CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa
Arbitragem Tributária
Proc. n.º 74/2012 -T
ACÓRDÃO
RELATÓRIO
B ..., S.A., contribuinte fiscal n.º …, com sede na Avenida …, Lisboa, doravante designada por “Requerente”, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2º, na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10º, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, diploma que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”),
Veio apresentar PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL sobre apreciação da legalidade da liquidação adicional de Imposto do Selo (“IS”) referente ao exercício de 2008 [Liquidação n.º 2012 …], pedindo:
(i) A declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IS n.º…, relativa ao exercício de 2008, no valor de EUR 176.980,89;
(ii) A condenação da Autoridade Tributária à devolução do imposto pago indevidamente acrescido de juros indemnizatórios a computar nos termos do artigo 43º da LGT, os quais ascendem a € 1.764,96 á data da entrada do presente pedido;
(iii) A condenação da Autoridade Tributária ao pagamento das custas resultantes do processo arbitral.
Alegou, em síntese:
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A Requerente dedica-se à atividade de seguros e resseguros em todos os ramos técnicos “Não Vida”.
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No âmbito da sua atividade, no decurso do ano de 2008, procedeu ao pagamento de comissões ao Banco … S.A., Banco…, S.A. e Banco …, S.A. pela atividade de mediação de seguros.
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A Requerente foi alvo de uma ação de inspeção tributária ao exercício de 2008, desencadeada pela Ordem de Serviço n.º OI …, de 9 de Março de 2011, que abrangeu a análise à situação tributária da Requerente em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) e IS.
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A 30 de Dezembro de 2011, a Direção de Serviços de Inspeção Tributária (“DSIT”) emitiu o relatório final de inspeção, nos termos do qual e para o que aqui releva, apurou IS em falta no montante de EUR 155.834,92 (cfr. cópia que se junta como documento n.º 1).
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A correção em sede de IS teve por base a seguinte fundamentação, “Apuramento do imposto do selo em falta sobre o pagamento a mediadores de comissões cobradas pela atividade de mediação, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 9º e n.º 1 do artigo 22º, conjugado com a verba n.º 22.2 do Código e da Tabela Geral do Imposto do Selo, respectivamente”.
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Na óptica da DSIT, a Requerente deveria ter liquidado IS sobre as referidas comissões, uma vez que não estariam verificados os pressupostos da isenção prevista na alínea b) do número 1 do artigo 7.º do Código do IS (“CIS”), a qual apenas se aplica a comissões e prémios relativos a seguros do ramo Vida.
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A 12 de Janeiro de 2012, na sequência das correções efectuadas em sede de inspeção tributária, a Requerente foi notificada da liquidação de IS n.º …, a qual apurava um montante a pagar de EUR 176.980,89 (imposto e juros compensatórios) até ao dia 13 de Fevereiro de 2012 (cfr. cópia que se junta como documento n.º 2).
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A 8 de Fevereiro de 2012, a Requerente procedeu ao pagamento do ato tributário acima referido (cfr. cópia do comprovativo de pagamento que se junta como documento n.º 3).
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Contrariamente ao entendimento da AT, a requerente cumpre os pressupostos da isenção de IS previstos na alínea e) do número 1 do artigo 7.º do CIS.
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Da leitura da alínea e) do n.º 1 do artigo 7º do CIS, resulta de forma inequívoca a conclusão de que as comissões cobradas entre “instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras” estão isentas de IS, sendo claro que no caso sub judice se mostram verificados os pressupostos objectivos e subjetivos da norma de incidência.
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A Requerente pagou comissões de mediação de seguros ao Banco …, S.A., ao Banco…, S.A. e Banco …, S.A..
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Sendo a requerente uma seguradora, deverá ser qualificada como uma instituição financeira
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A própria Administração Tributária, no texto da Circular n.º 7/2009 – a qual sustenta a tese preconizada no relatório de fundamentação do ato tributário em crise – defende que as instituições de seguro são qualificadas como instituições financeiras, pelo que estamos perante um facto não controvertido, mesmo para a Administração Tributária.
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O entendimento da AT de que a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7º do CIS apenas se aplica à atividade financeira stricto sensu, i.e., se apenas se aplica às operações previstas nas verbas 10 e 17 da Tabela Geral do CIS, não tem qualquer suporte legal.
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A referida norma legal não distingue o tipo de comissões a que se refere a isenção, pelo que a interpretação da Administração Fiscal contraria as mais elementares regras e cânones da interpretação jurídica.
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Concretizando: se a isenção não distingue entre comissões por serviços financeiros e comissões de mediação, não é legítimo a Administração Fiscal efetuar tal distinção.
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No caso em análise, e como acima referido, i.e. comissões cobradas pelos bancos às seguradoras, estamos perante uma situação de acumulação de taxas, pelo que segundo o disposto no número 3 do artigo 22.º do CIS, n.º 4, deveria ser aplicada a taxa mais elevada, ou seja, a de 4% prevista na verba 17.2.4 da TGIS.
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Pelo que, ainda que a isenção prevista na alínea e) do número 1 do artigo 7.º não fosse suficiente para isentar as comissões em questão de IS – o que apenas por mera hipótese se admite – o certo é que também nesta hipótese não será devido qualquer imposto, dado que mesmo na interpretação da Administração Fiscal as operações previstas na verba 17.2.4. da TGIS beneficiam de isenção.
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O ato de liquidação objecto dos presentes autos padece de vício de violação de lei, por expressa violação da alínea e) do número 1 do artigo 7.º do CIS, devendo ser, em consequência, anulado, tudo com as demais consequências legais.
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A interpretação da administração fiscal constante da Circular n.º 7/2009, de 15 de Abril, nos termos da qual o imposto aplicável às comissões cobradas por instituições de crédito a empresas de seguros pela atividade de mediação de seguros é o imposto sobre as comissões de mediação e não o imposto sobre as comissões cobradas por instituições de crédito, não sendo, por outro lado, aplicável a isenção prevista na alínea e) do número 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo porque as empresas de seguros não qualificam como “instituições financeiras”, é incorreta, quer porque parte do principio de que a questão se coloca ao nível do imposto sobre as comissões de mediação de seguros, quando de facto, e pela incidência simultânea deste e do imposto sobre as comissões cobradas por instituições de crédito, é este último o imposto relevante, quer porque conclui que a isenção não é aplicável;
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Em qualquer hipótese, a administração fiscal não poderá aplicar retroactivamente a posição assumida na Circular em análise;
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A aceitação da posição da administração fiscal quanto à inaplicabilidade da isenção na impossibilidade de qualificação das empresas de seguros implicaria necessariamente a aceitação da inaplicabilidade da isenção no caso de às garantias prestadas, aos juros cobrados e às restantes comissões cobradas pelas instituições de crédito às empresas de seguros, para além de impedir a aplicabilidade da dispensa de retenção na fonte de IRC relativamente a juros e outros rendimentos de capitais, com exceção de lucros distribuídos, de que são beneficiárias as empresas de seguros.
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O ato de liquidação de IS objecto do presente pedido deve ser declarado ilegal por erro nos pressupostos de direito, e consequentemente vício de violação de lei e, em particular, do disposto na alínea e) do número 1 do artigo 7.º do CIS.
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Não sendo devida a quantia de imposto liquidado, também não poderá subsistir, atenta a sua natureza acessória, a liquidação de juros compensatórios.
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Além de que inexiste qualquer comportamento culposo por parte da Requerente, o que inviabiliza, de igual modo, a liquidação de juros compensatórios, pois “a exigência de juros compensatórios pressupõe a culpa do sujeito passivo” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Março de 1999, Processo n.º 20181) e esta (culpa) não resulta comprovada nos autos
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“A imputabilidade referida na lei não se basta com a mera ligação objectiva do facto ao contribuinte, seja, como ilicitude, comportando ainda um juízo subjetivo consistente na atribuição ou imputação da falta de cumprimento à vontade do agente de forma a poder formular-se, a respeito da sua conduta um juízo de censura; numa palavra, a culpa” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Fevereiro de 1998, proferido no processo n.º 22325.
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A Administração Fiscal omite no relatório fundamentador dos atos tributários em análise, qualquer menção à liquidação de juros compensatórios, ou seja, não comprova, por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito, qual a culpa da Requerente.
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Não pode a liquidação de juros compensatórios prevalecer por padecer de vício de forma por falta de fundamentação, pelo que, também por esta razão de direito deve o montante de juros compensatórios ser anulado, a acrescer às demais.
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Não estando, in casu, verificados os pressupostos de que a lei (cfr. artigo 35º da Lei Geral Tributária) faz depender o direito do Estado a liquidar juros compensatórios, devem os mesmos ser anulados em conformidade.
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A anulação administrativa de um ato de liquidação implica, no entanto, a anulação de todos os seus efeitos ex tunc, por forma a que tudo se passe como se ele não houvera sido praticado.
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O que, no caso, implica não só a restituição à ora Requerente do montante de imposto indevidamente pago a título de IS, a acrescer à anulação do próprio ato tributário de liquidação adicional, mas também o pagamento de juros indemnizatórios a computar entre a data do pagamento indevido e a emissão do título de crédito, os quais à data da entrada deste pedido de pronúncia arbitral, ascendem a Euros € 1.764,96.
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Em abono da sua tese, citou Doutrina (Manuela Duro Teixeira, António Campos Laires, Jorge Belchior Laires e José Vasques) e, relativamente à liquidação de juros compensatórios, os arestos supra referidos
Juntou à petição três documentos.
Cumpridos os necessários e legais trâmites processuais, designadamente os previstos no DL 10/2011 e Portaria 112-A/2011, foi constituído, em 4 de Julho de 2012, este Tribunal, constituído pelo Juiz José Poças Falcão (presidente), Professor Doutor Tomás Castro Tavares e Dr. João Magalhães Ramalho e designado por decisão do presidente do Conselho Deontológico do CAAD.
Este Tribunal, a sugestão das partes e com a concordância destas, deliberou, por unanimidade, que seria aplicável neste processo o regime de suspensão dos prazos no decurso das férias judiciais (cfr ata de constituição do Tribunal).
Em 28-9-2012 foi realizada a reunião a que alude o artigo 18º, do RJAT.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, apresentou resposta confirmando ou reafirmando, no essencial, a legalidade da liquidação decorrente da aplicação in casu da Tabela do IS (TGIS) – Verba 22.2 e a não isenção nos termos do art. 7º-1/e), do Cód do Imposto de Selo (CIS) uma vez que tal isenção abrange apenas as operações financeiras previstas em 10 e 17, da TGIS.
Para além da Lei e da interpretação que dela faz, a AT citou, em abono da tese defendida, diversa Doutrina (Silvério Mateus, Corvelo Freitas, João Espanha).
Alega designada e sinteticamente a AT:
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As comissões cobradas pela atividade de mediação de seguros estão sujeitas a imposto de selo ao abrigo da verba 22.2 da Tabela geral anexa ao Código do Imposto do Selo (TGIS), sendo as empresas seguradoras os sujeitos passivos do imposto e recaindo o encargo da tributação sobre o mediador, tudo em respeito pelo artigo 1.º, n.º 1; artigo 2.º, n.º 1, alínea e); e artigo 3.º, n.º 3, alínea o), todos do Código do Imposto do Selo (CIS).
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A título de isenção, prevê a alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS a isenção dos prémios e comissões, mas apenas relativos a seguros do ramo “vida”.
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No caso em apreço, estando em causa comissões do ramos “não vida”, e não estando estas comissões contempladas na isenção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, a seguradora entendeu – erradamente - que as comissões pagas seriam enquadráveis na previsão da alínea e) daquele preceito, por se tratarem de operações entre instituições financeiras, pelo que as isentou de imposto de selo.
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Todavia, a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS é uma norma de isenção que apenas respeita às operações financeiras consagradas nas verbas 10 e 17 da Tabela Geral anexa ao CIS (TGIS), tendo o legislador efectuado uma separação clara, em todo o CIS, entre as operações de seguros e as operações financeiras.
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Como tal, a cobrança de comissões pela atividade de mediação de seguros entre instituições seguradoras e instituições de crédito não podem ser enquadradas na norma de isenção do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do CIS, porquanto, as comissões pagas não são relativas a operações financeiras, estando, a final, sujeitas a imposto de selo nos termos do artigo 1.º, n.º 1, do CIS e verba 22.2 da TGIS, e dele não isentas.
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A liquidação sindicada, resultou da circunstância de a R., enquanto Sujeito Passivo de Imposto de Selo, ter procedido ao pagamento de comissões cobradas pela atividade de mediação de seguros (do ramo “não vida”), relativamente às Instituições de Crédito (Bancos) supra referidas, durante o exercício de 2008, sem que tivesse procedido à correspondente liquidação do referido imposto.
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A mediação de seguros é uma atividade remunerada que consiste em, atendendo aos riscos que o tomador de seguro pretende cobrir, apresentar ou propor um contrato de seguro (ou auxiliar a sua preparação), celebrar o contrato de seguro (ou apoiar a sua celebração), ou, ainda, auxiliar a execução desse contrato (nomeadamente em caso de sinistro).
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Tal atividade não consubstancia uma operação ou atividade financeira.
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Não consta dos artigos respeitantes às isenções de imposto de selo, qualquer referência aos “prémios e comissões relativos a seguros do ramo «Não Vida»”.
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A mediação de seguros não é a atividade primacial dos bancos, não é aquela para a qual eles são criados, não é o seu negócio base. Apesar de o artigo 8.º do RGICSF prever a possibilidade do exercício dessa atividade, a sua legal autorização depende de inscrição no Instituto de Seguros de Portugal, uma vez que é esta a entidade supervisora da atividade mediadora de seguros.
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Os bancos, agindo na qualidade de mediadores de seguros, ou seja aquela que, para o caso em apreço, é relevante, atuam sob a supervisão do ISP e não na qualidade de entidade bancária, sujeita a supervisão por parte do Banco de Portugal.
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A isenção prevista na alínea e) do artigo 7.º nº1 do CIS versa sobre as atividades financeiras exercidas por aquelas entidades e não sobre quaisquer outras uma vez que, objectivamente, é o cariz financeiro e económico da operação que se pretende isentar de tributação e não a entidade interveniente.
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As instituições de seguro são igualmente tidas como instituições financeiras, lato sensu, mas não lhes é reconhecida a natureza de instituição de crédito, intermediário financeiro ou sociedade financeira.
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Resulta correta a interpretação conferida pela AT ao Código do Imposto de Selo – maxime o seu artigo 7.º - não se mostrando ferida de qualquer vício a liquidação de Imposto de Selo sindicada. Tal entendimento acabou por vir a ser sufragado na Circular n.º 7/2009, mas que ao presente exercício se não aplicou, uma vez que a mesma data de 15 de Abril.
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Aplicar a estas operações a isenção contemplada na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º - com é desiderato da R. - é pôr em causa os princípios da equidade, uniformidade fiscal e igualdade na tributação, todos com assento na Lei Fundamental.
Este Tribunal Arbitral é absolutamente competente.
As partes são legítimas e estão devidamente representadas: a requerente por advogado e a AT, por representantes do respectivo Diretor-geral.
O processo é o próprio e não há nulidades e outras questões prévias a apreciar por agora.
Cumpre então apreciar e decidir do mérito da causa.
II FUNDAMENTAÇÃO
A – OS FACTOS PROVADOS
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A Requerente dedica-se à atividade de seguros e resseguros em todos os ramos técnicos “Não Vida”;
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No âmbito da sua atividade, a Requerente, no decurso do ano de 2008, procedeu ao pagamento de comissões ao Banco … S.A., Banco …, S.A. e Banco …, S.A. pela atividade de mediação de seguros;
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A Requerente foi alvo de uma ação de inspeção tributária ao exercício de 2008, desencadeada pela Ordem de Serviço n.º …, de 9 de Março de 2011, que abrangeu a análise à situação tributária da Requerente em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) e IS;
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A 30 de Dezembro de 2011, a Direção de Serviços de Inspeção Tributária (“DSIT”) emitiu o relatório final de inspeção, nos termos do qual e para o que aqui releva, apurou IS em falta no montante de EUR 155.834,92 (Proc administrativo e Doc 1, junto com o requerimento inicial);
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A correção em sede de IS teve por base a seguinte fundamentação: “Apuramento do imposto do selo em falta sobre o pagamento a mediadores de comissões cobradas pela atividade de mediação, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 9º e n.º 1 do artigo 22º, conjugado com a verba n.º 22.2 do Código e da Tabela Geral do Imposto do Selo, respectivamente”(Cf. citado relatório).
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A 12 de Janeiro de 2012, na sequência das correções efectuadas em sede de inspeção tributária, a Requerente foi notificada da liquidação de IS n.º …, a qual apurava um montante a pagar de EUR 176.980,89 (imposto e juros compensatórios) até ao dia 13 de Fevereiro de 2012 ((Doc 2, junto com o requerimento inicial)
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A 8 de Fevereiro de 2012, a Requerente procedeu ao pagamento do ato tributário acima referido (cfr Doc 3, junto com o requerimento inicial)
B – FACTOS NÃO PROVADOS
Não há factos essenciais não provados e necessários para a decisão da causa.
C – MOTIVAÇÃO
Para a convicção do Tribunal relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos e não impugnados, o processo administrativo apresentado pela AT e a não impugnação da matéria factual invocada pela requerente.
D – O DIREITO
A questão decidendi essencial prende-se com a isenção ou não isenção de imposto de selo sobre comissões pagas em 2008 por uma companhia de seguros (a requerente) a várias entidades bancárias pela atividade de mediação de seguros do ramo “não vida”.
A Requerente invoca, em síntese, que ao caso sub judice seriam subsumíveis as verbas 22.2 e 17.3.3 da TGIS (Tabela Geral de Imposto de Selo) – e que, por efeito do art. 22.º do CIS, seria aplicável apenas a verba 17 da TGIS; e independentemente disso, essas comissões de mediação estariam isentas de imposto de selo, por força do art. 7.º, n.º 1, al. e), do CIS (Código de Imposto de Selo), com base em argumentos literais (preenchem-se todos os pressupostos da isenção e esse preceito não diz que é exclusivo das operações financeiras das verbas 10 e 17 da TGIS), históricos (a alteração a esse preceito passou a abranger a isenção sobre as comissões cobradas), de autoridade (a doutrina pugnaria por esta solução, conforme escritos de Manuela Duro Teixeira e António Laires e Jorge Laires identificados na sua PI), e teleológicos (a lei quis beneficiar as instituições financeiras que exercem a atividade de mediação de seguros face aos normais mediadores, pois aqueles teriam um regime diverso, menos atrativo, em sede de IVA); termina pedindo, à cautela, que se a liquidação for legal, então, ainda assim não lhe devem ser exigidos juros compensatórios, pois não haveria qualquer culpa no incumprimento tributário.
A Autoridade Tributária, na fundamentação do ato e demais pronunciamentos ao longo do processo, reitera, em síntese: aplica-se in casu, a verba 22.2 da TGIS e as operações em causa não estão isentas nos termos do art. 7.º, n.º 1, al. e) do CIS: essa isenção só abrange as operações financeiras da verba 10 e 17 da TGIS. E defende-o por um argumento literal; um elemento de autoridade (é essa a posição de Silvério Mateus e Corvelo Freitas e de João Espanha – em posições cujas fontes foram por ela devidamente identificadas) e num argumento teleológico: a tese da requerente implicaria que as operações de mediação de seguros não vida estivessem isentas de selo se houvesse a intervenção de instituições financeiras e não isentas se efetuadas por mediadores não financeiros – em que é essa inclusive a sua atividade principal. Ora, estabelecer-se um regime diverso para uma atividade igual envolveria uma violação do princípio da igualdade fiscal, equidade e uniformidade fiscal, matéria com cobertura constitucional (art. 13.º, 103.º e 104.º da CRP [Constituição da República Portuguesa]).
Questões a decidir
São as seguintes as questões a apreciar e decidir:
a) As comissões cobradas pela atividade de mediação de seguros “não vida” cujo serviço é prestado por instituições financeiras estão sujeitas à verba 22 e/ou 17 da TGIS;
b) As comissões em causa beneficiam ou não da isenção de selo do art. 7.º, n.º 1, al. e), do CIS;
c) Se não beneficiarem de isenção, à Requerente devem ou não ser-lhe exigidos juros compensatórios.
Cumpre analisar cada uma destas questões de per si.
a) As comissões cobradas pela atividade de mediação de seguros não vida cujo serviço é prestado por instituições financeiras estão sujeitas à verba 22 e/ou 17 da TGIS
As normas potencialmente aplicáveis a esta questão dispõem o seguinte:
Verba 22 da TGIS – Seguros
“22.2. Comissões cobradas pela atividade de mediação, sobre o respetivo valor líquido de imposto de selo – 2%”
Verba 17 da TGIS – Operações Financeiras
17.3.4. Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros – 4%
Artigo 22.º do CIS – Taxas
2. Não haverá acumulação de taxas do imposto relativamente ao mesmo ato ou documento.
3. Quando mais de uma taxa estiver prevista, aplica-se a maior.
As partes do processo estão em total sintonia quanto ao tipo de comissões em causa: comissões pela mediação de seguros do Ramo “Não Vida”, pagas pela Companhia de Seguros (Requerente) a entidades bancárias residentes em Portugal – que angariaram seguros a favor da Requerente.
A Autoridade Tributária pugna pela aplicação da verba 22.2 da TGIS pois trata-se, na sua opinião, de comissões cobradas pela atividade de mediação de seguros. E argui a não aplicação das comissões descritas na verba 17 da TGIS, por não acumulação de várias verbas sobre o mesmo ato, já que esta verba (17) apenas diria respeito às comissões cobradas nas operações financeiras descritas na verba 17 (e 10) da TGIS – o que não se verifica manifestamente no caso dos autos, pois não existem operações financeiras mas de seguros.
A Requerente invoca, por seu turno, que à mediação de seguros efetuada por (entre) entidades financeiras, seria potencialmente aplicável a regra geral (verba 22 da TGIS) e a verba específica para as comissões entre entidades financeiras (verba 17 da TGIS) – e nesse caso prevaleceria esta última, porque de taxa superior.
Concordámos com a tese da Autoridade Tributária: a verba 17 da TGIS aplica-se apenas às comissões ligadas às operações financeiras descritas nessa verba (pela utilização de crédito, em variados atos e contratos elencados nesse preceito legal) quando realizadas ou intermediadas por (entre) instituições financeiras.
A letra da lei é esclarecedora quanto a este ponto: há uma verba (22), sob a epígrafe “Seguros”, que se aplica perfeita e totalmente aos factos do caso sub judice (comissões pela atividade de mediação de seguros); a verba 17, sob a epígrafe operações financeiras, não se aplica ao caso sub judice: as comissões aí descritas dizem respeito apenas às comissões de mediação ligadas a operações financeiras, tal como decorre do texto da lei: utilização de crédito sob as mais diversas formas e roupagens de contratos de constituição de crédito.
Aliás, e este argumento parece-nos decisivo, se não existisse a verba 22 da TGIS, as comissões cobradas pela atividade de mediação de seguros não estariam sujeitas e imposto de selo, ainda que decorrentes de operações (de mediação de seguros) realizada entre instituições financeiras e de crédito. A verba 17 da TGIS, porque circunscrita às operações financeiras descritas no seu corpo (e comissões daí decorrentes) não se aplica às comissões pela atividade acessória de mediação de seguros, porque não integrada na verba 17 da TGIS.
E não se invoque que a mediação de seguros entre entidades financeiras se reconduziria sempre uma operação financeira, por efeito da lei bancária. É certo que as instituições de crédito (Bancos) podem exercer a atividade de mediação de seguros (art. 4.º, n.º 1, atual al. m) do Dec. Lei n.º 298/92, de 31/12 [Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras1]. Mas ao fazê-lo não estão propriamente a prosseguir a sua atividade principal (as operações financeiras e concessão de crédito), sob a qual existe aliás um regime de exclusividade; mas prosseguem uma atividade acessória, que pode ser efetuada também por outras empresas não bancárias e não financeiras (conforme se dispõe no Dec. Lei n.º 144/2006). Efetuam por isso operações não financeiras consentidas pela lei bancária.
Ou, dizendo doutro modo: as Instituições de Crédito quando praticam outras operações (mediação de seguros, designadamente, que não é uma operação bancária2) fora da órbita da sua atividade principal (e a mediação de seguros não faz parte do elenco das operações bancárias típicas, sendo apenas uma atividade acessória autorizada), fazem-no “despidas” da sua veste de instituições de crédito, não podendo invocar benefícios, isenções ou reduções fiscais estabelecidos objetivamente, ou seja, em função e por causa da própria atividade principal que desenvolvem.
Mas ainda que porventura assim não fosse, a verdade é que a verba 17 da TGIS se circunscreve apenas às operações financeiras de concessão de crédito (e sua utilização pelos clientes), dentro da mais lata e variada tipologia (descrita nesse texto legal) – na atividade central e principal das entidades bancárias e financeiras (com a extensão do imposto de selo às comissões associadas a essas operações). Donde, as demais atividades prosseguidas por essas instituições não são tributadas pela verba 17 da TGIS – e só estarão sujeitas a selo se uma outra rubra do código expressamente as tributar, como sucede no caso sub judice, com as comissões cobradas pelos bancos pela atividade de mediação de seguros (verba 22).
Em suma: a liquidação impugnada é legal quanto a este ponto: a liquidação estriba-se na verba 22 da TGIS e não na verba 17 da TGIS porque é aquela – e só aquela – a aplicável ao caso dos autos.
b) As comissões em causa beneficiam ou não da isenção de selo do art. 7.º, n.º 1, al. e), do CIS;
As leis potencialmente aplicáveis a esta questão dispõem o seguinte:
Art. 7.º, do CIS – Outras isenções
1. São também isentos de imposto:
[…]
b) Os prémios e comissões relativos a seguros do ramo “Vida”;
[…]
e) Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia, ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças”.
Ao caso presente não se aplica o benefício fiscal objetivo da al. b) do n.º 1 do art. 7.º do CIS pois, como aliás concordam as partes deste processo, as comissões referem-se a seguros do Ramo não Vida.
A questão central prende-se com a aplicação (ou não aplicação) do benefício fiscal (isenção) constante da alínea e) do n.º 1 do art. 7.º do CIS: se as comissões cobradas entre instituições financeiras por mediação de seguros do ramo não vida estão (ou não) isentas de selo, com base nesse preceito. Colocada a questão de outro modo: se essa isenção é de natureza subjetiva (isenta de selo todas as comissões cobradas por uma instituição de crédito a uma instituição financeira) ou de natureza objetiva (só isenta de selo as operações financeiras [da verba 17 e 10 da TGIS] celebradas entre instituições financeiras).
A questão decidendi prende-se, por conseguinte, com a interpretação do conteúdo de uma isenção tributária (vertida no art. 7.º, n.º 1, al. e) do CIS).
A interpretação dos benefícios fiscais guia-se por dois grandes critérios orientadores.
a) Observam-se, por um lado, os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis – pois a lei tributária é uma lei como quaisquer outras (art. 11.º, n.º 1, da LGT). A letra da lei desempenha um papel fulcral, mas em caso de dúvida deve adotar-se a solução que ancorada no texto da lei, melhor se coaduna com os princípios gerais do Direito (fiscal e gerais).
b) Deve atender-se, por outro lado, à especificidade de se curar de um benefício fiscal (isenção) – matéria coberta pelo princípio da tipicidade (art. 103.º da CRP e art. 8.º, n.º 1, da LGT), e onde não é permitida a integração analógica, mas admitida a interpretação extensiva (art. 10.º, do EBF).
A primeira consideração é esta: diante da letra da lei (art. 7.º, n.º 1, al. e) do CIS), e numa primeira leitura do preceito, são plausíveis ambas interpretações:
- Quer a da requerente: a lei fala de comissões cobradas entre instituições de crédito e financeiras (e é isso o que sucede in casu, pois os bancos e a seguradora são respetivamente instituições de crédito e instituições financeiras3);
- Quer a da Autoridade Tributária: a lei fala de juros, comissões, garantias prestadas e utilização do crédito entre instituições de crédito e financeiras – e essas são as operações financeiras (realizadas entre instituições de crédito e financeiras) e descritas na verba 17 e 10 da TGIS: utilização do crédito (17.1 e 17.2), juros (17.3), comissões por garantias e serviços financeiros (17.3) e prestação de garantias (10), a qual muitas vezes é acessória aos contratos de utilização de crédito da verba 10 – e que portanto se liga às operações financeiras, pela sua natureza intrínseca e por efeito legal.
A confirmar o que vai dito, retenha-se que a própria doutrina se encontra dividida. Há autores, bem indicados pela Requerente, que advogam a tese da Seguradora; há outros autores, igualmente avisados, e devidamente indicados pela Autoridade Tributária que pugnam pela tese oposta.
Perante a ambivalência do elemento literal, e dada a proibição do non liquet, o intérprete deve convocar os demais elementos interpretativos.
A Requerente estriba-se em segundo lugar, num argumento histórico: a redação atual do preceito (art. 7.º, n.º 1, al e) do EBF), promovida pela Lei n.º 107-B/2003, de 31/12, alterou o sentido dessa norma, passando a integrar a interpretação defendida pela Requerente. Segundo a Requerente, antes a isenção não beneficiava as instituições financeiras, e agora (à data dos factos) após a alteração da lei, passou também a integrá-las na isenção.
Não pugnamos, todavia, por essa interpretação. Retenha-se, desde logo, que o elemento histórico não é, por regra, o argumento decisivo, mas apenas um auxiliar e de interpretação da lei. E, quanto a nós, a alteração da lei não tem o efeito defendido pela Requerente. Alarga-se o espectro da isenção em causa às instituições financeiras (e às garantias prestadas), mas continua a consentir-se ambas as interpretações literais: a isenção do art. 7.º, n.º 1, al. e) do CIS, integra quer todas as operações realizadas entre instituições de crédito e financeiras (e portanto também no âmbito dos seguros), quer apenas as operações financeiras (incluindo garantias prestadas) entre tais entidades (com exclusão das operações de seguros).
Em nossa opinião, a questão decidendi é resolvida pelo argumento teleológico.
Este elemento tem de ser utilizado com ponderação na interpretação dos benefícios fiscais. É que um benefício fiscal é em si mesmo uma medida política, onde, apesar da verificação da incidência de imposto, o legislador pretende desagravar determinada pessoa ou situação, em face de relevantes interesses públicos extra fiscais, superiores aos da própria tributação que impedem (art. 2.º, n.º 1, do EBF [Estatuto dos Benefícios Fiscais]).
É por isso que está vedada a analogia: se o legislador decide beneficiar apenas uma certa operação ou pessoa – e não as suas sucedâneas (deixando-o totalmente claro na letra da lei) não pode o intérprete suprir tal alegada lacuna, que na realidade não existe. O intérprete não pode substituir-se ao legislador. Se a lei criou apenas uma isenção total para os prémios e comissões de seguros do ramo “Vida” (art. 2.º,n.º 1, al. b), do CIS) não pode o intérprete pretender estendê-lo ao ramo “Não Vida”, por integração analógica.
Mas dentro do realismo interpretativo referido (com moderação e cautela), é admissível a interpretação teleológica dos benefícios fiscais, sobretudo quando a letra da lei consente várias interpretações plausíveis do preceito (como é o caso em disputa).
Ora, as perguntas que se colocam são as seguintes: qual o motivo para isentar de selo as comissões por seguros do ramo não vida cobrada entre instituições de crédito e financeiras? Melhor ainda: qual o motivo para não isentar também tais comissões quando auferidas por mediadores de seguros não financeiros?
A Requerente esboça uma explicação: o IVA das comissões de seguro não seria dedutível para as instituições de crédito, ao passo que o IVA suportado pelos mediadores de seguro seria dedutível – e por isso a intenção do legislador foi a de isentar de selo apenas as instituições de crédito, em nome de uma certa equiparação tributária.
Mas este argumento não convence na medida em que toda a atividade seguradora está isenta de IVA, incluindo as comissões cobradas, sejam por instituições de crédito e ou por mediadores de seguros, como se dispõe no art. 9.º, n.º 28, do CIVA (Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado).
Mais ainda: a incidência do selo da verba 22 da TGIS – nas comissões cobradas pelos mediadores de seguro – pressupõe que tais operações estejam isentas de IVA, pois o selo e o IVA não podem incidir cumulativamente (art. 1.º, n.º 2, do CIS).
Claro que se poderia sempre advogar – como sustenta implicitamente a Requerente – que o legislador, na sua soberania fiscal, cria os benefícios fiscais que deseja, isentando quem entende e criando, com isso, injustiças aparentes que o intérprete teria de acatar.
Mas esta ideia não vinga, quando (como sucede no caso dos autos) a letra da lei consente duas interpretações plausíveis do recorte e conteúdo do benefício fiscal. Nestes casos, tem de se escolher a interpretação que melhor se coaduna com a Constituição. Perante duas interpretações possíveis de uma norma legal – uma incompatível com a Constituição e outra com ela compatível – o intérprete deve decidir-se por esta última (Acórdão do Tribunal Constitucional de 13 de Julho de 1994, proc. 364/94, www.tribunalconstitucional.pt).
Ou talvez melhor dito: entre duas interpretações plausíveis de um certo preceito deve adotar-se o mais conforme com a Constituição; não tanto no sentido maniqueísta de que uma é contra e outra a favor da constituição; mas mais no sentido de escolher aquela interpretação (dentro das várias consentidas pela letra da lei) que consagre o sentido necessário para tornar mais possível e operativo a força e o espírito conformador da Constituição (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, 6.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, p. 307 a 313).
Em face destas orientações interpretativas, a decisão do caso presente vai no sentido proposto pela Autoridade Tributária, pois é a que melhor se coaduna com a Constituição. Não queremos dizer a solução inversa seja inconstitucional. Basta concluir que a interpretação proposta pela Autoridade Tributária é a que melhor assegura a igualdade e a capacidade contributiva: operadores do mesmo tipo de seguros que exerçam a mesma atividade (mediação de seguros) terão o mesmo regime fiscal (idêntica sujeição de imposto sobre a mesma verba – a verba 22 da TGIS), quer se tratem de instituições de crédito (na sua atividade acessória) ou de usuais mediadores não financeiros (na sua atividade usual). A tese da Requerente, ao discriminar positivamente as instituições de crédito, estaria comparativamente a prejudicar os demais mediadores de seguros, sem atendíveis razões legitimadoras. Não faria sentido que duas empresas com a mesma manifestação de riqueza (porque cobraram comissões na atividade seguradora) tivessem regimes fiscais diversos, porque seria admitir diferenças fiscais injustificadas perante a mesma capacidade de pagar.
Por conseguinte, a isenção do art. 7.º, n.º 1, al. e) do CIS não se aplica às comissões cobradas por operações de seguro entre instituições de crédito e financeiras, designadamente seguradoras. Restringe-se às operações financeiras descritas na verba 10.º e 17.º da TGIS, as quais são realizadas por instituições de crédito e financeiras em regime de exclusividade (e portanto sem discriminações e violações do principio da igualdade).
As instituições de crédito que efetuem a atividade acessória de mediação de seguros não devem ter um regime fiscal (em sede de imposto de selo) mais benéfico do que o dos mediadores de seguros, seus concorrentes. Se estes últimos estão sujeitos e não isentos de imposto de selo sobre as comissões pela atividade de mediação de seguros não Vida (verba 22.º da TGIS), então as instituições de crédito, pela mesma atividade e comissões, devem ter idêntico regime fiscal, pois esta solução, para lá de consentida pela letra da lei, é a que melhor consagra positivamente os princípios constitucionais da igualdade (até para se evitar uma concorrência desleal) e da equidade, uniformidade e capacidade contributiva (art. 13.º e 103.º da CRP).
De acordo com estes princípios, não há razões que legitimem um tratamento fiscal mais favorável para a atividade acessória de mediação de seguros efetuada pelas instituições de crédito, face a idêntica atividade principal dos mediadores de seguro. Ora, sendo plausível ambas as interpretações com base na letra da lei, deve seguir-se aquela que melhor consagra a igualdade fiscal, a equidade, uniformidade e capacidade contributiva (art. 13.º e 103.º da CRP).
Por conseguinte, a liquidação de imposto é legal e não merece qualquer censura.
c) Se acaso as operações não beneficiarem de isenção, à Requerente devem ou não ser-lhe exigidos juros compensatórios.
Só são exigíveis juros compensatórios se à omissão ou atraso no pagamento do imposto devido se associar um juízo de censura ou de culpa ao contribuinte nessa conduta (Ac. STA de 16/12/2012, proc. 0587/10 e Ac. STA de 0325/08, de 19/11/2008).
A Requerente atuou como atuou – entendendo que as operações em causa nos autos beneficiariam de uma isenção de selo do art. 7.º, n.º 1, al. e), do CIS – com base numa interpretação errada mas plausível da lei fiscal. Como se viu, a letra da lei, numa primeira leitura, parece suportar a posição da requerente, a qual é aliás defendida por parte da doutrina que se debruçou sobre o assunto.
Mais ainda: a Circular 7/2009 emitida em 15 de Abril de 2009 pelo Diretor Geral dos Impostos (após, portanto, a data a que se reporta a liquidação em causa) pronuncia-se especificamente sobre o tema em questão: imposto de selo sobre as comissões de mediação de seguro devidas pelas instituições seguradoras às instituições de crédito.
E salienta logo no início do seu texto: “tendo sido suscitadas dúvidas quanto à eventual aplicabilidade da isenção do art. 7.º, n.º 1, al. e) do CIS às operações de cobrança de comissões pela mediação de seguro por instituições de crédito […].
Quer dizer: o próprio despacho dá nota que em 2009 (pela altura dos factos em causa) havia dúvidas fundadas sobre o tema em causa.
Por todas estas razões, a requerente atuou com base numa interpretação plausível da lei fiscal – a qual suscitava fundadas dúvidas de interpretação, a ponto de ser necessário estabelecer um Despacho para as tentar dissipar. Por isso, não lhe pode ser assacado qualquer comportamento intencional e culposo na errada interpretação e aplicação da lei fiscal (e falta ou atraso no pagamento do imposto). Não se preenche, assim, um dos requisitos para a existência de juros compensatórios, pela boa interpretação do art. 35.º da LGT, tal como trilhada pela jurisprudência dos tribunais superiores acima identificada [cf ainda, sufragando igualmente este entendimento, o Acórdão do Pleno da Sec do Contencioso Tributário do STA de 12-7-95 –Recurso nº 12649, in Diário da República (Apêndice – DL nº 267/85, de 16-7), de 14-4-97, pg. 75)].
Donde, à requerente não se lhe podem exigir quaisquer juros compensatórios.
III DECISÃO
Na sequência e em consequência do exposto, os juízes-árbitros que constituem este Tribunal julgam:
a) Parcialmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, designadamente quanto à invalidade e anulação da liquidação adicional de imposto de selo contestada, no valor de 155.834,92€, mantendo-se assim, nessa parte o respetivo ato tributário e
b ) Procedente o pedido de anulação das liquidações de juros compensatórios na importância global de € 21.145,97 , determinando-se, em consequência a anulação de tais liquidações.
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Fixa-se à causa o valor de € 176.980,89 – arts. 97º-A, do CPPT, 12º, do RJAT (DL 10/2011) e 3º-2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).
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Custas nos termos da Tabela I, do RCPTA, calculadas em função do sobredito valor do pedido, a cargo de ambas as partes e na proporção de 85% para a requerente e 15% para a Autoridade Tributária e Aduaneira– arts. 4º-1, do RCPTA e 6º-2/a) e 22º-4, do RJAT.
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Notifique-se esta decisão arbitral às partes e, oportunamente, arquive-se o processo.
Lisboa e CAAD, 17 de dezembro de 2012
Os juízes-árbitros
(José Poças Falcão)
(Tomás Castro Tavares)
(João Magalhães Ramalho)
Voto de vencido
1. Em termos sistemáticos e materiais, enquanto as actuais Verbas 17.1. e 17.2 da TGIS, na senda das anteriores Verbas 1 e 54 da Antiga TIS, visam a tributação de todos os fenómenos de utilização de crédito, aplicando-se por isso mesmo, de modo transversal a todos os sujeitos passivos; a Verba 17.3. da TGIS visa a tributação dos juros, comissões e outras contraprestações devidas por serviços financeiros, desde que respeitem a operações realizadas por ou com a intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras (na senda, aliás, da Verba 120-A da Antiga TIS). Existe, assim, uma clara distinção em termos da incidência objectiva e subjectiva entre as Verbas 17.1. e 17.2, face à Verba 17.3., todas da TGIS.
2. Neste contexto, a referência que o legislador faz na Verba 17.3 da TGIS a “outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras” indicia claramente a intenção de alargar a todas as instituições financeiras o universo subjectivo da incidência do IS, entendido, nos termos do artigo 2.º do CIS, como o conjunto de entidades legalmente incumbidas de proceder à liquidação e entrega do IS nos cofres do Estado, em que à cabeça figuram as empresas seguradoras (cfr. alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS).
3. Por este motivo, e apesar da deficiente técnica legislativa adoptada, não colhe o argumento da Autoridade Tributária de que não se trata aqui de uma questão de acumulação de verbas dirimida pelo artigo 22.º do CIS, mas tão-somente da não subsunção das comissões descritas na Verba 17 da TGIS, em virtude de esta norma, no entender da Autoridade Tributária, apenas dizer respeito às comissões cobradas nas operações financeiras descritas na Verba 17 (e 10) da TGIS.
4. Aliás, e levando ao extremo o argumento da Autoridade Tributária, se por hipótese a TGIS fosse omissa quanto à tributação específica das comissões cobradas pela actividade de mediação como o faz na Verba 22 da TGIS, o resultado prático de tal omissão nunca se reconduziria à não tributação dessas mesmas comissões em sede de IS. Se, efectivamente, a referida Verba 22 da TGIS não existisse, o que sucederia seria que as comissões de mediação cobradas entre instituições de crédito, instituições financeiras e sociedades financeiras seriam passíveis de tributação em IS (estando isentas as do ramo vida), ficando por tributar, por ausência de norma de incidência, todas as comissões cobradas por outras entidades e/ou pessoas singulares que não se subsumam em nenhuma das três categorias acima referidas.
5. Por este motivo, considera-se que a liquidação é ilegal quanto ao ponto (a) ao estribar-se na Verba 22 da TGIS quando deveria basear-se na Verba 17 TGIS por força do disposto nos números 2 e 3 do artigo 22.º do CIS.
6. Por outro lado, e quanto à questão decidendi em torno da interpretação do conteúdo da isenção tributária vertida na alínea e) do número 1 do artigo 7.º do CIS, não partilhamos novamente do entendimento sustentado pela Autoridade Tributária, o qual, aliás, é contrário ao sustentado no Parecer n. 340, da Direcção de Serviços Jurídicos e do Contencioso, emitido em 31 de Março de 2005, sancionado superiormente pelo então SDG e, bem assim, à habilitada doutrina citada pela Requerente na sua petição.
7. Na verdade, e sem prejuízo de se considerar que em termos da equidade e justiça que dirigem o sistema fiscal melhor andaria o legislador em promover uma alteração legislativa no sentido de harmonizar o CIS e a TGIS no que respeita às normas de incidência e extensão territorial do IS aplicáveis às instituições de crédito, instituições financeiras e sociedades financeiras, parece incontornável o facto de, à data dos factos sub judice e actualmente, a alínea e) do número 1 do artigo 7.º do CIS consagrar uma isenção de IS aplicável a todas as comissões cobradas por instituições de crédito, instituições financeiras ou sociedades financeiras, a instituições de crédito, instituições financeiras ou sociedades financeiras, desde que estas últimas não se encontrem domiciliadas em jurisdições de baixa tributação, independentemente de a causa da cobrança da comissão constituir uma operação financeira stricto sensu ou a mediação seguradora.
8. Salvo melhor opinião, é esta a melhor interpretação que resulta, por um lado, da subsunção das empresas seguradoras no conceito de “instituições financeiras”, e de o conceito de “comissão” previsto na alínea e) do número 1 do artigo 7.º do CIS abranger genericamente todas as comissões por serviços financeiros, sem diferenciar as comissões resultantes do exercício da actividade de mediadora de todas as restantes comissões cobradas por instituições de crédito, sociedades financeiras, entidades legalmente equiparadas e instituições financeiras.
9. Embora se reconheça que a interpretação acolhida abre a porta à discriminação, mais ou menos, arbitrária entre a mediação de seguros efectuada por instituições de crédito, sociedades financeiras e demais instituições financeiras que assim não é passível de tributação em sede de IVA e IS, face à mediação de seguros efectuada por meros mediadores particulares os quais são claramente tributados em sede de IS relativamente às apólices de seguro do ramo “não vida”, não pode o argumento teleológico invocado ser convocado para além do apoio concedido pelas normas legais, sob pena de se abrir a porta a fenómenos ilegais de interpretação das normas fiscais a coberto do vislumbre de qual possa ser a hipotética intenção do legislador quando, como parece ser o caso, tudo se resume a uma deficiente técnica legislativa fruto de sucessivas alterações legislativas não harmonizadas. Tal posicionamento afigura-se-nos ilegal à luz do ordenamento jus-tributário em vigor.
10. Por conseguinte, e relativamente ao ponto (b), a alínea e) do número 1 do artigo 7.º do CIS não pode deixar de se aplicar às comissões cobradas por operações de seguro entre instituições de crédito e financeiras, designadamente seguradoras. Somos, por isso, frontalmente contra a interpretação proposta de limitar a isenção em apreço às operações financeiras descritas na Verba 10 e 17 da TGIS, razão pela qual não acompanhamos a decisão deste Tribunal.
Lisboa, 17 de Dezembro de 2012
João Magalhães Ramalho