivo, i.e. com os princípios básicos ordenadores da praxis social, por ser determinado com base nos valores devidos pelos bancos a clientes e terceiros;

– o ASSB criou uma  tributação desproporcionada e exagerada.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende a posição assumida na decisão da reclamação graciosa, dizendo ainda o seguinte, em suma:

– a AT não contesta a qualificação jurídica do ASSB como imposto;

– o ASSB foi criado no contexto da situação excecional de saúde pública resultantes da pandemia COVID-19;

– a sua receita destina-se a contribuir para suportar os custos da resposta pública à crise, através da sua consignação ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (doravante FEFSS);

– o sector financeiro beneficia de isenções que distorcem o princípio da igualdade e da tributação com base na capacidade contributiva , pelo que, quando elas são eliminadas  ou atenuadas, favorece-se a reposição daqueles princípios;

– o ASSB tem como objetivo compensar uma vantagem aferida em termos de carga fiscal global incidente sobre o setor das instituições de crédito associada à aplicação da isenção de IVA;

–  o art.º 18.º da Lei 27-A/2020, de 24 de julho, que define a incidência pessoal do Adicional sobre o Sector Bancário, não é inconstitucional por violação do princípio da igualdade tributária, na sua dimensão de exigência da generalidade dos impostos, e por violação do princípio da proporcionalidade legislativa, nem qualquer outro princípio  constitucional.

 

3.1. O ASSB é um imposto

 

O adicional de solidariedade sobre o setor bancário (ASSB) foi introduzido na ordem jurídica portuguesa pelo artigo 18.º da Lei n.º 27-A/ 2020, de 29 de julho, que altera a Lei n.º 2/2020, de 31 de março, ou seja, a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (doravante designada por LOE 2020).

O regime jurídico do ASSB consta do Anexo VI à referida Lei.

O artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de Julho, aprovou o seu anexo VI, que contém «o regime que cria o adicional de solidariedade sobre o setor bancário».

Esta Lei entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, nos termos do seu artigo 26.º.

Os artigos 1.º, 2.º, 3 .º e 4.º daquela Anexo VI têm as seguintes redacções:

Artigo 1.º

 

Objeto

 

1 - O presente regime cria um adicional de solidariedade sobre o setor bancário e determina as condições da sua aplicação.

2 - O adicional de solidariedade sobre o setor bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores. 

 

Artigo 2.º

 

Incidência subjetiva

 

1 - São sujeitos passivos do adicional de solidariedade sobre o setor bancário:

a) As instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português;

b) As filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português;

c) As sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se instituições de crédito, filiais e sucursais as definidas, respetivamente, nas alíneas u), w) e ll) do artigo 2.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.

Artigo 3.º

 

Incidência objetiva

 

O adicional de solidariedade sobre o setor bancário incide sobre:

a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central constituídos por caixas de crédito agrícola mútuo pertencentes ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo, ao abrigo do artigo 72.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de janeiro;

b) O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos.

 

Artigo 4.º

 

Quantificação da base de incidência

1 - Para efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, entende-se por passivo o conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros, com exceção dos seguintes:

a) Elementos que, segundo as normas de contabilidade aplicáveis, sejam reconhecidos como capitais próprios;

b) Passivos associados ao reconhecimento de responsabilidades por planos de benefício definido;

c) Os depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo relevam apenas na medida do montante efetivamente coberto por esses Fundos;

d) Passivos resultantes da reavaliação de instrumentos financeiros derivados;

e) Receitas com rendimento diferido, sem consideração das referentes a operações passivas; e

f) Passivos por ativos não desreconhecidos em operações de titularização.

2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do artigo anterior, observam-se as regras seguintes:

a) O valor dos fundos próprios, incluindo os fundos próprios de nível 1 e os fundos próprios de nível 2, compreende os elementos positivos que contam para o seu cálculo de acordo com o disposto na parte II do Regulamento (UE) 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.º 648/2012, tendo em consideração as disposições transitórias previstas na parte X do mesmo Regulamento que, simultaneamente, se enquadrem no conceito de passivo tal como definido no número anterior;

b) Os depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis relevam apenas na medida do montante efetivamente coberto por esses Fundos.

3 - Para efeitos do disposto na alínea b) do artigo anterior, entende-se por instrumento financeiro derivado o que seja qualificado como tal pelas normas de contabilidade aplicáveis, com exceção dos instrumentos financeiros derivados de cobertura ou cujas posições em risco se compensem mutuamente.

4 - A base de incidência apurada nos termos do artigo 3.º e dos números anteriores é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte.

 

O artigo 3.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) estabelece que «os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas».

A classificação do tributo que é objecto de impugnação no processo arbitral releva desde logo, para efeito de competência em razão da vinculação, uma vez que a vinculação da Administração Tributária à jurisdição arbitral se limita a «impostos», como resulta do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Além dos tipos de tributos tradicionais (impostos e taxas), o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), constitucionalizou, como categoria de tributos autónoma, as contribuições financeiras a favor das entidades públicas.

Nos termos do artigo 3.º da LGT, «os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património», «as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares» e «as contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade são consideradas impostos».

Como se refere no Parecer do Senhor Professor Doutor CASALTA NABAIS, junto aos autos:

–  «do ponto de vista estrutural, temos uma distinção primária  de tributos segundo a qual os impostos diferenciam-se das taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades publicas por, nos primeiros, temos prestações pecuniárias unilaterais e, nos segundos,  prestações pecuniárias bilaterais»;

– «enquanto os impostos são tributos sem causa assentes no poder tributário do Estado e na capacidade contributiva dos destinatários deste poder, os tributos bilaterais têm por efectivo suporte uma causa especifica constituída pela prestação pública a que a taxa ou contribuição serve de contraprestação, correspondendo a um poder tributário inerente ao poder dessa prestação pública»;

«Desde logo é evidente que o ASSB não pode ser uma taxa, pois nada tem a ver com qualquer das modalidades de prestação pública que constitui o facto tributário das taxas, a saber: a prestação de um serviço público, a remoção de um obstáculo Jurídico ao comportamento dos particulares e a utilização de um bem do domínio público»;

– «há no ASSB uma ausência total das características apontadas às contribuições financeiras que implica, como é reconhecido, a sua especial ligação a um grupo suficientemente diferenciado da generalidade dos contribuintes, se apresente dotado de um mínimo de homogeneidade, assuma uma especifica responsabilidade ou, de algum modo, os membros do grupo beneficiem de uma utilidade especifica»;

– «O que não é posto e causa pela consignação da receita do ASSB, porquanto,  embora a consignação das receitas constitua uma característica inerente aos tributos bilaterais, a consignação das receitas do ASSB ao FEFSS, para além de ser anómala e juridicamente inaceitável, não revela qualquer relação especial ou específica do sector bancário com a Segurança Social».

 

Como se refere na decisão arbitral do processo 598/2022-T ( [1] ), «ao contrário do que sucede com a Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), que foi consensualmente caracterizada como uma contribuição financeira (cfr., por último o acórdão do STA de 25 de janeiro de 2023, Processo n.º 01622/20, e a jurisprudência  nele citada), não pode ser atribuída essa mesma natureza ao ASSB, na medida em que não existe conexão entre os objetivos que presidem à sua criação e uma qualquer responsabilidade acrescida do setor bancário, como também não há uma relação específica de proximidade entre o grupo de sujeitos passivos e ónus de custear o serviço público de segurança social, nem subsiste qualquer benefício para o grupo por efeito da carga fiscal com que é diferenciadamente onerado. E, nesses termos, não se verificam os requisitos típicos de homogeneidade, responsabilidade e utilidade de grupo que possam justificar a caracterização do ASSB como contribuição financeira».

Por isso, o ASSB é um imposto especial sobre o sector bancário.

Assim, não sendo designado com contribuição financeira e sendo o ASSB um imposto não há qualquer dúvida sobre a inclusão dos litígios que o têm por objecto no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, definidas no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

De resto, a Autoridade Tributária e Aduaneira aceita que o ASSB tem natureza de imposto e não questiona a inclusão do litígio no âmbito da referida vinculação à jurisdição arbitral.

Por outro lado, é à luz desta natureza de imposto que devem ser apreciadas as questões de inconstitucionalidade do ASSB suscitadas pela Requerente.

 

3.2. Vício de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, na vertente de violação do princípio da capacidade contributiva

 

Estas questões foram objecto de várias decisões do Tribunal Constitucional, sendo uniforme a jurisprudência no sentido da violação daqueles princípios, colmo pode ver-se pelos acórdãos n.ºs 469/2014 (retificado pelo Acórdão n.º 507/2024), 529/2024, 592/2024 e 737/2024.

Uma conclusão no sentido da estabilidade da jurisprudência do Tribunal Constitucional é reforçada por a questão já nem ser objecto de acórdãos do TC, tendo passado a ser apreciada em decisões sumárias do Tribunal Constitucional: Decisões Sumárias n.ºs 436/2024, 458/2024, 460/2024, 549/2024, 551/2024, 618/2024 e 625/2024, 688/2024, 694/024, 714/2024, e 1/2025.

Neste contexto, sendo o Tribunal Constitucional o órgão jurisdicional máximo em questões de inconstitucionalidade adere-se a esta jurisprudência, tomando como referência, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 469/2024, posteriormente retificado pelo Acórdão n.º 507/2024, em que se escreveu, no que aqui releva, o seguinte:

“(…)

 

2.4. Relativamente às normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), do Regime que cria o ASSB, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, o entendimento da decisão recorrida pode sintetizar-se nos seguintes pontos.

 

Quanto à violação do princípio da igualdade tributária: i) o ASSB tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras e incide sobre instituições de crédito sediadas em território português e filiais ou sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português; ii) não obstante a similitude de incidência com a CSB, “[…] o ASSB não pode ser entendido como uma tributação acessória ou adicional do CSB, nem constitui uma contribuição de estabilidade financeira”; iii) a justificação apresentada não colhe, tendo em conta a natureza e efeitos da isenção de IVA nas operações financeiras; iv) não é possível “[…] determinar objetivamente o critério de diferenciação que conduziu o legislador a sujeitar as instituições de crédito a um imposto especial sobre o setor bancário, nem é possível discernir qual a sua real fundamentação”; v) não tem justificação “[…] que, simultaneamente, sejam excluídas outras categorias de atividades que se encontram igualmente isentas e que poderão revelar idêntica ou superior capacidade contributiva e desconsidera-se o caráter obrigatório de várias deduções, que a isenção simples não confere o direito à dedução do imposto a montante, e não representa, por isso, uma efetiva vantagem para o sujeito passivo, bem que essa isenção já é contrabalançada pelo imposto do selo”; assim, vi) “[…] a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado”.

 

Quanto à violação do princípio da capacidade contributiva: i) não está em causa qualquer modalidade de tributação do rendimento, “[…] mas tão só a sujeição a imposto de uma parte das componentes do passivo […]”; ii) a ausência de correspondência entre o ASSB “[…] e um concreto índice de valoração de capacidade contributiva coloca em causa a viabilidade constitucional do imposto, na medida em que impossibilita o estabelecimento de qualquer tipo de relação causal entre o objeto da tributação que é imposto aos sujeitos passivos e um efetivo incremento de capacidade contributiva, sobretudo quando não está em causa uma contrapartida pela prevenção de riscos sistémicos em que as instituições de crédito possam estar envolvidas (como sucedia com a CSB), mas uma exclusiva medida de angariação de receita”; e, por fim, iii) não se encontra “[…] qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam”.

 

Analisemos, pois, cada um dos referidos parâmetros, pela ordem indicada (a que foi seguida no acórdão recorrido e nas alegações), tendo presente que o recorrente (o Ministério Público) diverge da decisão recorrida quanto à violação do princípio da igualdade tributária e com ela converge quanto à violação do princípio da capacidade contributiva.

 

2.4.1. Antes de mais, deve sublinhar-se que, embora os apontados parâmetros não se confundam, encontram-se profundamente interligados – a ideia de igualdade tributária, enquanto manifestação, no âmbito tributário, do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição, aponta para a proibição de discriminações ou igualizações arbitrárias, sem fundamento; o princípio da capacidade contributiva, que é por si próprio um critério tendente a assegurar a igualdade tributária, exige que os factos tributários sejam suscetíveis de revelar a capacidade do sujeito passivo para suportar economicamente o tributo. Como se sintetiza no Acórdão n.º 344/2019:

 

 “[…]

 

A conformação legal das várias categorias de tributos está sujeita ao princípio da igualdade tributária, enquanto expressão do princípio geral da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP. A igualdade na repartição dos encargos tributários obriga o legislador a não fazer discriminações ou igualizações arbitrárias, usando critérios distintivos manifestamente irracionais ou “sem fundamento material bastante” – proibição do arbítrio –, e a socorrer-se de critérios que sejam materialmente adequados à repartição das categorias tributárias que cria.

 

No tocante aos tributos unilaterais, o critério que se afigura constitucionalmente mais adequado é o da capacidade contributiva, pois, tratando-se de exigir que os membros de uma comunidade custeiem os respetivos encargos, a solução justa é que sejam pagos na medida da força económica de cada um; já quanto aos tributos comutativos e paracomutativos, o critério distintivo da repartição é o da equivalência, pois, tratando de remunerar uma prestação administrativa, a solução justa é que seja paga na medida dos benefícios que cada um recebe ou dos encargos que lhe imputa.

 

De facto, o Tribunal Constitucional, de forma reiterada e uniforme, considera que em matéria de impostos o legislador está jurídico-constitucionalmente vinculado pelo princípio da capacidade contributiva decorrente do princípio da igualdade tributária consagrado no artigo 13.º e/ou nos artigos 103.º e 104.º da CRP. Consistindo a igualdade em tratar por igual o que é essencialmente igual e diferente o que é essencialmente diferente, não é suficiente estabelecer distinções que não sejam arbitrárias ou sem fundamento material bastante; exige-se ainda que os factos tributáveis sejam reveladores de capacidade contributiva e que a distinção das pessoas ou das situações a tratar pela lei seja feita com base na capacidade contributiva dos respetivos destinatários (Acórdãos n.ºs 57/95, 497/97, 348/97, 84/2013, 142/2004, 306/2010, 695/2014, 42/2014, 590/2015, 620/2015 e 275/16).

 

 […]”.

 

Ou, na formulação do Acórdão n.º 268/2021 (adotada também, por remissão, no Acórdão n.º 505/2021):

 

 “[…]

 

A igualdade na repartição dos encargos tributários obriga o legislador a não fazer discriminações ou igualizações arbitrárias, usando critérios distintivos manifestamente irracionais ou “sem fundamento material bastante” – proibição do arbítrio.

 

A conceção puramente negativa da igualdade tributária, excluindo os casos de discriminação absurda, não garante, porém, a justiça material ou a coerência interna do sistema tributário. Impõe-se a definição de critérios materialmente adequados à repartição dos diversos tributos públicos. No caso dos tributos unilaterais, o critério que se afigura constitucionalmente mais adequado é o da capacidade contributiva, na medida em que, exigindo-se aos membros de uma comunidade que custeiem os respetivos encargos, a solução justa é que sejam pagos na medida da força económica de cada um (cfr., entre muitos, o Acórdão n.º 590/2015, n.º 12).

 

 […]”.

 

2.4.2. O recorrente sustenta que não ocorre violação do princípio da igualdade tributária, enquanto proibição do arbítrio, em síntese, pelas seguintes razões, que levou às conclusões da motivação do recurso:

 

 “[…]

 

25. Sobre a dimensão constitucional deste princípio, na sua dimensão da proibição do arbítrio legislativo, afigura-se-nos especialmente elucidativo o Acórdão n.º 227/2015, de 28 de abril, que conclui que:

 

17. De tudo quanto ficou dito sobre a proibição do arbítrio, podemos extrair quatro conclusões essenciais:

 

1.º O legislador pode, seguramente, estabelecer diferenciações: todavia, essa liberdade de diferenciar é uma liberdade condicional, sujeita a limitações;

 

2.º Assim, uma diferenciação promovida pelo legislador sem um fundamento racional e material suficiente é arbitrária;

 

3.º A comparação indispensável para comprovar a existência de respeito ou desrespeito pelo princípio da igualdade deve ser sistemicamente contextualizada;

 

4.º O Tribunal Constitucional, no exercício do controlo do respeito pelo princípio da igualdade na dimensão da proibição do arbítrio, deve limitar-se a um juízo de censura das diferenciações injustificadas.

 

25. O adicional de solidariedade sobre o setor bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores – artigo 1.º, n.º 2 do Anexo VI à Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho.

 

26. Este é o fundamento adiantado pelo legislador para o tratamento desigual dado ao setor financeiro, onerando-o com o pagamento deste tributo.

 

27. É certo que, como bem elenca Filipe de Vasconcelos Fernandes:

 

g) Tratando-se o IVA de imposto europeu, as isenções que vigoram para alguns serviços e operações financeiras são expressamente consentidas pela Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006;

 

h) Da mesma forma que vigoram isenções para a generalidade dos serviços e operações financeiras, também assim sucede para setores como os seguros, a saúde, a cultura, o ensino ou o imobiliário, sem que lhes tivesse sido imposta qualquer necessidade de compensação pela despesa fiscal associada às isenções que até ao momento vigoram;

 

i) Não existe qualquer relação entre a despesa fiscal associada às isenções de IVA aplicáveis a serviços e operações financeiras e a parcela da receita deste último imposto que se encontra afeta ao FEFSS, o designado «IVA social» (receita de IVA resultante do aumento da taxa normal operado através do n.º 6 do art. 32.º, da Lei n.º 39-B/94 de 27.12;

 

j) A receita proveniente do designado «IVA social» encontra-se, nos termos do art. 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 367/2007, de 02.11, consignada à realização da despesa com prestações sociais no âmbito do subsistema de proteção familiar;

 

k) A isenção que vigora para serviços e operações financeiras é uma isenção que não confere direito à renúncia, com a consequente não dedutibilidade do IVA suportado nos inputs;

 

l) A despesa fiscal associada à isenção de IVA que vigora para serviços e operações financeiras está intimamente relacionada com a respetiva sujeição a imposto de selo.

 

28. Porém, não deixa de ser um facto incontestável que os serviços e operações financeiras sujeitos ao ASSB gozam de isenção de IVA.

 

29. Tal facto, inquestionável, afigura-se ser o fundamento racional e material suficiente que permite afastar o arbítrio na opção legislativa, por muitas críticas que essa opção legislativa possa merecer por parte da doutrina.

 

30. E aqui não podemos deixar de secundar a declaração voto de vencida da Exma. Senhora Conselheira Maria Lúcia Amaral ao Acórdão supra identificado, ao afirmar:

 

No entanto, a densidade do escrutínio de que o Tribunal dispõe quando está em causa a censura de escolhas legislativas fundada apenas em violação do n.º 1 do artigo 13.º da CRP não me parece compatível – por razões que, creio, resultam bem claras da jurisprudência sedimentada do Tribunal relativamente ao que deva entender-se por proibição do arbítrio legislativo – com o recurso cumulativo a técnicas de ponderação. A ausência de racionalidade de uma qualquer distinção de regimes que seja estabelecida pelo legislador não se pondera. Verifica-se; e deixa de verificar-se a partir do momento em que, a fundar a diferença, se encontra um qualquer motivo que seja intersubjetivamente inteligível. E isto qualquer que seja o “peso” valorativo próprio que o Tribunal (que não sanciona o mérito das escolhas legislativas) reconheça ou deixe de reconhecer a esse mesmo motivo.

 

31. Assim, e face ao exposto, não entendemos que o regime que cria o Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário, nomeadamente, as disposições conjugadas dos artigos lº, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, do Anexo VI à Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, seja inconstitucional por violador do princípio da igualdade, na vertente da proibição do arbítrio, previsto no art. 13.º da Constituição.

 

 […]”.

 

Não se afigura, todavia, que a isenção de IVA constitua “fundamento racional e material suficiente que permite afastar o arbítrio na opção legislativa”, desde logo pelas razões que se consignaram no Acórdão n.º 149/2024, às quais aqui regressamos:

 

 “[…]

 

O estabelecimento da necessária conexão entre uma realidade e outra não é possível, desde logo, porque não há uma relação de contornos suficientemente definidos entre o regime do IVA no setor financeiro e o sistema de financiamento da Segurança Social.

 

Ainda que essa conexão pudesse ser estabelecida – e não se vê como –, seria impossível presumir uma qualquer prestação administrativa (ainda que presumida) que suportasse a bilateralidade do tributo.

 

Assim é, em primeiro lugar, porque muitas das operações financeiras não sujeitas a IVA são sujeitas a Imposto do Selo, existindo, inclusivamente, uma regra de incidência alternativa no artigo 1.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo. Assim, o “benefício” da isenção em sede de IVA não corresponde linearmente a uma isenção de tributação.

 

Em segundo lugar, e independentemente da incidência de Imposto do Selo, a “isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras” dificilmente pode ser vista como um benefício para as entidades do setor financeiro, uma vez que, na generalidade das hipóteses contempladas, se trata de uma isenção incompleta, que, como tal, não confere direito à dedução (“[…] no caso das isenções incompletas (que limitam o direito à dedução), a despesa fiscal apenas se traduz no valor acrescentado da última operação da cadeia de valor, por contraposição às isenções completas (que conferem o direito à dedução), em que a despesa contempla todo o valor acrescentado gerado ao longo da respetiva cadeia” – cfr. o relatório do Grupo de Trabalho para o Estudo dos Benefícios Fiscais, Os Benefícios Fiscais em Portugal, 2019, disponível em https://www.portugal.gov.pt/, p. 51). Como refere Raquel Machado Lopes Moreira da Costa, Tributação indireta dos serviços e operações financeiras – a Reforma da Diretiva do IVA, disponível em https://www.isg.pt/, p. 1:

 

 “[…]

 

Atualmente assiste-se, a nível europeu, a uma grande necessidade de definição do regime de tributação indireta dos serviços financeiros, o qual tem sido objeto de diversas e sucessivas propostas de alteração, sem que se tenha alcançado uma versão verdadeiramente satisfatória para todos os interessados.

 

A nível nacional, estes serviços sofrem de uma “síndrome multilateral” – são objeto de Imposto sobre o Valor Acrescentado, sendo, no entanto, em grande parte, deste isentos. Esta isenção, sendo incompleta, não possibilita a dedução do IVA pago a montante. Assim, verifica-se o pagamento de imposto oculto que, acrescido ao Imposto do Selo a que é sujeito pela não tributação em sede de IVA, se revela um custo. Dado o caráter complementar que o primeiro tem face ao segundo, gera um aumento significativo dos custos para o operador económico e naturalmente do preço do serviço para o consumidor.

 

 […]”.

 

Acresce que o regime fiscal das operações financeiras é complexo e cobre um conjunto heterogéneo de atos dificilmente reconduzíveis a características comuns que permitam o reconhecimento da tal prestação presumida.

 

Por fim, a modelação de isenções de operações financeiras não está na total disponibilidade do legislador nacional (cfr., designadamente, os artigos 135.º e ss. da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006 relativa ao sistema comum do Imposto sobre o Valor Acrescentado).

 

 […]”.

 

Não se trata, assim, de um juízo que careça de verdadeira ponderação entre a razão justificativa que sustenta o tributo e as características desse mesmo tributo, porque essa razão justificativa é manifestamente carecida de sentido, assentando em ligações não verificadas. As entidades do setor financeiro não têm um benefício que justifique o imposto pela circunstância de algumas operações serem isentas de IVA. Desde logo, tratar-se de uma isenção incompleta não é algo secundário nesta análise, uma vez que, ao não ser possível a dedução do IVA suportado a montante, aquelas entidades vê-lo-ão economicamente repercutido sobre si por quem lhes vendeu bens e prestou serviços necessários à sua atividade, sem que por sua vez o possam repercutir sobre os sujeitos a quem prestam serviços e sem que possam compensar esse efeito adverso pela dedução do imposto suportado, o que ocorreria no caso de uma isenção completa. Acresce que a isenção de IVA é, como vimos, tendencialmente alternativa da sujeição a imposto do selo.

 

Neste contexto, pode questionar-se em que medida as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português (artigo 2.º, n.º 1, do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que delimita a incidência subjetiva do imposto) – que já são sujeitas a IRC e à CSB – se encontram numa posição particular, face a outros sujeitos isentos de IVA (alguns com isenções completas) que torne justificada a sujeição a um segundo imposto, sem que se encontre uma resposta minimamente satisfatória, muito menos quando a justificação do legislador passa por “reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social”, que nenhuma relação aparente tem com a isenção de IVA, que, só por si, insiste-se, também não se afiguraria justificação bastante para tributar, ou melhor, para diferenciar tributando.

 

Com o que terá de se concluir, com a decisão recorrida, que “[…] a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado”.

 

Verifica-se, em consequência, a violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária.

 

2.4.3. As considerações precedentes conduzem, sem dificuldade, à análise da violação do princípio da capacidade contributiva.

 

Nos termos do artigo 3.º do Regime que cria o ASSB, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho:

 

Artigo 3.º

 

Incidência objetiva

 

O adicional de solidariedade sobre o setor bancário incide sobre:

 

a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios, dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, dentro dos limites previstos nas legislações aplicáveis, e dos depósitos na Caixa Central constituídos por caixas de crédito agrícola mútuo pertencentes ao sistema integrado do crédito agrícola mútuo, ao abrigo do artigo 72.º do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de janeiro;

 

b) O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos.

 

Nos presentes autos, foi recusada a norma contida na alínea a) do referido artigo 3.º.

 

Trata-se de norma de incidência objetiva dirigida ao passivo das instituições de crédito, o que suscita algumas dificuldades de caracterização do tributo. Na verdade, ao contrário da CSB, que é uma contrapartida da prevenção de riscos sistémicos no sistema financeiro – o que torna justificada e aceitável a incidência sobre o passivo dos sujeitos passivos – o ASSB não encontra, como vimos, uma correspondência com qualquer prestação pública, ou seja, prefigura-se como um tributo puramente destinado à angariação de receita, apresentando-se como problemática a suscetibilidade de, neste contexto, o passivo, só por si, revelar a capacidade de suportar economicamente o imposto. A possível interferência com o princípio da capacidade contributiva compreende-se sem dificuldade, neste contexto, entendido tal princípio nos termos assim resumidos no Acórdão n.º 178/2023:

 

 “[…]

 

A igualdade fiscal a que apela a recorrente pode ser entendida como dimanação do princípio da igualdade quando colocado no domínio tributário, impondo por isso não apenas uma proibição absoluta de discriminação negativa (artigo 13.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), mas também um tratamento legal-fiscal uniforme de situações substancialmente iguais e diferenciador quanto a situações dissemelhantes. Resulta assim impedido um primado universalista que se reduzisse a uma paridade de mero cunho formal entre sujeitos dotados de personalidade tributária, antes se impondo um padrão de critério que alcance uma situação de equilíbrio funcional conforme com a substancialidade assimétrica das situações reguladas (cfr. artigos 13.º e 103.º, n.º 1, parte final, da Constituição da República Portuguesa).

 

Afirmada assim a igualdade material em sede tributária, o princípio da capacidade contributiva a que também alude a recorrente assinala-se como limite e fundamento da tributação, constituindo-se como seu pressuposto (ou substrato) e critério (ou parâmetro): na dimensão limitativa, por aqui se postula a isenção fiscal do mínimo de subsistência e, ao mesmo passo, a proibição de máximo confiscatório; de outra parte, a constituição fiscal impõe que o imposto seja construído, no patamar infra constitucional, em consideração de indicadores efetivos de aptidão para suportar a prestação tributária, que se arvoram assim como a fonte da incidência do imposto; finalmente e enquanto princípio de parametrização da incidência, por ele se impõe que a carga económica inerente ao imposto seja regulada de modo a acompanhar as variações de poder económico, garantindo uma situação de igualdade material entre sujeitos e entre categorias de rendimentos (v., sobre o assunto, Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2.ª ed., Almedina, 2004, pp. 148-153 e, de forma mais desenvolvida, Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Col. Teses, Almedina, 2004, pp. 435-524).

 

 […]”.

 

Não surpreende, pois, que o artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária preveja que os impostos “assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património”.

 

Como faz notar Filipe de Vasconcelos Fernandes (O (imposto) adicional de solidariedade sobre o setor bancário, Lisboa, 2020, pp. 106/109), no ASSB não está em causa, manifestamente, a tributação do rendimento, “[…] mas tão só a sujeição a imposto de uma parte das componentes do balanço (e fora dele). […] [E] uma vez que os sujeitos passivos do ASSB são igualmente sujeitos passivos de IRC, esta circunstância acaba por suscitar uma compressão do rendimento que, sob a forma de lucro, acabará sujeito a este último imposto, cenário especialmente agravado pela não dedutibilidade do encargo suportado com o pagamento do ASSB ao lucro tributável dos respetivos sujeitos passivos”, nem a tributação de atos de despesa, verificando-se, aliás, “[…] a impossibilidade de reconduzir o ASSB ao arquétipo dos impostos sobre atividades financeiras (‘financial activities taxes’) e, bem assim, dos impostos sobre transações financeiras (‘financial transaction taxes’), em qualquer uma das suas modalidades […]”, nem , por fim, a tributação do património, já que não basta para qualificar o passivo como património a sua inclusão no balanço, nem – acrescente-se – a respetiva natureza autoriza à partida essa qualificação.

 

Afastada a integração do passivo num dos clássicos indicadores da capacidade contributiva (neste caso apenas o rendimento e o património), a verdade é que as indicações do legislador são, pelas razões atrás explicitadas, inaproveitáveis. Não sobeja, deste modo, qualquer indicador razoável e objetivo da capacidade contributiva dos sujeitos passivos. Assinala, a este propósito, Filipe de Vasconcelos Fernandes (ob. cit., pp. 111/113):

 

 “[…]

 

 [Ao] mesmo tempo que o ASSB se reveste claramente da natureza de imposto, não se antevê de que forma a respetiva base de incidência objetiva – composta pelo passivo apurado e aprovado (feitas algumas deduções) e ainda pelo valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço – possa, em alguma medida, refletir ou permitir valorar qualquer tipo de capacidade contributiva inerente à condição dos respetivos sujeitos passivos.

 

Se, no caso da CSB, a tributação com base neste elemento pode admitir-se à luz da respetiva conexão ao risco sistémico bancário e, sobretudo, a uma responsabilidade pelo risco típica desta modalidade de contribuições de estabilidade financeira, no caso do ASSB não pode antever-se de que forma a consideração deste elemento pode relevar para uma hipotética responsabilidade dos respetivos sujeitos passivos ao nível do financiamento do FEFSS.

 

 […]

 

Esta circunstância, que no essencial resulta da transposição, sem as necessárias adaptações, da estrutura de incidência da CSB para a estrutura de incidência do ASSB faz com que, em relação aos sujeitos passivo deste último imposto, não exista qualquer correspondência entre o montante de imposto a pagar e a real capacidade contributiva dos respetivos sujeitos passivos, prefigurando assim um tributo de perfil anómalo e atípico, que assume inclusive contornos próximos dos antigos impostos de capitação, agora numa reformulação original enquanto ‘impostos de grupo’.

 

Todavia, a proliferação deste tipo de impostos especiais ou de grupo – que são uma realidade completamente distinta das contribuições financeiras onde, apesar de tudo, continua a subsistir uma expressão de bilateralidade, ainda que difusa – levanta problemas aos quais os tribunais e, em especial, o TC, não podem ficar indiferentes.

 

Efetivamente, com o precedente agora levantado com a criação do ASSB, está em causa a aparente possibilidade de o legislador poder replicar num novo tributo a estrutura de incidência de um outro (neste caso, a CSB) e designar aquele primeiro como adicional do segundo sem qualquer preocupação de coerência creditícia ou material entre ambos. Tal redundaria, em nosso entender, numa sobreposição dos argumentos de base creditícia aos argumentos de cariz normativo, onde naturalmente se incluem os princípios constitucionais estruturantes e os princípios fiscais constitucionais, como é o caso da capacidade contributiva.

 

 […]”.

 

Em suma, como se afirma na decisão recorrida, “[no] caso do ASSB, não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam”.

 

Mostra-se, enfim, bem fundado o juízo de censura jurídico-constitucional do acórdão recorrido referido à violação do princípio da capacidade contributiva.

 

2.5. Às conclusões precedentes não constitui entrave o decidido no âmbito do Tribunal de Justiça da União Europeia (no caso protagonizado pelo Tribunal de Justiça – TJ) no processo n.º C340/22 (acórdão de 21/12/2023).

 

Não obsta, desde logo, tal decisão no segmento em que concluiu que a Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/UE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.º 1093/2010 e (UE) n.º 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que cria um imposto que onera o passivo das instituições de crédito, cuja forma de cálculo é alegadamente semelhante à das contribuições pagas por estas instituições ao abrigo desta diretiva, mas cujas receitas não são afetas aos mecanismos nacionais de financiamento de medidas de resolução. Para assim concluir, considerou o TJUE (§§ 22. a 27.):

 

 “[…]

 

22. Primeiro, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, da Diretiva 2014/59, esta estabelece regras e procedimentos relativos à recuperação e resolução das entidades enumeradas nessa disposição.

 

23. Segundo, como resulta dos considerandos 1 e 5 desta diretiva, esta foi adotada na sequência da crise financeira, que demonstrou a necessidade de prever instrumentos adequados para tratar a insolvência, nomeadamente, das instituições de crédito, fazendo suportar os riscos correspondentes aos seus acionistas e credores, e não aos contribuintes. Em conformidade com o considerando 103 da referida diretiva, incumbe com efeito ao setor financeiro, no seu conjunto, financiar a estabilização do sistema financeiro.

 

24. Terceiro, neste contexto, as contribuições pagas por estas instituições ao abrigo da mesma diretiva não constituem impostos, mas procedem, pelo contrário, de uma lógica baseada na garantia (v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Landesbank BadenWürttemberg e CUR, C584/20 P e C621/20 P, EU:C:2021:601, n.º 113).

 

25. A Diretiva 2014/59 não tem, portanto, de forma alguma por finalidade harmonizar a fiscalidade das instituições de crédito que exercem uma atividade na União.

 

26. Por conseguinte, a Diretiva 2014/59 não pode obstar à aplicação de um imposto nacional, como o ASSB, que incide sobre o passivo das referidas instituições e cujas receitas visam financiar o sistema nacional de segurança social, sem apresentar nenhuma relação com a resolução e a recuperação dessas mesmas instituições. A circunstância de a forma de cálculo desse imposto apresentar semelhanças com a das contribuições pagas por força da Diretiva 2014/59 é irrelevante a este respeito.

 

27. Assim, importa responder à primeira questão que a Diretiva 2014/59 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que cria um imposto que onera o passivo das instituições de crédito, cuja forma de cálculo é alegadamente semelhante à das contribuições pagas por estas instituições ao abrigo desta diretiva, mas cujas receitas não são afetas aos mecanismos nacionais de financiamento de medidas de resolução.

 

 […]”.

 

Dito de outro modo, o TJ considerou que o Direito da União Europeia não se opõe, genericamente, à criação de um imposto com as características do ASSB, desde logo porque a Diretiva 2014/59 não tem por finalidade harmonizar a fiscalidade das instituições de crédito que exercem uma atividade na União. Como tal, é matéria que fica na livre disponibilidade dos Estados, o que não significa que o TJ tenha validado o tributo à luz de outros parâmetros, designadamente os atrás referidos, relativamente aos quais não tomou – nem tinha de tomar – qualquer posição.

 

Já no segmento do Acórdão (correspondente aos § 28. a 65.) em que o TJUE concluiu que a liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49.° e 54.° TFUE deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um EstadoMembro que cria um imposto cuja base de incidência é constituída pelo passivo das instituições de crédito com sede situada no território desse EstadoMembro, das filiais e das sucursais das instituições de crédito cuja sede se situa no território de outro EstadoMembro, uma vez que a referida regulamentação permite deduzir capitais próprios e instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, que não podem ser emitidos por entidades sem personalidade jurídica, como essas sucursais, importa sublinhar que o decidiu, em síntese, porquanto “[…] a República Portuguesa escolheu não tributar as instituições de crédito residentes e as filiais de instituições de crédito não residentes no que respeita aos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios. Assim sendo, este EstadoMembro não pode invocar a necessidade de assegurar uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os EstadosMembros para justificar a tributação das sucursais de instituições de crédito não residentes no que respeita a esses instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios (§ 62). Trata-se de uma dimensão do problema que não está em causa nos presentes autos, seja porque o Banco recorrente não tem a natureza de sucursal de instituição de crédito não residente (cfr. https://www.bportugal.pt/entidadeautorizada/...-sa), seja porque, ao concluir pela inconstitucionalidade do tributo (que, por via da confirmação da decisão recorrida, se repercutirá na invalidação da respetiva liquidação), a presente decisão concorre – no efeito induzido pela interpretação do TJ do Direito da União – para a eliminação do referido tratamento desigual.

 

2.6. Em face do exposto, prefiguram-se razões bastantes para fundar um juízo de inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, n.º 1, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho (...)

”.

 

Assim, conclui-se, como o Tribunal Constitucional que são «inconstitucionais as normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24.07, por violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária».

Consequentemente, a autoliquidação de ASSB e a decisão da reclamação graciosa que a manteve, aplicando estas normas, enferma de vício de violação de lei que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

3.3. Questões de conhecimento prejudicado

 

Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da autoliquidação que é objecto do presente processo, por vício que impede a renovação dos actos, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC),  o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pelo Requerente.

 

 

4. Reembolso da quantia paga

 

 A Requerente pede reembolso do montante indevidamente pago no valor de € 227.665,32.

É consequência da anulação da autoliquidação o reembolso da quantia paga indevidamente, o que se insere no dever de plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, que se refere no artigo 100.º da LGT e no artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT.

 

5. Juros indemnizatórios  

 

A Requerente pede juros indemnizatórios.

           O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que a AT está obrigada a aplicar os diplomas legais criados pela Assembleia da República e pelo Governo, estando-lhe, consequentemente, vedado anular a autoliquidação em crise, dado que não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (arts. 281º e 282º da CRP), ou se esteja perante o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º da CRP), pelo que o erro da autoliquidação não lhe pode ser imputado.

No entanto, nos termos do n.º 2 do artigo 43.º da LGT, considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

Neste caso, o Requerente efectuou a autoliquidação de acordo com as  instruções genéricas sobre o preenchimento da declaração modelo 57, que constam da Portaria n.º 191/2020, de 10 de  Agosto, emitida pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que, nos termos do n.º 3 do artigo 1.º da LGT, integra a Administração Tributária quando exerce competências administrativas no domínio tributário, como é o caso de emissão de diplomas regulamentares (artigo 138.º do Código do Procedimento Administrativo) e também com as que constam do Oficio Circulado nº 55003/2022, de 5 de Maio, da Unidade dos Grandes Contribuintes. ( [2] )

Por isso, está-se perante uma situação em que se considera existir erro imputável aos serviços, por força do n.º 2 do artigo 43.º da LGT.

Face ao exposto, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de indeferimento da Reclamação Graciosa e de autoliquidação do ASSB, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, calculados com base na quantia de € 227.665,32 e contados desde 22-06-2022 até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

6. Decisão

 

De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em: 

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b) Julgar materialmente inconstitucionais as normas contidas nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º e 3.º, alínea a), do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário, contido no Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24.07, por violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição do arbítrio, e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária;

  c) Anular a autoliquidação do Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário ("ASSB") n.º ..., relativa ao ano de 2022, no valor de € 227.665,32;

d) Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia paga e condenar a Administração Tributária à Requerente a quantia de € 227.665,32;

e) Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los a Requerente nos termos referidos no ponto 5, calculados com base na quantia de € 227.665,32 e contados desde 22-06-2022 até à data do processamento da respectiva nota de crédito;

f) fixar o valor da causa em € 227.665,32.

 

7. Custas

 

 Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

8. Notificação ao Ministério Público

 

Nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 3, do RJAT, notifique-se o representante do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo Sul, para efeito do recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.

 

 

Lisboa, 23-01-2025 

 

 

Os Árbitros    

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Relator) 

 

 

 

 

(Amândio Silva)   

 

 

 

 (Gustavo Gramaxo Rozeira)

(com declaração de voto)

 

 

Declaração de voto

Contrariamente à posição que tomei no Proc.º 366/2021-T (cfr. a minha declaração de vo­to) — em que sustentei que, nos casos de autoliquidação, o direito à perceção de juros in­dem­ni­­za­tório surge apenas a partir do indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra o ato tri­bu­­­tário (auto-proferido) de primeiro grau —, no caso da presente arbitragem, pelas razões que se refe­rem na Decisão Arbitral, sou igualmente de opinião que os juros indemnizatórios são devi­dos des­de o pagamento do tributo uma vez que foi alegado e ficou demonstrado que a autoli­qui­da­ção foi praticada de acordo com as orientações genéricas emitidas pela AT, circunstância que per­mi­­te imputar diretamente à administração tributária, e desde a prolação do ato em causa, o erro nos pres­supostos de direito determinante da ilegalidade que afeta o referido ato de liquidação.

CAAD, 23/01/2025

 

 

Gustavo Gramaxo Rozeira

 



[1] Na esteira de FILIPE DE VASCONCELOS FERNANDES, O (Imposto) Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, AAFDL Editora, Lisboa, 2020.