DECISÃO ARBITRAL
A árbitra, Sónia Martins Reis, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 17 de dezembro de 2024, acorda no seguinte:
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Relatório
A..., NIF ..., titular do passaporte n.º..., emitido pelas entidades competentes dos Estados Unidos da América em 06/08/2023 e válido até 05/08/2033 e B..., NIF ..., titular do passaporte n.º..., emitido pelas entidades competentes dos Estados Unidos da América em 02/10/2015 e válido até 01/10/2025, ambos residentes em Rua ..., n.º ..., ...–..., ...-... Lisboa, doravante designados por “Requerentes”, vieram deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”), em conjugação com os artigos 99.º e 102.º, n.º 1, alínea d), ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
Constitui pretensão dos Requerentes a declaração de ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa, proferido pelo Serviço de Finanças de Lisboa-... no âmbito do processo ...2022..., e que foi apresentada contra a nota de liquidação de IRS de 2020 com o n.º..., e subsequente anulação desta, que gerou o montante total de “Imposto relativo a tributações autónomas” de € 17.683,26 constante da referida nota de liquidação, o valor dos ganhos obtidos e a corresponde aplicação do coeficiente de correção monetária às datas de aquisição elencadas, por aplicação da tributação à taxa especial de 28%, nos termos e para os efeitos da alínea c) do número 1 do artigo 72.º do CIRS, tendo resultado um imposto de € 9.518,46 cujo valor pretendem que seja anulado.
Mais peticionam o reembolso do valor indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
Como causa de pedir, invocam vícios substantivos, em concreto que a opção pelo método de eliminação da dupla tributação deveria ter produzido a isenção de tributação das mais-valias mobiliárias provenientes dos EUA ao abrigo do regime de RNH, porquanto as mais-valias mobiliárias obtidas deveriam ter ficado isentas ao abrigo do regime de RNH.
E que para que o rendimento fique isento de tributação em Portugal ao abrigo do regime de RNH, exige-se a mera suscetibilidade de tributação no Estado da fonte de acordo com a CDT aplicável.
E que os EUA ao tributarem os rendimentos obtidos pelos seus nacionais numa base mundial de acordo com o seu direito interno, independentemente de residirem ou não no território, e sem prejuízo das regras de distribuição da competência tributária previstas nos artigos da CDT, sendo o Protocolo parte integrante da CDT, deverá dar-se relevo jurídico ao nele constante relativamente à competência para a tributação de rendimentos, que, concretamente, em termos práticos, conduz a que exista uma competência partilhada de Portugal e dos EUA para tributar as mais-valias auferidas por um cidadão que seja simultaneamente residente fiscal em Portugal e nacional dos EUA – como se verifica no caso dos Requerentes, sustentam.
Concluindo que sendo os EUA competentes para tributar os seus cidadãos relativamente a este rendimento para efeitos da CDT nos termos do Protocolo anexo, encontra-se preenchido o requisito legal previsto na legislação fiscal portuguesa para a aplicação do método da isenção aos rendimentos da categoria G provenientes da venda de valores mobiliários provenientes dos EUA auferidos pelos Requerentes e reportados na sua declaração de IRS de 2020.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 9 de Outubro de 2024, tendo sido constituído em 17 de Dezembro de 2024 e tendo seguido a sua normal tramitação.
Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a árbitra do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As Partes, notificadas dessa designação, em 27 de Novembro de 2024, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
A Requerida (ou “AT”) já depois de ter sido notificada para, querendo, contestar, veio, no dia 8 de Janeiro de 2025, informar o CAAD da revogação integral do ato impugnado.
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Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.
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Fundamentação
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Dos Factos
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se consideram provados:
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A..., NIF ..., titular do passaporte n.º ..., emitido pelas entidades competentes dos Estados Unidos da América em 06/08/2023 e válido até 05/08/2033 e B..., NIF..., titular do passaporte n.º..., emitido pelas entidades competentes dos Estados Unidos da América em 02/10/2015 e válido até 01/10/2025, ambos residentes em Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, doravante designados por “Requerentes”, vieram deduzir pedido de pronúncia arbitral ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”), em conjugação com os artigos 99.º e 102.º, n.º 1, alínea d), ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) peticionando a declaração de ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa, proferido pelo Serviço de Finanças de Lisboa-... no âmbito do processo ...2022..., e que foi apresentada contra a liquidação de IRS de 2020 com o n.º..., na parte que ditou imposto a pagar de € 9.518,46, tal como consta do seu pedido arbitral– cf. registo de entrada no SGP do CAAD e pedido de pronúncia arbitral (“PPA”).
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Em 14 de Outubro de 2024, a Requerida foi notificada da apresentação do pedido de pronúncia arbitral – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.
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Após notificação do Tribunal para contestar a Requerida veio informar o Tribunal da junção do despacho da Senhora Subdiretora-geral da AT, Helena Pegado Martins, e datado de 2025-01-03, por subdelegação de competências, ditando a revogação do ato tributário impugnado, no sentido do sustentado pela Requerente no seu PPA. – “Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que o pedido formulado pelo autor, deverá ser procedente. Do mesmo, deverão ser pagos juros indemnizatórios, nos termos previamente enunciados.”. – cf. Requerimento da Requerida constante do SGP do CAAD.
2. De Direito
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Anulação ou “Revogação” do Ato Tributário Impugnado - Impossibilidade Superveniente da Lide
O ato tributário sindicado, que constitui o objeto principal desta ação, foi anulado administrativamente.
Nestas circunstâncias, o pedido de anulação da liquidação de IRS ficou sem objeto, pois com a anulação administrativa, os respetivos efeitos jurídicos constitutivos são destruídos com eficácia retroativa, de acordo com o artigo 171.º, n.º 3 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), verificando-se uma impossibilidade superveniente da lide. Como refere a Decisão Arbitral no processo n.º 31/2013-T, do CAAD, de 4 de novembro de 2013, “torna-se impossível juridicamente anular o que já não existe”.
Importa ter em conta que o conceito de “revogação” até à entrada em vigor do novo CPA, em 8 de abril de 2015, na sequência da aprovação do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, abrangia quer a revogação anulatória com fundamento em ilegalidade, quer a revogação por razões de oportunidade e mérito.
Com o novo CPA, o conceito de revogação administrativa ficou restrito a esta segunda modalidade. Conforme prevê o atual artigo 165.º do CPA, sob a epígrafe “Revogação e anulação administrativas”, a revogação é o ato administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade (n.º 1), e a anulação administrativa é o ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade (n.º 2). É neste último segmento que se insere o ato que eliminou a liquidação de IRS em causa nos autos.
Deste modo, a revogação a que se reporta o artigo 79.º da LGT corresponde ao que hoje, à luz do CPA, se denomina de “anulação administrativa”, cujo regime consta dos artigos 163.º “Atos anuláveis e regime da anulabilidade” (anteriores artigos 135.º e 136.º); 166.º “Atos insuscetíveis de revogação ou anulação administrativas” (anterior artigo 139.º) e 168.º “Condicionalismos aplicáveis à anulação administrativa” (cujo n.º 2 corresponde ao anterior artigo 141.º), todos do CPA.
Em face do exposto conclui-se que a anulação administrativa comunicada pela Requerida no processo dá satisfação à pretensão anulatória do ato tributário de IRS em crise, retirando à lide arbitral o seu objeto principal, pelo que julga-se extinta a instância processual, com a absolvição da AT da instância, ao abrigo do disposto nos artigos 277.º, alínea e) e 611.º do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT.
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Responsabilidade para Efeitos de Custas
De acordo com o regime geral em matéria de custas, a impossibilidade ou inutilidade da lide é imputável à Requerida, que anulou o ato tributário ilegal após a apresentação do pedido de pronúncia arbitral pelos Requerentes, tendo a respetiva comunicação aos autos ocorrido após o decurso do prazo de 30 dias previsto no artigo 13.º, n.º 1 do RJAT, solução que se extrai do cotejo dos artigos 4.º, n.º 5 do RCPAT, 12.º, n.º 2 do RJAT, e 527.º e 536.º, n.º 3 do CPC, neste último caso por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
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Decisão
À face do exposto, acorda a árbitra deste Tribunal Arbitral em:
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Julgar extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide.
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Condenar a Requerida nas custas do processo, por ter dado azo à ação.
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Valor da Causa
Fixa-se ao processo o valor de € 9.518,46, por ser aquele que corresponde ao valor atribuído pelos Requerentes ao processo e não contestado pela Requerida, nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 alínea a) do RJAT, e do artigo 3.º, n, º 2, do RCPAT.
Assinala-se, como referido na decisão arbitral n.º 178/2019-T, de 20 de abril de 2020, que a determinação do valor da causa atende ao momento em que a ação é proposta (v. artigo 299.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), sendo irrelevantes, como afirma Jorge Lopes de Sousa, “as modificações de valor que possam advir da revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada ou de desistência ou redução de pedidos” – v. Guia da Arbitragem Tributária, Coord.: Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, p. 153.
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Custas
Fixa-se o montante das custas em € 918,00, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, uma vez que lhe é imputável a causa de extinção da instância.
Notifique-se.
Lisboa, 31 de Janeiro de 2025.
A árbitra,
Sónia Martins Reis