Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 407/2024-T
Data da decisão: 2025-02-03  IRS  
Valor do pedido: € 7.219,97
Tema: IRS – Rendimentos Empresariais e Profissionais (Categoria B); Prática de atos isolados; Coeficientes para a determinação do rendimento tributável.
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SUMÁRIO

I - De acordo com o artigo 74.º, n.º 1 da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Em consequência, cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca.

II - In casu, é sob o Requerente que incumbe o ónus de provar a atividade efetivamente por si exercida.

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Gonçalo Estanque designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 04-06-2024, decide no seguinte:

  1. RELATÓRIO

A..., contribuinte fiscal n.º ... (Requerente) e B..., contribuinte fiscal ... (cônjuge), casados, ambos com domicílio fiscal na Rua ... n.º ..., ...-... Valongo, (conjuntamente designados por “Requerentes”), vieram, em 21-03-2024, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”) contra os atos tributários de liquidação de IRS - n.º 2023..., relativo ao IRS de 2020, n.º 2023..., relativo ao IRS de 2021, e as respectivas demonstrações de acerto de contas n.º 2023... e n.º 2023..., com vista a ser decretada a anulação dos atos tributários supra referidos.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 22-03-2024 e automaticamente notificado às partes.

Em 14-05-2024, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação do Árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o qual comunicou a respetiva aceitação no prazo aplicável. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 04-06-2024.

Na mesma data, em conformidade com o disposto no artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, foi emitido despacho para que a Requerida, no prazo de 30 dias, apresentasse resposta e, querendo, solicitasse a produção de prova adicional.

A Requerida, em 03-07-2024, apresentou a sua resposta - onde conclui pela improcedência do pedido - e juntou aos autos o processo administrativo.

Em 15-11-2024, teve lugar a inquirição das testemunhas arroladas pelos Requerentes, a prestação de declarações de partes e a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

Os Requerentes e a Requerida apresentaram, sucessivamente, as suas alegações escritas, respetivamente, em 03-12-2024 e em 11-12-2024.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

  1.  MATÉRIA DE FACTO
  1. FACTOS PROVADOS

Consideram-se provados os seguintes factos:

  1. Nos anos de 2020 e 2021, o Requerente era trabalhador dependente da sociedade C... S.A. - cfr. Art. 6.º e 20.º das Alegações da Requerente e depoimento da testemunha D... (Diretor Financeiro da referida sociedade).
  2. Nos anos em causa o Requerente prestou, também, serviços, na qualidade de trabalhador independente, às sociedades E..., S.A. e F..., S.A.- cfr. Art. 5.º e 18.º das Alegações da Requerente e depoimento da testemunha D... .
  3. As sociedades E..., S.A. e F..., S.A. integravam o grupo de sociedades da entidade empregadora do Requerente (i.e. da C... S.A) - cfr.  Alegações da Requerente e depoimento da testemunha D...
  4. Não existiam contratos escritos, a enquadrar as prestações de serviços do Requerente às sociedades E..., S.A. e F..., S.A. - cfr. Alegações da Requerente, depoimento da testemunha D... e declarações de parte do Requerente.
  5. Em 30-12-2020, o Requerente emitiu fatura-recibo - ato isolado com o valor base de €22.500,00 com a descrição de “prestação de serviços” e a com a menção da E..., S.A. como adquirente de serviços - cfr. Doc. 7 junto ao PPA.
  6. Em 27-08-2021, a E..., S.A., na qualidade de distribuidora, celebrou um contrato de distribuição exclusiva de material de escritório com a sociedade G..., LDA. (na qualidade de fornecedora): cadeiras, particularmente vocacionadas para gaming / videojogos - cfr. Doc. 16 junto ao PPA e depoimento da testemunha H... .
  7. A escolha dos materiais de escritório a distribuir (cadeiras gaming), do fornecedor, bem como a negociação do contrato celebrado entre a E..., S.A. e a sociedade G..., LDA. (fornecedor) foram realizadas pelo Requerente - cfr. prova testemunhal produzida, em particular, o depoimento da testemunha H... .
  8. Os montantes auferidos em relação à prestação de serviços do Requerente à E..., S.A. foram incluídos no Quadro 4A do Anexo B da Declaração Modelo 3 de IRS do ano de 2020 na linha relativa a rendimentos de prestação de serviços não previstos nos campos anteriores - cfr. Doc. 1 junto ao PPA.
  9. Através do Ofício n.º DIV1/..., emitido pelo Serviço de Finanças de Valongo - ..., o Requerente foi notificado da “necessidade de comprovação do tipo de rendimentos declarados, considerando os códigos de atividade declarados ou patentes em cadastro” - cfr. Doc. 3 junto ao PPA.
  10. O Requerente, em 25-06-2021, via Portal das Finanças, respondeu ao Ofício n.º DIV1/..., tendo declarado que “Informo que a Fatura-Recibo -Ato Isolado emitida em 30/12/2020, reporta a uma ação, única e temporária de serviços de apoio prestados a uma única entidade, a qual consistiu na elaboração de trabalhos de acompanhamento, estratégia e desenvolvimento do negócio da empresa, com deslocações a lojas e interação. Esta atividade NÃO se encontra especificamente prevista na Tabela anexa ao Código do IRS, a que se refere o art.° 151.°, enquadrando-se antes no CAE-Rev 3 - CAE 82990 - Outras atividades de serviços de apoio prestados às empresas, n.e.

Nesse sentido, o rendimento obtido enquadra-se, para efeitos de sujeição IRS - Regime Simplificado, na al. c) do n.° 1 do art.° 31.°, sendo por isso incluído no campo 404 do quadro 4 do anexo B, como fiz constar.

De facto, como foi recentemente decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 09/12/2020 - Proc.° 092/19.9BALSB - foi estabelecido que ".... uniformizando-se jurisprudência no sentido de não constando a atividade de árbitro especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.° do Código do IRS, não lhe poderá ser aplicável o artigo 31.°, n.° 1, alínea b) do Código do IRS."

Assim, e salvo melhor opinião, parece-me que o rendimento deverá ser sujeito a IRS pela aplicação do coeficiente previsto na al. c) do n.° 1 do art.° 31.°, e por isso inserto no campo 4040 do anexo B.” - cfr. Doc. 8 junto ao PPA.

  1. Através do Ofício n.º GI..., de 03-11-2021, o Serviço de Finanças de Valongo - ... notificou o Requerente para enviar “cópia de contrato de prestação de serviços entre as partes, nomeadamente com a empresa E..., S.A. NIF...” - cfr. Doc. 10 junto ao PPA.
  2. Em 20-11-2021, o Requerente, via Portal das Finanças, respondeu ao solicitado pela AT indicou que “não existe contrato de prestação de serviços (...) tratou-se simplesmente de um contrato verbal, ato único, para a realização de um serviço de prospeção e desenvolvimento de atividade da empresa E..., SA, a qual foi desenvolvida pelo exponente no mês de Dezembro de 2020, e com um único estudo” - cfr. Doc. 11 junto ao PPA.
  3. Em 22-11-2021, também, via Portal das Finanças, a Autoridade Tributária veio solicitar esclarecimentos adicionais ao Requerente:

“A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) agradece o seu contacto.

A presente resposta será anexada a divergência n.°..., referente a valores declarados na declaração de rendimentos relativos ao ano de 2020. No entanto e inexistindo contrato de prestação de serviços, antecipadamente indica-se que, face à genérica descrição do serviço prestado e inexistência de contrato de prestação de serviços associado à emissão do recibo de ato isolado n.° 2, deverá complementar a informação agora prestada, uma vez que se depreende que a prestação recaí na atividade de consultoria, devidamente descrita na tabela anexa ao Código do IRS, sob o código 1320 Consultores o que implica a inscrição de tal valor no campo 403 do anexo B da declaração de rendimentos.

Com os melhores cumprimentos

AT- Autoridade Tributária e Aduaneira”  - cfr. Doc. 11 junto ao PPA.

  1. Através do Ofício GI-..., o Serviço de Finanças de Valongo - ... notificou o Requerente para exercer Direito de Audição Prévia devido à existência das seguintes incorreções na Declaração Modelo 3 de IRS do ano de 2020:

 

(cfr. Doc. 13 junto ao PPA).

  1. O Requerente exerceu, em 20-09-2022, o seu Direito de Audição Prévia, tendo indicado que:

 

(cfr. Doc. 14 junto ao PPA).

  1. Através do Ofício n.º 2023..., datado de 08-09-2023, o Serviço de Finanças de Valongo - ... decidiu corrigir a Declaração Modelo 3 de IRS apresentada pelos Requerentes porquanto:

 

 

(cfr. Doc. 15 junto ao PPA).

  1. Na sequência das correções efetuadas pela AT foi emitida a liquidação de IRS n.º 2023..., de 08-12-2023, com um valor a reembolsar de €805,48 (cfr. liquidação junta ao formulário de pedido de constituição de tribunal arbitral).
  2. Em 11-01-2021, o Requerente emitiu fatura-recibo - ato isolado com o valor base de €14.850,00 com a descrição de “prestação de serviços” e a com a menção da F..., S.A. como adquirente de serviços - cfr. Doc. 17 junto ao PPA.
  3. Os montantes auferidos em relação à prestação de serviços do Requerente à F..., S.A. foram incluídos no Quadro 4A do Anexo B da Declaração Modelo 3 de IRS do ano de 2021 na linha relativa a rendimentos de prestação de serviços não previstos nos campos anteriores - cfr. Doc. 2 junto ao PPA.
  4. Através do Ofício n.º DIV1/..., emitido pelo Serviço de Finanças de Valongo - ..., o Requerente foi notificado, relativamente à sua Declaração Modelo 3 de IRS do ano de 2021, da “necessidade de comprovação do tipo de rendimentos declarados, considerando os códigos de atividade declarados ou patentes em cadastro” - cfr. Doc.4 junto ao PPA.
  5. O Requerente, em 10-08-2022, via Portal das Finanças, respondeu ao Ofício n.º DIV1/..., tendo referido o seguinte:

 

(cfr. Doc. 19 junto ao PPA).

  1. Através do Ofício n.º GI..., de 01-09-2022, o Serviço de Finanças de Valongo - .. notificou o Requerente de que “de acordo com esclarecimentos prestados pelo próprio “elaboração de trabalhos de acompanhamento, estratégia e desenvolvimento do negócio da empresa, com deslocações a lojas e interação” recai na esfera da consultoria” - cfr. Doc. 20 junto ao PPA.
  2. Através do Ofício GI-..., o Serviço de Finanças de Valongo - ... notificou o Requerente para exercer Direito de Audição Prévia (cfr. Doc. 22 junto ao PPA).
  3. O Requerente exerceu, em 20-09-2022, o seu Direito de Audição Prévia, tendo indicado que:

 

(Cfr. Doc. 21 junto ao PPA)

  1. Na sequência das correções efetuadas pela AT foi emitida a liquidação de IRS n.º 2023..., de 08-12-2023, com um valor a pagar de €7.655,18 (cfr. liquidação junto ao formulário de pedido de constituição de tribunal arbitral)
  2. Em 21-03-2024, o Requerente apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral.

 

2. FACTOS NÃO PROVADOS

Não ficou provado que o Requerente tenha prestado serviços que se enquadrem noutra atividade que não seja a de consultor / consultoria.

Não há outros factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

            Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cf. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

            Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cf. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina, relativamente à prova produzida, o princípio da livre apreciação. 

Os factos elencados supra foram dados como provados e não provados com base nas posições assumidas e nos documentos juntos pelas partes, bem como na prova testemunhal produzida e nas declarações de parte.

Relativamente aos serviços prestados pelo Requerente, importa começar por referir que existem manifestas incongruências relativamente à atividade exercida. Essas incongruências existem na prova documental constante dos autos e sai reforçada na prova testemunhal produzida.

De facto, na primeira resposta ao pedido de esclarecimentos da AT, o Requerente indica que os serviços prestados consistiram na “elaboração de trabalhos de acompanhamento, estratégia e desenvolvimento do negócio da empresa, com deslocações a lojas e interação” (factos provados O e W). Porém, posteriormente, o Requerente vem, expressamente, referir que os serviços prestados consubstancia-se no “desenvolvimento de aplicação informática de software, além da respetiva incorporação/instalação do software por si desenvolvido e formação de pessoal colaborador das lojas do adquirente de bens e de serviços, com deslocações associadas” (factos provados P e Z).

Ademais, relativamente aos serviços prestados pelo Requerente para a F..., S.A., a testemunha D... vem referir que não foram prestados quaisquer serviços de consultoria informática, tendo acrescentado que “a consultoria informática ali (em relação aos serviços prestados) não servia para nada”.

Relativamente à “formação de pessoal”, a testemunha I... referiu que a formação não visava “ensinar” a equipa mas, isso sim, constituir a equipa e escolher os elementos das equipas da loja. A decisão final relativamente à escolha do pessoal a integrar as equipas da loja era, de acordo com esta testemunha, uma das tarefas a cargo do Requerente. De acordo com esta testemunha era o Requerente que tinha a “palavra final (...) na definição da equipa”.  No entanto, o Requerente, nas suas declarações de parte, indicou que “(...) foi desafiado para escolher a equipa ideal e aí não sendo a minha decisão a decisão final”.

A formação / ensinamento seria, isso sim, feita nas lojas pelos store managers e pela própria J... e não pelo Requerente, isto de acordo com a testemunha I... . No entanto, o Requerente acabou por indicar que a “formação de pessoal” visava “ensinar” ou “dar instruções” ao pessoal quanto à utilização de uma ferramenta informática (Power BI).

No que à matéria de facto não provada, importa dizer que a prova produzida não foi suficiente para dar como certa a factualidade de que o Requerente prestou serviços distintos daqueles que, normalmente, consubstanciam a consultoria. Ou seja, não foi produzida prova testemunhal ou documental que sustentasse a realização de outra atividade, tanto mais que existem manifestas contradições entre a prova documental e prova testemunhal e, também, entre os diferentes testemunhos.

 

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO
  1. Nos presentes autos, considerando os factos alegados e o pedido formulado, as questões a decidir são, em primeiro lugar, quais foram as atividades / natureza das prestações de serviços realizadas pelo Requerente? Em segundo lugar, qual o enquadramento tributário para efeitos de IRS dessas atividades / prestações de serviços (i.e. qual o coeficiente a aplicar: 0,35 como defende a Requerente ou 0,75 como defende a AT)?
  2. Relativamente à primeira questão, importa referir que a AT defende que estão em causa a prestação de serviços de consultoria e formação (código 1320 - Consultores e o código 8011- formadores, ambos, da tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS).
  3. Por seu turno o Requerente defende que as atividades realizadas não se enquadram como "consultoria" ou "formação", mas sim como "outros prestadores de serviços" (código 1519). Os serviços prestados constituíam obrigações de resultado, não de meios como seria típico da consultoria, dado que o requerente vinculou-se a obter resultados concretos (celebração de contrato de distribuição e abertura de nova loja) e não apenas aconselhar os adquirentes dos serviços. Por fim, entende o Requerente que o advérbio "especificamente", constante do art. 31º do Código do IRS, restringe a aplicação do coeficiente 0,75 apenas às atividades expressamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS. O Requerente alega que deveria aplicar-se o coeficiente de 0,35 (alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS) à atividade por si exercida, por a mesma não estar especificamente prevista na referida tabela.

Vejamos:

  1. Importa começar por referir que a prática de um ato isolado, para efeitos de IRS, pressupõe sempre o exercício de uma atividade. Isso mesmo resulta claro das referências a “atividades” constantes das alíneas h) e i) do n.º 2 do artigo 3.º do Código do IRS. In casu, conforme referido, a questão reside em determinar qual atividade exercida pelo Requerente.
  2. É sob o Requerente que incumbe o ónus de provar a atividade efetivamente exercida. De facto, conforme se refere, entre outros, no Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 236/2014-T “(...) de acordo com o artigo 74.º, n.º 1 da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Em consequência, cabe à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua actuação, para o que deve provar os factos constitutivos de que legalmente depende a decisão administrativo-tributária com certo conteúdo e com certo sentido. Pelo seu lado, cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca”.
  3. No caso sub judice, estaria em causa, conforme defende a Requerida, o exercício da atividade de consultor ou formador. Ora, a atividade de consultor, conforme definida pela Classificação Portuguesa de Actividades Económicas (“CAE - Rev. 3), introduzida pelo Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de Novembro (aplicável ex vi Portaria n.º 1011/2001, de 21 de Agosto), consiste na “consultoria, orientação e assistência operacional às empresas ou a organismos (inclui públicos) em matérias muito diversas, tais como: planeamento, organização, controlo, informação e gestão; reorganização de empresas; gestão financeira; estratégias de compensação pela cessação de vínculo laboral; consultoria sobre segurança e higiene no trabalho; concepção de programas contabilísticos e de processos de controlo orçamental; objectivos e políticas de marketing; gestão de recursos humanos”. Ou seja, tem, sem dúvida, um âmbito de aplicação bastante amplo, conforme, de resto, entende a jurisprudência. Vide, em particular, o Acórdão proferido, pelo Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do processo n.º 45388/19.5YIPRT.P1 (de 25/02/2021):

            “o contrato de consultoria aquele pelo qual o consultor se compromete, sem constrangimento de subordinação, a prestar um trabalho intelectual de aconselhamento, com carácter pessoal, por si ou através dos seus colaboradores, e sendo profissional terá como contrapartida uma retribuição. O contrato de consultoria tem um âmbito de aplicação muito amplo, podendo ser dirigido, entre outros fins, para a definição de modelos de gestão, realização de negócios ou estratégias de investimento. O mesmo assenta numa relação de confiança e pode ter um carácter esporádico ou continuado. (...)”.

  1. Ora, compulsados os autos, em particular relativamente aos serviços prestados pelo Requerente para a entidade E..., S.A. e conforme demonstrado pelos testemunhos de D... e, em especial de  H... (a única testemunha arrolada sem qualquer vínculo laboral com as três entidades referidas: E..., S.A.,   F..., S.A. e C...) , verifica-se que os serviços prestados pelo Requerente visaram, precisamente, a “realização de negócios ou estratégias de investimento”, dado que o Requerente ficou responsável por (i) analisar o mercado e encontrar uma nova estratégia de investimento, com a escolha de uma nova linha de negócios para a E..., S.A. especificamente vocacionada para a venda de cadeiras gaming, (ii)  encontrar um fornecedor de cadeiras gaming (G..., LDA.) e (iii) da negociação do contrato celebrado entre a E..., S.A. e o fornecedor. Tais atividades têm enquadramento na atividade de consultor, conforme definido pelo CAE - REV. 3 e pela jurisprudência supra citada. Note-se, porém, que, conforme referido acima, existem diversas incongruências na prova documental e testemunhal produzidas, pelo que não é possível a este Tribunal criar uma convicção de que foi, efetivamente, prestada uma outra atividade. Resulta, pois, claro que a atividade de “consultor” consta especificamente da tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS (código 1320) e, como tal, é aplicável o coeficiente 0,75 constante do art. 31º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS.
  2. Relativamente aos serviços prestados pelo Requerente para a entidade F..., S.A., importa, uma vez mais, reiterar a existência de manifestas incongruências relativamente à atividade exercida. Essas incongruências existem na prova documental constante dos autos e sai reforçada na prova testemunhal produzida.
  3. De facto, na primeira resposta ao pedido de esclarecimentos da AT, o Requerente indica que os serviços prestados consistiram na “elaboração de trabalhos de acompanhamento, estratégia e desenvolvimento do negócio da empresa, com deslocações a lojas e interação”. Tal explicação fez com que a AT - e bem - enquadrasse os serviços prestados na definição jurisprudencial e legal (CAE- Rev 3) de consultoria. Porém, feito este mesmo enquadramento pela AT, o Requerente vem, expressamente, referir que os serviços prestados consubstancia-se no “desenvolvimento de aplicação informática de software, além da respetiva incorporação/instalação do software por si desenvolvido e formação de pessoal colaborador das lojas do adquirente de bens e de serviços, com deslocações associadas” (facto provado P).
  4. No entanto, relativamente aos serviços prestados pelo Requerente para a   F..., S.A., a testemunha D... vem referir que não foram prestados quaisquer serviços de consultoria informática, tendo acrescentado que “a consultoria informática ali (em relação aos serviços prestados) não servia para nada”.
  5. Relativamente à “formação de pessoal”, a testemunha I... referiu que a formação não visava “ensinar” a equipa mas, isso sim, constituir a equipa e escolher os elementos das equipas da loja. A decisão final relativamente à escolha do pessoal a integrar as equipas da loja era, de acordo com esta testemunha, uma das tarefas a cargo do Requerente. De acordo com esta testemunha era o Requerente que tinha a “palavra final (...) na definição da equipa”.  No entanto, o Requerente, nas suas declarações de parte, indicou que “(...) foi desafiado para escolher a equipa ideal e aí não sendo a minha decisão a decisão final”.
  6. A formação / ensinamento seria, isso sim, feita nas lojas pelos store managers e pela própria J... e não pelo Requerente, isto de acordo com a testemunha I... . No entanto, o Requerente acabou por indicar que formava no sentido de “ensinar” na utilização de uma ferramenta informática (Power BI).
  7. Todas estas incongruências não permitem criar uma convicção de qual foi, efetivamente, a atividade exercida. Ademais, o enquadramento efetuado pela AT não merece censura em virtude do mesmo ter sido efetuado com base em declarações do próprio Requerente.
  8. Em suma, o Requerente não produziu prova suficiente para demonstrar qual foi efetivamente a atividade por si exercida. Em face do exposto, o pedido arbitral mostra-se totalmente improcedente.

 

  1. DECISÃO

Termos em que se decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e absolver a Requerida de todos os pedidos.

 

 

  1. VALOR DA CAUSA

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT (aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) e no artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €7.219,97 indicado no PPA pela Requerente.

  1.   CUSTAS

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT, 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e da Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas arbitrais em 612,00, ficando as mesmas totalmente a cargo dos Requerentes.

Notifique-se.

Lisboa, 03 de Fevereiro de 2025

O Árbitro,

 

 Gonçalo Estanque