SUMÁRIO
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O tribunal arbitral é competente para conhecer do pedido de pronúncia sobre o indeferimento tácito do pedido de revisão dos actos tributários de liquidação da Contribuição do Serviço Rodoviário, uma vez que este tributo deve ser tratado como imposto para efeitos da Portaria 112-A/20111 de 22.3, por não haver um nexo específico entre o benefício emanado da actividade pública titular da contribuição (a Infraestruturas de Portugal, SA) e os sujeitos passivos (as empresas comercializadoras de combustíveis), desaparecendo, por isso, a natureza de contribuição financeira.
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A não identificação dos actos de liquidação da CSR cuja devolução é pedida impede a demonstração do efectivo pagamento do tributo e da sua repercussão, ferindo de ilegitimidade o suposto repercutido.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros, Jorge Lopes de Sousa (Presidente), José Luís Ferreira (vogal) e Rui M. Marrana (vogal, relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo, acordam no seguinte:
I.Relatório
1.A..., S.A., com sede na Rua ..., s/n, ...-... ... – ..., NIPC..., veio requerer, ao abrigo do disposto no art. 10.º/2 do DL 10/2011, de 20.1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT) a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir o respectivo pedido de pronúncia sobre a legalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa da liquidação de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) no montante de 68.370,56 € em que foi repercutida ao adquirir 517.557 litros de gasóleo e 125.544 litros de gasolina, entre 27 de Fevereiro de 2020 e 11 de Janeiro de 2024, e subsidiariamente sobre a legalidade da cobrança e repercussão desses montantes pelas fornecedoras dos combustíveis, reclamando o reembolso desse montante, acrescido de juros indemnizatórios.
2.É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por AT ou Requerida.
3.Em 25 de Setembro de 2024 o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação da AT.
4.Em 2 de Outubro de 2024 a AT apresentou um requerimento no qual solicitava que a Requerente identificasse os actos de liquidação cuja legalidade pretende ver sindicada, tendo o Ex.mo Presidente do CAAD, nessa data, determinado o envio do mesmo ao tribunal arbitral a constituir, por ser o órgão competente para a sua apreciação.
5.De acordo com o preceituado nos art.os 5.º/3 a), 6.º/2 a) e 11.º/1 a) do RJAT, o Ex.mo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
6.O Tribunal Arbitral ficou constituído em 3 de Dezembro de 2024, tendo nessa data, o seu Presidente proferido despacho relativo ao requerimento referido supra no § 4, indeferindo-o por falta de fundamento legal.
7.Em 5 de Dezembro de 2024 a Requerida apresentou Resposta, com defesa por excepção e impugnação, juntando o processo administrativo.
8.Em 10 de Dezembro de 2024 foi proferido despacho dispensando a reunião prevista no art. 18.º do RJAT e a produção de alegações, facultando à Requerente a possibilidade de, querendo, se pronunciar, no prazo de 10 dias, sobre as excepções suscitadas pela AT.
9.A Requerente pronunciou-se em 23 de Dezembro de 2024.
Posição da Requerente
10.A Requerente tem em vista a declaração de ilegalidade dos actos de repercussão de CSR consubstanciados na obrigação de pagamento de preço de combustível adquirido, acrescido de respectivos impostos, titulado pelas facturas que elenca.
11.Subsidiariamente peticiona a declaração de ilegalidade das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela Requerida com base nas declarações de introdução ao consumo (DIC) submetidas pelas fornecedoras de combustível relativamente às facturas de combustível cujas cópias juntou.
12.Requer ainda que seja determinada a ilegalidade do acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa de acto tributário apresentado, bem como o reembolso das quantias suportadas a título de CSR, e o pagamento de juros indemnizatórios.
13.Assim, considera que a jurisprudência arbitral tem sido unânime em considerar a CSR contribuição um autêntico imposto contrário ao Direito da União Europeia, nos termos da decisão do Tribunal de Justiça no proc. C-460/21. Cita, nesse sentido, as decisões do CAAD nos proc.os 564/2020-T, 304/2022-T, 305/2022-T, 113/2023-T, 24/2023-T e 410/2023-T.
14.Constituindo a CSR um verdadeiro imposto, o presente litígio será subsumível à arbitragem nos termos do art. 2.º/1 do RJAT, conforme foi reconhecido em diversas decisões – nomeadamente nos proc.os 113/2023-T, 24/2023-T e 410/2023-T.
15.A Requerente insiste ainda na sua legitimidade processual, lembrando o disposto no art. 9.º/1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), quando refere expressamente que têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.
16.Invoca ainda o disposto no art. 18.º/4 a) da Lei Geral Tributária (LGT) que refere que não é sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral nos termos das leis tributárias.
17.A Requerida tem, portanto, um interesse legalmente protegido, beneficiando da tutela jurisdicional efectiva consagrada nos art.os 20.º/1 e 268.º/4 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
18.De facto, o seu interesse directo resulta de a sua capacidade contributiva ter sido ilegalmente tributada, tendo o seu património suportado o desfalque ínsito na natureza ablativa da CSR.
19.Assim, adquiriu combustível (gasolina e gasóleo rodoviário) sujeito a CSR, nos termos do art. 4.º/1 da Lei 55/2007, sendo esse montante repercutido sobre si pelas fornecedoras (art. 2.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo - CIEC).
20.Isso mesmo vem sendo reconhecido em diversas decisões do CAAD e também pelo Tribunal Central Administrativo Sul, na decisão do proc. 249/14.9BESNT1, de 4 de Novembro de 2019 (embora, neste caso, a decisão sendo relativa à repercussão, se refira a imposto de selo) – sendo a questão da repercussão reconhecida pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) no ac. de 17 de Junho de 2020.
21.Considera ainda a Requerente que – além do direito de demandar o sujeito activo da liquidação – dispõe também do direito de demandar o sujeito activo da repercussão para discutir a legalidade da mesma, tendo em vista a restituição do montante de CSR que lhe foi indevidamente cobrado, o qual é ainda a própria AT (e não o vendedor do produto), porquanto esta é a titular da receita e quem procede à cobrança de um imposto ilegal.
22.De facto, foi a AT que recebeu o dinheiro e é a capacidade contributiva da Requerente que é tributada, logo, devem ser estas as partes no pleito da CSR.
23.Não reconhecer legitimidade à Requerente nos termos dos art.os 18º/4 a) da LGT, 9.º/1 do CPPT violaria o direito desta a uma tutela jurisdicional efectiva (consagrado nos art.os 20.º/1 e 268.º/4 da CRP) e, bem assim, o princípio do Estado de Direito Democrático (consagrado no art. 2.º da CRP), pois não podem ser os privados a sofrer as consequências da legislação de um imposto contrário ao Direito da UE, não sendo reembolsados.
24.Violaria ainda o Direito da União, já que o TJUE afirmou expressamente que este deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indirecto contrário à Directiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo - na medida em que a pretensa falta de legitimidade decorrerá da qualidade de repercutida.
25.A Requerente justifica, depois, a tempestividade do seu pedido lembrando que apresentou em 22 de Fevereiro de 2024 um pedido de revisão dos actos de liquidação e de repercussão com fundamento na ilegalidade dos mesmos. Essa ilegalidade poderia ser conferida pela AT até 4 anos após a prática desses actos, nos termos do art. 78.º/1 da LGT, já que há um erro imputável aos serviços (conforme afirma o STA nos ac.s de 22 de Março de 2011, proc. 01009/10, 6 de Janeiro de 2002, proc. 26.391; de 30 de Janeiro de 2002, proc. 26.231; de 20 de Março de 2002, proc. 26.580 e de 10 de Julho de 2002, proc. 26.668).
26.Debruçando-se sobre os factos, a Requerente recorda que é uma sociedade comercial que tem como objecto social actividades auxiliares dos transportes terrestres logística, parqueamento, recondicionamento e transformação de veículos e exploração de terminais de carga que, conforme resulta das facturas juntas, entre 27 de Fevereiro de 2020 e 11 de Janeiro de 2024 adquiriu 517.557 litros de gasóleo e 125.544 litros de gasolina.
27.A introdução ao consumo desses combustíveis determina uma operação tributável em sede de Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) – nos termos do art. 88.º/1 do CIEC – à qual cresce a CSR – nos termos dos art.os 4.º e 5.º/1 da Lei 55/2007 – num montante de € 87/1000 l para a gasolina e de € 111/1000 l para o gasóleo rodoviário (art. 169.º da Lei 82-B/2014 de 31 de Dezembro), desde 1 de Janeiro de 2015.
28.Aplicando as taxas aos quantitativos de combustível adquiridos, verifica-se que a Requerente pagou 68.370,56 € de CSR.
29.Ora uma vez que, conforme reconheceu o TJUE (proc. C-460/21), a CSR não prossegue motivos específicos na acepção do art. 1.º/2 da Directiva 2008/118 relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo, isso torna-a contrária ao Direito da União, devendo o Estado português reembolsar esse imposto.
30.Ora, tendo a Requerente, enquanto consumidor final, suportado esse encargo, deve ser ela a beneficiária desse reembolso.
31.Subsidiariamente a Requerente peticiona a declaração da ilegalidade da cobrança e repercussão da CSR incidente sobre as transacções identificadas, determinando-se ainda o reembolso do montante identificado acrescido de juros indemnizatórios desde o pagamento de cada uma das facturas em questão, nos termos do previsto no art. 43.º/1 da LGT.
32.Concluindo, a Requerente solicita
- a declaração de ilegalidade das normas dos art.os 1º, 2º, 3º, 4º e 5º da Lei 55/2007 por incompatibilidade com o art. 1.º/2, da Directiva 2008/118, recusando a sua aplicação;
- a anulação das liquidações de CSR, por ilegalidade das mesmas,
e subsidiariamente
- a declaração de ilegalidade da cobrança e repercussão das CSR incidento sobre as transacções identificadas e
- a anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa do acto tributário apresentado
Posição da Requerida
33.A AT introduz a sua resposta com algumas considerações a título prévio, para depois se debruçar sobre a questão da repercussão e ainda sobre o regime da CSR.
34.A título prévio questiona o pedido da Requerente no sentido de ser declarada a ilegalidade das normas da Lei 55/2007, recordando que o contencioso arbitral não consente nem o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, nem a pronúncia sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de actos de liquidação (o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão) – v. art. 2.º do RJAT.
35.Seguidamente sublinha que o pedido da Requerente se dirige às liquidações de CSR subjacentes às facturas identificadas o que envolve dois tipos de documentos: a DIC, que contém os elementos que permitem o cálculo e a liquidação do tributo aplicável (da qual resulta, portanto, o acto de liquidação de ISP e CSR), e a factura (da qual não resulta qualquer acto imputável à AT, quer tributário, quer administrativo, e que deve ser emitido pelo fornecedor de produtos sujeitos a IVA).
36.Estes documentos são emitidos em momentos diferentes e normalmente, por sujeitos passivos distintos.
37.Salienta, por outro lado, a confusão temporal apresentada pela Requerente quando invoca a a repercussão dos impostos especiais de consumo consagrada no art. 2.º do respectivo código a qual apenas vigora desde 1 de Janeiro de 2023 (Lei 24-E/2022 de 30.12), ou seja, precisamente a partir da data em que a CSR foi extinta (cf. art. 2.º do mesmo diploma).
38.Também por esta razão, estranha a AT que a Requerente venha requerer a anulação de liquidações de CSR de 2023 e 2024 e o reembolso dos montantes suportados a este título, quando – como se viu – a CSR foi extinta com efeitos a 31 de Dezembro de 2022,
39.Ou ainda, que pretenda que as taxas da CSR se mantenham até ao presente (art. 109.º ppa).
40.Pronuncia-se, depois, a AT sobre o fenómeno da repercussão que é um conceito económico e contabilístico que traduz um efeito económico da tributação em geral, e não apenas da tributação sobre o consumo.
41.De facto, qualquer contribuição corresponde a um custo que o sujeito passivo tenderá a fazer repercutir sobre os seus clientes, perdendo, todavia, na repercussão, a natureza tributária para assumir uma natureza exclusivamente económica.
42.Daí que o legislador tenha introduzidos a figura da repercussão legal, na qual, os efeitos tributários se mantêm (tal como acontece com o IVA).
43.Prossegue a AT referindo-se ao regime da CSR, explicando que foi criada pela Lei 55/2007, entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2008 e visava financiar a rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A., constituindo a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, verificada através do consumo dos combustíveis.
44.A CSR era devida no momento da introdução no consumo pelos sujeitos passivos de ISP identificados no art. 4.º do CIEC, sendo as suas taxas estabelecidas por portaria que deveria garantir a neutralidade fiscal e o não agravamento do preço de venda dos combustíveis em consequência da sua criação. Por isso, o seu estabelecimento pela Portaria 16-C/2008 implicou uma redução das taxas unitárias do ISP, incidentes sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário, no exacto montante do valor da CSR.
45.As introduções no consumo efectuadas num determinado mês pelos sujeitos passivos que detenham um dos estatutos previstos CIEC são globalizadas no mês seguinte, numa única liquidação, processada de forma automática (art. 10.º-A do CIEC).
46.Após a introdução no consumo (por declaração nas respectivas DIC), estes produtos são, por sua vez, destinados a uma multiplicidade de destinos/clientes, não tendo o legislador estatuído qualquer norma de tutela destes.
47.A AT reconhece que a questão jurídica relacionada com a alegada ilegalidade da liquidação da CSR, criada pela Lei 55/2007, por ser um tributo desconforme ao art. 1.º/2 da Directiva 2008/118/CE (tendo por base o entendimento sufragado pelo despacho proferido pelo TJUE em 07 de Fevereiro de 2022, no proc.º C-460/21), tem vindo a ser suscitada junto do CAAD por diversos sujeitos passivos de ISP/CSR.
48.Prossegue a Requerida, pronunciando-se em matéria de excepção.
49.E começa por invocar a incompetência do tribunal em razão da matéria, lembrando que a sua vinculação à jurisdição dos Tribunais arbitrais ocorre nos termos da Portaria 112-A/2011, sendo que no objecto desta vinculação, definido pelo art. 2.º, se refere a apreciação das pretensões relativas a impostos. Apenas impostos, portanto, deixando de fora outras contribuições ou tributos, como é o caso da CSR.
50.Fundamenta o seu entendimento no facto de o legislador não ter enquadrado a CSR no conceito, tal como é referido no art. 4.º da LGT. Cita, a propósito, o entendimento convergente de alguma jurisprudência do CAAD (nomeadamente do Presidente deste Tribunal Arbitral, no proc. 31/2023-T – reiterada nas decisões dos proc.os 508/2023- T, 520/2023-T e 675/2023-T –, o qual encontra no regime definido na Portaria 112-A/2011 um intuito claramente restritivo que impõe uma leitura no mesmo sentido).
51.Nestes termos (estando a CSR excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos art.os 2.º e 3.º do RJAT e art. 2.º da Portaria 112-A/2011, pelas quais a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição), não se encontra verificada a arbitrabilidade da questão em apreço. Ou seja, os tribunais arbitrais do CAAD não são materialmente competentes para conhecer do mérito do pedido em apreço, o que prejudica o conhecimento do mérito da causa.
52.Além disso, entende a AT que a incompetência material do tribunal em razão da matéria é alcançável por outra via: é que o pedido de pronúncia arbitral visa a não aplicação da CSR, supondo, portanto, a apreciação genérica da sua legalidade do respectivo regime, o que excede a competência da instância arbitral, enquanto contencioso de mera anulação.
53.Haverá, portanto, novamente incompetência material do tribunal arbitral.
54.E mesmo que se admitisse a competência do tribunal arbitral para a apreciação da legalidade dos actos de liquidação de ISP/CSR, essa incompetência material ressurgiria como resultado do facto de o tribunal arbitral não poder pronunciar-se sobre actos de repercussão da CSR, subsequentes e autónomos dos actos de liquidação de ISP/CSR (cf. proc.os 296/2023-T, 332/2023-T, 375/2023-T, 408/2023-T, 466/2023-T, 467/2923-T e 490/2023-T).
55.Prossegue, depois a Requerida invocando a ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, por não ser esta o sujeito passivo que procedeu à introdução no consumo dos produtos no território nacional, provando o pagamento dos respectivos ISP/CSR.
56.No caso, seria às empresas que procederam a essa introdução no consumo que caberia identificar os actos de liquidação e solicitar, em caso de erro, a sua revisão, com vista ao reembolso dos montantes cobrados (art.os 15.º e 16.º do CIEC, ex vi art. 5.º/1 L 55/2007; tb. art. 78.º/1 da LGT), já que estamos na presença de impostos monofásicos.
57.Não se encontram, portanto, reunidos os pressupostos para a revisão dos actos tributários, porquanto tal direito não se encontra incluído na esfera jurídica do repercutido económico ou de facto, não podendo a entidade, em que alegadamente teria sido repercutido o imposto, apresentar pedido de revisão ou de reembolso por erro. Donde, não sendo a Requerente sujeito passivo nos termos e para o efeito do disposto no art. 4.º do CIEC, não tem legitimidade, nos termos supra, nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral.
58.Esta situação é reforçada pelo facto de a Requerente não ser também o sujeito passivo que suporta o encargo do imposto por repercussão legal, pelo que, a falta de legitimidade decorre também do disposto no art. 18.º/4 a) da LGT.
59.No caso, não existe repercussão legal, mas meramente de facto ou económica (tal como se reconhece nos proc.os 296/2023-T, 375/2023, 408/2023-T, 452/2023-T e 467/2023-T). Na verdade, os sujeitos passivos poderão eventualmente, no âmbito das suas relações comerciais proceder (ou não), à transferência, parcial ou total, da carga fiscal para outrem (os seus clientes), tendo em conta a política de definição dos preços de venda e as consequências para a sua actividade.
60.Assim – tal como acontece, em geral, com a CSR –, não existem actos de repercussão legal subsequentes e autónomos da liquidação, sendo que as facturas apresentadas não corporizam tais actos de repercussão, nem atestam que tal tributo foi suportado pela Requerente enquanto consumidora final.
61.Constata-se, portanto, que a Requerente não consegue demonstrar que o valor pago pelo combustível que adquiriu às suas fornecedoras, tem incluído o valor da CSR pago pelos sujeitos passivos de ISP/CSR, nem que suportou, a final, o encargo de tal tributo, isto é, que não o repassou no preço dos serviços praticados aos seus clientes, enquanto consumidores finais.
62.Conclui-se, portanto, pela ilegitimidade da Requerente, no sentido de diversas decisões arbitrais (proc. 296/2023-T, 332/2023-T, 375/2023-T, 408/2023-T, 438/2023-T, 466/2023-T, 467/2023-T e 490/2023-T), já que esta não é o sujeito passivo de ISP/CSR e não integra a relação tributária subjacente à liquidação, ou liquidações, contestadas, não sendo devedora, nem estando obrigada ao seu pagamento ao Estado. Está a jusante do sujeito passivo na cadeia económica (que, em termos jurídicos, não é um terceiro substituído). Tal como se referiu anteriormente, não suportou a contribuição por repercussão legal, nem tão pouco corresponde ao consumidor final, pelo que não tem legitimidade nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem o pedido arbitral, nos termos do art. 15.º/2 do CIEC e do art. 18.º/3 e 4 a) da LGT.
63.A AT levanta ainda um problema prático concorrente: caso se aceite que a Requerente tenha legitimidade para efectuar o pedido de revisão e de anulação parcial da liquidação do ISP, reclamando o reembolso da CSR alegadamente suportada, poder-se-ia estar perante uma situação de ilegítima, infundada e indevida restituição reiterada de elevadas quantias monetárias a diversas entidades intervenientes no ciclo de comercialização com base nos mesmos (alegados) factos, sem qualquer possibilidade de controlo (ameaçando, portanto, a segurança jurídica e todo o ordenamento jurídico-constitucional).
64.Na verdade, sem a possibilidade de se identificar o registo de liquidação correspondente às transacções posteriores, a Requerida poderia vir a ser sucessivamente condenada a pagar os mesmos montantes de CSR a qualquer operador económico que tenha tido intervenção na cadeia comercial de combustíveis: desde o sujeito passivo de imposto, passando pelos grossistas, distribuidores e revendedores, até ao consumidor final (tenham ou não estes suportado os valores em causa) – tal como se referiu no voto de vencida da decisão do proc. 491/2023-T.
65.A AT invoca, de seguida, a ineptidão do pedido arbitral por falta de objecto, dado não estarem identificados os actos tributários objecto do pedido (as liquidações e as alegadas repercussões), conforme determina o art. 10.º/2 b) do RJAT – questão que, aliás, havia referido logo no requerimento apresentado ainda antes da constituição do tribunal (cf. supra § 4).
66.De facto, a Requerente limita-se a identificar facturas de aquisição de combustíveis às suas fornecedoras, sem identificar quaisquer actos de liquidação de ISP/CSR praticados pela AT, nem as DIC submetidas pelos sujeitos passivos de imposto.
67.Por outro lado, os documentos juntos aos autos pela Requerente não fazem referência a quaisquer elementos dos alegados actos de repercussão da CSR, nem permitem esclarecer os termos que foram definidos na relação contratual entre os sujeitos passivos e os restantes intervenientes na cadeia de comercialização, acerca da repercussão no âmbito das transacções comerciais referentes ao fornecimento de combustíveis pelo sujeito passivo aos posteriores intervenientes.
68.Nestas circunstâncias, o pedido arbitral não preenche nem satisfaz os pressupostos legais de aceitação, uma vez que viola o artigo 10.º/2 b) do RJAT, devendo, consequentemente, ser declarado inepto (cf. proc. 467/2023-T e 364/2023-T).
69.Atente-se que, com os dados indicados pela Requerente, seria impossível à Requerida identificar os actos e factos essenciais omitidos por aquela. Assim, a introdução no consumo é feita diariamente, mas as declarações são globalizadas mensalmente para efeitos de liquidação, e a alfândega competente não coincide necessariamente com a sede/domicílio do sujeito passivo (que pode apresentar as suas declarações em mais do que uma). Além disso, o combustível abrangido por uma liquidação é destinado a uma multiplicidade de clientes.
70.Não existe sequer uma correspondência entre as quantidades de produtos introduzidos no consumo e as quantidades de produto adquiridas pela Requerente aos seus fornecedores, até porque a unidade de tributação é de 1000 litros tendo em conta a temperatura de referência de 15.º C (art. 91.º do CIEC) sendo que, nas vendas subsequentes desses produtos, as quantidades consideradas são-no em função da temperatura observada no momento, o que origina oscilações, não sendo, por isso, possível fazer tal conversão.
71.Subsiste, ainda, uma manifesta contradição entre o pedido e a causa de pedir porquanto a Requerente vem pedir, por um lado, a anulação de actos de liquidação não identificados e o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, mas a causa de pedir é a repercussão da CSR, por não conformidade com as normas da União Europeia, e o consequente reembolso do encargo suportado. Fica, assim, por estabelecer qualquer conexão entre aquilo que a Requerente alega e aquilo que documentou, o que geral alguma ininteligibilidade na indicação do pedido e uma contradição entre o pedido e a causa de pedir – com a consequente ineptidão da petição (cf. proc. 364/2023-T).
72.A Requerida prossegue invocando, depois, a caducidade do direito de acção, a qual decorrerá da falta de indicação dos actos de liquidação, o que impede a aferição da tempestividade do pedido de revisão oficiosa das liquidações, já que o prazo previsto no art. 78.º/1 da LGT se conta a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do acto de liquidação.
73.Ora a tempestividade da apresentação do pedido arbitral decorre da tempestividade do pedido de revisão, o que, face à não identificação dos actos tributários, é impossível.
74.De qualquer forma, a intempestividade sempre decorreria do facto de as aquisições terem ocorrido no período compreendido entre Fevereiro de 2020 e 11 de Janeiro de 2024, pelo que em 23 de Fevereiro 2024, já se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR, previsto no artigo 78.º/1, primeira parte, da LGT.
75.É que a Requerente não pode valer-se do prazo de 4 anos previsto no art. 78.º/1 da LGT já que a decisão do TJUE da qual retira a ilegalidade da CSR tem efeitos apenas inter partes, ou seja, dela não decorre qualquer efeito vinculativo para a AT, que se mantém vinculada à lei (cf. decisão Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra de 1 de Outubro de 2024, proc. 130/23.3BESNT), não havendo, portanto, qualquer erro imputável aos serviços.
76.E, mesmo que assim se não entenda, – porque no âmbito dos IEC, os pedidos de reembolso apresentados nas alfândegas devem ser apreciados à luz do disposto nos art.os 15.º a 20.º do CIEC – em 23 de Fevereiro de 2024, já teria terminado o prazo de 3 anos previsto no art. 15.º/3 do CIEC para requerer o reembolso do alegado valor pago por alegada repercussão económica de CSR, pelo menos no que se refere a todas as aquisições efectuadas pela Requerente em datas anteriores a 23 de Fevereiro de 2021.
77.Donde, forçoso será concluir que a falta de identificação dos actos tributários em crise tem, entre outros, como efeito a impossibilidade de se aferir em pleno da tempestividade do pedido de revisão oficiosa e de reembolso por alegado pagamento de valores a título de alegada repercussão económica da CSR, e, consequentemente, da tempestividade do pedido arbitral, o que consubstancia uma excepção peremptória, devendo, nessa medida, a Requerida ser absolvida do pedido. Ou, se assim se não entender, sempre subsistirá uma excepção dilatória nos termos dos art.os 89.º/1, 2 e 4 k) do CPTA, o que conduz à absolvição do pedido ou da instância.
78.Respondendo, depois, por impugnação, a AT insiste no facto de a Requerente não fazer prova de que pagou e suportou integralmente o encargo da CSR, por repercussão (sendo que esse ónus recaía sobre si, nos termos do art. 74.º da LGT).
79.Sublinha duas confusões patentes no ppa para demonstrar a inconsistência das pretensas demonstrações: em primeiro lugar a confusão entre o montante do custo dos combustíveis e o montante de CSR e, em segundo, a assunção de que teria suportado CSR depois de 31 de Dezembro de 2022.
80.Isto mesmo perante uma matéria cuja prova recaia sobre si, por força do regime legal aplicável (art. 74.º da LGT)
81.De facto, a prova dos factos não pode decorrer de meros raciocínios dos quais se retirem supostas presunções sem sustento legal,
82.Nem é admissível que caiba à AT a prova negativa da não repercussão, face ao disposto no art. 342.º/1 do Código Civil (cf. ac. STA de 17 de Dezembro de 2008, proc. 0327/08).
83.Assim, não sendo legal, a repercussão tem de ser provada pelo interessado.
84.Ora a Requerente não o faz, sendo certo que a prova da repercussão pressupõe inevitavelmente como ponto de partida a demonstração de que a CSR foi inicialmente liquidada e paga pelo sujeito passivo daquele tributo aquando da introdução no consumo dos produtos a ele sujeitos (proc. 467/2023-T § 21), não podendo presumir-se a repercussão (idem § 23).
85.Ora, das facturas apresentadas pela Requerente no pedido de revisão oficiosa apenas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas qualquer referência a montantes pagos a título de ISP ou CSR, sendo absolutamente omissas nesse aspecto.
86.Além disso, as facturas referem a existência de descontos (sem descritivo dos mesmos) o que denota falta de rigor e suscita dúvidas quanto a própria presunção da repercussão da CSR.
87.Ressurge, neste enquadramento, o risco (já referido anteriormente – cf. § 64) de, por falta de identificação dos actos relevantes, se estar a admitir restituição reiterada de elevadas quantias monetárias a diversas entidades intervenientes no ciclo de comercialização com base nos mesmos (alegados) factos, sem qualquer possibilidade de controlo.
88.Finalmente, ainda em sede de impugnação, a AT refere ainda que o cálculo do imposto pago não pode ser efectuado meramente com base nos litros de combustível, dadas as variações da litragem decorrentes da temperatura ambiente.
89.A AT debruça-se depois sobre o Despacho do TJUE de 7 de Fevereiro de 2022 no proc. C-460/21, explicando que a sua análise se limitou aos termos específicos das questões colocadas sem ter analisado a CSR com profundidade, não havendo, em rigor, qualquer decisão judicial que considere ilegal a CSR, pelo que também não existe qualquer erro imputável aos serviços da Requerida.
90.Por outro lado, ao contrário do que afirma a Requerente, subsiste um motivo específico subjacente à CSR, em sede de diminuição da sinistralidade rodoviária.
Posição da Requerente relativamente às excepções
91.Pronunciando-se relativamente às excepções invocadas pela AT, a Requerente começa por fazer algumas considerações relativamente à legalidade da CSR.
92.Sobre a natureza da CSR a Requerente insiste tratar-se de um imposto, conforme vem sendo reconhecido em diversas decisões do CAAD (nomeadamente nos proc.os 396/2023-T, 397/2023-T e 398/2023-T), sendo, por isso, clara a competência do mesmo para apreciar a matéria (proc.os 410/2023-T, 186/2023-T, 491/2023T, 676/2023-T e 800/2023-T).
93.Sobre a legitimidade processual da Requerente, esta recorda o disposto no art. 9.º do CPPT (que deve ser interpretado em termos amplos a fim de garantir uma tutela jurisdicional efectiva) quando faz depender aquela da existência de um interesse legalmente protegido.
94.Pronunciando-se, depois, dobre a questão levantada pela AT relativa à natureza jurisdicional do CAAD (não podendo declarar a ilegalidade das liquidações de CSR) a Requerente afirma que a competência do mesmo extravasa a mera cassação, tal como resulta do art. 24.º/1 c) do RJAT.
95.Assim, demonstrada a ilegalidade da liquidação, impõe-se o reembolso do tributo salvo onde a AT prove que a CSR foi repercutida pela Requerente, o que não logra fazer nem alega.
96.Não haverá necessidade de identificação do acto de liquidação, dada a ilegalidade abstracta da CSR, a qual torna também ilegais os actos de repercussão.
97.Por outro lado, a eventual dificuldade que a AT possa ter para identificar as liquidações que ela própria emitiu aos fornecedores de combustíveis relacionadas com as facturas em causa, é um problema de organização dos seus serviços, pelo que é ela própria quem deve suportar os seus hipotéticos inconvenientes (proc. 410/2023-T). Donde, não cabe à Requerente identificar tais actos, nem essa falta importa qualquer ininteligibilidade do pedido ou causa de pedir (proc.os 408/2023-T e 410/2023-T).
98.A CSR é um imposto sobre combustível altamente inelástico: a variação do preço afecta pouco o consumo na medida em que se trata de um bem essencial e sem o qual a Requerente não labora. Sendo inelástico, todo aumento de carga fiscal se repercute sobre quem adquire o combustível (proc.os 294/2023-T, 486/2023-T e 410/2023-T).
99.Finalmente, sobre a repercussão, a Requerente recorda haver diversas decisões do CAAD que a reconhecem, devendo, por isso, decidir-se no mesmo sentido, por força do disposto no art. 161.º/1 do CPTA, ex vi art. 29.º/1 c) do RJAT e do princípio da igualdade. Admite existirem igualmente decisões em sentido inverso, mas entende que estre princípio da igualdade impõe que, tendo sido determinado o reembolso a alguns contribuintes, o mesmo deverá ser reconhecido a todos os que se encontrem na mesma situação, optando-se pela solução mais favorável ao contribuinte – defendendo-se assim o direito de propriedade.
II.Saneamento
100.O tribunal foi regularmente constituído e as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e encontram-se regularmente representadas (art.os 4.º e 10.º/2 do RJAT e art. 1.º da Portaria 112-A/2011, de 22.3).
101.Não foram identificadas nulidades ou questões que obstem ao conhecimento da matéria, remetendo-se o tratamento das excepções para a análise da matéria de Direito.
III.Matéria de facto
Factos provados
102.Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes, são os seguintes:
-
A Requerente é uma sociedade comercial que tem como objecto social actividades auxiliares dos transportes terrestres logística, parqueamento, recondicionamento e transformação de veículos e exploração de terminais de carga.
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No período compreendido entre 27 de Fevereiro de 2020 e 11 de Janeiro de 2024 adquiriu 517.557 litros de gasóleo e 125.544 litros de gasolina.
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Alegando ter sido integralmente repercutido sobre si o montante de 68.370,56 € de CSR através das facturas emitidas pelos fornecedores a Requerente apresentou em 22 de Fevereiro de 2024 um pedido de revisão oficiosa com vista à revisão das liquidações de CSR e o consequente reembolso.
-
Esse pedido foi tacitamente indeferido.
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Em 23 de Setembro de 2024 a Requerente apresentou no CAAD o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao presente processo.
Factos não provados
103.Com relevância para a questão a decidir, ficou por provar:
A. Quais os valores de CSR liquidados e pagos pelos sujeitos passivos;
B. Que a CSR tenha sido repercutida total ou parcialmente na Requerente;
C. Quais os efeitos económicos de tais repercussões.
104.Os factos elencados supra foram dados como provados, ou não-provados, com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos e nos documentos juntos.
105.Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123.º/2 do CPPT e art.os 596.º/1 e 607.º/3 e 4 do Código de Processo Civil - CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º/1 a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.os 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - CPTA e art.os 5.º/2 e 411.º do CPC).
106.Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência - cfr. art. 16.º e) do RJAT e art. 607.º/4 do CPC, aplicável ex vi art. 29.º/1 e) do RJAT.
107.Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do art. 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação - cfr. art. 607.º/5 do CPC ex vi art. 29.º/1 e) do RJAT.
108.Além disso, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade que se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
109.O tribunal considera que as facturas das fornecedoras de combustível, apresentadas pela Requerente não identificam os originais sujeitos passivos de ISP e de CSR, não podendo substituir-se a documentos que possam comprovar a liquidação conjunta destes tributos pelos sujeitos passivos: as Declarações de Introdução no Consumo, ou o Documento Administrativo Único/Declaração Aduaneira de Importação ou documentos que, ao menos, permitissem identificar, com um mínimo de certeza, quem foram esses sujeitos passivos originários.
IV.Matéria de Direito
110.A legalidade da CSR foi formalmente questionada pelo TJUE no Despacho de 2 de Fevereiro de 2022 (Vapo Atlantic SA c. Autoridade Tributária, proc. C-460/21), ao considerar que, face ao disposto no art. 1.º/1 a) e 2 da Directiva 2008/118, pré-existindo um imposto sobre os produtos petrolíferos (o ISP), o Estado português apenas poderia fazer incidir novo imposto sobre os mesmos produtos se este tivesse em vista motivos específicos, o que não acontece, já que a mera afectação do produto desse tributo ao financiamento da concessionária da rede rodoviária nacional não é suficiente, mesmo se associada à redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental.
111.Assim, não existindo uma relação directa entre a utilização das receitas e essas finalidades, subsiste uma finalidade puramente orçamental (já que o produto da CSR não se destina exclusivamente ao financiamento de operações que supostamente concorrem para a realização desses dois objectivos), nem sendo evidente uma real vontade de desencorajar a utilização quer da rede, quer dos principais combustíveis rodoviários.
112.A decisão do tribunal tem apenas efeitos inter partes, não invalidando o tributo de per se, tal como refere a AT.
113.Atente-se, todavia, ao facto de não existir qualquer acto ou procedimento – jurisdicional ou outro – que permita à UE invalidar os actos nacionais que contrariem o Direito da União.
114.O respeito pela autonomia das ordens jurídicas (europeia e nacional) impede que qualquer uma delas possa invalidar actos da outra, existindo apenas alguns mecanismos que permitem a conferência (e eventual constatação) da desconformidade dos actos com o Direito aplicável, cabendo sempre a cada uma proceder em conformidade, sendo caso disso.
115.A questão da CSR levanta potencialmente outra questão técnico-jurídica. É que o tribunal limitou-se a constatar a contrariedade deste tributo com uma Directiva. Ora estas são actos através dos quais os órgãos competentes da União impõem aos Estados-membros a transposição do respectivo regime, ou seja, a adopção de actos subsequentes que adeqúem a sua ordem jurídica às regras por elas fixadas. Por não se dirigirem aos particulares, entende-se genericamente que não podem ser invocadas por estes como tendo criado direitos na respectiva esfera jurídica (não têm, portanto, efeito directo). A jurisprudência europeia reconheceu, todavia, uma excepção (ac. 17.12.70 SACE, proc. 33/70): tratando-se de disposições precisas e incondicionais de directivas, a não transposição destas (ou a transposição incorrecta) no prazo por elas estabelecido, permite aos particulares invocá-las contra entes públicos (efeito directo vertical), já que, caso contrário, esses entes estariam a retirar vantagem de um incumprimento das obrigações gerais face ao Direito da União, privando esses mesmos particulares de direitos que teriam sido constituídos na sua esfera jurídica se a transposição tivesse ocorrido nos termos previstos.
116.Essa será a situação em apreço: a proibição constante do art. 1.º da Directiva 2008/118 pode ser invocada pela Requerente para arguir a ilegalidade dos actos de liquidação de CSR que a contrariam, por não se verificarem os necessários motivos específicos.
117.É certo, conforme se referiu, a invalidade da CSR não foi determinada pelo TJUE com efeitos erga omnes. Nem poderia ter acontecido, pelas razões apresentadas. Mas isso não impede – ou sequer desaconselha – que os interessados possam invocar a interpretação constante nesse esse despacho para defenderem a contrariedade do tributo com o Direito da União. É que existindo e subsistindo essa contrariedade, impõe-se a desaplicação do direito nacional, já que aquele se aplica na ordem interna nos termos por ele próprio definidos (art. 8.º/4 da Constituição), e esses mesmos termos determinam a sua prevalência sobre o Direito nacional, por força do princípio do primado (ac. 15.07.1964 Costa c. ENEL, proc. 6/64 e Declaração sobre o primado do direito comunitário, anexa ao TFUE).
118.As autoridades nacionais – maxime a AT – não podem considerar haver uma decisão definitiva sobre a legalidade da CSR dada a referida natureza inter partes do despacho, mas os interessados podem invocar o seu teor, até porque, os órgãos jurisdicionais (ou arbitrais), mesmo decidindo em última instância, estão dispensados de efectuar novo reenvio para o TJUE questionando a conformidade da CSR com a Directiva 2008/118, já que sobre a matéria existe já jurisprudência (ac. 6.10.1982, CILFIT c. Ministerio della Sanità, proc. 283/81). E nesse sentido, a questão tem sido tida como decidida (não impedindo que possam ser suscitados novos reenvios prejudiciais sobre a mesma questão, os quais tenderão a merecer mera confirmação da decisão anterior).
119.É este o enquadramento no qual vêm surgindo múltiplos pedidos de reembolso de CSR perante o CAAD, entre os quais o da Requerente.
120.A Requerida invoca, no caso, diversas excepções. A saber: a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria (por não se tratar de um imposto mas de mera contribuição), a ilegitimidade da Requerente (por não ser o sujeito passivo da CSR mas mera repercutida), a ineptidão da petição inicial (por falta de objecto, dada a não identificação dos actos tributários cuja nulidade é arguida) e a caducidade do direito de acção (por não ser possível efectuar contagem dos prazos dado não haver identificação – e consequentemente data – dos actos de liquidação).
121.A excepção da incompetência será prioritária (art. 13.º do CPTA), pois não poderá decidir-se qualquer questão antes de conferir se o tribunal é competente.
122.Sobre esta questão reconhece-se que a portaria de vinculação à jurisdição arbitral (Portaria 112-A/2011 de 22.3) estabelece duas limitações: as pretensões relativas a impostos de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos tribunais arbitrais e a impostos cuja administração esteja acometida à AT. Conclui-se, portanto, que essa vinculação se reporta a qualquer das pretensões mencionadas no art. 2.º/1 do RJAT que respeitem a impostos, com exclusão de outros actos tributários.
123.As contribuições financeiras são tributos com uma estrutura paracomutativa, dirigidas à compensação de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos contribuintes, distinguindo-se das taxas que são tributos com rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efectivas (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2015, Coimbra, p. 287). Não há dúvidas que se distingam dos impostos.
124.No caso da CSR, esta visa financiar a rede rodoviária nacional (afectando-se, para esse efeito, as receitas dela decorrentes à Infraestruturas de Portugal SA, a qual assume esse encargo), sendo devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre produtos petrolíferos (ISP), aplicando-se o CIEC à sua liquidação, cobrança e pagamento (nos termos do art. 5.º/1 da Lei 55/2007 de 31.8).
125.Dificilmente pode considerar-se a CSR como uma contribuição financeira, já que não tem como pressuposto uma prestação a favor de um grupo de sujeitos passivos por parte de uma pessoa colectiva. Ela é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal, SA, mas os sujeitos passivos (as empresas comercializadoras de combustíveis) não são os destinatários da actividade dessa empresa (que consiste na concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas – cf. art. 3.º/2 da Lei 55/2007).
126.Inexistindo um nexo específico entre o benefício emanado da actividade pública titular da contribuição (a Infraestruturas de Portugal, SA) e os sujeitos passivos (as empresas comercializadoras de combustíveis), desaparece essa natureza de contribuição financeira, devendo, por isso, ser assumida como um imposto, para efeitos do art. 2.º/1 do RJAT.
127.Segue-se, nesta questão a orientação maioritária do CAAD, que reconhece na CSR um verdadeiro imposto e, por isso integrando a competência arbitral (por todos, v. proc. 465/2023-T). Esta orientação foi, aliás, confirmada pelo TCA Sul por ac. 24 de Outubro de 2024 no proc. 128/23.9BCLSB.
128.A AT, ainda sobre a pretendida incompetência do tribunal arbitral, entende que este não poderá conhecer do pedido, por este pretender discutir a legalidade do regime da CSR no seu todo e a sua desconformidade com o Direito da União.
129.Este reparo assenta num evidente equívoco já que, conforme se referiu supra, a efectiva desconformidade da CSR com a Directiva 2008/118 integra a competência do tribunal arbitral, por afectar a validade das liquidações desse tributo, da mesma maneira que essa validade poderia ser afectada por desconformidade com normas de direito interno, dado o regime de vigência do Direito da União (o referido ac. do TCA Sul converge também neste entendimento).
130.Improcede, portanto, a excepção de incompetência do tribunal.
131.Relativamente às outras excepções, por aplicação da regra vigente no processo civil, elas deveriam ser conhecidas segundo a sua procedência lógica (art. 608.º/1 do CPC). Todavia, no processo arbitral, prevalecem os princípios da simplificação e informalidade processuais (art. 29.º/2 RJAT), pelo que o tribunal pode e deve optar pela solução mais simples. Assim, verificando-se existir uma maioria neste tribunal relativamente à excepção de ilegitimidade, será sobre esta que a análise subsequente prosseguirá.
132.Conforme se referiu supra (§ 110), a identificação dos actos tributários impugnados não resulta das facturas dos fornecedores de combustível apresentadas pela Requerente, já que nenhuma referência nelas surge sobre originais sujeitos passivos de ISP e de CSR (os quais constarão das Declarações de Introdução no Consumo, ou do Documento Administrativo Único/Declaração Aduaneira de Importação ou eventualmente de outros documentos que lograssem tal identificação com um mínimo de certeza).
133.Essa identificação parece ser imprescindível, já que a pretendida devolução dos montantes pagos em sede de CSR se funda na nulidade do acto de liquidação (que fundamenta o pedido de revisão oficiosa). E assim, dificilmente pode ser apreciado o vício do acto sem se demonstrar a sua existência, e impossível será conferir da sua repercussão efectiva.
134.Assume, no entanto, a Requerente que tendo as compras das mercadorias ocorrido na vigência da Lei 55/2207, a sujeição à CSR seria obrigatória, o que apenas se poderia aceitar se ignorássemos que se trata de mera presunção de facto.
135.Todavia, o que está em questão, mais do que saber se os combustíveis em causa foram ou não presumivelmente sujeitos a CSR, será saber, também, quem terá suportado esses encargos (originária e efectivamente), pois só a partir daí será possível atestar da sua existência e, além disso, conferir se foram efectivamente pagos e repercutidos na Requerente.
136.É que, não havendo repercussão legal da CSR facto (por não ser expressamente determinada na lei), esse efeito não poderá presumir-se, carecendo de prova, a qual depende - novamente - da identificação dos actos tributários de liquidação originários.
137.Chega-se, assim, à ilegitimidade da Requerente, a qual, não sendo sujeito passivo, mas mero repercutido (eventual) de facto, terá de demonstrar essa repercussão – da qual resulta o seu interesse e, portanto, a sua legitimidade. E a prova dessa repercussão terá de fazer-se a partir dos actos tributários da liquidação da CSR.
138.Registe-se que este tribunal arbitral não afasta a possibilidade de uma eventual repercussão. Mas não dispensa a sua demonstração, nem reconhece qualquer presunção que inverta o respectivo ónus.
139.Entende, assim, que será excessivo pretender que seja a AT a identificar os actos tributários em causa, por força de um dever genérico de colaboração. Esse dever não pode equivaler (como parece pretender a Requerente) a uma verdadeira inversão do ónus da prova. Até porque nada impede que os consumidores obtenham dos seus fornecedores cópias das DIC (ou, que estes efectuem essa mesma diligência, caso não tenham sido eles a fazer tal declaração), assim se demonstrando o efectivo pagamento da CSR e a sua repercussão.
140.Seria, aliás, a prova desses factos que afastaria o risco – assinalado pela AT – de o pedido de devolução de CSR poder ser feito por todos os intervenientes no processo de comercialização dos combustíveis. De facto, sendo identificados os actos tributários originais de liquidação e conferida a efectiva repercussão do imposto, estaria determinado o titular do direito à sua devolução, com exclusão dos demais (na medida em que tenham repercutido, a montante e não tenham sido repercutidos, a jusante, se surgirem no referido processo).
141.Procede, portanto, a excepção da ilegitimidade da Requerente o que prejudica o conhecimento das demais.
142.Saliente-se apenas que, ao contrário do que pretende a Requerente, o não reconhecimento da sua legitimidade não implica qualquer violação dos princípios constitucionais da tutela jurisdicional efectiva e do Estado de Direito, porquanto não se afasta - ou sequer limita - a possibilidade de se exigir ao Estado a devolução de tributos indevidamente pagos, mas apenas se exige como requisito essencial a demonstração do efectivo pagamento e da existência do interesse legalmente protegido que fundamente essa legitimidade.
V.Decisão
Em face do supra exposto, decide-se
-
Julgar improcedente o pedido de declaração de nulidade da liquidação de CSR e dos actos de repercussão da mesma, absolvendo a Requerida da instância por procedência da excepção de ilegitimidade.
-
Condenar a Requerente no pagamento integral das custas do processo.
VI.Valor do processo
A Requerente indicou como valor da causa o montante de 68.370,56 €, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
VII.Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de 2.448 € (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros), a pagar pela Requerente, nos termos dos art.os 12.º/2 e 22.º/4 do RJAT, e art. 4.º/5 do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 3 de Fevereiro de 2025
Os Árbitros
Jorge Lopes de Sousa (Presidente)
(vencido, conforme declaração anexa)
José Luís Ferreira (vogal)
Rui M. Marrana
Texto elaborado em computador.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
Processo n.º 1059/2024-T
Voto de vencido
Votei vencido quanto às questões da incompetência por falta de vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira, da ilegitimidade activa e da prova da repercussão pelas razões que seguem:
-
Questão da incompetência por falta de vinculação
O artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que autorizou o Governo a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, fixou como possível âmbito da arbitragem «os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária».
O Decreto-Lei n.º 10/2011 (RJAT), emitido ao abrigo da autorização legislativa, não estendeu o âmbito da jurisdição arbitral tributária a todo o tipo de litígios permitidos pela autorização legislativa, limitando a competência dos tribunais arbitrais à «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», à «declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais» e à «apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão referida na alínea anterior».
A Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, restringiu ainda mais o âmbito da arbitragem tributária, eliminado a possibilidade de recurso à arbitragem para declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando dêem origem à liquidação de qualquer tributo, e para apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação.
No entanto, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça», veio admitir que, no âmbito das competências dos tribunais arbitrais, o âmbito da arbitragem tributária fosse limitado de harmonia com a vinculação.
Foi em concretização deste desígnio legislativo que foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que definiu o «objecto da vinculação» e os «termos da vinculação» da seguinte forma:
Artigo 1.º
Vinculação ao CAAD
Pela presente portaria vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no CAAD — Centro de Arbitragem Administrativa os seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública:
a) A Direcção -Geral dos Impostos (DGCI); e
b) A Direcção -Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC).
Artigo 2.º
Objecto da vinculação
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.
Artigo 3.º
Termos da vinculação
1 – A vinculação dos serviços e organismos referidos no artigo 1.º está limitada a litígios de valor não superior a € 10 000 000.
2 – Sem prejuízo dos requisitos previstos no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a vinculação dos serviços referidos no artigo 1.º está sujeita às seguintes condições:
a) Nos litígios de valor igual ou superior a € 500 000, o árbitro presidente deve ter exercido funções públicas de magistratura nos tribunais tributários ou possuir o grau de mestre em Direito Fiscal;
b) Nos litígios de valor igual ou superior a € 1 000 000, o árbitro presidente deve ter exercido funções públicas de magistratura nos tribunais tributários ou possuir o grau de doutor em Direito Fiscal.
3 – Em caso de impossibilidade de designar árbitros com as características referidas no número anterior cabe ao presidente do Conselho Deontológico do CAAD a designação do árbitro presidente.
Desta legislação e regulamentação conclui-se que houve uma preocupação em limitar o âmbito da arbitragem tributária:
– na alínea a) do n.º 4 do artigo 124.º da Lei de autorização legislativa admitia-se a possibilidade de nela ser incluída a generalidade dos litígios relativos a liquidação de tributos (inclusivamente os praticados pelos contribuintes) e de fixação de valores patrimoniais que podem ser apreciados em processo de impugnação judicial e o reconhecimento de direitos e interesse legítimos em matéria tributária;
– no artigo 2.º do RJAT não se incluiu na arbitragem tributária o reconhecimento de direitos e interesse legítimos em matéria tributária e estabeleceu-se no artigo 4.º, que a vinculação da Administração Tributária, que se reconduz a definição do âmbito da arbitrabilidade de litígios deveria ser efectuada por portaria;
– com a Lei n.º 64-B/2011, impôs-se que na portaria se indicassem o tipo e o valor máximo dos litígios, o que tem como corolário que nem todos os litígios abrangidos pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT;
– a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, limitou a vinculação aos serviços da Administração Tributária estadual e aos tribunais «que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida», com várias excepções.
A intenção legislativa de restringir o âmbito da arbitragem tributária em relação ao que foi permitido pela autorização legislativa resulta com evidência destes diplomas e é explicada pelas justificadas dúvidas que, no início da arbitragem tributária, se suscitavam sobre o possível inadequado funcionamento de um meio inovador de resolução de litígios em matéria tributária, bem patentes nas preocupações sentidas pelo Senhor Conselheiro Santos Serra, Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, na sessão de apresentação do novo regime de arbitragem fiscal, que ocorreu em Lisboa, no dia 14-12-2010:
Assim, e logo à partida, é preciso que o regime de arbitragem tributária ora constituído consiga afastar receios de que, por via da arbitragem, as partes consigam contornar as imposições legais que sobre si recaem, e que façam letra morta dos princípios da legalidade e da igualdade entre contribuintes em matéria tributária, com a capacidade negocial diferenciada das partes a sobrepor-se ao princípio da tributação de acordo com a sua real capacidade contributiva.[1]
A consciência dos riscos como fundamento das limitações do âmbito foi expressamente explicada pelo Senhor Prof. Doutor Sérgio Vasques (que desempenhava as funções de Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ao tempo em que foram emitidos o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), em texto publicado na Newsletter n.º 1 do CAAD:
A arbitragem tributária, tal como contemplada no Regime da Arbitragem Tributária veio a apresentar âmbito mais estreito relativamente ao que figurava na autorização legislativa do orçamento do estado para 2010, pela consciência de que esta era, e continua a ser, uma experiência inovadora que não vai sem os seus riscos. Foi também com precaução que a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, através da qual se vinculou a administração tributária ao regime, impôs vários limites desde logo atendendo à especificidade e ao valor das matérias em causa, associando-se deste modo a Administração Fiscal a este mecanismo de resolução alternativa de litígios nos estritos termos e condições estabelecidos na Portaria». [2]
Nos litígios em matéria de direito tributário está em causa o interesse público primacial de um Estado de Direito, que é a obtenção de receitas imprescindíveis ao próprio funcionamento global do Estado, o que justifica que na vinculação se tomassem cautelas.
A arbitragem tributária poderia vir a ser um meio generalizado alternativo de resolução de litígios fiscais, mas, antes de serem dadas provas reiteradas da qualidade e isenção das suas decisões, a necessidade de protecção do interesse público e de assegurar a efectividade dos princípios essenciais da legalidade e da igualdade tributária que o enformam nesta matéria recomendava em 2011 e recomenda actualmente que se avance com cuidado, sem entusiasmos desmedidos, não deixando ao arbítrio dos cidadãos a opção livre e ilimitada por esse meio de resolução de litígios.
Essa cautela é especialmente aconselhada quando, por razões de celeridade, se optou por restringir os meios de impugnação e recurso das decisões arbitrais e, por isso, é menor do que nos tribunais tributários a viabilidade de correcção de possíveis erros de julgamento que sejam lesivos do interesse público.
Por isso se justificava em 2011 e se justifica ainda hoje que haja limitações ao acesso à arbitragem tributária, de forma de compatibilizar a utilização deste meio opcional de acesso à justiça com a obrigação estadual de proteger o interesse público, assegurar a legalidade e igualdade tributária e a arrecadação de receitas imprescindíveis para o funcionamento do Estado.
A esta luz, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer que o âmbito da vinculação seria definido por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, atribui-lhes um poder discricionário, para definirem a amplitude da vinculação da forma como entendam que melhor se prossegue o conjunto de interesses públicos cuja concretização está em causa, definição esta que não pode dispensar, naturalmente, a avaliação da verificação da existência das condições de ordem material e humana necessárias para a implementação deste novo regime.
Neste contexto em que havia uma evidente intenção de restringir o âmbito inicial da arbitragem tributária em relação à amplitude permitida pela lei de autorização legislativa, sendo consabido que a Constituição da República Portuguesa (CRP) e a Lei Geral Tributária (LGT) aludem a vários tipos de tributos, que designam como «impostos», «taxas» e «contribuições financeiras» [artigos 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] e 3.º, n.ºs 2 e 3, da LGT], a inclusão da palavra «impostos» na expressão «apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida» contrastando com a referência mas abrangente a «actos de liquidação de tributos» que foi usada na alínea a) do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 3-B/2010 (autorização legislativa) para definir o âmbito da autorização, tem de ser interpretada expressão precisa da restrição que se pretendeu efectuar.
Na verdade, assente que a intenção legislativa era restringir o âmbito da jurisdição arbitral, se foi utilizada uma expressão com alcance restritivo para indicar o âmbito da restrição, tem de pressupor-se, presumindo que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (como impõe o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), que se pretendeu restringir nos precisos termos, se não houver razões que imponham que se conclua que houve alguma deficiência na expressão do pensamento legislativo. Uma norma com alcance restritivo deve, em princípio, ser interpretada em termos estritos e não extensivamente, pois a ampliação do seu alcance estará presumivelmente ao arrepio do pensamento legislativo que a interpretação jurídica visa reconstituir (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil).
Como se escreve no Acórdão n.º 539/2015, do Tribunal Constitucional:
«As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada”, I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora).
As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em “As taxas e a coerência do sistema tributário”, pág. 89-91, 2.ª edição, Coimbra Editora)».
Por outro lado, quando foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, em que o Governo definiu o âmbito da vinculação à arbitragem tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira já administrava tributos com a designação de «contribuição» (designadamente, desde 2008, a contribuição de serviço rodoviário que aqui está em causa, e tinha já sido criada pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a contribuição sobre o sector bancário), pelo que não se pode aventar, com pertinência, que não se colocasse, no momento da emissão daquela Portaria, a necessidade esclarecer com rigor se o âmbito da vinculação abrangia ou não tributos com a designação de «contribuições».
A intenção governamental de afastar da vinculação à arbitragem tributária as pretensões relativas a contribuições é confirmada pela alteração efectuada ao artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2001 pela Portaria n.º 287/2019, de 3 de Setembro, em que se manteve a referência restritiva a «impostos», em momento em que a Autoridade Tributária e Aduaneira já administrava vários tributos com a designação de «contribuições», como, além da CSR e da contribuição sobre o sector bancário, a contribuição extraordinária sobre o setor energético (criada pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro) e a contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica (criada pelo artigo 168.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro).
Por outro lado, utilizando a Constituição e a Lei designações específicas para classificar os vários tipos de tributos, terá de se presumir também que, para efeito da definição das competências dos tribunais arbitrais, se pretendeu aludir à classificação que a legislativamente foi adoptada em relação a cada tributo e não à que o intérprete poderá considerar-se mais apropriada, como base em considerações de natureza doutrinal. A classificação de tributos especiais, designadamente para apurar se devem ser ou não tratados constitucionalmente como impostos é, frequentemente, uma tarefa complexa, objecto de abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional. Não há qualquer razão para crer, em termos de razoabilidade, que o legislador, que tem de se presumir que consagrou a solução mais acertada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), tivesse optado por impor indagações com esse nível de dificuldade, incerteza de resultados e morosidade para definição da competência dos tribunais arbitrais, em vez de optar pela identificação clara e segura dos tributos a que pretendeu aludir através da designação que legislativamente foi considerada adequada que, além do mais, se compagina melhor com a celeridade de decisões que se visou atingir com a criação da arbitragem tributária.
Para além disso, nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CSR a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. A expressão do pensamento em termos adequados faz-se necessariamente através da expressão correcta e não uma outra que o dissimule.
Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considerada «impostos» (como sucede com as «contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»). E, paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos.
No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspectiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011.
Por outro lado, da relegação da definição do âmbito da vinculação para diploma de natureza regulamentar depreende-se que, subjacente à restrição que se pretendeu efectuar estarão também razões pragmáticas relacionadas com a criação das condições práticas para implementação do novo regime, que normalmente se reservam para diplomas de natureza executiva, como são as relativas à disponibilidade de meios humanos da Administração Tributária com formação adequada para a representarem adequadamente nos processos tributários que exijam formação mais especializada. Neste caso, pelas limitações ao âmbito da jurisdição arbitral que se fazem nas alíneas c) e d) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quanto a litígios relacionados com matéria aduaneira, entrevê-se que estarão razões desse tipo subjacentes a essas restrições à arbitrabilidade de litígios.
Tendo o poder discricionário para definir o âmbito da vinculação sido atribuído aos membros do Governo indicados no artigo 4.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011 e não aos tribunais arbitrais, não podem estes substituir-se àqueles na definição do âmbito da jurisdição arbitral. Desde logo porque os tribunais não possuem o conhecimento de todos os elementos de natureza operacional que podem ter levado os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011. E, depois, porque foi a esses membros do Governo e não aos tribunais arbitrais que a lei atribuiu o poder de definir o âmbito da vinculação.
Pelo exposto, a interpretação correcta, alicerçada no teor literal deste artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 e nas regras interpretativas que constam do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, mas tendo também em conta as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), é a de que se pretendeu restringir a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a litígios em que estejam em causa tributos legislativamente classificados como impostos ou explicitamente como tal considerados (como sucede com as «contribuições especiais» referidas no n.º 3 do artigo 4.º da LGT), com as excepções arroladas naquela norma.
Assim, é de concluir que não é abrangida pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira, a apreciação de litígios que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas à CSR.
Pelo que se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 146/2019-T, a falta de vinculação não implica incompetência absoluta, em razão da matéria, a que alude o artigo 16.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, pois a competência para apreciação da generalidade de actos de liquidação de tributos se insere nas competências dos tribunais arbitrais definidas no artigo 2.º do RJAT.
Mas, está-se perante incompetência relativa por falta do acordo necessário para a constituição de tribunal arbitral, a que se reporta o artigo 18.º da Lei de Arbitragem Voluntária [Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT e artigo 181.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ( [3] )], acordo esse que, relativamente à arbitragem tributária, é genericamente exigido e definido no que concerne à Autoridade Tributária e Aduaneira através da vinculação, prevista no artigo 4.º do RJAT.
Tendo esta incompetência sido arguida tempestivamente, na Resposta (artigo 18.º, n.º 4, da LAV), tem de concluir-se que procede, com esta fundamentação, a excepção de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Esta interpretação do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 é compaginável com a Constituição, como já decidiu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 545/2019, de 16-10-2019, proferido no processo n.º 1067/2018, e no acórdão n.º 524/2024, de 02-07-2024, processo n.º 1347/23.
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Questão da prova da repercussão
No que concerne à repercussão da CSR, considero que é de presumir, à face das regras da experiência que os Árbitros devem aplicar na apreciação dos factos, de harmonia com o disposto no artigo 16.º, alínea c), do RJAT, em situações em que os fornecedores de combustíveis são sujeitos passivos de ISP.
A repercussão da CSR nos consumidores de combustíveis é manifestamente pretendida pela lei, ao estabelecer que o financiamento da rede rodoviária nacional «é assegurado pelos respectivos utilizadores» e que «a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis» (artigos 2.º e 3.º do CIEC na redacção anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro).
A obrigatoriedade da repercussão é confirmada pelo artigo 2.º do CIEC, na redacção da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, ao dizer que "os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária".
O artigo 6.º da mesma Lei atribui natureza interpretativa à nova redacção, pelo que que se impõe a conclusão de que se está perante uma situação de repercussão legal, não só pretendida mas até imposta por lei, e que, quanto à CSR, já como tal se devia considerar antes da Lei n.º 24-E/2022, não só por resultar das anteriores redacções dos artigos 2.º e 3.º desta Lei, mas por essa natureza legal da repercussão ser reforçada pela natureza interpretativa atribuída à nova redacção do artigo 2.º do CIEC.
Assim, numa situação em que o fornecedor é um sujeito passivo de ISP a quem a Autoridade Tributária e Aduaneira não imputa falta e pagamento da CSR, a existência de repercussão do tributo no consumidor final é de presumir, pois a lei impõe-lhe que efectue a repercussão dos tributos suportados, como sucede com a CSR, pois trata-se de uma situação normal, à face das regras da experiência que os árbitros devem aplicar na fixação da matéria de facto [artigo 16.º, alínea e) do RJAT], é o que corresponde ao andamento natural das coisas, ao quod plerumque accidit, que é fundamento das presunções naturais ou judiciais. ( [4] ) A força destas presunções pode ser arredada por simples contraprova, mas, neste caso, nenhuma foi efectuada.
Neste contexto, deve dizer-se que a presunção de que ocorreu efectivamente repercussão quando ela é imposta por lei e não há qualquer facto que permita duvidar da correspondência do facto presumido à realidade, não é incompatível com o Direito da União, designadamente à face do Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no processo C-460/21, que se refere à relevância de presunções, neste contexto da CSR.
O que aí se refere, relativamente a prova de uma situação de enriquecimento sem causa, que constitui excepção ao direito ao reembolso de quantias cobradas em violação do Direito da União, é que «o direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão (Acórdão de 21 de setembro de 2000, Michaïlidis, C-441/98 e C-442/98, EU:C:2000:479, n.º 42)».
Isto é, o que o TJUE considera incompatível com o Direito da União é a utilização exclusiva de uma presunção de repercussão para prova de uma situação excepcional de enriquecimento sem causa, derivada de omissão de repercussão, impedindo ao operador que devia fazer a repercussão a apresentação de elementos de prova destinados a demonstrar que não ocorreu.
Mas, no caso em apreço, o que esta em causa não é a prova de uma situação de excepção, mas sim a prova da situação normal de ter existido a repercussão pretendida por lei e não há obstáculos a que seja apresentada prova de que a repercussão não ocorreu, abalando a operacionalidade da referida presunção natural. O que sucede, é que nenhuma prova foi apresentada que permita entrever que a repercussão não tenha ocorrido.
Por outro lado, é manifesta a acrescida dificuldade de prova positiva da repercussão, em situação em que a Requerente apenas tem na sua posse as facturas em que apenas se indica o preço em que se presume estar incluída a CSR e, por isso, essa acentuada dificuldade deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina "iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur". ( [5] )
Para além disso, «a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido» (artigo 58.º da LGT), pelo que tinha o dever de diligenciar, na sequência da apresentação do pedido de revisão oficiosa, no sentido de apurar quais as liquidações que ela própria emitiu e os pagamentos que recebeu relativas ao pagamento de CSR pela fornecedora de combustíveis e confirmar ou não se foram ou não efectuados os pagamentos das facturas pela Requerente, se necessário através de exame à contabilidade da Requerente e informações bancárias.
É apenas nas situações em que, após a produção das provas e a realização de diligências necessárias para apurar a factualidade relevante para a decisão, subsistem dúvidas sobre factos em que deve assentar a decisão que funcionam as regras do ónus da prova, valorando procedimentalmente as dúvidas contra aquele a quem é atribuído o ónus da prova.
As regras do ónus da prova, no procedimento tributário e no processo tributário não significam que seja sobre a parte à qual ele é atribuído que recai o dever de trazer ao processo os meios de prova dos factos relevantes para decisão, dispensando a parte contrária de tal tarefa, pois a Administração Tributária nunca está dispensada de, em cumprimento do princípio do inquisitório, antes de aplicar as regras do ónus da prova, «realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido», por força do artigo 58.º da LGT.
«No procedimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos, podendo designadamente juntar actas e documentos, tomar declarações de qualquer natureza do contribuinte ou outras pessoas e promover a realização de perícias ou inspecções oculares» (artigo 50.º do CPPT), independentemente de o ónus da prova recair ou não sobre o contribuinte.
A expressão «todas as diligências necessárias» não dá margem para interpretação restritiva quanto aos deveres de realização de diligências que a lei impõe a AT.
O princípio do inquisitório, enunciado este artigo 58.º da LGT, situa-se a montante do ónus de prova (acórdão do STA de 21-10-2009, processo n.º 0583/09), só operando as regras do ónus da prova quando, após o devido cumprimento daquele princípio, se chegar a uma situação de dúvida (non liquet) sobre os factos relevantes para a decisão do procedimento tributário, situação esta em que a matéria de facto é decidida contra a parte a quem é imposto tal ónus.
Por isso, não podem aplicar-se as regras do ónus da prova contra o sujeito passivo, valorando contra ele as dúvidas sobre a matéria de facto, em situação em que não foi cumprido adequadamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira o princípio do inquisitório: se houve omissão absoluta de diligências no procedimento que tinham potencialidade para esclarecer os factos relevantes para a apreciação da causa, a falta de prova tem de ser valorada contra a Autoridade Tributária e Aduaneira.
3. Questão da ilegitimidade das Requerentes
O regime da CSR, na versão anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, foi criado tendo em vista a repercussão nos consumidores das quantias cobradas a esse título pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos.
Na verdade, no artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (na redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, vigente em 2018 e 2019) estabelece-se que «o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP, S. A., tendo em conta o disposto no Plano Rodoviário Nacional, é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável» e no n.º 3 do mesmo artigo (na redacção inicial) estabelece-se que «a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis».
A obrigatoriedade da repercussão é confirmada pelo artigo 2.º do CIEC, na redacção da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, ao dizer que "os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária".
O artigo 6.º da mesma Lei atribui natureza interpretativa à nova redacção, pelo que que se impõe a conclusão de que se está perante uma situação de repercussão legal, não só pretendida mas até imposta por lei, e que, quanto à CSR, já como tal se devia considerar antes da Lei n.º 24-E/2022, não só por resultar das anteriores redacções dos artigos 2.º e 3.º desta Lei, mas por essa natureza legal da repercussão ser reforçada pela natureza interpretativa atribuída à nova redacção do artigo 2.º do CIEC.
Resulta destas normas que, na perspectiva legislativa, o destinatário do encargo económico resultante da imposição da CSR é o consumidor de combustíveis, sendo as empresas comercializadoras, que devem efectuar o seu pagamento ao Estado, meras substitutas tributárias. Neste contexto, a repercussão da CSR nos consumidores de combustíveis é uma repercussão legal, já que é pretendida e pressuposta por lei, como mecanismo necessário para atingir a esfera jurídica dos contribuintes que se pretende onerar com o tributo.
Na pena de CASALTA NABAIS,
«Tanto é contribuinte o contribuinte directo, em relação ao qual o referido desfalque patrimonial ocorre directamente na sua esfera seja ele ou não o devedor do imposto, como o contribuinte indirecto, em relação ao qual o mencionado desfalque patrimonial ocorre na sua esfera através do fenómeno económico da repercussão do imposto».
A este respeito, costumam alguns autores distinguir entre contribuinte de direito e contribuinte de facto, sendo o primeiro a pessoa em relação à qual se verifica o pressuposto de facto do imposto, e o segundo o que, em virtude da repercussão, suporta economicamente o imposto. Todavia, o conceito de contribuinte é um conceito jurídico e a repercussão, quando legalmente prevista como é a regra dos impostos sobre o consumo, convoca o suportador do imposto não apenas em termos económicos, mas também em termos jurídicos, uma vez que, para além de uma obrigação jurídica de repercussão formal, temos uma de obrigação natural de repercussão material.
Por isso mesmo, não admira que a al. a) do n.º 4 do art. 18º da LGT fale de repercussão legal e reconheça legitimidade processual activa ao consumidor final ou adquirente de serviços para impugnar, administrativa ou judicialmente, o correspondente acto tributário. Um reconhecimento que a nossa jurisprudência já vinha aceitando e que, a nosso ver, é mesmo exigido pelo respeito do princípio da capacidade contributiva, uma vez que a capacidade contributiva, que em tais impostos se visa atingir, é efectivamente a do consumidor final ou do adquirente de serviços e não a do sujeito passivo do IVA» ( [6] )
Estas considerações, tendo em mente o IVA, valem também para os casos da CSR, estando-se, em qualquer dos casos, perante uma situação de substituição tributária, já que «a substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte» (artigo 20.º, n.º 1, da LGT).
Na substituição tributária, «o estado não exige o tributo directamente daquele que preenche as normas de incidência - o "contribuinte directo" - mas de outra pessoa que, pela sua capacidade de organização, está melhor habilitada ao cumprimento desses deveres e faculta uma gestão mais eficaz da receita tributária. A diferença porém, é que na substituição com retenção o substituto é a fonte dos rendimentos do contribuinte, pelo que ao substituto cabe reter dada percentagem desses valores, ao passo que na substituição sem retenção o contribuinte é a fonte dos rendimentos do substituto, pelo que a tarefa deste é a de cobrar o tributo juntamente com os valores que tem a haver» ( [7] ).
O direito de o substituto e o substituído impugnarem os actos de liquidação nas situações de substituição tributária é regulado pelo artigo 132.º do CPPT, mesmo nos casos em que a substituição não se concretiza através de retenção na fonte.
Com efeito, embora o artigo 132.º do CPPT se refira expressamente aos casos de substituição com retenção na fonte, esse regime deve aplicar-se a todos os casos de substituição. ( [8] ) Na verdade, como foi esclarecido na redacção do n.º 2 do artigo 20.º da LGT introduzida pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, ao dizer que «a substituição tributária é efetivada, designadamente, através do mecanismo de retenção na fonte do imposto devido», a retenção na fonte do imposto devido é apenas uma das formas de substituição tributária ( [9] ) e os fundamentos do reconhecimento do direito de impugnação do substituto e do substituído valem manifestamente para todas as situações de substituição.
A aplicação do regime do artigo 132.º, com as adaptações que eventualmente forem necessárias, a todos os casos de substituição tributária, inclusivamente sem retenção na fonte, decorre desde logo, do teor expresso da epígrafe da SECÇÃO VIII, em que está incluído o art. 132.º: «SECÇÃO VIII Da impugnação dos atos de autoliquidação, substituição tributária, pagamentos por conta e dos atos de liquidação com fundamento em classificação pautal, origem ou valor aduaneiro das mercadorias».
Nesta epígrafe nem se faz referência a «retenção na fonte», mas apenas a «substituição tributária», o que revela uma intenção legislativa, que acabou por ser mal traduzida na letra do artigo 132.º, de estabelecer um regime aplicável a todos os casos de substituição tributária.
A confusão dos conceitos, reduzindo os casos de substituição tributária aos de retenção na fonte, já vem do Código de Processo Tributário de 1991, mas poderá ter sido incentivada pelo infeliz artigo 20.º da LGT, na redacção inicial, que dizia que «a substituição tributária é efectivada através do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido», embora fosse evidente que havia casos de substituição sem retenção na fonte.( [10] )
A Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, na nova redacção que deu ao n.º 2 do artigo 20.º da LGT, acabou por reconhecer expressamente que há substituição tributária sem retenção na fonte ao dizer que «a substituição tributária é efetivada, designadamente, através do mecanismo de retenção na fonte do imposto devido».
Mas, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-09-2023, processo n.º 67/09.6BELRS acaba por se concluir, embora sem fundamentação explícita, que o artigo 132.º do CPPT, «exprime, no plano processual, um princípio material aplicável a todos os casos de substituição tributária».
Deve notar-se que, para detectar aqui uma situação de substituição tributária e de repercussão legal, o Supremo Tribunal Administrativo não necessitou de qualquer referência explicita à repercussão no texto do Decreto-Lei n.º 102/91 de 8 de Março, que não existe, deduzindo-a, por estar implícita na intenção legislativa de onerar contribuinte/substituído, já que é o mecanismo necessário para assegurar a transferência para o contribuinte o encargo económico com que é onerado em primeira linha o substituto.
Em última análise, se se entendesse inviável uma interpretação extensiva (apesar do seu suporte expresso na epígrafe referida), em face do reconhecimento constitucional do direito de impugnação de todos os actos lesivos, sempre se teria de concluir que se estaria perante uma lacuna de regulamentação, que importaria preencher através da aplicação do regime do artigo 132.º do CPPT, com as adaptações necessárias, por existir evidente paralelismo das situações de substituição com e sem retenção na fonte, a nível dos direitos de impugnação do substituído, o que seria fundamento para a sua aplicação analógica.
O direito de reembolso do substituído a quem foi repercutido imposto liquidado com violação do Direito da União Europeia, é também assegurado, na interpretação que dele fez o TJUE no despacho de 07-02-2022, processo n.º C-460/21:
«39 A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas».
«42 Por conseguinte, um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido».
43 «... a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos».
Como decorre desta jurisprudência, há uma obrigação de a Administração Tributária reembolsar os tributos cobrados em violação do Direito de União a quem efectivamente os suportou, pelo que no caso de tributos susceptíveis de repercussão, a titularidade do direito ao reembolso dependerá de ela ter sido ou não concretizada.
É corolário desta jurisprudência do TJUE que, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem legitimidade para impugnar os actos que a concretizem ou os que a antecedam, pois apenas o repercutido é afectado na sua esfera jurídica pelo acto lesivo e o substituto só terá legitimidade na medida em que não tenha repercutido integralmente o tributo que suportou nessa qualidade.
No caso em apreço, considero provado que ocorreu efectivamente repercussão da CSR, pelo que apenas as Requerentes são titular do direito ao reembolso, na medida em que foram repercutidas.
Assim, não se coloca a questão da plúrima possibilidade de reembolso pela Autoridade Tributária e Aduaneira, pois, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem direito ao reembolso.
De qualquer modo, não há qualquer fundamento legal nem lógico para os direitos económicos e processuais do repercutido, que pagou o tributo indevido, serem prejudicados pelo facto de poder também ser efectuado indevido reembolso do tributo às entidades que o repercutiram.
Pelo exposto, entendo que as Requerentes têm legitimidade substantiva e processual, pelo que que devia ser julgada improcedente esta excepção invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 03-02-2025
O Árbitro
(Jorge Lopes de Sousa)
[1] Texto reproduzido no Guia da Arbitragem Tributária, 2.ª edição, página 192.
[2] Publicado em https://www.caad.pt/files/documentos/newsletter/Newsletter-CAAD_out_2011.pdf.
[3] No sentido da aplicação subsidiária da Lei de Arbitragem Voluntária à arbitragem tributária, pode ver-se, entre vários, o acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de e 21-04-2021, processo n.º 101/19.1BALSB.
[4] MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216.
[5] Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 17-12-2008, processo n.º 0327/08.
Essencialmente neste sentido, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 203, cujos ensinamentos são seguidos no Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/83, de 11-7-1983, publicado no Diário da República, I Série, de 27-8-1983, e nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 17-12-2008, processo n.º 0327/08, e do respectivo Pleno do Pleno de 17-10-2012, processo n.º 0414/12.
[6] CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, páginas 243-244.
[7] SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, 2011, página 333.
[8] Como, no essencial, entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 06-09-2023, processo n.º 067/09.6BELR, identificando «o princípio segundo o qual tem direito ao reembolso o substituto em caso de entrega em excesso e o substituído em caso de pagamento ou retenção em excesso».
[9] Como já era entendimento doutrinal anterior, como pode ver-se em CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, página 255, SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, 2011, página 333, e ANA PAULA DOURADO, Direito Fiscal – Lições, 2016, página 73.
[10] Ao tempo da aprovação do Código de Processo Tributário, havia lugar a substituição tributária se retenção na fonte relativamente a várias taxas, como, por exemplo, a «taxa anual de radiodifusão», prevista no Decreto-Lei n.º 389/76, de 24 de Maio, em cujo artigo 2.º, n.º 1, se estabelece que «é instituída uma taxa anual de radiodifusão de âmbito nacional, a cobrar em duodécimos, mensal e indirectamente, por intermédio das distribuidoras de energia eléctrica, a ela ficando sujeitos os consumidores domésticos de iluminação e outros usos».
Outro exemplo, é a «taxa de seguração» criada pelo DL n.º 102/91 de 8 de Março, que opera através de um mecanismo de substituição tributária, nos termos do qual a operadora de transporte aéreo substitui o INAC na cobrança da taxa aos passageiros e substitui-se aos passageiros na entrega do seu valor ao INAC, a que se refere o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-09-2023, processo n.º 67/09.6BELRS.