DECISÃO ARBITRAL
AS PARTES
Requerente: «A, S. A.», NIPC …, com sede social na Rua … Lisboa
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira
Tema: Prédio urbano em regime de propriedade vertical - Imposto do Selo - Verba 28 da TGIS
DECISÃO ARBITRAL
I - Objecto do pedido e tramitação processual
Em 29 de Julho de 2014, a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral, requerendo:
i) A declaração de ilegalidade e consequente anulação dos seguintes actos tributários de liquidação de Imposto do Selo referente ao ano de 2013:
· N.º 2014 …;
· N.º 2014 …;
· N.º 2014 …;
· N.º 2014 …;
· N.º 2014 …;
· N.º 2014 …;
· N.º 2014 …;
· N.º 2014 …;
· N.º 2014 …;
· N.º 2014 …;
· N.º 2014 …;
· N.º 2014 …;
· N.º 2014 …;
· N.º 2014 …; e
ii) Indemnização pelos custos decorrentes da emissão de garantia bancária, que seria apresentada para efeito de suspensão do processo de execução fiscal.
As referidas notas de liquidação de imposto, no valor total de 12.495,50 €, respeitam aos prédios urbanos habitacionais “1-107”, “1D”, “1E”, “2D”, “2E”, “2.º”, “3D”, “3.º”, “4D”, “4E”, “4.º”, “AFD”, “AFE”, “AFURT”, os quais integram um prédio constituído em regime de propriedade vertical, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da …, concelho de Lisboa, sob o artigo ….
Por decisão do Presidente do Conselho Deontológico (n.º 1 do artigo 6.º do RJAT) foi designado como árbitro único o signatário. O tribunal arbitral singular foi constituído em 1 de Outubro de 2014.
A Administração Tributária e Aduaneira (doravante a designar, abreviadamente, por AT) apresentou a sua Resposta em 31 de Outubro. Adicionalmente, a AT requereu a dispensa da primeira reunião arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como a audição das testemunhas identificadas pela Requerente, atenta a ausência de excepções e estabilidade da matéria de facto e respectivos elementos probatórios.
Acresce que a matéria de facto, que suporta o pedido da Requerente, não foi contestada pela AT. E não existem quaisquer factos não provados.
Razão pela qual o tribunal arbitral entendeu estarem reunidas as condições para a apreciação imediata do mérito da causa. Tendo, em 10 de Novembro, notificado as partes da dispensa tanto da reunião arbitral prevista no artigo 18.º, como da produção de prova testemunha e realização de alegações finais.
Nessa mesma notificação, o tribunal arbitral solicitou à Requerente o envio da documentação de suporte ao pedido de ressarcimento dos custos decorrentes da emissão de garantia bancária.
Em 12 de Novembro, o tribunal arbitral voltou a notificar a Requerente, nos termos da alínea c) do n.º 1 do RJAT, desta vez convidando-a ao aperfeiçoamento da petição inicial. Concretamente, a Requerente havia fixado o valor do pedido de pronúncia arbitral em 4.165,26 €, importância que corresponde à primeira prestação do Imposto do Selo.
Todavia, o tribunal arbitral entendeu que o valor económico se deve reportar à liquidação de Imposto do Selo (12.495,50 €), independentemente da correspondente modalidade de pagamento.
Para mais, o objecto do pedido de pronúncia arbitral é constituído pela liquidação do Imposto do Selo (colecta de 2013), a qual engloba as 3 prestações. E às quais se reportará a decisão arbitral.
Em 21 de Novembro a Requerente esclareceu que a garantia bancária não fora prestada, continuando as liquidações de Imposto do Selo por pagar e garantir.
Em 5 de Dezembro a Requerente informou ter rectificado o valor económico do pedido para 12.495,50 €, liquidando o diferencial da taxa arbitral devida.
Termos em que o tribunal notificou as partes que a decisão arbitral seria preparada até 23 de Dezembro.
As partes gozam de capacidade e legitimidade jurídicas.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
O processo não padece de qualquer nulidade. Não foram suscitadas pelas partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa.
II - Enquadramento fáctico e síntese dos fundamentos de direito alegados pelas partes
a) A Requerente é proprietária do prédio urbano …, sito na freguesia da … (Lisboa) e constituído em regime de propriedade vertical;
b) Em Janeiro de 2011 o prédio foi avaliado, para efeitos de IMI, como prédio urbano composto por 19 divisões susceptíveis de utilização independente e afectas a comércio (5 divisões) e habitação (restantes 14 divisões);
c) Cada uma destas 19 divisões é, funcional e materialmente, susceptível de utilização individual e independente das demais, preenchendo o conceito de prédio conforme estatuído no n.º 3 do artigo 12.º do Código do IMI;
d) Anualmente, a Requerente é notificada da liquidação do IMI relativa ao prédio em apreço, a qual discrimina o valor patrimonial tributário e a colecta aplicável a cada um dos 19 prédios urbanos;
e) No plano do Imposto do Selo, a AT somou os valores patrimoniais tributários das 14 divisões com afectação habitacional;
f) Em 2013 a AT emitiu 14 notas de liquidação do Imposto do Selo, ao abrigo da verba 28.1 da correspondente Tabela Geral, as quais incidiram sobre os 14 prédios habitacionais, conforme a seguinte tabela:
Prédio
|
Valor patrimonial tributário (€)
|
Colecta (€)
|
1-107
|
94.150,00
|
941,50
|
1-D
|
88.430,00
|
884,30
|
1-E
|
88.430,00
|
884,30
|
2-D
|
87.910,00
|
879,10
|
2-E
|
87.910,00
|
879,10
|
2.º
|
93.640,00
|
936,40
|
3-D
|
162.730,00
|
1.627,30
|
3.º
|
93.640,00
|
936,40
|
4-D
|
88.630,00
|
886,30
|
4-E
|
88.630,00
|
886,30
|
4.º
|
94.350,00
|
943,50
|
AFD
|
58.680,00
|
586,80
|
AFE
|
58.680,00
|
586,80
|
AFUR
|
63.740,00
|
637,40
|
|
1.249.550,00
|
12.495,50
|
g) A Requerente não realizou o pagamento das referidas notas de liquidação e não prestou garantia idónea visando a suspensão do processo de execução fiscal.
Estes factos mostram-se provados, conforme documentação anexa ao pedido de pronúncia arbitral. A AT não contestou a matéria de facto. Não subsistem factos controvertidos ou por provar.
A Requerente sustenta que:
· A liquidação de Imposto do Selo assenta numa dualidade de critérios por parte da AT. Porque se para efeitos de IMI foram considerados 19 prédios, para o Imposto do Selo o prédio foi considerado como único e indivisível;
· Em sede de IMI os 19 prédios foram classificados em “habitacionais” e “comércio” (conforme o n.º 1 do artigo 6 do Código do IMI). Ao passo que para efeitos de incidência de Imposto do Selo o prédio foi “unificado” no que respeita às respectivas parcelas habitacionais;
· De que resultou um “novo” prédio urbano com um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1 milhão de Euros;
· Este Imposto do Selo tem como alvo a tributação dos “ricos”, proprietários de habitações de “luxo”, o que não se verifica no caso controvertido;
· O itinerário interpretativo da norma fiscal não se cinge à letra da lei, exigindo-se a reconstituição do pensamento legislativo com base no contexto e circunstância que presidiram à criação legislativa (n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, por remissão do n.º 1 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária);
· E em caso de dúvida quanto ao conteúdo e alcance da norma fiscal, o n.º 3 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária determina que se observe a substância económica revelada pelos factos tributários;
· A AT aproveita a letra da lei, interpretando-a na sua mais estreita acepção, de modo a tributar uma realidade económica fora do escopo legislativo;
· No plano da verdade material, é indiscutível que o prédio, embora não se encontrando constituído em propriedade horizontal (não existindo, strictu senso, fracções autónomas), se encontra substantiva e funcionalmente dividido em parcelas independentes. Cada uma das quais configura um prédio urbano habitacional ou para comércio;
· Este facto tem de ser coadunado com os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, os quais afastam a adopção de critérios díspares por parte da AT;
· Sendo os diversos prédios independentes, ao ponto de cada um preencher o conceito de prédio acolhido no Código do IMI, à AT não é lícito proceder à sua unificação para efeitos de incidência do Imposto do Selo;
· O valor patrimonial tributário permanece único e individual para cada um dos prédios urbanos. Não podendo ser somado, para ficcionar a existência de um prédio único e, desse modo, se subsumir a um novo facto tributário sujeito a Imposto do Selo;
· Há uma manifesta inobservância do princípio da capacidade tributária, que se funda no comando da igualdade, sendo que ambos os princípios beneficiam de tutela constitucional;
· Desde logo, porque a AT apenas soma os valores patrimoniais tributários dos titulares de prédios em regime de propriedade vertical. Não estendendo idêntica interpretação aos proprietários de prédios urbanos individuais ou em regime de propriedade horizontal;
· Pelo que dois sujeitos passivos titulares de dois prédios idênticos se encontram dentro ou fora da regra de incidência do Imposto do Selo, consoante, respectivamente, os prédios se encontrem em propriedade vertical ou horizontal;
· A mesma realidade económica, material e funcional é, assim, objectivo de um enquadramento fiscal discriminatório. Dado que o sujeito passivo titular de divisões independentes de um prédio em regime de propriedade vertical, cujo valor patrimonial tributário agregado atinja ou supere 1 milhão de Euros, se encontra sujeito ao Imposto do Selo. Imposto que evitaria caso tais divisões constituíssem fracções autónomas de um prédio em regime de propriedade horizontal (dado que, neste caso, os valores patrimoniais tributários se mantêm individualizados);
· Em suma, à mesma realidade económica - prédios urbanos autónomos e independentes - deve corresponder idêntico enquadramento tributário, designadamente, no que respeita ao preenchimento das normas de incidência objectiva do Imposto do Selo;
· Existe uma linha jurisprudencial que acolhe esta posição, designadamente, as decisões arbitrais 48/2013-T, 50/2013-T, 132/2013-T e 218/2013-T.
Na sua resposta, a AT alega que:
· Encontrando-se o prédio em regime de propriedade vertical, o mesmo não possui fracções autónomas às quais a lei fiscal atribua a qualificação de prédio;
· A Requerente, para efeitos de IMI e também de Imposto do Selo, não é proprietária de 19 fracções autónomas, antes sendo titular de um único prédio;
· A AT não pode considerar a existência de analogia entre os regimes de propriedade vertical e horizontal, porquanto é a legislação cível que distingue e autonomiza estes regimes;
· Ao intérprete está vedada a aplicação analógica entre regimes dotados, por força da lei, de conteúdo e alcance distintos;
· Acresce que estes regimes foram importados para o direito tributário, pelo que a correspondente interpretação tributária há-de respeitar o sentido originariamente conferido pelo direito cível (conforme o n.º 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária);
· Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, mas sempre na mesma matriz;
· A unitização das parcelas independentes releva para efeitos de IMI. Mas a unidade do prédio em regime de propriedade vertical não é, no entanto, afectada pelo facto de todos ou partes do andares ou divisões serem susceptíveis de utilização económica independente;
· A individualização do IMI é compatível com a agregação do Imposto do Selo, sob pena de incompatibilidade com o texto normativo;
· O princípio da igualdade não se mostra violado, dado que ao legislador é lícito discriminar entre os regimes de propriedade vertical e horizontal, contanto que não o faça, como é o caso, de forma arbitrária;
· A inscrição matricial das diversas parcelas passíveis de utilização independente não é autónoma, antes constando de uma matriz única, na qual é identificado o prédio na sua totalidade;
· Em suma, a verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo incide sobre o valor patrimonial tributário total de um dado prédio urbano. E não sobre o valor patrimonial tributário de cada uma das parcelas que o compõem, conforme resulta da noção de prédio acolhida no artigo 2.º do Código do IMI e das espécies de prédio elencadas no artigo 6.º do mesmo Código.
III - Do direito
O cerne da questão controvertida pode ser encerrado na seguinte pergunta: qual o alcance e conteúdo do conceito de prédio urbano para efeitos de incidência do Imposto do Selo?
Da resposta resultará a identificação do valor patrimonial tributário desse prédio urbano, enquanto requisito essencial para o preenchimento do facto tributário enunciado na verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
O que implica a análise de um conjunto de questões prévias e concorrentes:
i) O conceito de prédio urbano acolhido nos Códigos do IMI e do Imposto do Selo é divergente ou coincidente?
ii) Pode a relevação matricial de um dado prédio contribuir para o preenchimento do seu conteúdo e relevar para a concomitante definição do facto tributário?
iii) O princípio da capacidade contributiva opõe-se a que um dado prédio urbano preencha a norma de sujeição do Imposto do Selo, consoante a sua inserção jurídico-formalística nos regimes da propriedade vertical ou horizontal?
A verba 28.1 da TGIS - na redacção vigente no ano de 2013 a que se reportam as liquidações controvertidas de Imposto do Selo - apresenta o seguinte teor:
“28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 - Por prédio com afectação habitacional - 1%”;
(os sublinhados são nossos)
O Código do Imposto do Selo completa a norma de incidência ao definir a territorialidade (prédios situados em território português, conforme o n.º 6 do artigo 4.º do Código do Imposto do Selo).
Já a incidência subjectiva é definida por referência ao Código do IMI (conforme o n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo).
Idêntica remissão para o Código do IMI surge quanto:
i) Ao momento do nascimento do facto gerador da obrigação tributária (alínea u) do n.º 1 do artigo 5.º);
ii) À isenção objectiva em função do valor patrimonial tributário (n.º 6 do artigo 7.º);
iii) Às regras de liquidação, cobrança e pagamento (n.º 7 do artigo 23.º, n.º 5 do artigo 44.º e n.º 5 do artigo 46.º);
iv) Garantias dos sujeitos passivos (n.º 3 do artigo 49.º);e
v) À regra de subsidiariedade do Código do IMI relativamente “às matérias não reguladas no presente Código respeitante à verba n.º 28”, ex vi do n.º 2 do artigo 67.
Note-se que a própria verba 28 - na redacção a que se reporta o Imposto do Selo de 2013 e liquidado em 2014 - utilizava conceitos próprios do IMI, designadamente, os de “prédio urbano”, “valor patrimonial tributário”, “matriz” e “afectação habitacional”.
O Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro) modificou a letra da verba 28.1, afastando-se da nomenclatura de conceitos do Código do IMI, por via da sujeição a Imposto do Selo dos “terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”.
Não oferece dúvida que, não fora a referida alteração operada pelo OE 2014, e o Código do Imposto do Selo seria total e estreitamente dependente do Código do IMI, no que respeita ao recorte dos conceitos que preenchem o facto tributário e subsequentes operações de liquidação e cobrança.
Razão pela qual - e em jeito de antecipação da conclusão final - os conceitos de prédio urbano e valor patrimonial tributário constantes do Código do Imposto do Selo não poderão ser outros que não aqueles cujo conteúdo e alcance se mostram acolhidos no Código do IMI.
Pelo que a liquidação do Imposto do Selo não poderá reflectir outra realidade que não o valor patrimonial tributário de cada prédio urbano em sede de IMI.
A adição dos diversos valores patrimoniais não pode fazer nascer um novo prédio urbano que o Código do IMI e, por remissão, o Código do Imposto do Selo, não acolhem.
Sob pena de o facto tributário, criado via somatório de valores patrimoniais, preceder o próprio conceito de prédio urbano (que é, na verdade, o próprio facto tributário sujeito a IMI e Imposto do Selo). O que se verifica quando os valores patrimoniais tributários de vários prédios são adicionados, como que “fazendo nascer” um novo prédio urbano com um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1 milhão de Euros.
Contudo, a realidade substantiva haverá sempre de prevalecer sobre a realidade jurídico-formal.
Não é a inscrição matricial que identifica e preenche o conceito de prédio urbano (nem que seja pelo facto de a existência deste último ser alheia e independente da matriz predial, conforme sucede com os prédios omissos).
É o prédio urbano, conforme definido no Código do IMI, que origina e oferece conteúdo a uma dada inscrição matricial. Não o inverso.
Acresce que a forma de propriedade do prédio urbano, horizontal ou vertical, não pode influenciar o facto tributário. Designadamente, criando-o ex novo, e atribuindo-lhe um valor patrimonial tributário correspondente ao somatório daquele que conforma um conjunto de prédios já existentes.
Com efeito, o valor patrimonial tributário é uno e encontra-se definido no Código do Imposto do Selo, pois é esse o sentido da remissão expressa que este faz para os conceitos de prédio urbano e valor patrimonial consagrados no Código do IMI.
Não será demais insistir que, por remissão expressa do Código do Imposto do Selo, há um só prédio urbano: aquele que se encontra definido no Código do IMI. E a esse prédio urbano corresponde um só valor patrimonial tributário: aquele que consta do Código do IMI.
É por este conceito individualizado de prédio urbano, que se pauta a liquidação do IMI. O mesmo não sucedendo, naturalmente, com a cobrança dado que esta resulta da obrigação tributária de pagamento atribuída a um dado sujeito passivo.
Pelo que, mais uma vez por força da supra referida remissão expressa operada no Código do Imposto do Selo, a liquidação deste imposto reger-se pelas regras estatuídas no Código do IMI.
Em boa verdade, foi a este procedimento de individualização da liquidação do Imposto do Selo que a AT aderiu, ao ter emitido 14 notas de liquidação. Uma por cada prédio urbano.
Sucede que as regras hermenêuticas não permitem à AT a criação de um novo prédio urbano para efeitos de Imposto do Selo, correspondente ao somatório de valores patrimoniais tributários de outros prédios.
Simplesmente, porque a letra da lei, ao reservar os conceitos de prédio urbano e valor patrimonial tributário para o Código do IMI, obsta a qualquer divergência conceptual entre ambos os tributos.
E o teor literal da norma tributária (verba 28) é inequívoco, ao determinar que o Imposto do Selo incide sobre “(…) o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”).
Face ao exposto, não seria necessário considerar - a título principal - o eventual desrespeito pelo princípio da igualdade material enquanto expressão da capacidade contributiva. Mormente na situação objectiva em que dois sujeitos passivos se vêem confrontados ou não com uma liquidação de Imposto do Selo, consoante os seus prédios urbanos se encontrem, respectivamente, constituídos em propriedade vertical ou horizontal.
Porquanto, como vimos, o conceito de prédio urbano abarca uma realidade substantiva, pelo que inclui qualquer andar ou divisão susceptível de utilização independente nas perspectivas económica, material e funcional.
O que não se compadece com o nomen iuris do título jurídico por que essa propriedade se revela.
De qualquer modo, sempre se dirá que a igualdade material se opõe a que prédios urbanos conformados pelas mesmas realidades económica, funcional e material, sejam objecto de um tratamento diferenciado consoante a sua inscrição matricial como fracção autónoma de um prédio em propriedade vertical ou divisão independente de um prédio em propriedade horizontal.
Em conclusão, no caso controvertido, o prédio encontra-se constituído em regime de propriedade vertical, sendo composto por 19 divisões com utilização independente, das quais 14 foram avaliadas e inscritas como prédio urbano habitacional.
O Código do IMI constitui direito subsidiário quanto à definição de prédio urbano, matriz predial e valor patrimonial tributário.
O n.º 2 do artigo 7.º e n.º 3 do artigo 12.º do Código do IMI confluem na definição de prédio urbano como uma parcela económica e funcionalmente independente de um dado edifício ou construção. A esse prédio urbano corresponde uma inscrição matricial autónoma, a qual identifica o correspondente valor patrimonial tributário.
Substantivamente a fracção autónoma de um prédio em regime de propriedade horizontal equipara-se às parcelas independentes de um edifício em regime de propriedade vertical. Ambos constituem prédios urbanos, dotados de inscrição matricial e valores patrimoniais tributários autonomizados.
Essa autonomia abarca necessariamente a liquidação, dado que esta se apresenta como a operação de aplicação da taxa de imposto à matéria colectável previamente definida. Que, por sua vez, decorre da verificação de um facto tributário precedente.
Pelo que cada um dos 14 prédios urbanos em apreço possui um valor patrimonial individual e autónomo. O qual é inferior ao limite mínimo de 1 milhão de Euros. Pelo que em nenhum dos 14 prédios urbanos se verifica o facto tributário plasmado na verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
Por fim, não será de esquecer que esta questão controvertida já foi objecto de diversas decisões arbitrais [[i]].
Decisões essas que são uniformes no seu conteúdo, permitindo concluir pela existência de uma clara corrente jurisprudencial. No sentido de a liquidação do Imposto do Selo da verba 28.1 da Tabela Geral não ser aplicável a andares ou partes susceptíveis de utilização independente de um prédio em propriedade vertical, quando apenas mediante o somatório de cada um desses andares ou partes se logra obter um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1 milhão de Euros.
No que respeita ao pedido indemnizatório pela garantia bancária que seria apresentada, o tribunal arbitral solicitou o envio da correspondente documentação de suporte. Tendo a Requerente esclarecido que a garantia não foi apresentada. Facto que, naturalmente, obsta à apreciação do pedido.
IV - Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:
i) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação das notas liquidações de Imposto do Selo referentes ao exercício de 2013; e
ii) Não apreciar o pedido de indemnização pela apresentação de garantia indevida.
O valor económico do pedido é fixado em 12.495,50.
Custas pela Requerida.
Notifique-se as partes.
Lisboa, 23 de Dezembro de 2014
Tribunal Arbitral Singular
José Luís Ferreira
[i] Entre outras, os processos n.º 48/2013-T, n.º 50/2013-T, n.º 132/2013-T, n.º 181/2013, n.º 182/2013, n.º 183/2013, n.º 185/2013, n.º 218/2013-T, n.º 14/2014-T, n.º 26/2014, n.º 30/2014, n.º 72/2014, n.º 88/2014, n.º 177/2014, n.º 193/2014-T, n.º 194/2013-T, n.º 206/2014 e n.º 248/2013.